CENTRO DE AQUICULTURA DA UNESP
ESTUDO MORFOLÓGICO E HISTOQUÍMICO
DO TUBO DIGESTIVO DE
ELEUTEROEMBRIÕES E LARVAS DE
Leporinus obtusidens
(VALENCIENNES, 1836)
Renata Alari Chedid
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
–
UNESP
CENTRO DE AQUICULTURA DA UNESP
ESTUDO MORFOLÓGICO E HISTOQUÍMICO
DO TUBO DIGESTIVO DE
ELEUTEROEMBRIÕES E LARVAS DE
Leporinus obtusidens
(VALENCIENNES, 1836)
Renata Alari Chedid
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Vicentini
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação
em Aquicultura do Centro de
Aquicultura da UNESP -
CAUNESP, como parte dos
requisitos para obtenção do
Título de Mestre.
Chedid, Renata Alari
C514e Estudo Morfológico e Histoquímico do tubo digestivo de eleuteroembriões e larvas de Leporinus obtusidens (Valenciennes, 1836) / Renata Alari Chedid. - - Jaboticabal, 2012
66 f. : il. ; 29 cm
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Centro de Aquicultura, 2012
Orientador: Carlos Alberto Vicentini
Banca examinadora: Bruno Cesar Schimming, Maíra Aparecida Stefanini
Bibliografia
1. Histologia. 2. Histoquímica. 3. Canal alimentar. 4. Anostomidae. I. Título. II. Jaboticabal-Centro de Aquicultura.
CDU 639.31
Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação –
a f a l t a d e a l gu ém qu e o qu e m a i s qu er em os é t i r a r est a p essoa d e n ossos son h os
e a br a çá -l a .
Son h e com a qu i l o qu e v ocê qu i ser . Sej a o qu e v ocê qu er ser , p or qu e v ocê p ossu i a p en a s u m a v i d a
e n el a só se t em u m a ch a n ce d e f a z er a qu i l o qu e se qu er .
T en h a f el i ci d a d e ba st a n t e p a r a f a z ê-l a d oce. D i f i cu l d a d es p a r a f a z ê-l a f or t e.
T r i st ez a p a r a f a z ê-l a h u m a n a . E esp er a n ça su f i ci en t e p a r a f a z ê-l a f el i z .
A s p essoa s m a i s f el i z es n ã o t êm a s m el h or es coi sa s.
El a s sa bem f a z er o m el h or d a s op or t u n i d a d es qu e a p a r ecem
em seu s ca m i n h os.
A f el i ci d a d e a p a r ece p a r a a qu el es qu e ch or a m . P a r a a qu el es qu e se m a ch u ca m .
P a r a a qu el es qu e bu sca m e t en t a m sem p r e. E p a r a a qu el es qu e r econ h ecem
a i m p or t â n ci a d a s p essoa s qu e p a ssa m p or su a s v i d a s. O f u t u r o m a i s br i l h a n t e
é ba sea d o n u m p a ssa d o i n t en sa m en t e v i v i d o. V ocê só t er á su cesso n a v i d a
qu a n d o p er d oa r os er r os e a s d ecep ções d o p a ssa d o.
A v i d a é cu r t a , m a s a s em oções qu e p od em os d ei x a r d u r a m u m a et er n i d a d e.
A v i d a n ã o é d e se br i n ca r p or qu e u m bel o d i a se m or r e.
A os m eu s p a i s J
Jor ge e L en i
p el o a m or i n con d i ci on a l e
p or sem p r e a cr ed i t a r em em m i m ...
A m i n h a i r m ã D a n i el a
P el a a m i z a d e e a p oi o...
A os m eu s a v ós Ot a cí l i o e V i l m a
P or m a n t er em n ossa f a m í l i a sem p r e u n i d a ...
A o m eu n oi v o RR i ca r d o
P el o a m or , a m i z a d e e a p oi o con st a n t e.
Of er eço e D ed i co
"O v a l or d a s coi sa s n ã o est á n o t em p o em qu e el a s d u r a m , m a s n a i n t en si d a d e com qu e a con t ecem .
A o P
P r of . D r . Ca r l os A l ber t o V i cen t i n i
P el os en si n a m en t os t r a n sm i t i d os com segu r a n ça , m u i t a p a ci ên ci a e d ed i ca çã o, essen ci a i s p a r a o d esen v ol v i m en t o d est e t r a ba l h o. P el a a m i z a d e, a p oi o e com p r een sã o n os m om en t os m a i s d i f í cei s.
A gr a d eço a con f i a n ça e a t en çã o.
“ T a l v ez m ei o ca m i n h o a n d a d o, sej a a gen t e a cr ed i t a r n o qu e f a z . M a s a ci m a d e t u d o, o qu e m a i s n os i n cen t i v a , qu e m a i s n os v a l or i z a e t a m bém m a i s n os t or n a con sci en t es d e n ossa r esp on sa bi l i d a d e, é sa ber qu e ou t r os cr êem em n ós. E n ã o h á
p a l a v r a s qu e d escr ev a m o qu e sen t i m os a o sa ber d os sa cr i f íci os a qu e el es se i m p õem p or cr er em n ã o a p en a s em n ós, m a s t a m bém n o qu e cr em os.”
AGRADECIMENTOS
x A Deus.
x Aos meus pais, Jorge Abdo Chedid e Leni Lêda Alari Chedid, por serem meu porto seguro e me apoiarem sempre com amor, carinho, compreensão e sabedoria.
x À minha irmã, Daniela Alari Chedid, por estar sempre presente em minha vida, me proporcionando momentos de alegria e descontração.
x Aos meus avós, Otacílio Alari e Vilma de Paula Alari, que participaram ativamente da minha educação e me incentivaram a nunca desistir dos meus sonhos.
x Aos meus tios, Ivan Márcio Alari, Leila Mariza Alari da Silva, Liana Léia Alari Faria e Ivair José Alari, pelo incentivo e orações.
x Ao meu noivo, Ricardo Hideo Mori, pelo incentivo constante, amor e dedicação e por me presentear com a Mayu (minha cachorrinha).
x Ao meu orientador Prof. Dr. Carlos Alberto Vicentini, pelos ensinamentos e amizade.
x À Profa. Dra. Irene Bastos Franceschini Vicentini, pela grande contribuição científica e conselhos valiosos.
x Ao nosso técnico, Antônio Carlos do Amaral, pela atenção dispensada sempre que precisei.
x A todos os amigos do Laboratório de Morfologia de Organismos Aquáticos (LAMOA), pela companhia, sugestões e momentos de descontração.
x Ao meu orientador da graduação, Prof. Dr. Alexandre Ninhaus Silveira, por me iniciar na vida acadêmica e pela amizade e carinho.
e material de coleta.
x Ao Laboratório de Microscopia Eletrônica da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, pelas análises em MEV.
x Ao Centro de Microscopia Eletrônica do Instituto de Biociências da UNESP, Campus de Botucatu, pelas análises estereoscópicas.
x Ao Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros Continentais – ICMBio
(Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Pirassununga, SP, pelas coletas de embriões.
x À Estação de Hidrobiologia e Aqüicultura da Companhia Energética de São Paulo (CESP), Jupiá, SP, pelas coletas de eleuteroembriões e larvas.
x Ao Centro de Aquicultura da UNESP (CAUNESP), onde realizei meu mestrado.
x A banca examinadora, Prof. Dr. Bruno Cesar Schimming, Prof. Dr. Maíra Aparecida Stefanini e Prof. Dr. Rogério Caetano da Costa, pelo cuidado na correção e excelentes sugestões, enriquecendo esse trabalho.
x Ao CNPq, pelo auxílio concedido em forma de bolsa.
x A todos os professores da graduação e pós-graduação, por seus ensinamentos
x Aos amigos da graduação e pós-graduação, pela companhia.
x A um amigo muito especial, cuja participação nesse trabalho foi imprescindível, Claudemir Kuhn Faccioli, muito obrigada por sua amizade.
x A todos que contribuíram de alguma forma para realização deste trabalho, meus sinceros agradecimentos.
MUITO OBRIGADA!
SUMÁRIO
RESUMO...1
ABSTRACT...2
1. INTRODUÇÃO...3
1.1. Importância da larvicultura de peixes...3
1.2. Embriogênese...6
1.3. Ontogenia do sistema digestório de peixes...8
1.4. Características da espécie e relevância do estudo...10
4. OBJETIVOS...13
3. MATERIAL E MÉTODOS...14
3.1. Coleta do material...14
3.2. Análises estereoscópicas...15
3.3. Análises de microscopia eletrônica de varredura...16
3.4. Análises Histológicas...16
3.5. Análises Histoquímicas...17
4. RESULTADOS...18
4.1. Embriogênese...18
4.2. Morfologia externa de eleuteroembriões e larvas...25
4.3. Características histológicas e histoquímicas do tubo digestivo...30
a) Boca...31
b) Esôfago...34
c) Estômago...37
d) Intestino...41
e) Glândulas anexas...46
5. DISCUSSÃO...49
6. CONCLUSÕES...57
Dissertação Renata Alari Chedid
1
RESUMO
Leporinus obtusidens apresenta características zootécnicas interessantes e promissoras para o
cultivo em piscicultura. Na maioria das espécies cultivadas, as larvas, ao iniciarem a
alimentação exógena, são organismos cujo desenvolvimento ainda não se completou, razão pela qual os órgãos digestivos não estão totalmente definidos e o conteúdo enzimático ainda é deficiente. As pesquisas com larvas de peixes apontam para a alimentação como o fator de
maior importância a ser considerado durante o desenvolvimento inicial, pois os organismos estão na fase de diferenciação estrutural e funcional do sistema digestório. Assim o objetivo
deste trabalho foi analisar as características histológicas e histoquímicas do tudo digestivo de
Leporinus obtusidens nas fases iniciais do desenvolvimento. As amostras foram fixadas em
solução de Karnovsky e processadas para análises histológicas e histoquímicas. A eclosão dos
eleuteroembriões de L. obtusidens ocorreu às 15 horas após a fertilização (28°C) e as reservas
de vitelo foram observadas até 120 horas após a eclosão (HAE). A boca sofreu modificações
na posição, passando de ventral para subterminal. Com relação ao esôfago, foi possível observar as primeiras células caliciformes com 48 HAE e a partir de 64 HAE intensa positividade ao PAS e ao AB. A partir de 30 HAE foi possível observar o primórdio do
estômago, caracterizado pela substituição do epitélio esofágico estratificado por epitélio gástrico simples, com presença de poucas células caliciformes. Com 96 HAE foi observada
intensa reação ao PAS no epitélio de revestimento do estômago, o que indica funcionalidade do órgão. Quanto ao intestino, foi observado um desenvolvimento lento, as primeiras células caliciformes foram observadas com 96 HAE. Os cecos pilóricos foram evidenciados com 240
HAE. As larvas de L. obtusidens estão morfologicamente prontas para sobreviver com
alimentação exógena a partir do quarto dia após a eclosão.
Dissertação Renata Alari Chedid
2
ABSTRACT
Leporinus obtusidens husbandry has characteristics very interesting and promising for
cultivation in aquaculture programs. Most of the cultivated species, the larvae begin to feed
exogenously, are organisms whose metamorphosis is not complete, which is why the digestive organs are not fully defined and the enzyme content is still deficient. The studies
with fish larvae feeding point to as the most important factor to be considered during early development, because the organisms are in the process of structural and functional differentiation of the digestive system. Thus the objective of this study was to analyze the
histological and histochemical features of digestive L. obtusidens in all stages of
development. Samples were collected in the Hydrobiology and Aquaculture Station of
Companhia Energetica de São Paulo (CESP) Jupiá, SP. The samples were fixed in Karnovsky solution, processed for histological and immunohistochemical analysis. The outbreak of eleuteroembryo L. obtusidens occurred approximately 15 hours after fertilization (28 ° C) and
the yolk reserves were observed up to 120 HAE. The mouth has undergone successive changes during development, the ventral position to the subterminal position. With regard to
the esophagus, it was possible to observe the first goblet cells with 48 HAE and and starting at 64 HAE intense positivity to PAS and AB. From 30 HAE was possible to observe the beginnings of the stomach, characterized only by the substitution of an esophageal epithelium stratified by gastric epithelium simple with cuboidal cells, with little presence of goblet cells.
Was observed with 96 HAE intense reaction to PAS in the epithelium lining of the stomach, indicating functionality of the organ. As the intestine, we observed a slow development, the
first goblet cells were observed with 96 HAE. The pyloric caeca were seen with 240 HAE. The results showed that larvae of L. obtusidens are morphologically ready to survive on
exogenous feeding from the fourth day after hatching.
Dissertação Renata Alari Chedid
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1. INTRODUÇÃO
1.1. Importância da Larvicultura de Peixes:
A piscicultura tem se destacando nos últimos anos como uma alternativa para o
repovoamento de corpos d’água (rios, lagoas, etc.) cuja população natural de peixes
reduziu-se devido a pesca predatória, bem como pela construção de usinas hidrelétricas e barragens que impedem a piracema, afetando a reprodução e a manutenção das populações de peixes. As
consequências geradas pela redução na oferta de peixes, não ficam somente no âmbito ambiental, mas também no social, por excluir as comunidades de pescadores que sobreviviam desta atividade.
Segundo Beerli et al. (2004), o Brasil possui grande potencial hídrico e climático, o que possibilita a criação de diversas espécies de peixes. Contudo, a piscicultura ainda
apresenta resultados modestos de desenvolvimento, devido aos processos de produção adotados e a falta de informações sobre as espécies nativas com potencial zootécnico. Mesmo com o aprimoramento das técnicas de reprodução, alimentação e manejo na piscicultura,
muitos problemas ainda precisam ser resolvidos, principalmente com relação à larvicultura. Diversos fatores interferem na sobrevivência das larvas de peixes, tornando a larvicultura um
forte ponto de estrangulamento na produção de grandes quantidades dejuvenis.
As pesquisas com larvas de peixes apontam para a alimentação como o fator de maior importância a ser considerado durante o desenvolvimento inicial (CESTAROLLI et al., 1997;
LUZ e ZANIBONI FILHO, 2001; JOMORI et al., 2003), pois os organismos estão em fase de diferenciação estrutural e funcional do sistema digestório, os quais, na maioria das espécies, passa da alimentação endógena (vitelo) para a alimentação exógena (KAMLER, 1992). A
(SÁNCHEZ-4
VELASCO, 1998).De acordo com Wootton (1998), além da diferenciação do tubo digestivo, a posição, a forma e o tamanho da boca estão diretamente relacionados à dieta apresentada pela espécie. Em larvas iniciais de Apareiodon affinis ocorre a migração da boca da posição
terminal para inferior, para facilitar a captura do alimento (SANTIN et al., 2004).
Na maioria das espécies criadas, as larvas, ao iniciarem a alimentação exógena, são
organismos cuja diferenciação ainda não se completou, razão pela qual os órgãos digestivos não estão totalmente definidos e o conteúdo enzimático ainda é deficiente (DABROWSKI, 1984). Alguns autores sugeriram que as larvas utilizariam enzimas da presa ingerida para
facilitar seu processo de digestão, enquanto desenvolveriam seu próprio sistema digestório (DABROWSKI, 1984; PERSON-LE RUYET, 1989; GALVÃO et al., 1997a).
Posteriormente, outros autores demonstraram que a contribuição de enzimas exógenas no trato digestório de "sea bass", Dicentrarchus labrax (CAHU e ZAMBONINO-INFANTE,
1995) e de Sardinops melanoticus (KUROKAWAet al., 1998) não era significativa.
O conhecimento do desenvolvimento do sistema digestório durante as fases iniciais é fundamental para o embasamento e aplicação do manejo alimentar, e para a compreensão das
exigências nutricionais dos peixes nas várias fases do ciclo de vida (ZIMMERMANN e JOST, 1998). Segundo Dabrowski (1984), durante o desenvolvimento larval ocorrem mudanças nos processos de digestão, absorção e assimilação dos compostos químicos. As mudanças estruturais do canal alimentar que ocorrem ao longo do tempo, caracterizam
diferentes adaptações funcionais às dietas (GOVONI et al., 1986).
De acordo com Galvão et al. (1997b), o lento desenvolvimento e a ausência de
Dissertação Renata Alari Chedid
5
de melhores técnicas para a produção de larvas e de juvenis que, consequentemente, propiciarão maiores chances de sucesso na larvicultura (DABROWSKI, 1984).
Ainda, nos estudos que envolvem o desenvolvimento inicial de peixes, não há um
consenso sobre a terminologia a ser utilizada para classificar essas primeiras fases de vida dos animais. Uma classificação ainda utilizada é a proposta por Woynarovich e Horváth (1983),
onde o período larval compreende o momento a partir da eclosão até a primeira alimentação exógena. Posteriormente, até o início do período juvenil é definido pelos autores como sendo o período de pós-larva.
Outra classificação, proposta por Balon (2002), identifica o período larval a partir do início da alimentação exógena. De acordo com o autor, a fase endotrófica denomina-se
eleuteroembrião (indivíduos eclodidos e dependentes de nutrição vitelina). Neste caso, a eclosão não deve ser comparada ao parto de mamíferos pois pode ser alterada por estímulos internos e externos do ambiente.
Um problema relatado por Gomes et al. (2003), diz respeito a nomenclatura utilizada para a produção e comercialização de indivíduos iniciais de peixes brasileiros. Diante da
discordância na classificação inicial de peixes, o autor propôs nomeá-los pelo seu comprimento, fazendo uma adaptação entre o que é biologicamente correto e o que é normalmente utilizado.
Diante do exposto, no presente estudo, será utilizada a terminologia proposta por
6
1.2. Embriogênese
Com a entrada do primeiro espermatozóide pela micrópila inicia-se no ovócito uma movimentação citoplasmática intensa em direção à micrópila formando os pólos animal e
vegetativo (KIMMEL et al., 1995). Nos ovócitos encontram-se os alvéolos corticais alinhados formando o citoplasma cortical (IWAMATSU, 2004). Eles são ativados após a fertilização e
se rompem liberando seu conteúdo entre o córion e a membrana do ovo, num evento denominado reação cortical (HART, 1990).
De acordo com Laale (1980) e Iwamatsu (2004) a elevação do córion, iniciada pela
reação cortical, forma o espaço perivitelino. Esse espaço aumenta de tamanho principalmente pela absorção da água. Laale (1980) atribuiu ao espaço perivitelino funções de proteção ao
embrião, nutrição, regulação osmótica e flutuação, além de prevenir a poliespermia. Após os eventos desencadeados pela fertilização, o ovo passa a sofrer alterações que incluem clivagens, movimentações celulares e formação dos primórdios dos órgãos (GANECO, 2003).
A clivagem dos ovos de peixe é do tipo meroblástica ou parcial por ocorrer apenas no pólo animal (BALINSKY, 1970; LAGLER, 1959). A primeira clivagem divide o blastodisco
em duas células, de igual tamanho. As clivagens se iniciam do centro para as bordas do blastodisco (SHARDO, 1995) e o número de blastômeros aumenta enquanto seu tamanho diminui (CASTELLANI et al., 1994).
A camada sincicial do vitelo possui uma grande importância para o desenvolvimento
embrionário dos teleósteos e aparece em diferentes fases do desenvolvimento dependendo da espécie. Ela separa o vitelo do embrião, assim como todos os nutrientes provenientes do vitelo
passam através da camada sincicial para atingir a blastoderme (DEVILLERS, 1961;
TRINKAUS, 1993). Além disso, serve como “motor” para o movimento de epibolia
(movimento da blastoderme unidirecional e progressivo , do pólo animal ao vegetativo)
Dissertação Renata Alari Chedid
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citoplasmática contínua localizada entre o blastodisco e o vitelo, formada pela divisão incompleta do citoplasma do blastodisco. Inicialmente tem a forma de um anel ao redor do blastodisco, mas com o desenvolvimento, esta se espalha por baixo de toda a blastoderme
(KIMMEL et al., 1995).
A fase de gástrula é caracterizada pelos movimentos de epibolia, migração celular e
formação dos folhetos germinativos (IWAMATSU, 2004; KIMMEL et al. 1995; SHARDO, 1995). O movimento de epibolia se inicia no final da blástula (SOLNICA-KRESEL e DRIEVER, 1994). Com 50% de epibolia, iniciam-se os movimentos de migração celular,
formando duas camadas: a superior ou epiblasto e a inferior ou hipoblasto (WARGA e KIMMEL, 1990; SHARDO, 1995).
Ao término da fase de gástrula surgem os tecidos mesodermais que se alongam em ambos os lados da notocorda organizando-se em segmentos denominados somitos (GALMAN e AVTALION, 1989). As regiões do prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo são formadas
pela expansão do tubo neural como descrito em Brachidanio rerio (KIMMEL et al.,1995).
Após estes eventos o embrião se encontra apto a eclodir e então se inicia a fase de
eleuteroembrião. As larvas, além de serem morfologicamente muito diferentes dos adultos, apresentam exigências ecológicas distintas, com particularidades quanto ao habitat, alimentação e comportamento (LEIS e TRNSKI, 1989). Além disso, a grande similaridade entre larvas de espécies diferentes e a falta de literatura comparativa dificultam ainda mais os
8
1.3. Ontogenia do Sistema Digestório de Peixes:
Durante o processo de desenvolvimento dos peixes, podem ser observadas mudanças em seus hábitos alimentares ou nas suas dietas e adaptações morfológicas no sistema
digestório (CAVICCHIOLI e LEONHARDT, 1993). À medida que o animal cresce, acontecem modificações substanciais na estrutura e no comprimento do tubo digestivo. Na
maioria das espécies de peixes, após a eclosão, o tubo digestivo apresenta-se indiferenciado, como um tubo simples e reto, como em Prochilodus scrofa (CAVICCHIOLI e
LEONHARDT, 1993); Bryconamericus aff. iheringi (BORGES et al., 2006); Hoplias aff.
lacerdae e Lophiosilurus alexandri (NEVES, 1996). Contudo, o grau de diferenciação da
larva recém-eclodida varia entre as espécies, dependendo do tamanho do ovo (BLAXTER,
1969). Espécies que apresentam ovos pequenos e alta fecundidade têm o desenvolvimento embrionário mais rápido e larvas menos desenvolvidas, enquanto as que apresentam ovos grandes e baixa fecundidade têm desenvolvimento embrionário prolongado e maior grau de
desenvolvimento das larvas (SATO et al., 2003).
Segundo Baldisserotto (2002), após a eclosão, a digestão é muito rudimentar, sendo
que o intestino apresenta-se curto e as células da mucosa intestinal são pouco diferenciadas. Na maioria das larvas, durante a fase de primeira alimentação, o trato digestório apresenta baixa atividade de enzimas digestivas (GORDON e HECHT, 2002). Porém, em larvas de tilápia, Oreochromis niloticus, Tengjaroenkul et al. (2002) detectaram atividade de seis
enzimas digestivas antes do início da alimentação exógena, indicando que enterócitos podem produzir enzimas digestivas nesta fase, particularmente peptidase e fosfatase alcalina.
Em experimentos realizados sobre o desenvolvimento ontogenético do tubo digestivo
de Hoplias aff. lacerdae (trairão), Neves (1996) observou que no primeiro dia pós-eclosão, o
Dissertação Renata Alari Chedid
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compreende um túbulo retilíneo com mucosa desprovida de pregas e aos três dias de vida, a mucosa pregueada do estômago apresenta epitélio prismático simples.
Estudos morfológicos demonstraram que o epitélio de revestimento do esôfago é
colunar simples em Chelmon rostratus (TAN e TEH, 1974), e Hoplosternum thoracatum
(HUEBNER e CHEE, 1978). Entretanto, em larvas de Oreochromis niloticus, o esôfago é
revestido por um epitélio pavimentoso estratificado (MORRISON et al., 2001). Segundo Mangetti (2006), o esôfago de larvas de Pseudoplatystoma coruscans apresenta-se revestido
por epitélio pavimentoso estratificado, com células secretoras, enquanto que na região onde se
inicia o primórdio do estômago ocorre uma abrupta mudança do epitélio pavimentoso estratificado para prismático simples.
Petrini (1961) observou no estômago de Plecostomus plecostomus que o epitélio era
do tipo pavimentoso simples, tornando-se colunar simples na região pilórica. As invaginações do epitélio formam fossetas gástricas, onde desembocam a secreção das glândulas gástricas
(DOMITROVIC e MOREIRA, 1984; MANGETTI, 2006).
Em relação ao intestino de peixes existem diferentes critérios e grande discordância na
literatura referente aos segmentos intestinais. Alguns estudos estão fundamentados em características anatômicas, outros na histologia, e ainda outros em considerações funcionais (LOGATO, 1995). Segundo critérios histofisiológicos, o intestino pode ser dividido em três segmentos: primeiro segmento ou proximal (60-75% do comprimento total), segundo
segmento ou médio (20-25%) e terceiro segmento ou distal (5-15%) (STROBAND e DABROWSKI, 1979).
Ainda de acordo com o critério histofisiológico, o primeiro segmento do intestino encontra-se relacionado com a absorção de gorduras (NACHI, 1988). O epitélio colunar simples apresenta-se constituído por células absortivas e células caliciformes
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responsável pela absorção de macromoléculas protéicas (STROBAND e KROON, 1981; STROBAND e van der VEEN, 1981). O terceiro segmento encontra-se relacionado com a absorção de água e eletrólitos. Nesse segmento o epitélio difere dos demais por apresentar
maior número de células caliciformes (AL-HUSSAINI, 1949). Alguns autores observaram a presença de células caliciformes no intestino médio e no intestino posterior, com diferentes
distribuições, de acordo com a espécie estudada: Dicentrarchus labrax (VU, 1980),
Pseudoplatystoma coruscans (SANTOS e GODINHO, 1994), Sparus aurata
(SARASQUETE et al., 1995), Pseudoplatystoma coruscans (MANGETTI, 2006).
As mucossubstâncias digestivas são predominantemente compostas por glicoconjugados e provavelmente estão envolvidas em diversos processos fisiológicos, entre
os quais lubrificação, digestão, promoção da absorção macromolecular, tampão de fluido intestinal, prevenção de danos proteolíticos ao epitélio e defesa contra bactérias e outros agentes patogênicos. Assim, a região apical do epitélio gastrointestinal de peixes e seus
glicoconjugados secretados têm um papel fundamental na mediação das relações entre o ambiente externo e o corpo (DOMENEGHINI et al., 2005).
1.4. Características da Espécie e Relevância do Estudo:
A família Anostomidae, relacionada dentro da ordem dos Characiformes, compreende
um grupo de 12 gêneros e apresenta uma ampla distribuição na América do Sul e Central, com representantes em todas as bacias brasileiras. Dentre os gêneros da ordem dos Characiformes, Leporinus apresentam maior número de espécies, com 87 de espécies válidas
(GARAVELLO e BRITSKI, 2003). O gênero Leporinus destaca-se ainda pela presença de
algumas espécies com grande valor econômico tais como Leporinus elongatus; L.
Dissertação Renata Alari Chedid
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Segundo Reynalte-Tataje et al. (2001), espécies do gênero Leporinus em especial L.
elongatus, L. macrocephalus e L. obtusidens, apresentam características zootécnicas bastante
interessantes e promissoras para a criação em programas de piscicultura, entre elas a
facilidade de reprodução em cativeiro (reprodução induzida), idade e tamanho na maturidade sexual, tolerância ao manejo e fácil aceitação da ração na fase adulta. Porém a larvicultura
ainda é rudimentar com alto índice de mortalidade, impossibilitando a produção de alevinos em larga escala.
A espécie Leporinus obtusidens é conhecida popularmente como piava, piavuçu,
piabaçu, piarauçu, piapara ou boga. Está amplamente distribuída na Colômbia, Guiana, Uruguai e no Brasil, na Amazônia e Rios Araguaia, São Francisco, Paraguai, Paraná, Grande,
Pardo, Parnaíba, Tietê e Mogi-Guaçu (GODOY, 1987; NOMURA, 1984). É um peixe de piracema, com período de reprodução entre os meses de outubro e fevereiro. Possui corpo alongado e fusiforme, apresenta coloração prateada com nadadeiras amareladas. Alcançam
em média 40 cm de comprimento e 1,5 kg; sendo que indivíduos maiores relatados chegaram a 80 cm e 6 kg. A exemplo das demais espécies do gênero Leporinus, possuem hábito
alimentar onívoro, alimentando-se de insetos, restos de peixes e vegetais (SANTOS, 1992). Outros autores, por meio de pesquisas de conteúdo estomacal, classificam esse peixe como onívoro de amplo espectro, o que, do ponto de vista da nutrição, proporciona vantagem no aproveitamento dos alimentos (ANDRIAN, 1994; RIBEIRO, 2001).
Das espécies nativas criadas no Brasil, L. obtusidens é amplamente preconizada para
pisciculturas, principalmente nos estados da região Sudeste e Sul, pois em cativeiro
apresentam bom ganho em peso e boa conversão alimentar, podendo atingir mais de 1,0 kg de peso vivo no período de um ano (MOREIRA, 2001). Além da importância comercial, L.
12
Muitos estudos ainda são necessários para fundamentar o sistema de criação de L.
obtusidens, principalmente em relação à larvicultura. Dessa forma o objetivo desse trabalho
foi proporcionar conhecimentos a respeito do desenvolvimento morfológico inicial, em
13
2. OBJETIVOS
Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi descrever a ontogênese do sistema
digestório de Leporinus obtusidens, para alcançar uma melhor compreensão de sua
organização e funcionalidade, fornecendo bases para futuros estudos nutricionais em
larvicultura.
Assim, o presente trabalho analisou:
• As características morfológicas externas de embriões, eleuteroembriões e larvas de L.
obtusidens, com ênfase na posição, formato e tamanho da boca, narinas, olhos e botões
gustativos.
• As características histológicas do desenvolvimento dos órgãos do trato digestório e
suas modificações estruturais.
• As características histoquímicas do tubo digestivo em eleuteroembriões e larvas de L.
14
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1. Coleta de Material
As coletas de embriões, eleuteroembriões e larvas de L. obtusidens, foram realizadas
na Estação de Hidrobiologia e Aquicultura da Companhia Energética de São Paulo (CESP),
Jupiá, SP (Fig. 1 A), e no Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros Continentais –
ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Pirassununga, SP (Fig. 1 B), durante o período reprodutivo, nos anos de 2009 e 2010.
Figura 1. A: Estação de Hidrobiologia e Aquicultura da Companhia Energética de São Paulo (CESP), Jupiá, SP; B: Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros Continentais –
ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Pirassununga, SP.
Os reprodutores foram submetidos à fertilização induzida com solução de macerado de hipófise de carpa, Cyprinus carpio, sendo que as fêmeas receberam duas aplicações nas
dosagens de 0,5 mg e 5 mg/kg de peso vivo, respectivamente, com um intervalo de 10 horas.
Os exemplares machos foram induzidos, com uma única aplicação na dosagem de 1 mg/kg de peso vivo, no momento da segunda aplicação das fêmeas. Após aproximadamente 10 horas da
última dosagem indutora, foi efetuada a extrusão dos óvulos e a retirada do sêmen.
Para a fertilização foi utilizado o método “a seco”, onde os óvulos foram misturados
Dissertação Renata Alari Chedid
15
espermatozóides e hidratação dos óvulos. Após a lavagem para retirada do excesso de sêmen, os ovos foram incubados em incubadoras horizontais (Fig. 2).
Figura 2. Incubadoras horizontais (instalações do CEPTA – ICMBio)
As amostras de embriões foram retiradas a cada 15 minutos nas duas primeiras horas
de desenvolvimento, posteriormente a cada hora até a eclosão. Após o momento da eclosão as amostras foram colhidas em intervalos de 4 horas até o 11º dia, intervalos de 6 horas até o 18º dia e de 24 horas até 32º dia. Para cada amostra, foram coletados entre dez e quinze
exemplares. Os animais foram anestesiados em solução de benzocaína a 0,01% e imediatamente fixados em solução de Karnovsky modificado (10% de glutaraldeido a 25%,
40% de tampão fosfato com pH 7,2 e 0,2M e 50% de paraformaldeido a 8%). Os animais fixados em Karnovsky modificado foram transferidos para a solução de álcool 70% e conservados em geladeira para estudos histológicos, histoquímicos e ultraestruturais.
3.2. Análises estereoscópicas
As análises das características morfológicas externas de embriões, eleuteroembriões e
16
3.3. Análises de microscopia eletrônica de varredura
Para complementar as análises das características morfológicas externas de eleuteroembriões e larvas, com destaque para a morfologia da cavidade bucal, narinas, olhos e
botões gustativos, os animais fixados em Karnovsky modificado, foram desidratados e montados em bases metálicas e, a seguir, metalizados com uma mistura coloidal de
ouro-paládio em aparelho Balzers MED-010. A análise e documentação do material foi realizada em microscópio eletrônico de varredura Jeol (modelo JSM-5410), do Centro de Microscopia Eletrônica da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de
Jaboticabal.
3.4. Análises Histológicas
As amostras fixadas em solução de Karnovsky e mantidos em álcool 70%, foram
submetidos à rotina de inclusão em historesina. Para tanto, dois exemplares de cada amostra
foram desidratados em séries graduadas de álcool, com três repetições: três banhos em álcool 80% (30 minutos cada), três banhos em álcool 90% (30 minutos cada), três banhos em álcool 95% (30 minutos cada) e três banhos em álcool absoluto (30 minutos cada). Em seguida,
foram mantidos por 24 horas em solução de pré-infiltração de resina e álcool absoluto, na proporção 1:1. A seguir, as amostras permaneceram por 24 horas em solução de infiltração de resina para posteriormente serem incluídas em histomoldes contendo resina com solução
endurecedora, sendo mantidos por 48 horas em estufa, a 60°C, para completar a polimerização da resina.
Dissertação Renata Alari Chedid
17
secções foram submetidas à rotina de coloração com azul de toluidina a 1% (AT) e hematoxilina de Harris e eosina (HE).
Após montagem das lâminas, estas foram observadas e fotografadas com auxílio de
fotomicroscópio Olympus BX40f4. As imagens foram capturadas com câmera Olympus DP12 para posterior análise e descrição dos resultados.
3.5. Análises histoquímicas
Estudos histoquímicos foram realizados por meio de reações de reativo Schiff (PAS) e Alcian Blue pH 2,5 (AB). As reações de PAS permitem evidenciar a presença de
mucossubstâncias neutras, que possuem grupo glicol em suas estruturas. As reações com AB permitem visualizar a presença de mucossubstâncias ácidas.
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4. RESULTADOS
4.1. Embriogênese
O período embrionário do L. obtusidens, da fertilização à eclosão, durou
aproximadamente 15 horas a 28ºC (Tab. 1). O desenvolvimento embrionário foi dividido em
seis estágios:zigoto, clivagem, gástrula, segmentação, incubação e eclosão.
Tabela 1: Descrição temporal do desenvolvimento embrionário Leporinus obtusidens, a
temperatura média de 28°C.
Tempo Estágio Descrição
20min Zigoto Migração do citoplasma com a formação do pólo animal
35min 2 blastômeros
45min 4 blastômeros
55min 8 blastômeros
1:05h Clivagem 16 blastômeros
1:20h 32 blastômeros
1:35h 64 blastômeros
1:55h mórula inicial
2:05h mórula final
3:05h 25% epibolia
4:05h 50% epibolia
5:05h Gástrula 75% epibolia
6:05h 90% epibolia
7:05h 100% epibolia (tampão vitelino)
8:05h 12 somitos
9:05h Segmentação 18 somitos
10:05h 21 somitos e cauda solta
11:05h 25 somitos ou mais
12:05h as
14:05h Incubação mais de 30 somitos, larva em crescimento
19
No momento da desova, os ovócitos mostraram-se esféricos e de coloração amarelada. Após a fertilização, observou-se a hidratação do ovo com aumento do espaço perivitelino, fusão dos pró-núcleos e reorganização citoplasmática com estabelecimento dos pólos animal e
vegetativo. O pólo animal é constituído pelo citoplasma ativo e um núcleo, podendo ser
identificado “in vivo” e em preparações, sob microscopia de luz, por apresentar-se mais
translúcido. Já o pólo vegetativo mostrou-se mais denso e com coloração mais clara (Fig. 3).
Figura 3. Embriões de Leporinus obtusidens minutos após a fertilização sob
estereomicroscópio. Legenda: mc– membrana coriônica. Barras A e B: 500μm
Aos 20 minutos após a fertilização, foram observadas as primeiras clivagens. Estas iniciaram do centro para as bordas do blastodisco. As clivagens foram do tipo meroblásticas. Com o decorrer das clivagens os blastômeros aumentam em número e diminuem de tamanho (Figs. 4 A e B), sendo que até a terceira clivagem as células apresentam certahomogeneidade
e a partir do quarto plano de clivagem, começam a ocorrer blastômeros heterogêneos. Verificou-se que os glóbulos de vitelo penetram nos blastômeros de forma fragmentada (Figs.
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Figura 4. Embriões de L. obtusidens em estágio de clivagem. A: estágio de clivagem com 4
células (sob estereomicroscópio); B: estágio de clivagem com 8 células (sob estereomicroscópio); C, D e E: secção de embrião em estágio de clivagem com 2 blastômeros, visualização da penetração dos glóbulos de vitelo nos blastômeros (HE); F e G: secção de embrião em estágio de clivagem com 8 blastômeros (HE). Legendas: bl –
blastômeros; v – vitelo; cabeça de seta - penetração dos glóbulos de vitelo fragmentados.
21
A presença de mais de 64 blastômeros caracterizou a fase de “stereoblastula” ou
mórula (Figs. 5 A e B). Nesta fase foi possível observar a formação da camada sincicial de vitelo ouperiblasto(Fig.5 B e C). Posteriormente observou-se o estágio de blástula (Fig. 5 D),
caracterizado pela formação da blastocele (surgimento de espaços irregulares entre os blastômeros). O final desse estágio é marcado pelo início do movimento de epibolia.
O estágio de gástrula foi caracterizado pelo movimento de epibolia (Fig. 6 A) e ocorrência dos movimentos morfogenéticos de convergência e involução celular, que produziram os primeiros folhetos e o eixo embrionário. Este estágio termina com o
fechamento completo do tampão vitelinopela blastoderme. Durante o processo de epibolia, a camada sincicial de vitelo expande-se junto com o embrião até recobrir toda a massa de
vitelo, formando o tampão vitelino (Figs. 6 B e C).
No estágio de segmentação ocorreu o desenvolvimento da vesícula óptica, dos somitos, da notocorda, do tubo neural, a delimitação intestinal inicial e alongamento do
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22
Figura 5. A, B e C: embrião em estágio de mórula, destaque para a formação da camada sincicial de vitelo e núcleos individualizados (A: foto sob estereomicroscópio; B: AT; C:
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Figura 6.A: embrião em estágio de gástrula (25% de epibolia) sob estereomicroscópio; B e C: secção de embrião em estágio de gástrula, mostrando fechamento do blastóporo (HE). Legendas: v - vitelo; csv - camada sincicial do vitelo; ba - blastoderme; bt – blastóporo.
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24
O estágio de incubação (Fig. 7) foi caracterizado pela presença de cauda livre, aproximadamente 20 somitos, vesícula óptica e ótica bem desenvolvidas, desenvolvimento do intestino posterior e crescimentodo embrião. Nesta fase a camada sincicial reveste o intestino
primordial. A notocorda se estendeu da região cefálica à caudal. Nos somitos iniciou-se o processo de miogênese para formação dos futuros músculos e o intestino primordial posterior
encontrava-se bem definido.
No estágio de eclosão os embriões demonstram movimentos bem vigorosos de natação, que são importantes para o rompimento do córion. A eclosão ocorreu 15 horas após
fertilização, à temperatura média de 28ºC.
Figura 7. Embrião com cerca de 20 somitos (foto sob estereomicroscópio), presença de vesícula óptica e cauda solta. Legendas: seta– vesícula óptica; s– somito; sv– saco vitelino;
25
4.2. Morfologia externa de eleuteroembriões e larvas
Após a eclosão os eleuteroembriões apresentavam-se transparentes, com coloração mais amarelada no saco vitelino e com comprimento médio de 2,97 ±0,1mm (Comprimento
Notocordal - CN). As medidas de comprimento notocordal dos animais apresentaram pouca variação até 120 horas após eclosão (HAE), evidenciando um desenvolvimento inicial bastante regular. Porém, a partir de então, as larvas começaram a apresentar um crescimento
variado (Fig. 8).
A análise estereoscópica dos eleuteroembriões de L. obtusidens demonstrou
pigmentação concentrada (melanóforos) nas extremidades cranial e caudal do saco vitelino e esparsa pigmentação na região ventral dos animais (Fig. 9). Também foram observados alguns pigmentos esparsos na região da cabeça e, com cerca de 18 HAE, observou-se intensa
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26
Figura 8. Vista lateral de Leporinus obtusidens, evidenciando o desenvolvimento de
eleuteroembriões e larvas. A: eclosão; B: 12 horas após a eclosão; C: 42 horas após eclosão;
27
Figura 9. Vista lateral de Leporinus obtusidens, evidenciando a pigmentação melanófora no
saco vitelino e início de pigmentação do olho. A: 4 horas após eclosão; B: 8 horas após a eclosão; C: 20 horas após eclosão. Destaque para aumento da pigmentação no olho (cabeça de seta) e pigmentação da região cranial e caudal do saco vitelino (setas). Barras: A: 500μm;
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28
Os estudos ultraestruturais foram desenvolvidos como proposta complementar aos estudos estereoscópicos, e possibilitaram a documentação de algumas características morfológicas externas tais como, o aparecimento do olho, da narina, dos botões gustativos e
das características anatômicas da boca de eleuteroembriões e larvas de Leporinus obtusidens.
Em eleuteroembriões com cerca de 10 HAE, foi possível observar as células
receptoras ciliadas na região das narinas (Figs. 10 A e B) e a partir de 32 HAE foi possível observar um aprofundamento progressivo do epitélio olfativo. Com cerca de 90 HAE, observou-se um estreitamento das paredes laterais na região medial da narina, formando as
câmaras anterior e posterior (Figs. 10 C e D). A presença do saco vitelino foi observada até cerca de 120 HAE, em exemplares medindo 5,17 ±0,15mm de comprimento notocordal.
Entretanto, mesmo antes da completa absorção da reserva de vitelo, foi possível observar alimento no interior da luz intestinal de larvas de L. obtusidens, com cerca de 96 HAE. Nesta
idade o tubo digestivo já apresentava esôfago diferenciado, com células caliciformes,
estômago com glândulas gástricas e superfície apical do epitélio de revestimento com secreção de mucossubstâncias. Entretanto, o intestino apresentava-se retilíneo, pouco
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Figura 10. Características ultraestruturais de larvas de Leporinus obtusidens.A: eclosão; B e
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30
4.3. Características histológicas e histoquímicas do tubo digestivo.
A análise das reações histoquímicas de eleuteroembriões e larvas de L. obtusidens
permitiu a observação de grande concentração de células caliciformes no epitélio esofágico.
Foi possível ainda visualizar a presença de uma camada PAS positiva na superfície apical do epitélio de revestimento do estômago a partir de 96 HAE. No intestino foi observada a
presença de poucas células caliciformes PAS e AB positivas. A tabela 2 apresenta um resumo das reações histoquímicas realizadas em eleuteroembriões e larvas L. obtusidens.
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a) Boca
Os cortes histológicos realizados no início do desenvolvimento do tubo digestivo de eleuteroembriões e larvas de L. obtusidens, evidenciaram as modificações sucessivas na
posição da boca, de ventral para a posição subterminal, conforme destacado na Figura 11.Os lábios (Figs. 12 C e D)de L. obtusidens nãosão pigmentados, apresentam muitaspapilas e se
dispõem bem próximos aos dentes, contornando-os. O lábio inferior é um pouco mais espesso (Figs. 12 C) e possui maior mobilidade que o superior. Na maxila superior de espécimes jovens de L. obtusidens há dois pares de dentes incisiformes alinhados em uma fileira única,
sendo o par medial maior que o par lateral (Fig. 12 A e D). Neuromastos (células receptoras ciliadas) foram visualizados concentrados na cabeça dos animais, principalmente próximo a
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32
Figura 11. Cortes longitudinais de eleuteroembriões e larvas de Leporinus obtusidens,
33
Figura 12. Características ultraestruturais de Leporinus obtusidens. A: 145 horas após a
eclosão B: neuromasto; C: 145 horas após a eclosão; D: 505 horas após a eclosão. Legendas:
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b) Esôfago
Após a eclosão, não foi possível, nos preparados histológicos, diferenciar o esôfago dos demais componentes do canal alimentar. Somente com a formação da luz intestinal, para
formar o intestino anterior, com cerca de 24 HAE, pôde-se observar a região do primórdio do esôfago, conectando a parte caudal do segmento bucofaríngeo à parte cranial do intestino
anterior (Fig. 13 A). Com o crescimento dos animais, o esôfago aumentou seu comprimento (Figs.13 C).
Nos eleuteroembriões foi possível observar, com cerca de 48 HAE, as primeiras
células caliciformes, apresentando secreção metacromática ao azul de toluidina (Fig. 13 B) e a partir de 64 HAE intensa positividade ao PAS e ao AB (Figs. 14 A-F). As células caliciformes
aumentaram em número com o desenvolvimento dos animais (Fig.13 E e F). Em relação à concentração das células mucosas, observou-se que estas estão mais concentradas na região posterior do esôfago e desaparecem na região de transição com o estômago (Fig. 13 D).
O epitélio esofágico apresenta-se estratificado com alta concentração de células caliciformes. O pólo basal das células epiteliais encontra-se apoiado na lâmina própria,
composta por tecido conjuntivo. Com o aumento da idade, a espessura da submucosa também aumenta. A camada muscular foi inicialmente observada com 48 HAE, sendo composta principalmente por musculatura circular. Com o desenvolvimento, o esôfago passou a apresentar a camada muscular composta por fibras estriadas com duas orientações:
35
Figura 13. Cortes longitudinais de Leporinus obtusidens, evidenciando o desenvolvimento do
esôfago (AT). A: 24 horas após a eclosão; B: 48 horas após a eclosão; C: 66 horas após a eclosão; D: 54 horas após a eclosão; E e F: 240 horas após a eclosão. Legendas: bf –
bucofaringe; ab – arcos branquiais; es – esôfago; sv – saco vitelino; e – epitélio; sm – sub
mucosa; m– camada muscular; et– estômago; c– coração; f– fígado; ml– camada muscular
longitudinal; mc – camada muscular circular; seta – boca; cabeça de seta – célula mucosa;
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36
Figura 14. Cortes longitudinais de esôfago de Leporinus obtusidens, evidenciando os
resultados histoquímicos. A: 192 horas após a eclosão (PAS + H); B: 240 horas após a eclosão (AB pH 2,5); C: 600 horas após a eclosção (AB pH 2,50); D: 600 horas após a eclosão (PAS + H); E e F: 720 horas após a eclosão, notar a associação de mucos neutros e ácidos nas células mucosas (*) (AB + PAS). Legendas: bf – bucofaringe; es – esôfago; et –
37
c) Estômago
A partir de 30 HAE é possível notar o estômago de L. obtusidens como uma extensão
do esôfago, sendo caracterizado apenas por conta da substituição do epitélio esofágico
estratificado por um epitélio gástrico simples de células cúbicas.
Com a diferenciação gástrica, foi evidenciado a presença de glândulas gástricas, em
exemplares com apenas 54 HAE (Figs. 15 A e B). Porém somente com 96 HAE foi observada uma região apical PAS positiva no epitélio de revestimento do estômago (Fig. 16 A). Com o crescimento dos animais, o estômago se expandiu e apresentou muitas glândulas gástricas
(Figs. 15 B a F) e a superfície apical do epitélio de revestimento apresentou forte reação ao PAS (Figs. 16 B a D).
O estômago de L. obtusidensapresenta formato de “U”, podendo ser dividido em três
regiões, principalmente pelas características da camada mucosa e pelo espessamento da camada muscular. Assim, o estômago foi dividido nas seguintes regiões: cárdica, com grande
concentração de glândulas gástricas e musculatura pouco desenvolvida; fúndica, de transição, com diminuição no número de glândulas gástricas e aumento na espessura da camada
muscular; pilórica, sem glândulas gástricas e camada muscular bastante espessa, caracterizando um esfíncter pilórico.
A mucosa gástrica é revestida por um epitélio prismático simples, com núcleos basais, que sofre invaginações em direção à lâmina própria, formando as fossetas gástricas. Nestas
fossetas desemboca a secreção de glândulas gástricas. Devido a ausência de glândulas gástricas, a região pilórica não apresenta fossetas gástricas, sendo observado uma camada
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38
Fazendo o revestimento externo do estômago observou-se uma fina camada serosa, composta principalmente por um epitélio pavimentoso simples, denominado mesotélio.
Figura 15. Cortes longitudinais de Leporinus obtusidens, evidenciando o desenvolvimento do
estômago. A e B: 54 horas após a eclosão (AT); C: 240 horas após a eclosão (AT); D: 312 horas após a eclosão (AT); E: 576 horas após a eclosão (HE); F: 840 horas após a eclosão (HE). Legendas: es – esôfago; et – estômago; i – intestino; f – fígado; e – epitélio; gg –
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Figura 16. Cortes longitudinais de estômago de Leporinus obtusidens, mostrando os
resultados histoquímicos. A: 96 horas após a eclosão (PAS + H); B: 552 horas após a eclosão (PAS + H); C: 720 horas após a eclosão (PAS + H); D: 720 horas após a eclosão (PAS + AB). Legendas: e – epitélio; gg – glândula gástrica; f – fígado; cabeça de seta – superfície
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d) Intestino
Após a eclosão foi possível visualizar o intestino primitivo, formado apenas por um tubo reto (Figs. 17 A, 18 A). Os glóbulos de vitelo eram absorvidos nesse intestino primitivo
como o documentado na figura 17.
A partir de 32 horas após eclosão, foi possível observar, nos eleuteroembriões de L.
obtusidens, a formação de pregas na mucosa do tubo digestivo, concentrando-se
principalmente na região posterior. Ao longo do desenvolvimento essas pregas mucosas aumentaram em número e tamanho, formando as pregas intestinais propriamente ditas. Com
cerca de 36 HAE, a luz intestinal começou a ampliar-se na região anterior permitindo a visualização de duas regiões: anterior e posterior. A luz do intestino anterior apresentava-se
mais ampla em relação ao intestino posterior, porém na região do intestino posterior foi possível observar uma maior quantidade de pregas epiteliais.
As primeiras células caliciformes intestinais foram observadas em animais com 96
HAE. O número das células caliciformes aumentou com a idade, mas estas foram observadas em maior concentração no intestino posterior. Em relação às análises histoquímicas,
observou-se reações PAS e AB positivas nas células caliciformes (Fig. 19).
A partir de 120 HAE foi possível observar quatro regiões intestinais: anterior, com luz ampla e epitélio de revestimento prismático baixo e pequena concentração de células caliciformes (Fig. 18 B); médio, de transição (Fig. 18 C); posterior, com luz estreita, epitélio
de revestimento prismático alto e maior concentração de células caliciformes (Fig. 18 C); e
reto, com pregas longitudinais e parede mais espessa (Fig. 18 D).
O epitélio de revestimento do intestino de L. obtusidens, é prismático simples,
formado por células absortivas ou enterócitos e células caliciformes. A camada submucosa é delgada, assim como a camada muscular e serosa. Os cecos pilóricos só foram observados em
41
Figura 17. Cortes longitudinais de Leporinus obtusidens, evidenciando a absorção dos
glóbulos de vitelo no intestino. A: 12 horas após a eclosão (AB) B: 24 horas após a eclosão (PAS + H); C: 12 horas após a eclosão (AB); D: 24 horas após a eclosão (PAS + H). Legendas: i – intestino; v – vitelo; e – epitélio; cabeça de seta – absorção dos glóbulos de
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Figura 18. Cortes longitudinais de Leporinus obtusidens, evidenciando o desenvolvimento do
intestino (AT). A: 48 horas após a eclosão; B e C: 240 horas após a eclosão; D: 312 horas após a eclosão. Legendas: i – intestino; e – epitélio; ia – intestino anterior; im – intestino
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Figura 19. Cortes longitudinais de intestino de Leporinus obtusidens, evidenciando os
Dissertação Renata Alari Chedid
44
Figura 20. Cortes longitudinais de Leporinus obtusidens, evidenciando o aparecimento dos
cecos pilóricos. A e B: 624 horas após a eclosão (PAS + H); C e D: 720 horas após a eclosão (HE). Legendas: cp – cecos pilóricos; ia – intestino anterior; f– fígado; e– epitélio; cabeças
45
e) Glândulas anexas
O fígado e o pâncreas exócrino foram visualizados inicialmente como um aglomerado de células acima da região cranial do saco vitelino e abaixo do primórdio do esôfago. Com a
ampliação da luz intestinal, o fígado e o pâncreas passaram a ocupar uma posição cranial ao intestino anterior (Figs. 21 A, B e E). Com a diferenciação dos órgãos do canal alimentar,
ocorreu o início da alimentação exógena e neste momento o fígado e o pâncreas já se encontravam bem desenvolvidos. Cabe destacar que o pâncreas exócrino encontrava-se externo ao fígado, caracterizando assim a presença de um pâncreas difuso extra-hepático (Fig.
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Figura 21. Cortes longitudinais de Leporinus obtusidens, evidenciando o desenvolvimento do
fígado. A: 54 horas após a eclosão (AT); B e C: 120 horas após a eclosão (AT); D: 720 horas após a eclosão (PAS + H); E e F: 720 horas após a eclosão (PAS + AB). Legendas: es –
47
Figura 22: Cortes longitudinais de Leporinus obtusidens, evidenciando o pâncreas difuso
extra-hepático. A, B, C e D: 54 horas após a eclosão (AT). Legendas: p– pâncreas; f– fígado;
48
5. DISCUSSÃO
A temperatura utilizada para o desenvolvimento embrionário de Leporinus obtusidens
foi de 28ºC em média. Essa temperatura é considerada ótima para o desenvolvimento de peixes tropicais (KIMMEL et al., 1995).
Os ovos de peixes são classificados como telolécitos devido à grande quantidade e distribuição de vitelo (RIBEIRO et al., 1999; GANECO, 2003). L. obtusidens apresentam esse
tipo de ovo, já que possuem clivagem do tipo meroblástica ou parcial, ocorrendo apenas no
pólo animal.
O desenvolvimento embrionário rápido apresentado por L. obtusidens parece ser
comum a outras espécies com a mesma estratégia reprodutiva como Leporinus friderici
(SANCHES et al., 2001). O espaço perivitelino muito amplo observado em L. obtusidens é
uma característica comum às espécies migradoras que desovam em ambientes lóticos. Este
fato é provavelmente, um mecanismo adaptativo para diminuir a ação de choques mecânicos provocados pela correnteza e, desta maneira, garantir a sobrevivência do embrião. Além de L.
obtusidens, esta característica pode ser observada em ovos de outras espécies de peixes
migradores, como pintado, Pseudoplatystomacorruscans (CARDOSO et al., 1995) e piau de
três pintas, L. friderici (SANCHES et al., 2001).
Durante a clivagem observou-se que os blastômeros sofreram divisões mitóticas
simétricas e simultâneas, assim como descrito por Sampaio (2006), para quatro espécies de peixes de interesse comercial da Bacia do Rio São Francisco (Brycon orthotaenia, Leporinus
obtusidens, Prochilodus argenteus e Salminus brasiliensis). Em L. obtusidens notou-se que os
glóbulos de vitelo fragmentam-se penetrando nos blastômeros, o que facilitaria a sua absorção pelas células, tal evento também foi reportado por Ninhaus-Silveira et al. (2006) para
Dissertação Renata Alari Chedid
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De acordo com Kimmel et al. (1995) a camada sincicial do vitelo ou periblasto
constitui um órgão encontrado apenas em teleósteos, se posicionando de forma extra-embrionária. Portanto, não contribui para formação do embrião, sendo importante na quebra
do vitelo, tornando-o viável para o desenvolvimento do embrião. Em Leporinus obtusidens, a
formação do periblasto ocorreu na fase de mórula assim como descrito por Long e Ballard
(1976) em Catostomus commersoni. Por outro lado Ganeco (2003) e Faustino et al. (2010),
observaram a formação do periblasto na fase de blástula em Oryzias latipes e Brycon
gouldingi, respectivamente.
Com relação à importância da camada sincicial na incorporação do vitelo pelo embrião, as projeções de membrana que se estendiam entre os glóbulos de vitelo, bem como a
presença de glóbulos de vitelo na região da camada sincicial próximo da blastoderme em
Leporinus obtusidens, indicam que o material vitelino é quebrado por meio de enzimas
hidrolíticas como sugerido por Lentz e Trinkaus (1967) e então transferidos para a
blastoderme. Pode-se inferir que o material nutritivo passa pela membrana plasmática na forma de pequenas moléculas.
Em L. obtusidens foi observada a formação de uma blastocele, na forma de espaços
irregulares entre algumas células da blastoderme, como descrito por vários autores (KIMMEL e LAW, 1985; KIMMEL et al., 1995; GANECO, 2003) para outras espécies de teleósteos.
O estágio de gástrula se inicia com o começo do movimento de epibolia (LEME dos
SANTOS e AZOUBEL, 1996) e se completa com o fechamento do blastóporo pela blastoderme e formação do botão da cauda (KIMMEL et al., 1995). No presente trabalho, esta
fase teve início às três horas e cinco minutos do desenvolvimento à temperatura média de 28ºC. Esta fase para Pseudoplatystoma coruscans (CARDOSO et al., 1995) foi observada às
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O início da somitogênese ocorreu após o término da epibolia e fechamento do blastóporo como também descrito em Leporinus piau (BORÇATO et al., 2004) e P. lineatus
(NINHAUS-SILVEIRA et al., 2006).
No estágio de segmentação observaram-se os somitos, a formação da notocorda, do tubo neural, da delimitação intestinal inicial, o alongamento do embrião (principalmente no
eixo céfalo-caudal) vesícula óptica, vesícula ótica, cauda presa, sendo seu término marcado pelo despregamento da cauda. Morrison et al. (2001) encontraram a vesícula de Kupfer nas
fases iniciais do estágio de segmentação. Ninhaus-Silveira et al. (2006), observaram essa
vesícula em estágio de neurula. Muitos outros autores também relatam o aparecimento da vesícula de Kupfer, porém, neste trabalho não foi possível visualizar-la, sendo necessárias
coletas com novos protocolos.
Como na maioria das espécies migradoras, os eleuteroembriões de L. obtusidens
eclodem com olhos não pigmentados, boca fechada e tubo digestivo indiferenciado. A
pigmentação dos olhos e a abertura da boca são eventos que ocorrem após a eclosão e estão diretamente relacionados com o início da alimentação exógena (SANCHES et al., 2001).
As larvas recém-eclodidas de Leporinus obtusidens apresentaram maxilas pouco
desenvolvidas, olhos sem pigmentação e saco vitelínico grande, essas características são observadas na maioria das larvas de peixes neotropicais de água doce (NAKATANI et al., 2001). O grau de diferenciação da larva recém-eclodida varia entre as espécies, dependendo
do tamanho do ovo (BLAXTER, 1969). Espécies que apresentam ovos pequenos e alta fecundidade têm o desenvolvimento embrionário mais rápido e larvas menos desenvolvidas,
enquanto as que apresentam ovos grandes e baixa fecundidade têm desenvolvimento embrionário prolongado e maior grau de desenvolvimento das larvas (SATO et al., 2003).
Anarhichas lupus apresenta ovos grandes e larvas recém-eclodidas semelhantes aos juvenis,
(FALK-Dissertação Renata Alari Chedid
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PETERSEN e HANSEN, 2001), enquanto espécies com larvas pouco desenvolvidas apresentam ovos pequenos, tais como Leporinus macrocephalus (REYNALTE-TATAJE et
al., 2001); Leporinus piau (BORÇARTO et al., 2004), Leporinus taeniatus (PADILHA, 2003)
e Prochilodus lineatus (SILVEIRA, 2004) .
A mudança da alimentação endógena para exógena é uma fase crítica do
desenvolvimento inicial, apresentando, freqüentemente, altos índices de mortalidade das larvas. Na maioria das larvas, durante a fase de primeira alimentação, o tubo digestivo é curto, está relativamente indiferenciado e apresenta baixa atividade de enzimas digestivas
(GORDON e HECHT, 2002). Na espécie estudada observou-se que o tubo digestivo apresentava-se morfologicamente indiferenciado em indivíduos nos primeiros estágios de
vida, esse resultado corrobora estudos feitos com outras espécies do gênero Leporinus
(PADILHA, 2003; BORÇARTO et al., 2004).
A posição, formato e tamanho da boca estão intimamente relacionados aos hábitos
alimentares e à forma de apreensão do alimento (NIKOLSKY, 1963). A boca terminal e subterminal é característica de peixes carnívoros adultos, o que provavelmente facilita a
captura das presas (SINHA e MOITRA, 1975). Entretanto, a espécie estudada, L. obtusidens,
é considerada onívora e possui boca subterminal. Leporinus reinhardti (MENIN e MINURA,
1991), Brycon orbignyanus (RODRIGUES e MENIN, 2002) e Leporinus friderici (SEIXAS
FILHO, 1998) são outros exemplos de peixes onivoros com boca subterminal. Segundo
Sampaio (2006), Leporinus obtusidens alimenta-se predominantemente de zooplâncton na
fase larval, nesse sentido a boca subterminal observada nas larvas da espécie em estudo,
ofereceu vantagens para a captura do alimento na coluna dʼágua. O mesmo foi observado por
Borges et al. (2006), em estudo com larvas de Bryconamericus aff. iheringii. Os lábios e
estruturas relacionadas apresentam adaptações à natureza do alimento e aos hábitos
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inferior, apresenta-se mais espesso e possui maior mobilidade, auxiliando na captura eficiente de alimento.
De acordo com Moshin (1962), nos peixes herbívoros e onívoros, em contraste com os
peixes carnívoros, os dentes não são bem desenvolvidos, o que está correlacionado com a natureza da dieta, que consiste em animais de pequeno porte, sementes aquáticas e algas, além
de substâncias inertes ingeridas junto com estes itens alimentares. No entanto, L. obtusidens
apresenta dentição oral desenvolvida, assim como outras espécies onívoras, como Leporinus
friderici (SEIXAS FILHO, 1998) e L. macroceplalus (RODRIGUES et al., 2006).
Quanto às características morfológicas do esôfago de eleuteroembriões de L.
obtusidens foi possível observar, inicialmente, que este apresentava-se curto e posteriormente,
foi aumentando com o desenvolvimento dos animais. Segundo Luizi et al. (1999), a proliferação celular do esôfago é importante para a distensão do órgão durante a deglutição, bem como para aumentar a superfície de contato com o alimento (FERRARIS et al., 1987).
De acordo com Kozaric et al. (2008), em Silurus glanis com cinco dias após a eclosão, as
células mucosas do epitélio esofágico começaram a secretar mucosubstâncias ácidas e
neutras. Em L. obtusidens as reações PAS e AB positivas foram observadas com pouco mais
de cinco dias. Segundo Galvão et al. (1997b), a formação das células mucosas indica que o esôfago está pronto para receber alimento exógeno, uma vez que sua secreção protege o epitélio de revestimento contra abrasão e lesão provocada pela passagem do alimento.
As primeiras partículas de alimento foram observadas no intestino de L. obtusidens
com pouco mais de quatro dias após a eclosão, e neste momento o esôfago já apresentava