RES UMO:A noção de sintom a, que Freud extrai do discurso m édico e
a subverte, será várias vezes rem anejada por Lacan para tom ar radi-calm ente um valor fundador para a estrutura do sujeito. Sua articula-ção com o laço social se encontra sem pre rearticulada, assim com o a possibilidade de fazer do sintom a social um a noção psicanalítica.
Palavras - chave : Gozo, laço social, objeto, sintom a.
ABSTRACT: The social sym ptom . The notion of sym ptom , which Freud
extracts from the m edical discourse and then subverts, w ill be often altered by Lacan to be given an intrinsic value to the structure of the subject. Its articulation w ith the social tie is always rearticulated, as well as the possibility of giving the social sym ptom a psychoanalyti-cal notion.
Ke yw ords : Jouissance, social tie, object, sym ptom .
E
xistirá sintom a social do ponto de vista da psicanálise? Em geral, o sintoma é uma marca individual e se manifesta como algo que se afasta em relação a um a norm a de funcionam ento fisiológico ou com portam ental. Bem , o ato fundador de Freud diz respeito a um certo estatuto do sintom a. Desloca-o da tradi-ção hipocrática, m édica, com o signo tom ando lugar no inte-rior da constituição de um quadro clínico, para ser concebido com o dotado de sentido. O sintom a é um entrave do qual se busca m enos livrar o sujeito dele do que tom á-lo com o palavra não dita. Mensagem desconhecida pelo sujeito, pode então pres-tar-se à interpretação. Algum a coisa procura ser dita e não con-segue fazê-lo de outra m aneira. Após Freud, um a concepção Psiquiatra, éprofessor de psicopatologia e de psicanálise na Universidade de Paris 7 ( Denis Diderot) . Analista m em bro do Espaço Analítico ( AFPRF) do qual foi presiden te.
O S INTOMA SOCIAL
*Ala in Va n ie r
* Este texto retom a e avança certos elem entos apresentados por ocasião
anam nésica prevista para dar conta do conjunto do estilo de um sujeito no inte-rior do qual os sintom as teriam lugar, recobriu a radicalidade do avanço de sua proposta. Por outro lado, a noção de laço social não é óbvia, do ponto de vista da psicanálise. Para pensar a questão do sintom a social convém interrogar não apenas a noção de sintom a com o tam bém nossas concepções do social para tentar encon-trar o lugar em que se entrelaçam .
Lacan retom a a abordagem freudiana do sintom a orientando-a logo para aqui-lo que constituirá o desenvolvim ento ulterior de seu ensinam ento. “Freud [ ...] ateve-se ao que se negligenciava sob o título de ‘conteúdo’ dos sintom as, e que é o m ais concreto da realidade: a saber, ao objeto que provoca um a fobia, ao aparelho ou à função som ática im plicada num a histeria, à representação ou ao afeto que ocupa o sujeito em um a obsessão” ( LACAN, 1938, p. 88) . Assim , o sentido do sintom a é aquilo que convém decifrar no conteúdo. Na história da psicanálise, a origem do sintom a foi sucessivam ente: um a sedução sexual, depois, os efeitos do auto-erotism o, ou ainda a constelação de um certo núm ero de traços que, passan-do passan-do nascim ento de um irm ão ao laço entre a m ãe e o pai, se organizarão em torno desse ponto focal, deste “com plexo nodal das neuroses”, que é o com plexo de Édipo. O sintom a ganha desde então o valor “de um a função de expressão do recalcado”. O tratam ento será um trabalho cujo objetivo é trazer à consciência o elem ento originário, esquecido, recalcado. Mas a experiência de Freud, à m edida que a psicanálise se desenvolve, vai conduzi-lo a um certo núm ero de retificações a esta concepção. Nesse texto de antes da guerra, Lacan salienta que pouco a pouco a noção de resistência, e depois a de transferência, obrigam a repensar o estatuto do sintom a de outro m odo. Ele sublinha, já nesse m om ento, que “o sintom a neu-rótico representa no sujeito um m om ento de sua experiência em que ele não sabe se reconhecer, um a form a de divisão da personalidade”.
O m ovim ento de Freud perm ite que a noção de sintom a evolua: de m odalida-de odalida-de expressão do inconsciente, ele se torna odalida-defesa contra a angústia, concebida com o sinal de um perigo de castração. Esta evolução, para Lacan, “tende a transfor-m ar etransfor-m tertransfor-m os de estrutura a referência do sintotransfor-m a ao sujeito”. O sintotransfor-m a apre-senta desde então valor estrutural e constitui para Lacan a m arca de um a divisão fundam ental na personalidade entre o sujeito e o eu. Não é possível, portanto, referir apenas ao Im aginário, que ainda não era cham ado assim , esta prim eira abor-dagem do sintom a em Lacan. Mas o sintom a já adquiriu um valor fundam ental, não com o traço de um acidente da psicogênese, e sim com o testem unha radical da constituição do sujeito e do eu.
lei-tura é aquela que Lacan propõe a partir das prim eiras obras freudianas que são A interpretação dos sonhos, A psicopatologia da vida cotidiana ou O chiste e sua relação com o
inconscien-te. Ora, o significante de representar um sujeito para outro significante introduz a divisão deste sujeito ( LACAN, 1964-1965) . Mas, ao m esm o tem po, esta divisão subjetiva é m ascarada, apagada, suturada. É aí que Lacan situa o ser. Portanto, o sintom a é este ser do sujeito enquanto ser de verdade: é o passo fundam ental da psicanálise. Daí advém a “dificuldade de ser do psicanalista”, pois ele deve, para que a análise possa se dar, constituir-se com o o próprio com plem ento do sintom a.
Desde seus prim eiros trabalhos Lacan acentua o ser social do hom em . Freud indi-cava com o “na vida psíquica do indivíduo tom ado isoladam ente, o Outro inter-vém regularm ente com o m odelo, apoio e adversário e, por causa disso, a psicolo-gia individual é tam bém , im ediata e sim ultaneam ente, um a psicolopsicolo-gia social” ( FREUD, 1921) . O Outro está im plicado desde a origem , para o sujeito. Da m esm a m aneira, o estágio do espelho que Lacan tom a em prestado de Wallon e, além deste, a vários outros psicólogos, m anifesta a necessidade de um Outro de quem o sujei-to se possa distinguir para constituir sua unidade na im agem ; este outro é neste m om ento o sem elhante, porém , m ais tarde, ele m ostrará com o é tam bém a m edia-ção do Outro que nom eia que será cham ada para conferir a im agem . Para Henri Wallon, a prem aturidade biológica testem unhava o enraizam ento do ser social do hom em ; para Lacan, ela se torna necessária para conceber essa antecipação que é o estágio do espelho, que dá conta da im portância da captação im aginária na vida do hom em , da qual ele dirá que foi esta constatação a razão de seu trabalho. O social, nesta prim eira abordagem , é antes de tudo im aginário.
Lacan leu Hegel com Kojève, e enfatiza a dialética do m estre e do escravo. Para Hegel,
“inversam ente, nesta m ediação, a relação im ediata se torna para o m estre a pura nega-ção desta m esm a coisa ou o gozo; o que não é executado pelo desejo é executado pelo gozo do m estre; para term inar com a coisa: a satisfação no gozo. Isto não é executado pelo desejo por causa da independência da coisa; m as o m estre, que interpôs o
escra-vo entre a coisa e ele, se liga assim apenas à dependência da coisa, e sim plesm ente goza com ela. Ele abandona o lado da dependência da coisa ao escravo, que a elabora.” ( HEGEL, 1941, p. 162)
“O Mestre consegue ir ao fundo da coisa e satisfazer-se no Gozo. [ É pois unicam ente graças ao trabalho de um outro ( de seu Escravo) que o Mestre está livre frente à Natureza, e conseqüentem ente, satisfeito consigo m esm o. Mas ele só é Mestre do Escravo porque liberou-se anteriorm ente da ( e da sua) natureza arriscando sua vida
num a luta de puro prestígio que — de tal m aneira — nada tem de ‘natural’.] O Desejo não consegue fazê-lo por causa da autonom ia da coisa. O Mestre, contraria-m ente, que introduziu o Escravo entre a coisa e ele contraria-m escontraria-m o, só se une econtraria-m seguida ao aspecto da dependência da coisa, e goza dela, portanto, de um a-m aneira-pura. Quanto
ao aspecto da autonom ia da coisa, ele a deixa para o Escravo, que transform a-a-coisa-pelo-trabalho.” ( KOJÈVE, 1947, p. 23-24)
Na obra de Lacan, o term o gozo aparece regularm ente quando ele faz referên-cia à dialética do m estre e do escravo. Porém , de form a diferente de Hegel, Lacan situa sem pre o gozo do lado do escravo. Cito, com o exem plo:
“O trabalho”, nos diz Hegel, “ao qual o escravo se subm ete renunciando ao gozo pelo
m edo da m orte, será justam ente o cam inho por onde realizará sua liberdade. Não há engodo m ais m anifesto politicam ente e ao m esm o tem po, psicologicam ente. O gozo é fácil para o escravo e deixará o trabalho servil.” ( LACAN, 1966a, p. 811)1
No entanto, para Lacan, diferentem ente de Marx, estam os em um a sociedade de escravos, todos do m esm o lado da m áquina da produção capitalista. Todos re-nunciam os ao gozo, condição da entrada no laço social; m as som os todos apanha-dos na prom essa, reafirm ada com insistência, de um a possibilidade de recupera-ção desse gozo perdido oferecida pelo consum o que será dem ocraticam ente re-partido entre todos.
Essa leitura pouco ortodoxa da dialética do Mestre e do Escravo feita por Lacan tem conseqüências tanto para sua concepção do sintom a quanto do laço social. Nos dois casos, trata-se do estatuto do gozo. Lacan irá rearticular esta noção com os sucessores de Hegel, em particular com Marx. Ela tinha sido abandonada desde o Sem inário sobre a Ética, e ele a retom a num a vertente econôm ica, no sentido freudiano do term o.
Lacan dá a Marx um lugar decisivo com o intérprete de Hegel, com a invenção do sintom a: Marx inventor do sintom a no sentido freudiano. Com efeito, Lacan
escreve em 1966, “a crítica de Marx” opera um a “reviravolta [...] a partir de Hegel”. Trata-se do “retorno [ ...] da questão da verdade”. Isto intervém desde antes da psicanálise, pois, assim , introduz-se “um a dim ensão que se poderia dizer do sin-tom a, que se articula com o que ela representa de retorno da verdade enquanto tal, na falha de um saber” ( LACAN, 1966b, p. 234) . Neste m om ento, a referência a Marx se introduz pelo viés da questão da verdade. Seu estatuto com o inventor do sintom a se desdobrará em dois tem pos. Inicialm ente, trata-se do sintom a com o m etáfora da verdade. O sintom a é, desde então, concebido com o sim bólico. É um a fala am ordaçada, um a verdade escondida, enterrada, um a form ação m etafórica que, com o para Freud, perm ite um a satisfação sexual substitutiva, m as esta ver-tente da “satisfação” ainda está deixada de lado. O sintom a está à espera de ser decifrado, de ser lido. Esta concepção do sintom a conduzirá à noção de forclusão, para as psicoses. Nessa perspectiva, o sintom a, assim com o a interpretação, são sem pre ligados, ao m enos para a neurose, à dim ensão edipiana. É isto que deixará, para o tratam ento das psicoses com a noção de forclusão do nom e-do-pai, o gru-po de seus alunos em um a certa confusão, gru-pois isto não significaria que não seria possível fazer nada com os psicóticos? Para poder interpretar, com o intervenção capaz de esclarecer o sintom a, fazendo em ergir a verdade nele escondida, é preciso um a condição, a saber, o Édipo, figura da castração, fundam ento da m etáfora que é o próprio sintom a: se não há Édipo, não há interpretação possível.
Marx é posto com o inventor da noção de sintom a antes de Freud. Lacan era um hom em de seu tem po, parte ativa dos debates de sua época — o que tam bém constitui um ensinam ento para o psicanalista de hoje. Assim tam bém quando ele introduz a dim ensão sim bólica com o saída para o im passe m ortífero do espelho, da relação do sujeito com sua própria im agem , com o sem elhante, referido à m or-te com o m estre absoluta, o que está em jogo é o debaor-te com Sartre e os exisor-tencia- existencia-listas franceses. Da m esm a m aneira, a volta de Marx à cena dos ensinam entos de Lacan coincide com os acontecim entos de 1968.
A crítica de Marx ao ardil da razão é, pois, a m arca deste retorno da verdade. Longe de aposentar a idéia e de pensar a história com o realização da razão, a ideo-logia é o que, para Marx, deve ser criticada. O sintom a, reafirm a então Lacan, é diferente do signo; trata-se aqui de separá-lo efetivam ente do sintom a no sentido da psiquiatria ou da m edicina; o sintom a é significante e só tem sentido na relação a outro significante. É aí, diz, “que reside a verdade do sintom a”. Assim , o sintom a não é representação de um a irrupção da verdade, ele é verdade.
econo-m ia do gozo. A satisfação eecono-m jogo no sintoecono-m a é abordada. Mas o desvio através de Marx introduz um a questão sobre a distinção entre sintom a social e sintom a indi-vidual. Com efeito, o sintom a neurótico aparece com o um protesto, um a recusa diante do que as forças sociais exigem com o renúncia ao gozo. É o debate freudia-no, que se tornou clássico, sobre o elo entre repressão e recalcam ento. Mas, se estas forças nada m ais são que a form a dada à estrutura, pode-se adm itir que elas não tenham efeito, de volta, sobre o sujeito?
Bem , o que Lacan avança em seguida é a dim ensão real do sintom a. Im ediata-m ente após 1968, introduz a teoria dos discursos, coediata-m o tentativa de forediata-m alização do laço social, do ponto de vista da psicanálise. O discurso é um a organização coletiva de gestão do gozo para nele instaurar um lim ite, para canalizá-lo. Sua ques-tão, em vista dos acontecim entos de 68 e da situação social da época, poder-se-ia dizer de um a m aneira sim ples: com o interpretar o tipo de discurso dom inante no cam po social do capitalism o m oderno da era tecnocientífica? Será que assistim os a um rem anejam ento desse laço? Ele propõe quatro discursos para dar conta das diversas m odalidades do laço social, m as oscilará quanto à m aneira de pensar o que caracteriza o capitalism o e a m odernidade.2 Prim eiram ente, delineiao discur-so do Mestre, m as a figura da m estria não é a m esm a que a da Antiguidade, que serve de m atriz a esta escritura; depois, num segundo tem po, delineia o discurso da Universidade, que ele vê reinar para além da cortina de ferro, e ao qual ele liga, num prim eiro m om ento, o discurso da ciência e, em seguida, aproxim a ao dis-curso da histérica. Mais tarde, proporá um quinto disdis-curso, o disdis-curso do capita-lista, efeito de um a “inversão” do discurso do Mestre.3 O m estre antigo, identifi-cado com a em ergência da filosofia, é aquele que se apropria do savoir- faire do escra-vo para constituir seu saber. Ora, este m estre não trabalha. Hoje em dia, o desejo do m estre é que tudo gire, que funcione, e Lacan não identifica o proprietário m oderno com a figura que aparece no discurso do Mestre.
O discurso do Mestre com pleta a definição do significante, é o m odelo da operação de sim bolização e, com isto, é o discurso do inconsciente. Se este últim o representa o sujeito para um outro significante, esta operação, a sim bolização, tem um resto, com o testem unha a descrição do jogo do fort feita por Freud. Há um resto inassim ilável, não sim bolizável. Este objeto, do qual se aproxim am os traba-lhos de autores anglo-saxões, sobretudo Winnicott, m as tam bém Melanie Klein, passa a ocupar Lacan porque ele se interessa agora, no próprio m ovim ento da obra freudiana, pela questão da fantasia com o um dos fatores em jogo no tratam ento. Esta reviravolta a propósito do sintom a acom panha e segue um a reelaboração do objeto a. Objeto a inicialm ente im aginário, referido ao desejo e encontrado na
relação com o pequeno outro, do qual o a é a inicial, depois no lugar na dim ensão significante, sim bólica, com a escritura dos discursos.
Ele aparece desde o início com o efeito do im aginário, m as tam bém efeito da História pois, em um m om ento dado, o aspecto inassim ilável do a “esvaziou-se”. Aquilo que estava separado deste m ais-do-gozo em verdade tornou-se “contado, contabilizado” com o m ais-valia e acum ulado com o capital ( LACAN, 1969-1970) . A psicanálise, ao rearticular a m ais-valia com o m ais-do-gozo interpreta o que está junto no discurso contem porâneo e restitui a disjunção entre o m ais-do-gozo e a verdade.
A obra de Marx se presta bem para m arcar a dim ensão real do sintom a, pois não basta denunciar ou sim plesm ente enunciar esta verdade para que seja lá o que for se m ova do discurso que esta verdade m ascarada parecia sustentar. Lacan questio-na, portanto, a m ais-valia ( Mehrwert) em Marx.4 A m ais-valia é a parte do valor da produção que não volta para o trabalhador. Esta dim ensão é tem po, um tem po que não se recupera nunca. O proletário é o trabalhador assalariado que produz e valo-riza o capital e que é jogado fora assim que não é m ais indispensável para as neces-sidades de valorização do “senhor Capital”. Marx acrescenta que o proletário não é o hom em da floresta prim itiva ou o pobre, pois, de certa m aneira, ele é proprietá-rio de sua floresta. Sem entrar nas diferenças entre m ais-valia absoluta, m ais-valia relativa, etc., pode-se notar que, com o capitalism o, o próprio trabalho se tornou um a m ercadoria e, com o toda m ercadoria neste sistem a, não é feita para ser con-sum ida m as sim para ser trocada, para produzir m ais-valia.
Há um a história que pode ser contada a esse respeito:
Dois am igos que não se viam havia um tem po, se reencontram ; um diz ao outro:
— O que você está fazendo agora? — Estou vendendo sardinhas.
— Isto m e interessa! Posso ver suas sardinhas? — Claro.
Ele o conduz a um entreposto e lhe m ostra um as caixas. — Posso pegar um a lata?
— Sim , pode pegar um a lata. — Posso provar?
— Claro que sim , pode provar! O outro prova e grita:
— Mas isso não dá para com er!
— Quem falou em com er? É para com prar, vender, com prar, vender...
Em 1974, Lacan retom a essas questões trazendo outra, a de saber se a psicanálise é um sintom a. De fato, qual seria o estatuto da psicanálise na visão dos outros dis-cursos? Naquela em que “o real se cruza” para que as coisas não se voltem com o o discurso do m estre m oderno poderia desejar, ou, contrariam ente, todos esses dis-cursos a acom panhariam e a favoreceriam ?
Será a psicanálise um sintom a? Lacan responde de m odo afirm ativo, m as não diz que ela seja um sintom a social. A psicanálise é um sintom a porque não passa de um tratam ento do sim bólico, porque está presa à questão do real, sua tônica fica do lado do real. Sem esse sintom a, é o real “na m edida que se cruza para im pe-dir que as coisas andem no sentido em que podem dar conta de si m esm as de form a satisfatória — satisfatória pelo m enos para o m estre — , o que não quer dizer que o escravo dela sofra de nenhum a m aneira, longe disto; o escravo, neste negócio, está m uito m ais a salvo dos aborrecim entos do que se pode crer, é ele que goza, contrariam ente ao que diz Hegel” ( LACAN, 1975, p. 186) . Neste sentido, a psicanálise é um sintom a porque se coloca com o entrave ao que funciona no dis-curso capitalista, no disdis-curso do m estre. É por isso que é necessário que a psicaná-lise fracasse para sobreviver, pois se for bem sucedida não será m ais que um sinto-m a esquecido. Lacan faz usinto-m a reviravolta e usinto-m deslocasinto-m ento esinto-m relação à noção clássica do sintom a com o elem ento a reduzir, o que parecia ser tarefa de um a psi-canálise. De fato, se o sintom a tem valor de verdade, sua retirada conduz ao esque-cim ento que seria tam bém o esqueesque-cim ento desta verdade. Ao contrário, é a nor-m alidade que se torna sintonor-m ática, no sentido anterior do ternor-m o.
A psicanálise é, portanto, um novo discurso, um laço social inédito, m as é tam bém o que perm ite escrever os outros. Ela vem , de certa m aneira, no lugar da relação sexual que não existe. A m ais-valia é logo transferida para o registro da contabilidade, a saber, o inconsciente, o que conta do fato do significante. É neces-sário o m ais-do-gozo para que a m áquina gire. Com efeito, “a m ais-valia é a causa do desejo do qual uma economia faz seu princípio: o da produção extensiva, portan-to insaciável, da falta do gozo. Acum ula-se de um a parte para aum entar os m eios desta produção a título de capital. Estende o consum o de outra parte sem o que essa produção seria vã, justam ente pela sua inépcia em procurar um gozo do qual pudesse ser desacelerada” ( LACAN, 1970, p. 87) . Mas logo aparece no discurso de Marx este resto de “entificação hum anista” sob a form a da m issão histórica devota-da ao proletariado ( LACAN, 1971) . Aquilo que Marx abriu, depois de Hegel, volta a se fechar com um a outra solução de fecham ento que aquela avançada por Hegel.
É isto o m ais-do-gozo, além da m ais-valia. É a descoberta do que Freud cham ou de sexual e que é para Lacan a relação sexual com o algo que não existe. Aquilo que faz objeção à relação sexual é efeito da linguagem .
Para Lacan, só existe um único sintom a social, a ser entendido com o retorno do real no cam po social do m undo contem porâneo: “Cada indivíduo é realm ente um proletário, ou seja, não tem nenhum discurso do qual fazer laço social, dito de outra m aneira, com o im itar” ( LACAN, 1975, p. 187) . A utilização do term o indi-víduo, que quer dizer literalm ente o que não está dividido, indica bem que não se trata do sujeito no sentido do sujeito do inconsciente. Cada indivíduo, cada eu, cada elem ento da m ultidão, do corpo social, é realm ente um proletário, é no nível do real que ele é um proletário. O proletário designava na sociedade rom ana aque-le que só era considerado útil pelos filhos que engendrava (Santo Agostinho), aqueaque-le que estava reduzido à função de puro genitor, aquém de qualquer nom e. O prole-tário é aquele que goza, que não está separado de seu gozo, m as está despojado de sua função de saber, o outro do Mestre, um indivíduo, sem o inconsciente. É um a vertente do que som os todos, objetos a, “tantos abortos”. Ora, este sintom a social se refere a um a certa dim ensão do sintom a no sentido individual, já que o gozo do sintom a isola o sujeito, aquilo que Freud sublinhava insistindo sobre o caráter associal do neurótico. A psicanálise não é, portanto, um sintom a social pois ela é este laço que vem no lugar da falta da relação sexual. “Isto não é absolutam ente suficiente para fazer dela um sintom a social pois um a relação sexual falta em todas as form as de sociedade. É ligada à verdade que estrutura todos os discursos. É jus-tam ente por isso, de resto, que não há verdadeira sociedade fundada sobre o dis-curso analítico” ( Idem ) . O sintom a social viria m arcar o que particulariza um a sociedade. Estam os na via do sintom a com o função particularizante do sujeito. Mas, para Freud, só há sociedade fundada sobre a função paterna. Qual seria então a articulação possível entre o social e o sintom a?
Em seus últim os sem inários, Lacan se vê com pelido, contra sua vontade — já que sem pre fora seu projeto poder dispensar e ir além das idéias fixas de Freud — a voltar à questão do pai. Para sustentar a estrutura é necessário o Nom e-do-Pai, m as essa função paterna se desdobra em duas vertentes: o Nom edoPai, no plano sim -bólico, e o pai do nom e, quer dizer, o pai que dá o nom e, que faz o ato de nom ear, com o gozo inferido. Ele utiliza Joyce, tanto de sua obra com o de sua vida, para m ostrar que qualquer coisa pode vir no lugar do Nom e-do-Pai.5 Este desdobra-m ento da função do pai e este estatuto particular do Nodesdobra-m e-do-Pai o conduzedesdobra-m a conceber um nó borrom eano de quatro term os, a quarta volta sendo aquela do Nom e-do-Pai com o necessário para nom ear e distinguir os três registros. Esta abor-dagem é coerente com a fórm ula que Lacan havia criado para a m etáfora paterna em que o Nom e-do-Pai já se encontrava em um a posição externa ao parêntese sim bólico, posição do significante que não está no Outro. Para Joyce, a construção de um a ponta de real, sua escritura e em particular a de Finnegans Wake, com a inflação im aginária, sua m egalom ania, a constituição de seu ego com o sinthoma, é o que perm ite sustentar a estrutura. Esses term os provêm do grego sumptôma, que tam bém quer dizer tanto “acontecim ento infeliz” quanto “coincidência” e m ais precisam ente “coincidência de signos”. Este term o, por sua vez, provém do verbo
sunpiptein, “cair junto”, “se encontrar, acontecer ao m esm o tem po”, com posto de
sun “com ” e de piptein, “cair”, “sobrevir”. Cair junto rem ete a essa parte de gozo que
cai com o objeto na sim bolização, esse m ais-de-gozo que não cessa de retornar, esse gozo ligado ao sintom a.
Assim , o sinthoma pode vir no lugar do Nom e-do-Pai e, paradoxalm ente, per-m ite considerar o próprio pai coper-m o uper-m sintoper-m a, o sintoper-m a do neurótico. Isto posto, restam em aberto as questões trazidas pela clínica. Se for verdade que esta nova abordagem abre a possibilidade de um tratam ento das psicoses, que a prece-dente ( que havia perm itido a elaboração do conceito de Nom e-do-Pai) tinha fe-chado, ainda assim , essa equivalência deve ser m anejada com prudência na m edi-da que abre um certo núm ero de questões: haveria um a reversibiliedi-dade edi-da m etáfo-ra paterna, suscetível de explicar certo núm ero de fenôm enos clínicos, questão que não podem os deixar de lado no que diz respeito a um a certa instabilidade do nó sinthomático.
O pai nunca se reduz com pletam ente à sua função sim bólica. A função de pai, poderia dizer Lacan, é a função do sintom a, que é algo diferente do fato de o pai ter ou não sintom as. É preciso acrescentar, aqui, o da perversão paterna, m aneira com o ele põe um a m ulher na posição de causa do desejo. O pai real, agente da
5Esse rem anejam ento tem o efeito nada negligenciável de reabrir a possibilidade de um
castração, reveza com o pai sim bólico, põe-no em função, m as não apenas o pai da realidade, castrado. É tam bém um a figura do pai real que goza, pois é o que goza com a m ãe, com aquela que, por um tem po, é toda-m ulher para o sujeito. Para o neurótico, seu real é que este pai fala — nom eia. O que é um a espécie de im postu-ra. É isto que Lacan indica quando diz que jam ais se analisa ninguém enquanto pai. Um filho fala e isto tom a para o filho daquele valor de palavra de pai. O pai freudiano não é aquele do patriarcado, ele deve “m anter-se afastado de todos os m agistérios”, ele é apenas a figura im aginária, aquilo que serviria de tela à função. Ao contrário, é o ponto por onde a castração pode ser fechada, castração que Lacan designa com o num eral, referindo-se à num eração das dinastias reais. Pois, “o Pai nada m ais é que um referencial. Nós interpretam os esta ou aquela relação com o Pai [...] O Pai é um term o de interpretação analítica. A ele se refere qualquer coisa”. Pois não é o pai que fala, é a linguagem . Não é o pai enquanto tal que enuncia a interdição do incesto, ele pertence às condições da linguagem e da palavra, e é na linguagem que se encontra depositada essa interdição, é a linguagem que separa, que distingue. A função paterna é um a interpretação do estatuto persistente do religioso, da necessidade da crença que é um traço da estrutura. A psicanálise não deixa lugar para a transcendência m as sim para a função do terceiro, que separa, não pode se reduzir ou se instaurar sobre a base sim ples do consenso, m esm o que este fosse dem ocrático; Freud, por isso, sem pre recorreu ao m ito para articular o que poderíam os considerar com o a articulação da linguagem com a palavra. Esta instauração da função fálica com o função da falta, que separa, é o m odo paradoxal que o neurótico tem de habitar a linguagem . A psicose m ostra que, sem este ponto, nada orienta o sentido ou dá a ele lim ite.
Mas se o pai é um sintom a propriam ente dito, não haveria um a reviravolta operada em relação a Freud? Para Freud, o gozo do neurótico, seu sintom a, torná-lo-ia associal; para Lacan, é o sintom a propriam ente dito que se torna ao m esm o tem po condição do social e o m odo particular de inscrição do sujeito no discurso, ou seja, no laço social.
Tradução de Helena Floresta de Miranda
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Alain Vanier