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CIDRDRIlJIR-RCÕES INTEGRRDR5 DE SRÚDE
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POLíTICR DE
UNIVERSRLIZRCRD
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SERVICOS DE SRÚDE
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ESCOLA DE ADMINISTRAÇAO DE EMPRESAS DE SAO PAULO
DA
FUNDAÇAO GETOLIO VARGAS
\ ,
LUIZ FERNANDO NICZ
ASSISTENCIA MEDICA E CIDADANIA - AÇOES INTEGRADAS DE SAODE COMO
POLITICA DE UNIVERSALIZAÇAO DOS SERVIÇOS DE SAODE
,
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.,GV d e E m p m s a s d e !!S iloP " U lo ~ B ib lio t e c a
J ,
Dissertação apresentada ao Curso';
~e P6s-Graduação da EAESP/PGV
como requisito para a obtenção
do título de mestre em Administração;
Area de Concentração~ Hospitais
e Sistemas de Sa~de.
Orientador: Prof~Lupercio de SouzaCort~z Junior
,
SAO PAULO
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s c o la d e A d m ir::~ tra ç ã OONMLKJIHGFEDCBAd e;5E m p re s a s d o _ a o P a u lohgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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ASSIST~NCIAZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAMEDICA E CIDADANIA
-AÇOES INTEGRADAS DE SA~DE COMO POLITICA DE
UNIVERSALIZAÇAO DOS SERVIÇOS DE SA~DE
Banca examinadora
Prof.Orientador
---Prof.
- 1 1 1 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
NICZ, Luiz Fernando. Assistência Médica e Cidadania - Ações Integr~
das de SaGde como pOlítica de universalização dos serviços de saQ
de. São Paulo, EAESP/FGV, 1985. 120 p. (Dissertação de Mestrado
apresentada ao Curso de Pós-Graduação da EAESP/FGV, ~rea de
Con-centração: Hospitais e Sistemas de SaGde).
RES~MO: Conceitua saGde como direito de cidadania. Identifica as
!
~
Ações Integradas de SaGde (AIS) como política de saGde que visa
atender tal conceituação. Analisa a evolução histórica das
políti-cas de saGde da Previdência Social. Analisa os planos de saGde
for-mulados pelo Ministério da SaGde. Estabelece as características
principais de tais políticas e planos, e confronta-os com as polítl
cas de saGde do Governo da Nova RepGblica. Conceitua Ações
Integra-das de SaGde (AIS),analisa suas diretrizes, identifica os
obstácu-loshgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà sua viabilização, revê a questão do financiamento do setor
saGde. Indica perspectivas das Ações Integradas de Saúde.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
PALAVRAS CHAVES: Serviços de SaGde - Cidadania - Políticas de
SaG-de - Assistência Médica Previdenciária - Planos de Saúde - Ações
Integradas de SaGde - Universalização - Diretrizes - Perspectivas
-Financiamento - Setor Social - Setor SaGde - Prática
Institucional-Discurso Oficial - Proposta Conservadora - Proposta Modernizant~Pri
vativista - Proposta Racionalizadora - Questões Político-Institucio
àzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAminha esposa Edith, pela
compreensão, aos nossos filhos
Fernanda, Rodrigo Otávio e
Pedro Felipe,pelo estímulo que
A Carlos Gentile de Mello, me~
tre que descobrihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà distância
através de seus textos simples
e didáticos, quando ainda me
iniciava nos caminhos da
Admi-nistração de Saúde, depois am!
go e companheiro mais velho de
jornada, meu p te ito de saudade!fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
/ ' {
/ I
- VI -ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os que me incentivaram na realização do
Curso de Mestrado e na elaboração desta dissertação.
Quer tenha sido principalmente antes, como o meu amigo e
conterrâneo Haino Burmester, velho companheiro de Faculdade.
Quer tenha sido principalmente durante, como meus colegas,
meus professores e pessoal administrativo do PROAHSA.
Quer tenha sido principalmente agora, na fase de
elabora-ção e conclusão da dissertação, como o meu amigo e orientador Prof.
Lupercio de Souza Cortez Junior.
Agradeço, de forma especial, o capricho, a paciência e a
dedicação da Soeli do Rocio Daguetti na datilografia destas
pági-nas.fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
- VII -ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
lNDICE
Página
AGRADECIMENTOS VI
INTRODUÇAO 01
CAP!TULO I - SAGDE: DIREITO DO CIDADAO 03
CAP!TULOfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1 1 - AS POL!TICAS DE SAGDE DA PREVIDENCIA SOCIAL 09
1. EVOLUÇAO HISTORICA DA ASSISTENCIA MEDICA
PREVIDENCIARIA BRASILEIRA
2. PREVIDENCIA SOCIAL: A DETERMINAÇAO DE SUAS
POL!TICAS DE SAGDE
O PESSOAL OAS EQUIPES DE SAGDE
O PESSOAL MEDICO EXTERNO A PREVI
DENCIA SOCIAL
A TECNOBUROCRACIA MEDICA PREVIDEN
crARIA
2.2 AS EMPRESAS DE PRESTAÇAO DE SERVI
2.1 2.1.1 2.1. 2 2.2.1 2.2.1.1 "
ÇOS DE SAGDE
AS EMPRESAS HOSPITALARES
EVOLUÇAO HISTORICA DAS EMPRESAS
HOSPITALARES
2.2.1.2 O SURGIMENTO DA FBH
2.2.1.3 CONSOLIDAÇAO 00 PODER DAS EMPRESAS
HOSP.JTALARES
2.2.2 AS EMPRESAS DE PRE-PAGAMENTO
10 23 24 25hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 2 6 29 31 32 34 3 6 39 3. CARACTERtSTICAS ATUAIS DOS SERVIÇOS MEDICOS
DA PREVIDENCIA SOCIAL 43
3.1 OS SERVIÇOS PROPRIOS 43
3.2 OS SERVIÇOS CONTRATADOS (CREDENCIADOS)49
l
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 3.3.1 3.3.2 ~3~3~3 .3.3.4 3.3.5 3.3.6- VIII -ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Página
AS EMPRESAS DE MEDICINA DE
GRUPO CONVENIAD~S
AS COOPERATIVAS M~DICAS
CONVE-NIADAS
53
56
OS SINDICATOS URBANOS CONVENIADOS 56
ORGAOS GOVERNAMENTAIS CONVENIADOS 57
HOSPITAIS DE ENSINO CONVENIADOS 58
CONvENIOS RURAIS 58
CAPITULO 111 - AS POLITICAS DE SA~DE DO MINIST~RIO DA SA~DE 60
1. O PLANO SALTE 60
2. O PLANO DE ASSISTENCIA MEDICA AOS
MUNICI-PIOS
3. O PLANO NACIONAL DE SA~DE
4. O PIASS
5. O PREV-SA~DE
61
62
63
65
CAPITULO IV - REFLEXOES SOBRE AS POLITICAS DE SA~DE
1. AS POLITICAS SOCIAIS (E AS DE SA~DE) NOS
PLANOS DE DESENVOLVIMENTO 68
2. ANALISE DAS POLITICAS E PLANOS DE SA~DE 73 67
2.1 AS CARACTERISTICAS DOS PLANOS DE
SA~DE 73
2.2 O PLANO DE SA~DE "IDEAL" 75
2.3 AIS E O PLANO "IDEAL" DE SA~DE 76
CAPITULO V - AÇOES INTEGRADAS DE SA~DE: POLITICA DE SA~DE
DO GOVERNO DA NOVA REP~BLICA 79
1. A HISTORIA RECENTE DA INTEGRAÇAO DAS
AÇOES DE SA~DE 79
2. AS PRiNCIPAIS DIRETRIZES DAS AÇOES INTEGRA
l
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA- IX -ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Página
3. AS PRINCIPAIS DIFICULDADES A VIABILIZA
ÇAO DAS AÇOES INTEGRADAS DE SA~DE
4. AÇOES INTEGRADAS DE SA~DE E A QUESTAO
DO FINANCIAMENTO DOS SERVIÇOS DE SA~DE 89
86
5. PERSPECTIVAS DAS AÇOES INTEGRADAS DE
SA~DE COMO POLITICA DE UNIVERSALIZAÇAO
DOS SERVIÇOS DE SA~DE 97
99 5.1 A PROPOSTA CONSERVADORA
5.2 A PROPOSTA MODERNIZANTE/PRIVATI
VISTA 102
5.3 AIS COMO PROPOSTA RACIONALIZADORA 104
CAPITULO VI - COMENJARIOS:FINQIS 107hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L AIS: O AMBIENTE EM QUE SE DESENVOLVEM 107
2. AIS: AS QUESTOES POLITICO-INSTITUCIONAIS 110
3. AIS: AS QUESTOES ORGANIZACIONAIS 110
4. AIS: AS QUESTOES T~CNICO-OPERACIONAIS 111
5. AIS: CONCLUSOES FINAIS 112
TABELA 1
TABELA 2
TABELA 3
TABELA 4
TABELAS
- ASSISTENCIA M~DICA NA PREVIDENCIA SOCIAL
(CLIENTELA URBANA) - BRASIL - 1984
- ASSISTENCIA M~DICA NA PREVIDENCIA SOCIAL
(CLIENTELA URBANA) - ESTADO DE SAO PAULO-1984 45 44
- ASSISTENCIA M~DICA NA PREVIDENCIA SOCIAL
(CLIENTELA URBANA) - EVOLUÇAO HISTORICA
-BRASIL - 1974/1984
- ORÇAMENTOS COMPARADOS: INAMPS e MINIST~RIO DA
SA~DE - S~RIE HISTORICA - BRASIL - 1979/83 92
GRAFICOSzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
- ASSISTENCIA MEDICA NA PREVIDENCIA SOCIAL
(CLIENTELA URBANA) - EVOLUÇAO HISTORICA
BRASIL - 1980 a 1984 - CONSULTAS MEDICAS
EM PROPRIOS, CONTRATADOS, CONVENIADOS
- ASSISTENCIA MEDICA NA PREVIDENCIA SOCIAL
(CLIENTELA URBANA) - EVOLUÇAO HISTORICA
BRASIL - 1980 a 1984 - INTERNAÇOES HOSPITALARES
EM PROPRIOS, CONTRATADOS, CONVENIADOS 48
GR~FICO 111 - EVOLUÇAO HISTORICA DAS DESPESAS COM BENEF!CIOS TABELA 5
TABELA 6
GR~FICO I
GR~FICO 11
.~..fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
- X
-Página
- DEMONSTRATIVO DA DESPESA PER CAPITA NA
ASSISTENCIA MEDICA E SANIT~RIA DO
INAMPS-1984
- PERCENTUAIS DE DESPESA DE ASSISTENCIA MEDICA
E SANIT~RIA 00 INAMPS - 1981-84
93
100
47
E COM ASSISTENCIA MEDICA DA PREVIDENCIA
INTRODUÇAOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o
setor saGde no Brasil, como parte do setor social, temsofrido os impactos do tipo de desenvolvimento econômico e
políti-co do País.
vários analistas, através de livros, ou publicações em r~
vistas especializadas, ou mesmo como produto de dissertação de Mes
trado ou teses de Doutoramento, têm enfocado o desenvolvimento his
tórico do setor saúde em nosso País, sob um ponto-de-vista crítico.
Com este material como pano de fundo, procuro analisar as
políticas atuais de saGde, que tentam colocar em prática o que até
aqui vinha sempre colocado como proposta, e vislumbrar suas
pectivas frente ao ambiente político e momento histórico em
são formuladas.
per~
que
Esta dissertação, assim, constitui-se em "dissertação de
análise teórica, tipo I", conforme classificação da 'Coordenadoria
do CMA/EAESP/FGV, que a define como: "simples organização coerente
de idéias, originadas de bibliografia de alto nível, em torno de
um tema específico".
No desenvolvimento da mesma, procuro mostrar, no Capítulo
I, as relações entre assistência médica e cidadania, e conceituar
o acesso a serviços de saGde como direito de cidadania.
No Capítulo 11, analiso a evolução histórica das
políti-cas de saGde da Previdência Social, explícitas ou não como tal,ofi
cialmente.
No Capítulo 111, 'analiso as políticas de saGde
originá-rias da instituiçãohgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà qual ,legalmente, compete a formulação de
2
-No Capítulo IV, faço uma reflexão crítica sobre as polítl
cas e planos de saúde analisados nos dois Capítulos anteriores,bu~
cando uma tipologiaEDCBAideal para um plano de saúde, e verifico se
as pOlíticas atuais, as Ações Integradas de Saúde (AIS),
encaixam-se em tal tipologia.
No Capitulo V, analiso especificamente as AIS como politl
ca de universalização dos serviços de saúde, verificando quais suas
principais diretrizes, quais os principais obstáculoshgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà sua
viabi-lização.
No Capitulo VI, que encerra esta dissertação, apresentoas
conclusões sobre as perspectivas das AIS, ou seja,sobre as perspe~
tivas de universalização dos serviços de saúde, em atendimento à
- 3 -ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
CAP1TULO I
SAODE: DIREITO DO CIDADAOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o
período pOlítico que ora atravessamos no Brasil, o daredemocratização do País, reforça a discussão de questôes cruciais
que aguardam respostas apropriadas à presente fase histórica de
nosso desenvolvimento.
Entre estas questôes, o acesso a serviços de saGde (1) co
mo direito de todo e qualquer cidadão, e a garantia de tal acesso
como dever do Estado, emerge como uma das mais importantes a serem
incluídas na nova Constituição e garantidas pelas políticas
so-ciais (2) do Governo da Nova RepGblica.
Pois, em que pese a inclusão do direito à saGde como um
dos direitos fundamentais previstos na Declaração Universal dos Di
reitos do Homem, aprovada pela maioria dos países no período
pós-guerra imediato, em 1948, e da qual o Brasil é signatário,aqui tal direito ainda não está estendido a toda a população, não se consti
tui em "direito de cidadania".
(1) Usarei o termo Serviços de SaGde como conceituado por:
SINGER, Paul
&
CAMPOS, Oswaldo&
OLIVEIRA, Elizabeth M. de. Prevenir e Curar: o controle através dos serviços de saGde . Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1.981. 166 p."Consideramos Serviços de SaGde os que tratam do exercíciole gitimado da medicina, da odontologia e outras atividades cu= jo fim explícito é preservar ou restaurar a saGde da
popula-ção. Não estão compreendidas nesta categoria: a) a 'medicina popular' (não-legitimada); b) a indGstria produtora de 'bens de sa~de', como a farmacêutica, de equipamento hospitalar;c) atividades que, embora ·influam fortemente sobre a situaçãode sa~de da população, como por exemplo os serviços de saneamen
to, não fazem parte dos Serv iças de saúce p rop riamente ditos".fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p • 9 .
(2) Ver relação das políticas SOCIaIS, em especial as previdenciá-rias, com os direitos de cidadania em:
4
-Está certo que evoluímos bastante, desde a promulgação da
primeira lei previdenciária, em 1923, no sentido de dar cobertura,
através de serviços médicos, a parcelas crescentes da população,em
especialhgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà crescente população urbana. Está certo também que a
as-sistência médica previdenciária; ao ser prestada sem guardar
pro-porção com o valor da contribuição, tende a agir no sentido de pr~
mover a equidade (diferente dos benefícios previdenciários, que
guardam estreita correspondência com o valor da contribuição). Há
certas evidências, no entanto, de que o consumo de serviços médicos
previdenciários tem características de regressividade (3), ou
se-ja, consome mais serviços médicos previdenciários,especialmente os
mais caros, quem tem melhores condições econômicas. O que contraria
a noção de equidade.
Estou entendendo aqui o conceito de equidade tanto como
"o ideal de reduzir ou extinguir desequilíbrios sociais" (4), por
parte do Estado, quanto, genericamente, a igual oportunidade de
obter bens e serviços (pelo menos os básicos), por parte do
cida-dão (5).
A equidade é o objetivo principal das pOlíticas sociais
constituindo estas, "em sociedades como a nossa ... tentativa de
minimizar na esfera da distribuição, problemas que são originados
na esfera da produção. Fosse o sistema produtivo organizado em ou
(3) A discussão sobre regressividade do financiamento do setor Sa~ de é encontrada em:
VIEIRA, César. Apontamentos para a análise do financiamento das políticas nacionais de saude. Brasília, mimeo, agosto de 1984. 39 p.
(4) SANTOS; W.G. Cidadania e Justiça. p. 16.
(5) Conforme o conceito de equidade implícito na interessante dis-cussão a respeito dos paradigmas "libertário" e "igualitário" na administração de cuidados médicos,em:
DONABEDIAN, Avedis. Aspects of MedicaI Care Administration:
- 5 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tras bases, talvez grande parte dessas políticas sociais perderiam
sua razão de ser" (6).
NO que diz respeito à evolução das políticas sociais, de
que a política previdenciária brasileira é um bom exemplo, "é
usual afirmar-se que, uma vez i~iciada a interferência do Estado
na regulação social, deflagra-se inexorável tendência à expansão
do escopo dessa interferência, ainda que em ordem e ritmos
variá-veis de país a país, levando a uma convergência na produção
esta-tal, mais ou menos uniforme, de uma política de bem-estar, indepe~
dente dos atributos pOlíticos dos diversos países, embora
vincula-da à variação em seus re~pectivos níveis de riqueza" (7).
"Aparentemente, a tendência universal da política de
bem-estar é iniciar com programas relativos a acidentes de trabalho,e~
pandindo-se para a cobertura de velhice, invalidez e dependentes ,
depois, doença e maternidade, alargando-se para abonos familiares
(salário-família e salário-educação, por exemplo) para chegar,
fi-nalmente, ao seguro-desemprego" (8).
Na realidade, no Brasil, o direito à assistência médica
está garantido apenas na Previdência Social, ou seja, apenas aos
cidadãos contribuintes da mesma, inseridos no mercado de trabalho
formal. Desta forma, o indivíduo tem direito à assistência médica
não por ser cidadão, mas por ser um cidadão contribuinte da
Previ-dência Social. Em outras palavras, não se trata do exercício de
um direito de cidadania, mas de direito adquirido pela
contribui-ção financeira mensal e obrigatória para a ~revidência Social.
(6) VIEIRA, C. Apontamentos para a análise do financiamento das po líticas nacionals de saude. p.l.
(7) SANTOS, W.G. Cidadania e Justiça. p.16.fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(8 ) . Cidadania e Justiça. p.16 e 17.
6
-Os cidadãos não contribuintes da Previdência Social, e
sem recursos financeiros, ficam à mercê da caridade do Estado, ou
de entidades filantrópicas e beneficientes.
Tal situação é reforçada pela Constituição vigente, onde
"a proteção da sa~de, apesar de ser indispensável para uma vida
normal e para a própri~ sobrevivência das pessoas, só aparece como
um direito no capItulo referente aos trabalhadores e ainda assim
de modo insuficiente ... não se pode dizer que o direito à proteção
da sa~de esteja assegurado às pessoas na Constituição brasileira (9).
Nestes meses iniciais do Governo da Nova Rep~blica, a un!
versalização dos Serviços de Sa~de, implIcita na frase "sa~de é di
reito do cidadão e dever do Estado" (10),EDCBAvem sendo colocada como
objetivo prioritário da polItica de sa~de, através do reforço à es
tratégia das Ações Integradas de Sa~de (AIS).
Ao mesmo tempo, as discussões preliminares sobre os
pon-tos a serem contemplados na próxima Constituição, no capItulo refe
rente à proteção da sa~de, tem sempre colocado a universalização dos
Serviços de Sa~de como item obrigatório e prioritário.
Apesar de prioritária na polItica de sa~de do Governo da
Nova Rep~blica e nas discussões sobre a Nova Constituição, a
uni-versalização dos Serviços de Sa~de é dificultada na prática, por
alguns fatos concretos:
(9 ) DALLARI, Dalmo de Abreu. O que são direitos da pessoa.S.Paulo, Brasileira, Coleção PrimeIros Passos, nº 49, 5ª ed. ,1985.P. 57 e 58.
(10) Ver a este respeito a transcrição, nos jornais da época (mar-ço de 1985), do discurso de posse do Ministro da Sa~de Deputa do Carlos Santana; ver também documentos de seminários inter~ nos promovidos pelos Ministérios da Sa~de, e Previdência e Assistência Social, sobre Ações Integradas de Sa~de (AIS) no mês de agosto de 1.985.
7
-- a organização pluralista da assistência médica no Brasil,
mas com forte predomínio da assistência médica previdenciária;
- e, por consequência, a diversidade de fontes de financi!
mento da assistência médica, mas com forte predomInio das contribui
ções para a Previdência Social.
Vemos assim que a simples definição, pelo Governo, da
uni-versalização dos serviços de saúde através das AIS, como o objetivo
maior de sua política de saúde, não constitui garantia
de que o mesmo será alcançado.
suficiente
~, aliás, o qu~ nos ensina a análise dos planos de saúde
oficiais até aqui formulados, como veremos maishgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà frente.
Pois, como diz Luz (11):
"Política de Saúde é a forma histórica mais ou menos explí
cita como o Estado conduz o problema das condições de sanidade da
população. Esta condução varia conjunturalmente e comporta um
con-junto de divergências, incoerências e mesmo oposições internas. Des
te ponto-de-vista, qualquer Estado tem uma política de saúde, por
menos explícita em programas que ela seja, e por menor importância
política que tenha a saúde no conjunto dos setores do Estado, isto
é, por menor que seja seu papel na estratégia de hegemonia".
Ou seja, temos que tentar apreender em que ambiente, em
que momento histórico de nosso desenvolvimento, sob a pressão de
que forças e grupos de interesses, tal política está sendo
formula-da.
8
-o
que nos leva a procurar na evolução histórica de nossosetor Saúde, o significado das políticas explicitadas ou não como
tal, suas consequências, antes de nos determos em análise mais
es-pecífica das AIS.
Para isso, veremos primeiramente, e com destaque especial,
a evolução da assistência médica previdenciária, quais suas
polí-ticas, e consequentes características de seus serviços nos dias
atuais. Depois, veremos as políticas oficiais de saúde,emanadas do
- 9 -ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
CAPITULO 11
AS POLITICAS DE SAODE DA PREVIDENCIA SOCIAL (12)
A assistência médica previdenciária hoje é muito forte e
importante no País, domina o setor SaGde e determina suas políti
caso
Os interesses de ordem econômica e política daí
decorren-tes, ao mesmo tempo em que constituem pré-requisito indispensável_hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à universalização da assistência, objetivo maior da política
ofi-cial do Governo da Nova RepGblica, pode ser considerável obstáculo
na sua viabilização.
Veremos, neste capítulo, como a Previdência Social
assu-miu esta posição hegemônica no setor SaGde, quais os fatores e gr~
pos de pressão determinantes de suas políticas, quais as consequê~
clas no perfil atual de seus serviços.
(12) Este capítulo se baseia em:
- 10 -ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1. EVOLUÇAO HISrORICA DA ASSISrENCIA M~DICA PREVIDENCIARIA BRASILEI
RA
Podemos dividir, com alguns autores (13), o histórico da evolução da assistência médica da Previdência Social brasileira em
pelo menos quatro períodos distintos.fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a ) 1923 - 1930
Na esteira da agitação social das duas primeiras décadas
deste século e que culminam nas greves gerais de 1917 e 1919, con-sequente às péssimas condições de trabalho do incipiente operariado
urbano, é sancionado o Decreto Legislativo nº 4.682, de 24 de jane!
ro de 1923, a "Lei Eloy Chaves", marco inicial da Previdência So-cial brasileira.
(13) Ver a respeito:hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~ n ,M 3 r i a Ca::íliaFerro.~1edicina e Sociedade: o médico e seu
mer-cado de trabalho. são Paulo, pioneira, 1975. 174 p.
LUZ, Madel Terezinha. SaGde e instituições médicas no Brasil. In GUIMARAES, Reinaldo: Saude e MedICIna no Brasil: contri-buições para um debate. p.I57-74 .
. As instituições médicas no Brasil: insti -..,-t-ui-ç'""'ã-o-e-e-s..,-t-r-a-rt-.é-gia de hegemonIa. R. de .J a n e Lr o , Graal, 1979.
292 p.
FLEURY TEIXEIRA, Sonia Maria. Complexo Previdenciário de As-tência Médica. Rio de Janeiro, dissertação de Mestrado ao IUPERJ, mimeo, 1979.
POSSAS, Cristina Albuquerque. SaGde e Trabalho - a crise da Previdência Social. Rio de Janeiro, Graal, 1981. 324 p.
BRAGA, José Carlos S.
&
GOES DE PAULA, Sergio. SaGde e Previ-dência - estudos de política social. São Paulo, Cebes-Hucitec,1981. 224 p .
COHN', Amélia. Prev idência Social e Processo Político no Brasil. São Paulo, Moderna, 1981. 237 p.
11
-A criação da primeira Caixa de Aposentadoria e Pensões
de-ve ser entendida assim, no contexto das reivindicações operárias do
início do século, como resposta do empresariado e do Estado à
cres-cente importância da questão social. Igual à primeira lei
previden-ciária de que se tem notícia, a 'do período de Bismarck na Alemanha
de 1881, o seguro social é implantado no Brasil como instrumento
neutralizador de tensões políticas e sociais existentes.
"No que diz respei to à assistência médica, a Lei Eloy Chaves
prevê a prestação de serviços médicos aos filiados às Caixas, sem
porém estipular o 'quantum' de recursos que podem ser destinados pa
ra esse fim. Em 1931, esse 'quantum' será fixado em 8% do total de
recursos disponíveis, não podendo ultrapassar esse percentual"(14).
Pelo menos na Legislação, a assistência médica é igualada
aos demais benefícios, os quais são referidos na seguinte ordem: as
sistência médica, inclusive aos familiares, medicamentos a preços
especiais, aposentadoria, pensão.
Em 1930, o sistema já abrange 47 Caixas, com 142.464
segu-rados ativos, 8.006 aposentados a 7.013 pensionistas (15).
b) 1930 - 1966
A Revolução de 1930, que coloca Getúlio Vargas no poder,
representa uma modificação nos setores de sustentação do Governo. AEDCBA
(14) COHN, A. Previdência Social e Processo Político no Brasil.p.6.
12
-crescente' massa assalariada urbana passa a se constituir no ponto
de sustentação política do novo Governo, através de um regime
cor-porativista. Já em 1930 é criado o Ministério do Trabalho,
Indús-tria e Comércio, para atuar como "instrumento de tratamento da
questão social" (16).
"O conjunto de reformas e alterações no aparelho de Estado,
a legislação trabalhista elaborada nos anos 30 e reforçada no
Estado Novo contemplou desde logo a feitura de um aparelho de
ser-viços centralmente controlado e pretendendo estender ao conjunto
dos assalariados urbanos os benefícios da previdência. Os IAP's,a~
sim, cumprem esta nOva função, não sendo um produto da evolução das
Caixas, cuja estrutura, aliás, nem é de imediato desmontada.
Diferentes da estrutura e funcionamento das CAP's os IAP's
apresentam ( ... ) características próprias" (17).
Em 1933 é criado o primeiro Instituto, o de Aposentadoria
e Pensões dos Marítimos (IAPM), em 1934 o dos Comerciários (IAPC)e
dos Bancários (IAPB), em 1936 o dos lndustriários (IAPI),
instala-do somente em 1938 após instala-dois anos de organização por Comissão para
tal especialmente designada, e em 1938 o dos Estivadores e
Trans-portadores de Cargas (IAPETEC).
Além de servir como importante mecanismo de controle
so-cial, os IAP's têm, até meados da década de 50, papel fundamental
no desenvol~imento econômico deste período, como "instrumento de
(16) POSSAS, C.A. Saúde e Trabalho - a crise da Previdência Social. p.200.
13
-captação de poupança forçada" (18),através de seu regime de capitalização.
As seguintes crises financeiras dos IAP's, e mesmo o surgi
menta de outros mecanismos captadores de investimentos
(principal-mente externos), fazem com que progressivamente a Previdência
So-cial passe a ter importância muito maior como instrumento de ação
politico-eleitoreira nos Governos populistas de 1950-64,
especial-mente pela sua vinculação clara ao Partido Trabalhista Brasileiro
(PT8).hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAE a fase áurea do "peleguismo" s~ndical.
Até o final dos anos 50, a assistência médica
previdenciá-ria não é importante. Os técnicos do setor a consideram secundária
no sistema previdenciário brasileiro, os segurados não fazem dela
parte importante de suas reivindicações.fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
E a partir principalmente da segunda metade da década de
50, que o maior desenvolvimento industrial, com consequente
acele-ração da urbanização, e assalariamento de parcelas crescentes da
população, gera maior pressão para assistência médica via
Institu-tos, e viabiliza o crescimento de um complexo médico hospitalar p~
ra prestar atendimento aos previdenciários, respaldado em normas
que privilegiam abertamente a contratação de serviços de terceiros
e, posteriormente, o repasse de recursos às Empresas, como veremos
mais à frente (19).
(18) COHN, A. Prev idência Social e Processo politico no Brasil. p. 116. (19) A respeito da privatização da assistência médica
previdenciá-ria, sob um ponto-de-vista critico, ver especialmente os tra-balhos e artigos de Carlos GENTILE DE MELLO reunidos em seus livros:
--~~---'~--~~~r--.
Saúde e Assistência Médica no Brasil.São Paulo, Cebes-Hucitec, 1977. 273 p.O Sistema de Saúde em Crise.São Paulo, Cebes-Hucitec, 1981 .
. A Medicina e a realidade brasileira
14
-Não se deve negligenciar o importante papel desempenhado
no final d~sse período pela Assóciação Médica Brasileira (AMB),que
por várias vezes interfere na defesa dos princípios liberais da
profissão, posicionando-se desta forma favoravelmentehgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà compra de
serviços de terceiros pela Previdência Social.
Em 1949, as despesas com assistência médica representam
apenas 7,3% do total geral das despesas da Previdência Social, em
1960 já sobem para 19,3%, e em 1966 já atingem 24,7% do total
ge-ral das despesas (20), confirmando a importância crescente da
as-sistência médica previdenciária.
Para Braga e Goes de Paula, "nos dez anos que vão de 1956
a 1966, este setor já se configura na forma que hoje se aprese~
ta (... )" (2l).
o
Movimento Militar de 1964, ao intervir nos IAP's, abrecaminho para a unificação dos mesmos, há muito reclamada pelos té~
nicos do setor, e sempre rejeitada pelos segurados e pelos
políti-cos que davam sustentação aos Governos populistas.
"1964 vai representar um corte no quadro político mais g~
ral do País, com intensos reflexos sobre a Previdência. O regime
que então se instala entre nós, com sua natureza autoritária, vai
mostrar-se menos preocupado do que anteriormente com as funções p~
líticas de cooptação e de legitimação que a Previdência exerce. A
representaç~o dos segurados é diminuída e depois eliminada, dando
(20) B~AGA, J.C.S. & GOES DE PAULA, S. Saúde e Previdência - estu-dos da pOlítica social. p. 71 e 72.
- 15 -hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à gestão previdenciária um caráter mais 'tecnocrático'. E,além di~
so, os mecanismos menos diretos de pressão por parte dos segurados
(Parlamento, Sindicato, Imprensa, etcJ passarão a ter uma eficácia
muito menor como porta-vozes dos interesses dos trabalhadores,
da-do o contexto repressivo geral do periodo em questão.
Como contrapartida dessa diminuição da influência dos
se-gurados sobre os rumos da Previdência Social, vai crescer a
in-fluência de interesses junto aos órgãos de direção das instituições
previdenciárias, por parte basicamente de três grupos:
1) proprietários de hospitais e clinicas credenciadas (ou
aspirantes a credenciamento);
2) os empresários das grandes companhias;
3) os proprietários das 'empresas de medicina de grupo'"(22).
c) 1967 - 1977
Em 1967 nasce o Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), produto da fusão dos IAP's, e sob forte influência dos téc
nicos oriundos do maior deles, o IAPI. Estes técnicos, que passam
à história conhecidos como "os cardeais do IAPI", de tendências
abertamente privatizantes, criam as condições institucionais nece~
sárias ao desenvolvimento do "complexo médico-industrial", caracte
ristica marcante deste periodo.
De 1967 até meados de 1974, época que praticamente coinci
de com a do "milagre econômico", o INPS passa por uma fase de
aco-modação e adaptação à sua nova estrutura burocrática, e o
cresci-menta de seus serviços não é tão expressivo.
16
-Mas a consolidação dos princípios gerais que nortearão
suas atividades futuras ~ muito importante nesta fase (23).
o
ano de 1974 assiste ao fim do "milagre econômico", ~~poca de' enfrentar suas consequências: a insatisfação popular se
manifesta nas urnas com a vitória eleitoral da oposição. E,enfim,
~poca de crise político-econômico-institucional, e também é época
de crise de nossas instituições sanitárias, com o nível de sa~de
da população caindo a níveis muito baixos, após ter se assistido
a uma epidemia de meningite no Estado mais rico da Nação ,SãoPaulo,
no ano de 1973.
Surgem assim, com o Governo Geisel, propostas de reform~
lação da política social contidas no 11 PND, e consubstanciadas ,
na prática, entre outras, pela criação do Conselho de
Desenvolvi-mento Social (COS) e do Minist~rio da Previdência e Assistência
Social (MPAS), ambos em 1974, e pelas diretrizes emanadas destes
novos órgãos.
A criação deste Minist~rio ajuda a consolidar a
hegemo-nia da Previdência Social no setor Sa~de, que deste então não
mais ~ refutada.
A nível de discurso institucional, no entanto, a formul~
ção da política de sa~de continua sendo atribuição do Minist~rio
da Sa~de. A-Lei 6.229, de 17.07.75, que cria o Sistema Nacional de
Sa~de, ~ produto de tal atribuição.
(23) Ver as características desta fase em:
17
-A nível de prática institucional, porém, as políticas de
saúde (24) são as determinadas pela Instituição mais importante do
setor, vale dizer a Previdência Social, e são manifestas pela com
pra de serviços à rede de empresas privadas médico-hospitalares
com consequente privatização da .assistência médica previdenciária
em expansão.
o
instrumento legal que dá apoio às políticas de saúde daPrevidência Social nesse período é o Plano de Pronta Ação (PPA),de
setembro de 1974 (25). O PPA, apesar de estabelecer prioridade à
ampliação dos serviços pr6prios e à articulação com os demais
ser-viços oficiais, normaliza também as contratações de serviços de
terceiros e os convênios-empresa, que acabam sendo altamente priv!
legiados na sua aplicação prática, como veremos mais à frente.
Com a aplicação do PPA entramos na segunda fase deste
pe-ríodo, que corresponde aos anos de 1975 e 1976, que assiste a um
crescimento nunca visto dos serviços médicos da Previdência
So-cial, especialmente através da contratação (ou credenciamento) da
rede privada para atendimento ambulatorial comum e de urgência, e
hospitalar.
Tal crescimento dos serviços médicos traz consigo, eviden
temente, crescimento dos gastos médicos previdenciários, e, pela
primeira vez no período em análise, o INPS f~cha seu balanço anual
p~aticamente deficitário, dependendo do dinheiro da arrecadação re
(24) utilizo o conceito de "políticas de saúde" como expresso em: LUZ, M.T. Saúde e instituições médicas no Brasil. In: GUIMARAES,
R. ~aúde e Medicina no Brasil: contribuições para um debate.
18
-tido na rede bancária por 45 dias, praxe então consagrada, para sal
dar seus débitos com a rede privada contratada.
o
ano de 1977 constitui a terceira fase deste período,cu-jas características moldam. até hoje as diretrizes da administração
previdenciária:
- tentativas de contenção dos gastos da rede credenciada ,
estabelecendo-se "metas físicas", "índices", "parâmetros";
- os credenciamentos são sustados, tanto para atendimento
ambulatorial como hospitalar; são autorizados somente em "casos
ex-cepcionais ", e diretamente pelo Ministro;
- é introduzido o Sistema Nacional de Controle e Pagamento
de Contas Hospitalares, através do qual as contas passam a ser
pa-gas após confrontadas com um "gabarito" para cada tipo de
procedi-mento, via computadores da Dataprev (Empresa de Processamento de
Dados da Previdência Social);
- são aperfeiçoados os mecanismos de controle quantitativo
(principalmente) e qualitativo dos prestadores de serviços
creden-ciados.
d) 1978 e anos seguintes
o
crescimento expressivo da assistência médica previdenci!ria~ o risco permanente de natureza financeira que tal fato gera no
siste~a previdenciário, aliados ao "gigantismo" administrativo e fi
nanceiro do INPS, criam as condições propícias a que mais uma refor
ma se processe no interior da Previdência Social brasileira.
Cria-se, em 1978, o Sistema Nacional de Previdência e
As-sistência Social (SINPAS), que reorganiza o setor em órgãos de acor
do com súas atividades finalísticas. O Instituto Nacional de
Assis-tência Médica da Previdência Social (INAMPS) é o órgão criado para
19
-No fundo, a criação do INAMPS reafirma a hegemonia da
as-sistência médica previdenciária em nosso setor Saúde.
Ao largo, o INAMPS herda os problemas de seu antecessor
INPS, os quais tenta enfrentar com os instrumentos que listei há
pouco. Mas os problemas financeiros vão se agravando.
Em 1980, comento a respeito (26).
"( ... ) Em época em que os especialistas da área econômica
já falam abertamente em recessão, desrespeitada pelos próprios
ór-gãos oficiais, que não recolhem devidamente seus encargos sociais(...)
e 'cercado de fraudes por todos os lados' (... ) tal sistema de
Pre-vidência corre sérios riscos de insolvência. Especialmente se acre~
centarmos a este quadro de menor arrecadação, o consequente aumento
de pressão no setor de concessão de beneficios, tendo como pano de
fundo uma inflação incontrolável com queda do poder aquisitivo das
classes trabalhadoras, e suas óbvias consequências. Em tais circuns
tâncias, a assistência médico-hospitalar da Previdência Social
ten-de a funcionar ainda mais como 'tampão', no sentido ten-de diminuir as
tensões de um nada justo Sistema Social".
1981 é o ano em que o Governo finalmente assume a situação
de insolvência da Previdência Social. Entre afirmações discrepantes
sobre o exato montante do déficit e suas causas (assistência médica
para o Ministro do Planejamento, aumento dos percentuais das aposen
tadorias para o Ministro da Previdência) ,surgem as soluções.
Um velho especialista em Previdência Social brasileira
Barro~o Leite, assim as antevê (27).
(26) NICZ, L.F. A falência do Sistema Previdenciário. Curitiba, Ga-zeta do Povo, 09 e 16~06.80.
- 2 0 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
,,(... ) Os planos conhecidos e os responsáveis por elesafir
mam que o reforço virá de outra~ fontes, porém, assim como o faleci
do José América de Almeida talvez tenha perdido o Governo porque
disse que sabia aonde estava o dinheiro, às vezes perco um pouco o
sono porque sei, nessas questões, de onde ele costuma vir".
Ele está certo.
Ap6s ter o Legislativo aprovado a "Lei de taxação dos
pro-dutos supérfluos", o Executivo, considerando-a também supérflua, e
in6cua para cobrir o déficit previdenciário, dispõe sobre a matéria.
~ uma vez mais dos bolsos do contribuinte que virá o dinheiro neces
sário para saldar os débitos previdenciários.
~ certo que as empresas também têm suas alíquotas de
con-tribuição aumentadas em 25% e que o aumento das alíquotas dos
segu-rados é diretamente proporcional a seus rendimentos, o que atenua
em parte o impacto sobre a renda dos segurados de mais baixos
salá-rios. Mas, explicam Braga e Goes de Paula (28), a carga tributária
recai, de qualquer forma, sobre os segurados.
"Em suma, nem a União nem a capitalização tem sido o supor
te financeiro da medicina previdenciária, que está, isto sim, apoi~
da na receita tributária do INPS, integrada pela contribuição de
empregados e empregadores.
Poder-se-ia argumentar que os empregadores suportam a
maior parte dos gastos com medicina previdenciária. Nada mais falso.
21
-De fato, somente as contribuições dos empregados podem ser
cansideradas um tributo direto. A parcela paga pelas empresas deve
ser considerada como custos relativos a encargos sociais ecomo tal,
transferidos aos consumidores sob a forma de aumento no preço dos
produtos ou serviços".
A crise financeira da Previdência Social traz a necessi
dade de racionalização de seus gastos, em especial em sua área mais
crítica e vulnerável, a assistência médica.
Deste modo, para estabelecer as diretrizes gerais de uma
assistência médica organizada de uma forma mais racional, é criado
o Conselho Consul tivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP )
(29).
Em que pese sua natureza de "órgão consultivo", o CONASP
acaba se portando, na prática, como o órgão determinador das
dire-trizes do INAMPS, ocupando o lugar de outros órgãos já existentes
tanto no Ministério da Previdência como no INAMPS. Por isso se fala
que sua criação, na realidade, teve o caráter de "intervenção
bran-ca" na área de assistência médica da Previdência Social.
(29) O CONASP é criado pelo Decreto nº 86.328, de 2 de setembro de 1981, que, em seu art.2, diz:
22
-Assim, em 1982, o CONASP divulga seu "Plano de
Reorienta-ção da assistênciahgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà saGde no âmbito da Previdência Social"(30)~ue,
após incorporar em sua redação as principais criticas até então
di-rigidas à assistência médica previdenciária, lista várias estraté
gias de alteração do modelo assistencial vigente. Três linhas
bási-cas de ação compõem o Plano:
- racionalização dos gastos com serviços contratados na
área hospitalar privada, através da implantação de um "novo"
(aper-feiçoamento burocrático do anterior) modelo de controle e pagamento
de contas hospitalares - "Sistema de Assistência Médico-Hospitalar
da Previdência Social";
- reorganização dos serviços ambulatoriais próprios(Postos
de Assistência Médica) e contratados (médicos/clinicas credenciados),
hierarquizando-os, através da implantação do "Projeto de
Racionali-zação da Assistência Ambulatorial - INAMPS/credenciados";
- maior e melhor utilização da rede p~blica de serviços bá
sicos de saGde, através da implantação do "Convênio Trilatera~MPAS/
MS/SES", substituido posteriormente pelas "Ações Integradas de SaG
de" (AIS).
o
Plano do CONASP passa a ser executado já em fins de 1982,especificamente nos dois primeiros itens acima; no caso especifico
das AIS, os primeiros convênios são assinados em meados de 1983.
o
Governo da Nova RepGblica, ao assumir em março de 1985,faz das "Ações Integradas de SaGde" (AIS) a sua politica oficial de
saGde, rumo à universalização da assistência médica, e apressa a
assinatura de novos convênios com as Secretarias Estaduais e
Muni-cipais de SaGde, englobando assim, a quase totalidade dos serviços
pGblicos de saGde como conveniados da Previdência Social.
(30) BRASIL, Ministério da Previdência e Assistência Social,CONASP. Reorientação da Assistência à SaGde no âmbito da Previdência
23
-2.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAPREVIDENCIA SOCIAL: A DETERMINAÇAO DE SUAS POL1TICAS DE SAODE
o
"Programa de Ação 1977 - INPS" (31) enfatiza (e portantoreconhece) a existência de "quatro grandes setores influentes nas
decisões em relaçãofedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà assistência médica: as empresas de prestação
de serviços de saúde, a indústria farmacêutica, a indústria de equi
pamentos, e o pessoal das equipes de saúde".
Landmann (32) chama o conjunto destes quatro setores de
"complexo médico-industrial", e ainda o sub-divide em "médico-indus
trial indireto" (indústrias farmacêuticas e de equipamentos) e
"mé-dico-industrial direto" (empresas de prestação de serviços de saúde,
e pessoal das equipes de saúde).
DevidohgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà sua maior importância na determinação das
políti-cas de saúde da Previdência Social, analisarei aqui somente o
"com-plexo médico-industrial direto" (33).
(31) BRASIL, Ministério da Previdência e Assistência Social - INPS. Programa de Ação 1977 - INPS. p.ll.
(32) LANDMANN, Jayme. Evitando a saúde e promovendo a doença. Rio de Janeiro, Achlame, 1982. p.30.
(33) Não se trata aqui de sub-estimar o papel das indústrias farma-cêuticas e de equipamentos na determinação das políticas de saúde previdenciárias. A "maior importância" que atribuo às em presas de prestação de serviços de saúde e ao pessoal das equT pes de saúde está muito relacionada com sua maneira contínua
e
direta de exercer pressão sobre a Previdência Social.
Análise crítica da atuação das indústrias farmacêuticas em nos
so País, pode ser vista em:
-CORDEIRO, Hésio A. A Política de Medicamentos. In: GUIMARAES,R. Saúde e Medicina no Brasil: contribuições para um debate. p.
253-65. .
- 24 -ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2.1 O PESSOAL DAS EQUIPES DE SAUDE
o
profissional mais importante e influente das equipes desa~de é o médico, e porisso analisarei aqui as pressões exercidas
pelos médicos na formulação das 'políticas previdenciárias.
Estas pressões podem ser exercidas de uma posição externahgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à Previdência Social, através de suas vinculações com a mesma, ou
o médico pode exercê-las de uma posição interna à Previdência
So-cial, por fazer parte da tecnoburocracia médica previdenciária.
GIOVANI, Geraldo. A questão dos remédios no Brasil. São Paulo,Polis, 1980. 148 p.
PACHECO, Mario Victor de Assis. IndGstria Farmacêutica e Segurança Nacional. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968. .
. A Máfia dos Remédios. Rio de Janeiro; -":=;C~i-v""'i""'l-'i-z-a-ç""'ã::-o---'B~r-a-·
s r r s r
-r-a-,--"-1":=;9-=;7=8.KUCINSKY, Bernardo
&
LEDOZAR, Robert. Fome de Lucros. São Paulo,Br! siliense, 1977.BRAGA, J.C.S.
&
GOES DE PAULA, S. Sa~de e Previdência - estudos de política social.Ver ainda em:
BRASIL, Diário do Congresso Nacional, Suplemento. Relatório da CPI do Consumidor. Brasília, 12.05.77.
BRASIL, Congresso Nacional. Relatório Final da CPI da Ind~stria Far macêutica. Brasília, mimeo, 1980.
Análise da atuação da Associação Brasileira das Ind~strias Farmacêu tica (ABIFARMA), na defesa de seus interesses, pode ser vista em:
NICZ, Luiz Fernando. A Instituição Médica e a Ind~stria Farmacêuti-ca no Brasil - o papel da ABIFARMA.fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsão Páulo, PROAHSA,mimeo~ 1981.22p.
São muito poucos os trabalhos que analisam o setor de ind~striasde equipamentos médicos no Brasil; alguns dados a este respeito podem ser vistos em:
- 25 -ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2.1.1 O PESSOAL MfDICO EXTERNO A PREVID~NCIA SOCIAL
Já me referi anteriormentehgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà influência da Associação Médl
ca Brasileira (AMB), fundada em 1951, no favorecimento da
contrata-ção de serviços de terceiros pela Previdência Social nas décadas de
50 e 60.
Atualmente, a nova conformação do mercado de trabalho médi
co, que aponta inexoravelmente para o assalariamento, tem tornado
importante a atuação dos Sindicatos Médicos na defesa dos
interes-ses da categoria.
Landmann aponta a heterogeneidade econômica hoje existente
na classe médica, e a divide em A,B e C, de acordo com seu modo
principal de trabalho e renda daí decorrente (34).
No mercado de trabalho, o médico se relaciona com a
Previ-dência Social através das seguintes formas (pura ou combinadas)prin
cipais:
- é seu empregado, atendendo em Postos ou Hospitais do
INAMPS um n~mero determinado de pacientes, em 4 horas de trabalho
por dia, e ganha por salário;
- é empregado de Secretaria Estadual ou Municipal de Sa~de,
atendendo em Centros/Postos de Sa~de um n~mero determinado de
pa-cientes, em 4 horas de trabalho por dia, e ganha por salário;
- é seu credenciado em consultório e/ou hospital,
atenden-do geralmente um n~mero determinado de pacientes por dia no
primei-ro caso, e atendendo sem limitaçôes no segundo; o ganho é por ato
médico realizado,cujo valor é estabelecido nas Tabelas de Procedimentos da
Previdência Social.
(34) Ver detalhes desta classificação em:
- 2 6 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
- é empregado de empresa de medicina de grupo, atendendo
um n~mero determinado de pacientes por dia na sua jornada de
traba-lho, ganhando por salário;
- é membro de cooperativa médica, atende em seu
consultó-rio os pacientes que o procuram, ou em hospital, ganha proporcional
mente à sua participação na produção da receita da cooperativa (na
realidade, de suas "sobras" - ou lucro).
Esta conformação atual do mercado de trabalho médico, vale
dizer do mercado de trabalho da Previdência Social, explica a
hete-rogeneidade dos interesses e das reivindicações da categoria médica,
manifesta pela ambiguidade das posições assumidas por seus órgãos
representativos, que não demonstram ter algum projeto definido, ou
pelo menos esboçado, no sentido de reorganização dos serviços de
sa~de previdenciários.
Por outro lado, setores mais criticas no interior da
cate-goria médica não conseguiram definir, com mais detalhes, qualquer
projeto de reorganização do setor, a partir de suas entidades, e
porisso mesmo seu discurso é ainda muito genérico, e por vezes
con-traditório.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2.1.2 A TECNOBUROCRACIA M~DICA PREVIDENCIARIA
A criação do INAMPS, em 1978, dá oportunidade aos médicos
de assumirem integralmente a administração da assistência médica
previdenciária, até então subordinada, de alguma forma e em maior
ou menor grau, à tecnoburocracia não médica do então INPS.
Isto pode satisfazer a nós, médicos, mas não necessariamen
te tem sido bom para a Previdência Social.
Explico: substitui-se uma tecnoburocracia não médica, mas
- 2 7 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
médica, de modo geral incompetente em administração e Previdência.
Vejamos as características principais da
médica previdenciária.
tecnoburocracia
o
médico burocrata previdenciário típico é aquele que vematuar na área de "papéis" por estar "cansado de atender doentes no
Posto", por estar aguardando merecida aposentadoria, por não poder
atrapalhar seus outros compromissos - geralmente consultório
parti-cular - com um horário de trabalho no INAMPS (na área burocrática
sempre se pode arranjar um horário mais flexível, e, além disso,não
há doentes esperando), ou ainda, para atender o convite irrecusável
de um colega já burocrata (nos tempos atuais, o convite pode partir
de um político). Poucos são os médicos jovens que se dispõem a
dei-xar seus lugares nos Postos, onde, além do atrativo do exercício
diário da profissão, têm o atrativo muito mais forte dos pacientes
que encaminham para eles mesmos atenderem nos hospitais, ganhando ,
como já vimos, proporcionalmente aos atos médicos realizados.
Assim, o perfil dos médicos que compõem a tecnoburocracia
previdenciária pode ser descrito: formado há pelo menos 20 anos em
Faculdade tradicional, especialista, trabalha em tempo parcial no
INAMPS ("com sacrifício") pois seu interesse maior continua em seu
consultório particular ou no trabalho hospitalar, geralmente mantém
vínculo com o próprio INAMPS como "credenciado".
Com este perfil, coerentemente, a tecnoburocracia médica
previdenciária é defensora ~o sistema de credenciamento de serviços
particulares, pagos por serviços realizados, que acredita ser a
mo-dalidade de assistência médica previdenciária mais condizente com
seus arraigados ideais de prática médica liberal (ou com seus
28
-Muita da condescendência crônica da Previdência Social em
relação às denúncias constantes de fraudes e mau atendimento nos
serviços credenciados pode ser explicada por esse perfil de sua
tecnoburocracia médica. Assim como o não prestigiamento dos
servi-ços próprios e órgãos estataii. E ainda, a expansão limitada dos
convênios-empresa com a participação das empresas de medicina de
grupo, consideradas mercantilistas.
~ este perfil que explica a aliança explícita ou não que
se estabelece entre a tecnoburocracia médica previdenciária e os
órgãos representativos dos serviços credenciados pela Previdência
Social, em especial com o mais expressivo destes, a Federação
Bra-sileira de Hospitais (FBH) (35).
Mudar este perfil da tecnoburocracia médica
previdenciá-ria, ou alterar sua composição qualitativa e quantitativa,não cons
titui tarefa fácil.
Mas há esperança. E também indícios de mudanças.
Assim, os médicos que têm sido designados para os
princi-pais cargos da Direção Geral do INAMPS, a partir do final de 1981,
não se encaixam no perfil traçado para a tecnoburocracia médica
previdenciária.
- 2 9 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Mais ainda, neste início de Governo da Nova República,qu~
se todos os cargos de confiança mais importantes da Direção Geral
do INAMPS e de suas principais Superintendências Regionais,ou
se-ja, os cargos que constituem o nível político da instituição,estão
sendo ocupados por médicos oriundos da área de Saúde Coletiva(36).
Estes dirigentes assumem a estratégia de melhoria e
am-pliação dos serviços próprios, e de convênios com as Secretarias
Estaduais e Municipais de Saúde, como altamente prioritária na
reorganização da assistência médica previdenciária.
Mas, note-se bem, os cargos de carreira, ou os cargos
co-missionados de importância menor a nível administrativo da
insti-tuição, exclusivos de médicos do quadro de pessoal, continuam
sen-do ocupasen-dos por profissionais cujo perfil está muito próximo ao
traçado anteriormente.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2.2. AS EMPRESAS DE PRESTAÇAO DE SERVIÇOS DE SAODE
Constituem, tradicionalmente, o setor mais importante e
influente junto aos órgãos decisórios previdenciários.
Este setor pode ser sub-dividido em:
- empresas hospitalares (além de clinicas,laboratórios de
análises clínicas, serviços de radiologia, e outros, todos ou
qua-se todos particulares com fins lucrativos); a relação característi
ca com a Previdência Social se faz através de credenciamento, com
pagamento por serviços prestados, de acordo com Tabela;
30
-- empresas que atuam no sistema de pré-pagamento, com a
participação financeira da Previdência Social através de um valor
"per-capital' segurado: medicina de grupo, e cooperativas médicas.
Antes de passarhgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà análise desses sub-setores, vejamos
co-mo documentos oficiais da pr6pria Previdência Social historiam os
fatos que propiciam e criam um ambiente altamente favorável ao
de-senvolvimento das empresas de prestação de serviços de sa~de (37).ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"Em 1960, ano em que foi sancionada a Lei Orgânica da Pr~
vidência Social, todos os Institutos de Aposentadoria e Pensôes
prestavam assistência médica a seus beneficiários, porém o maior
deles (IAPI - LFN) s6 assistia aos segurados, e ainda assim, s6 o
fazia depois de decorridos os primeiros quinze dias de doença. Ao
ampliar esta prestação de serviços, optou pelo que designou como
'grande risco', isto é, assistência hospitalar.
Esta orientação resultou, como seria de esperar, em
gran-de n~mero gran-de internaçôes por condiçôes que poderiam ter sido
ade-quadamente tratadas em ambulat6rio, se a assistência médica houves
se sido oportuna.
A orientação da assistência médica da Previdência Social
para os grandes riscos, ou seja, para a hospitalização em detrimen
to da assistência ambulatorial, foi mantida durante os primeiros
anos de funcionamento do Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS). Esta pOlítica levou o Instituto a credenciar a grande mai~
ria dos hospitais existentes,incentivando a instalação de pequenos
hospitais comerciais, criados quase exclusivamente para receber be
neficiários do INPS.
31
-Essa corrente de pensamento prevaleceu durante alguns
anos na Previdência Social, antes, durante e depois da instalação
do Instituto, e foi:
_ a principal responsável pela não aplicação dos
disposi-tivos do Regulamento da Previdência Social em sua redação de 1960,
a qual recomendava a aplicação preferencial de medidas preventivas
na proteção da sa~de dos beneficiários; tais dispositivos foram su
primidos na nova redação do Regulamento, elaborado ap6s a revisão
da Lei Orgânica da Previdência Social, em 1966;
_ ~ responsável pela quase paralisação do crescimento dos
serviços pr6prios da Previdência Social, que permanece hoje quase
igual ao que era em 1967 ao ser instalado o INPS, embora o n~mero de beneficiários tenha aumentado em mais de 12 milhôes;
_ a propugnadora da tese de transferência para as
empre-sas,mediante um convênio em que o Instituto lhes devolve parte da
contribuição previdenciária, dos encargos assistenciais e
peri-ciais médicos; a coincidência da expansão das atividades
económi-cas, aumento dos lucros empresariais e estagnação dos serviços
mé-dicos do INPS levaram ao rápida surgimento dos grupos médicos,
pa-ra contpa-ratar a prestação da assistência que o Instituto transferia
às empresas".
Feita esta digressão hist6rica, pertinente ao tema em aná
lise, passemos agora a estudar cada sub-setor separadamente.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2.2.1 AS EMPRESAS HOSPITALARES (38)
Tratarei aqui somente das empresas hospitalares,devido à
sua importância destacada dentre todos os serviços de sa~de creden
(38) A análise que aqui será feita sobre as empresas hospitalares se baseia em:
NICZ, Luiz Fernando. O papel dos hospitais na determinação das políticas de sa~de. são Paulo, PROAHSA, mimeo, 1982. 18 p.
32
-ciados pela Previdência Social.
Para -efeitos puramente didáticos, separo três tópicos
pa-ra análise: evolução histórica das empresas hospitalares, contexto
em que surge a FBH, e consolidação de seu poder.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2.2.1.1 EVOLUÇAO HISTORICA DAS EMPRESAS HOSPITALARES
o
surgimento das primeiras Caixas de Aposentadorias ePensões, e, logo depois, dos Institutos, vai encontrar o atendime~
to hospitalar realizado através das Santas Casas de Misericórdia ,
modelo herdado do colonizador português.
Os Institutos têm pouca influência no crescimento dessas
instituições hospitalares até meados da década de 50,
aproximada-mente, quando as condições econômicas gerais do País viabilizam o
aumento do nGmero de leitos e a criação de novos hospitais que pa~
sam a ser contratados para prestar assistência médica aos previde~
ciários.
Vejamos como técnicos da Previdência Social descrevem
es-tas contratações (39).
"As contratações de hospitais nos antigos IAP's já foram
feitas por concorrência pGblica. O IAP fazia edital anunciando os
serviços hospitalares que pretendia para seus beneficiários, os
hospitais interessados inscreviam-se propondo seus preços e a
con-corrência era julgada, concluindo em geral pelos menores preços
oferecidos ..
Na prática, isto levou a um baixo padrão de atendimento ,
porque para aumentar os lucros com preço baixo, diminuíam-se os
- 33
-gastos na alimentação, nos medicamentos e nos recursos técnicos.Pos
teriormente, surgiu o primeiro contrato-padrão com preços fixos
pa-ra as taxas hospitalares, pelo qualhgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA0 S hospitais eram contratados
desde que aceitassem e oferecessem as condições técnicas que eram
exigidas pelos Institutos. Esse contrato evoluiu até o
contrato-pa-drão vigente( ... )".
Em 1945, dos 124.992 leitos hospitalares existentes no Brasil, 44,4% pertencem ao Estado; do total restante pertencente à
rede privada, apenas 14,2% são hospitais particulares com fins lu-crativos (40).
Em 1965, dos 228.545 leitos hospitalares existentes no
Brasil, 37,0% pertencem ao Estado; a participação da rede privada
passa a 63,0% do total (40), mostrarldo que o crescimento a partir de meados da década de 50 Sg faz principalmente às custas dos hospi
tais particulares.
Em 1980, dos 473.738 leites hospitalar~s que e~istiriam no
P8ís, apenas 31,6% sáo p~blicos; do total restante pertencentefedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà re
de privada, já 45,2% são hospitais particulares com fins lucrativos.
O setor particular lucrativo é o que tem maior n~mero de hospitais,
a ele pertencendo 2.242 (ou 42,9%) do total de 5.224 hospitais exis tentes (41).
A predominância do setor privado lucrativo na rede hospit!
lar é pouco comum na maioria dos países ocidentais, onde os
hospi-tais são geralmente comunitários, não lucrativos. Na América Latina,
(40) BRAGA, J.C.S.
&
GOES DE PAULA, S. Sa~de e Previdência - estudos de política social. p. 75.34
-com exceção do Brasil, a maioria dos leitos existentes pertencem a
hospitais p~blicos. A existência de um forte setor privado, e
nes-te,a predominância numérica de hospitais lucrativos, é uma
caracte-rística que praticamente s6 existe no Brasil. A meu ver, isto tem
muita relação com os problemas atualmente vividos pela assistência
médica previdenciária brasileira.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2.2.1.2 O SURGIMENTO DA FBH
Num contexto altamente favorável, no período de pré-unif.,!.
cação dos IAP's, é que surge a Federação Brasileira de Hospitais
(FBH), para defender os interesses da já crescente rede de
hospi-tais privados com fins lucrativos, financiada pela Previdência 50
cial.
Desde sua criação, em 1966, a importância da FBH como
fa-tor de pressão juntofedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà Previdência Social é diretamente
proporcio-nalhgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà importância da assistência médica previdenciária (42). Ou se
ja, cresce na mesma proporção.
(42) Para conhecimento das posições defendidas pelos empresários hospitalares reunidos na FBH ver, além dos artigos inseridos em sua publicação oficial, a revista "Vida Hospitalar", espe-cialmente:
FERNANDES, Aloisio. Os erros fatais da Previdência Social. Sé rie de quatro artigos publicados em abril de 1980 em "O Es tado de São Paulo";
a transcrição das posições defendidas pelos dirigentes da FBH Angel Del ARROYO e Aloisio FERNANDES, em mesa-redonda promovi da pelos Jornais "O Estado de São Paulo" e "Jornal da Tarde ..-sobre o Prev-Sa~de, no "Jornal da Associação Médica Brasilei-ra (JAMB), nºs 1038 e 1039, de 21.10.80;
MELO, Humberto Gomes de. Custo da assistência médico-hospita-lar no Brasil. Documento apresentado ao 4º Encontro Nacio-nal de Dirigentes Hospitalares, Canela - RS, mimeo. 1980;
. A crise da Previdência Social no Sis --7t-e~m-a~M~é~d~i~c-o--~H~0-s-p-l~·t~a~l-ar.Brasília, mimeo.1982. 31 p.
FEDERAÇAO BRASILEIRA DE HOSPITAIS. A realidade da rede hospitalar privada brasileira no Sistema Nacional. Rio de Janeiro, mimeo,junho de 1985.16p.
35
-Pois, como diz Landmann (43).
liA expansão dos serviços do INPS refletiu-se por abandono
progressivo da pOlítica de construção de hospitais próprios e pela
adoção de uma' outra de contratação de serviços a terceiros. O INPS
procurou atender à demanda oferecendo a bandeja da internação à em
presa privada, que passou a multiplicar a criação de hospitais e
casas de saGde, em condições de flagrante violação no que concerne
a instalações, funcionamento e faturamento".
Com todo este ambiente a seu favor, a FBH se organiza
pa-ra cumprir seu papel:
- dá apoio e reforça as estruturas das Associações
Esta-duais de Hospitais, para que estas atuem eficientemente como
ór-gãos de pressão a nível regional;
- monta um ágil sistema de informações, necessariamente
ligado a setores internos da burocracia previdenciária, Gnica
ma-neira de explicar o fato de portarias, normas e ordens de serviço
baixadas pela Previdência Social chegarem, na maioria das vezes,às
suas Associações Estaduais antes mesmo do que ao INAMPS regional;
_ cria um eficiente mecanismo de influência junto à
gran-de imprensa, de modo que suas posições são veiculadas sem
dificul-dades em privilegiados esp~ços de jornais, ou horários
informati-vos;
- passa a representar os interesses deste sub-setor priv!
do da economia junto às grandes entidades patronais brasileiras, em
cujas diretorias por vezes até mantém representantes;
(43) LANDMANN,· J. Racionalização da Assistência Médica no Brasil. Revista Paulista de Hospitais, São Paulo,XXVI (5),maic . de