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Crianças pré-escolares e suas concepções de família.

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Academic year: 2017

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Crianças pré-escolares e suas concepções de família

1

Maria Auxiliadora Dessen2

Patrícia Cristina Campos Ramos Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Resumo: Para compreender o desenvolvimento e a diversidade da família contemporânea, faz-se necessário conhecer as concepções de família na perspectiva de crianças pré-escolares. Participaram deste estudo 33 crianças com idades de três, quatro e cinco anos: 15 do Grupo A (ambos os genitores com ocupação remunerada) e 18 do Grupo B (apenas o pai com ocupação remunerada). Os participantes foram entrevistados sobre suas concepções de família e referiram-se à composição familiar, à coabitação e ao cumprimento das funções de provedora, cuidadora e socializadora. As crianças consideraram como parte da composição da família: o núcleo familiar, membros da família extensa, padrinhos, amigos e animais de estimação.

Porém, houve maior ênfase à função socializadora no Grupo B do que no Grupo A e as definições foram mais abstratas e

complexas entre crianças de cinco anos. Os dados indicam que as concepções das crianças sobre os atuais modos de vida das famílias precisam ser investigadas em uma perspectiva longitudinal e transcultural.

Palavras-chave: pré-escolares, família, estrutura familiar.

Preschool children and their family conceptions

Abstract: To understand the development and diversity of the contemporary family, it is necessary to understand children’s family conceptions. Thirty-three preschool children participated in the study (aged 3, 4, and 5 years old): 15 composed the Group A (both parents had a paid job), and 18 composed the Group B (only the father had a paid job). They were inquired about their conceptions of family and mentioned the following aspects: family composition, cohabitation, and the roles of provider, caregiver and socializing agent. Children included the nuclear family, extended family members, godparents, friends and pets in the composition of the family. However, the Group B emphasized the socializing function of the family more than

the Group A. Moreover, children at aged 5 also provided more abstract and complex definitions than the other ones. The data

indicates that children’s conceptions on current family lifestyles need to be investigated in a longitudinal and cross-cultural perspective.

Keywords: preschoolers, family, family structure.

Niños de edad preescolar y sus concepciones de la familia

Resumen: Para comprender el desarrollo y la diversidad de la familia contemporánea, es necesario conocer las concepciones de los niños. En esta investigación participaron 33 niños de edad preescolar (3, 4 y 5 años), 15 en el Grupo A (ambos genitores tenían ocupación remunerada) y 18 en el grupo B (sólo el padre tenía ocupación remunerada). Los niños fueran entrevistados

sobre sus concepciones de la familia, se refirieron a la composición familiar, la convivencia y el desempeño de las funciones

de proveedor, cuidador y socializador. Los niños incluyeron en la composición de la familia tanto miembros de la familia nuclear, como de la familia amplia, padrinos, amigos y mascotas. Los resultados indican que en el grupo B se daba mayor énfasis a la función de socialización que en el Grupo A. También las concepciones fueron más abstractas y complejas en los niños de 5 años. Los datos indican la necesidad de investigar las concepciones de los niños sobre los actuales modos de vida de la familia desde una perspectiva longitudinal y trans-cultural.

Palabras clave: preescolares, familia, estructura familiar.

1 Apoio: CNPq. Este artigo é derivado Dissertação de Mestrado defendida pela segunda autora, sob a orientação da primeira, no Programa de Pós-graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.

2 Endereço para correspondência

Maria Auxiliadora Dessen. Universidade de Brasília, Campus Universitário ‘Darcy Ribeiro’, Instituto de Psicologia - Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento / PED, Laboratório de Desenvolvimento Familiar. CEP: 70.910-000, Brasília-DF, Brasil. E-mail: dessen@unb.br

Pensar a família como parte de um contexto material, social e histórico conduz à compreensão de diferentes dinâ-micas, papéis multidimensionais e complexos nela desem-penhados, bem como das funções que lhe são atribuídas e que, de fato, são por ela exercidas. Assim, as concepções de

família variam intra e entre culturas, em função de

contex-tos sociais diversificados (Dessen & Biasoli-Alves, 2001; Georgas, Berry, & Kağitçibaşi, 2007).

A partir do século XVIII, a palavra família (famulus), criada para nomear a locação física de um grupo social de tribos latinas, passou a denominar uma unidade residencial e biológica comumente ligada ao agrupamento

pai-mãe-criança. Desde então, surgiram diferenciadas definições de

família, em diversas áreas do conhecimento, com variações

conceituais e teóricas (Cerqueira-Silva, Oliveira, & Des

-sen, 2008; Valsiner, 2000). Além disso, mudanças estabele -cidas nas sociedades contemporâneas ocidentais, sobretudo

a partir da segunda metade do século XX, também influen

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A utilização de conceitos baseados apenas no modelo de família nuclear e nos laços de consangüinidade tornou-se inadequada, pois a versatilidade das famílias contemporâ-neas conduziu ao desenvolvimento de modelos conceituais

mais abrangentes (Dessen & Lewis, 1998; Stratton, 2003). Dentre tais modelos, destaca-se a definição intitulada ‘ecop -sicológica’, em que a família é considerada “um grupo so-cial espeso-cial, caracterizado pela intimidade e pelas relações

intergeracionais” (Petzold, 1996, p. 39), sendo entendida,

portanto, como um sistema complexo, composto por subsis-temas integrados e interdependentes, e em inter-relação com o contexto sócio-histórico-cultural.

Se, por um lado, as definições científicas são importan

-tes para nortear as pesquisas sobre família; por outro lado, as

concepções de seus próprios membros tornam-se requisitos essenciais para a compreensão do funcionamento familiar. Tais concepções são oriundas das inter-relações estabelecidas

na família, e desta com outros sistemas sociais, e influenciam significativamente o desenvolvimento do indivíduo (Hodkin e cols., 1996).

Assim, conhecer o que as pessoas pensam a respeito do que é ser “família” constitui o primeiro passo para a

compre-ensão das relações familiares (Dessen & Lewis, 1998). Po -rém, embora seja uma tendência nas pesquisas com famílias, atribuir importância às concepções de seus participantes, a criança raramente é incluída como fonte de informação

(Ho-dkin e cols., 1996; Percy, 2003). Considerando ser ela um

membro ativo do grupo familiar, é fundamental investigar as suas percepções e não apenas as percepções e interpretações dos adultos.

As crianças entendem e interpretam o que vêem não como os adultos o fazem. Elas desenvolvem seus conceitos, inclusive os referentes à família, baseadas em experiências de interação social, o que torna essencial a compreensão do

seu ponto de vista (Montandon, 2005; Tudge, 2001). Apesar

de serem poucos os estudos, especialmente brasileiros, sobre as concepções que as crianças têm de família, as

contribui-ções científicas existentes são diversificadas e relevantes. Por

exemplo, Moore, Bickhard e Cooper (1977) entrevistaram 84 crianças, cujos genitores viviam juntos ou eram divorciados,

a respeito do entendimento de família. Os autores verifica -ram que crianças de famílias divorciadas menciona-ram mais fatores emocionais e atividades para adultos, e utilizaram a composição para a formação da família com menor freqü-ência do que crianças cujos genitores viviam juntos. Elas consideraram família, principalmente, grupos compostos por dois genitores e uma criança, um par idoso e, em menor proporção, um casal novo sem crianças. Para aproximada-mente metade delas, a maioria proveniente de famílias com genitores vivendo juntos, um único genitor e uma criança não formavam uma família.

Outro estudo foi o realizado por Powell, Wil-tcher, Wedemeyer e Claypool (1981), que entrevistaram,

individualmente, 84 crianças pré-escolares de três a seis anos de idade, que também pertenciam a famílias com genitores vivendo juntos ou divorciados. De suas respostas, foram des-tacadas as seguintes dimensões da família: composição, as-pectos biológicos, funções domésticas e orientações. Como parte dos resultados, para crianças de ambos os tipos de fa-mília, a composição familiar mais citada continha, ao menos, dois genitores e uma criança, corroborando os resultados en-contrados por Moore e cols. (1977).

Também normas e crenças parentais, idéias infantis e uso da linguagem no conceito de família, sob a perspec-tiva de crianças de oito a 14 anos, foram estudados por Morrow (1998). Nesse estudo era solicitado que a criança desenhasse e escrevesse sobre “o que é família” e comple-tasse sentenças simples a respeito de tipos de família. As

crianças definiram família em termos de papéis, relaciona -mentos e estrutura, não se restringindo apenas às relações

biológicas ou ao núcleo familiar. Em suas definições de

família, crianças com menos idade utilizaram termos mais

concretos e citaram a existência de filhos, o casamento e a

presença física no domicílio, além de enfatizarem a provi-são e os cuidados por parte dos genitores. Aquelas de mais idade utilizaram uma linguagem mais generalizada e no-ções abstratas complexas que ultrapassavam as próprias experiências, e a qualidade dos relacionamentos mostrou-se central para elas. Em geral, as crianças apremostrou-sentaram uma visão pragmática da vida familiar e demonstraram conhecer a variedade de suas práticas e estruturas, com pouca discrepância entre a descrição da própria família. Elas apontaram como importantes: genitores, outros pa-rentes e relacionamentos especiais, como amigos, padri-nhos e animais de estimação.

Independentemente da fonte de informação, se adultos ou crianças, os resultados de pesquisas sobre a composição familiar dependem, em grande parte, da técnica empregada

na coleta de dados (Dessen & Lewis, 1998). Algumas téc -nicas são consideradas mais adequadas às explorações da opinião de crianças. Recentemente, pesquisadores têm asso-ciado narrativas às histórias/dilemas com bonecos, na

ten-tativa de que as crianças, no final da história, resolvam o conflito proposto. Com essa técnica, Laible, Carlo, Torquati

e Ontai (2004) investigaram as percepções de 74 crianças sobre os relacionamentos familiares e sugeriram que o clima emocional exerce impacto na construção das representações

que, por sua vez, se refletem na conduta e nas interações so -ciais das crianças.

Além das narrativas, também os desenhos estão entre os instrumentos considerados apropriados para essas ex-plorações. Por meio desta técnica, Roe, Bridges, Dunn e

O’Connor (2006) investigaram representações de família

(3)

347 e quanto às formas como eram agrupados nos desenhos. Os

dados demonstraram consistência tanto nas representações quanto nas predições do ajustamento da criança. Crianças de menos idade tendiam a apresentar habilidades verbais e cognitivas relativamente imaturas, de forma que os autores concluiram que as percepções de crianças pequenas, a res-peito da vida familiar e de suas transições, necessitavam ser melhor investigadas.

Shermerhorn, Cummings e Davies (2008) examinaram,

em 132 crianças do jardim da infância, processos de influên -cia da família, por meio de tarefas de histórias-núcleo para completar. Os resultados deste estudo longitudinal, apontado como sendo pioneiro no uso de respostas representacionais dadas por crianças a respeito da interligação da relação

con-jugal com as relações de apego, possibilitaram verificar que

as representações das crianças eram interdependentes e inse-ridas na complexa dinâmica dos relacionamentos e de suas

múltiplas influências.

Apesar da importância e do alcance dos estudos apre-sentados, o processo de desenvolvimento do conceito de família para as crianças ainda é pouco conhecido (Percy, 2003). Portanto, este estudo teve como objetivo compreen-der o que as crianças pré-escolares pensam a respeito do que é família e do que faz a família no seu dia-a-dia, destacando as similaridades e/ou diferenças: a) quando ambos os geni-tores ou apenas o pai exerce(m) ocupação remunerada e b) entre crianças de três, quatro e cinco anos de idade.

Método

Participantes

Este estudo contou com a participação de 33 crianças pré-escolares e suas famílias, residentes em diversas regi-ões administrativas do Distrito Federal. Pai e mãe biológicos eram casados ou coabitavam desde o nascimento da criança participante, independentemente de ser a primeira união do

casal, e tinham até três filhos. As crianças foram distribuídas

em dois grupos: Grupo A (n=15), com ambos os genitores exercendo ocupação remunerada, e Grupo B (n=18), com apenas o pai exercendo tal ocupação. Havia 10 crianças de

três anos (A: n=8; B: n=2); 16 de quatro anos (A: n=2; B: n=14) e sete de cinco anos (A: n=5; B: n=2). Quanto ao gê

-nero, 15 eram meninas (A: n=8; B: n=7) e 18 meninos (A: n=8; B: n=7).

As mães tinham entre 18 e 41 anos e os pais, entre 21 e 55 anos, com frequência maior de genitores entre 21 e 30 anos no Grupo B e entre 31 e 40 anos no Grupo A. Evi-denciou-se maior escolaridade das mães. Mães e pais com

ocupações remuneradas exerciam atividades diversificadas

e possuíam rendimentos variados (de 1/2 a 15 salários mí-nimos), com média de 4,7 salários mínimos por família e

maior contribuição financeira por parte dos pais.

Instrumentos

Questionário Sociodemográfico da Família (Dessen, 1999). O questionário foi respondido pelas mães. Por meio deste foram obtidos dados relativos à caracterização das famí-lias participantes, como: idade e escolaridade dos familiares, estado civil e ocupação dos genitores, divisão de tarefas do-mésticas, estrutura de suporte social e atividades de rotina.

Entrevista semi-estruturada com a criança. Por meio da entrevista foram investigadas as concepções das crianças sobre a família. Na primeira parte, utilizou-se um cenário contendo uma espaçonave de brinquedo e dois bonecos, re-presentando extraterrestres que, supostamente, não sabiam o que era uma família, o que lhes seria explicado pela criança. O procedimento teve como objetivo tornar a entrevista lúdica e atrativa. À criança era solicitado que respondesse, em mo-mentos distintos: a) o que era, e b) o que fazia – uma família, uma boa família e uma família má.

Na segunda parte da entrevista foram apresentadas às crianças duas pequenas histórias, que continham aspectos

característicos e definidores do conceito de família, a fim de verificar sua opinião. A primeira história descrevia um gru -po com-posto -por homens e mulheres que viviam na mesma casa, faziam refeições, saiam juntos e trocavam presentes, uma das mulheres cozinhava para todos e um dos homens fazia compras, eles se amavam, mas não estavam totalmente envolvidos. Na segunda história, o grupo era composto por um homem e três mulheres que moravam na mesma casa, se gostavam, faziam uma refeição juntos na semana, porém não passavam muito tempo juntos, uma das mulheres cuidava da

casa e o homem fazia compra para todos. Quando necessá -rio, o entrevistador fazia perguntas com intuito de esclarecer

ou de que a criança justificasse sua resposta, complemen -tando-a. A história era repetida, caso a criança demonstrasse incompreensão.

Considerações éticas

A coleta de dados era iniciada pelo preenchimento, com os genitores, do Termo de Consentimento Livre e Es-clarecido.

Procedimentos Coleta de dados

As famílias das crianças foram contatadas por inter-médio de escolas públicas de educação infantil. Devido ao

baixo número de famílias dentro do perfil para a pesquisa,

elas também foram localizadas por indicações dos próprios

(4)

Análise dos dados

As respostas do Questionário Sociodemográfico da Fa -mília foram submetidas à análise estatística descritiva, sendo calculadas as frequências absolutas e os percentuais.

As verbalizações das crianças foram submetidas a três etapas de uma análise:

Etapa I - Preparação do material. Gravadas em áudio, as

entrevistas foram identificadas e digitalizadas, para aperfei -çoamento da escuta. A transcrição foi realizada na íntegra.

Etapa II - Análise de conteúdo das entrevistas. As verbali-zações das crianças foram submetidas à técnica de Análise

de Conteúdo (AC). Frente às especificidades da entrevista

realizada com crianças, houve necessidade de algumas adap-tações no modelo proposto por Dessen e Cerqueira-Silva (2009), para o desenvolvimento de sistemas de categorias, de forma que os seguintes passos foram seguidos:

(1) Pré-análise: seleção e exploração do material, ini-ciadas por uma leitura exaustiva de cada entrevista. Mostrou-se necessário um reagrupamento das verbalizações dentro da proposta de cada questão, visto que, muitas vezes, as crian-ças se remetiam de uma questão à outra, ou de um aspecto a outro de uma mesma questão.

(2) Codificação: exploração do material, com a

identi-ficação dos temas (unidade de análise) referentes às verbali -zações das crianças.

(3) Identificação, agrupamento e categorização de te -mas semelhantes, ou relacionados entre si. Cada agrupamen-to resulagrupamen-tou em uma categoria, obedecendo aos critérios de exclusão mútua, homogeneidade e pertinência.

Etapa III - Elaboração da versão final das categorias. O processo de categorização pressupõe a elaboração de várias

versões do sistema (Dessen & Cerqueira-Silva, 2009). Sendo assim, três versões com várias modificações foram re-elabo

-radas no presente estudo, até que uma versão final da catego -rização fosse obtida, por meio dos seguintes passos:

(1) Definição e validação das categorias empíricas. Devido à complexidade do tema e diversidade nas respostas,

os processos de categorização e definição foram construídos

e revisados com a colaboração dos pesquisadores do Labora-tório de Desenvolvimento Familiar, em busca de maior

vali-dade e objetivivali-dade do sistema definitivo de categorias.

(2) Definição e tabela de categorias. Devido à diversi-dade das respostas, foram elaboradas tabelas que incluíam as categorias, os temas e todas as verbalizações das crianças,

assim como suas freqüências. Uma classificação foi atri -buída a cada categoria, a partir de um conjunto de relatos que expressavam e explicavam o que nela estava contido. O

sistema de categorias definitivo levou em consideração cada

dimensão abordada no roteiro de entrevista: a) o que é, e b) o que faz – uma família, uma boa família e uma família má.

(3) Tabulação dos dados. As categorias criadas com base nas verbalizações das crianças foram também examinadas

em termos de freqüências absolutas e relativas, visando a sua

quantificação e comparação entre os grupos.

Resultados

Nesta seção, serão descritas as concepções das crianças, por grupo (A e B) e por idade (três, quatro e cinco anos), a respeito do que é família e do que ela faz, também quando considerada como sendo boa e má. As freqüências apresen-tadas referem-se ao total de verbalizações dos participantes

por grupo (A: n=15; B: n=18) ou por idade (3: n=10 4: n=16;

5: n=7). Em seguida, serão sintetizadas as opiniões das

crian-ças frente à apresentação de aspectos característicos e defini -dores do conceito de família.

As crianças e suas concepções de família

O que é família

Em suas verbalizações, as crianças citaram dois tipos de família: as do mundo todo – “Tem um montão de família

assim que tem no mundo todo”; e as do céu, de Deus – “Tem

um monte de família que é Deus”. Por vezes, a família foi apenas identificada, nomeada e/ou caracterizada – “Uma fa-mília do meu pai” / “Fafa-mília é uma coisa legal”. Em relação à composição familiar, foi utilizado o critério de

quantida-de, sendo a família formada por: a) apenas “uma pessoa”; b) “duas”; ou c) várias pessoas – “É ter uma família bem

grande”.

A composição familiar também foi descrita pelas crian-ças de acordo com suas relações a) biológicas – “É filho, pai,

mãe e filha” / “É a nossa mãe, nosso pai, nossa tia. É nosso tio, nossa avó, nosso avô”; b) biológicas e não biológicas, com padrinhos, amigos, pessoas pobres e/ou animais de

es-timação; e c) biológicas e outras, em que não foi possível

identificar a ligação com a criança – “É... a minha mãe, o

meu pai. (...) Minha tia. E aquele Bebecuri”.

Foram descritas duas formas de coabitação: a) cada família habitando um domicílio – “[Um monte de pessoas]

que mora em cada casa”; e b) familiares em diferentes do -micílios/localidades – “Tem um punhado de pessoas da mi-nha família que moram aqui em Brasília, tem um que mora em Piataba e o resto no Pará”. Em relação aos sentimentos, foram encontrados: os de pertencimento (ou não) à família,

pois a criança afirmou ou negou tê-la; de gostar e de ficar fe

-liz. Quanto à função socializadora, a família educa os filhos

e promove o lazer e/ou o contato social – “Recebe os amigos, recebe os primos, recebe toda a família”.

As crianças de ambos os grupos (A: f = 28%; B: f =

23,6%) verbalizaram a respeito das relações biológicas na

composição da família. Também houve considerável

percen-tual de definições que incluíam relações não biológicas (A:

(5)

Tabela 1

Categorização das verbalizações sobre o que é família

Categorias/temas/subtemas

Grupos

Total (N = 33) A

(n = 15)

B (n = 18)

f % f % f %

Identificação da família

tipos

do mundo todo — — 1 2,9 1 1,7

do céu, de Deus — — 1 2,9 1 1,7

localiza/nomeia/caracteriza 2 8,0 2 5,9 4 6,8

subtotal 2 8,0 4 11,8 6 10,2

Composição familiar

quantidade de pessoas

uma 1 4,0 2 5,9 3 5,1

duas 1 2,9 1 1,7

várias/família grande 2 8,0 3 8,8 5 8,5

quem faz parte

relações biológicas 7 28,0 8 23,6 15 25,3

relações biológicas e não biológicas 4 16,0 5 14,7 9 15,2 relações biológicas e não identificadas 1 2,9 1 1,7

subtotal 14 56,0 20 58,8 34 57,5

Coabitação

cada família habita um domicílio 2 8,0 — — 2 3,4

familiares em diferentes domicílios 1 4,0 — — 1 1,7

subtotal 3 12,0 — — 3 5,1

Sentimentos

pertencimento à família

afirma ter 1 4,0 1 2,9 2 3,4

nega ter 1 4,0 1 1,7

ficar feliz/gostar 1 4,0 1 2,9 2 3,4

subtotal 3 12,0 2 5,9 5 8,5

Aquela que cumpre a função

socializadora

educa 3 8,8 3 5,1

promove lazer/contato social 1 4,0 2 5,9 3 5,1

subtotal 1 4,0 5 14,7 6 10,2

Não definida

dá respostas vagas 1 4,0 1 2,9 2 3,4

diz não saber 1 4,0 2 5,9 3 5,1

subtotal 2 8,0 3 8,8 5 8,5

Total 25 100 34 100 59 100

As crianças de três anos foram as que menos

responde-ram sobre o que é família e, quando o fizeresponde-ram, destacaresponde-ram

sua composição, enfatizando, particularmente, as relações biológicas. Por outro lado, todas as crianças de cinco anos conceituaram a família. A inclusão de relações não-bioló-gicas ocorreu, progressivamente, entre crianças de quatro e cinco anos.

O que uma família faz?

Quanto ao que a família faz, foram diversificadas as res -postas. A família categorizada como provedora é aquela que

dá e/ou compra coisas – “Compra brinquedos”; a cuidadora

“fica com os filhos”. A família socializadora educa,

favo-recendo a autonomia – “Deixa os filho ir ‘pa’ escola sozi

(6)

atividades de lazer – “Faz a gente brincar” / “Leva pra passe-ar”. Para as crianças, a família é afetiva sendo carinhosa com elas. Foram destacados, também, alguns hábitos da família, como não fazer maldade e orar.

Em ambos os grupos, as crianças enfatizaram o cumpri-mento da função de socializadora (A: f = 40%; B: f = 56,2%)

e da função de provedora (A: f = 20%; B: f = 18,8%). Hábitos da família foram citados no Grupo A (20%) e houve famílias

não definidas, em ambos os grupos (quando a criança res-pondia que não sabia ou não lembrava). A categorização das verbalizações a respeito do que uma família faz é ilustrada na Tabela 2.

Tabela 2

Categorização das verbalizações sobre o que uma família faz

Categorias/temas/subtemas

Grupos

Total (N = 33) A

(n = 15)

B (n = 18)

f % f % f %

Cumpre sua função

provedora

dá/compra coisas 2 20,0 3 18,8 5 19,3

cuidadora

cuida da criança — — 1 6,2 1 3,8

socializadora

educa — — 1 6,2 1 3,8

ensina atividades domésticas — — 1 6,2 1 3,8

promove brincadeiras 1 10,0 3 18,8 4 15,4

promove lazer 3 30,0 4 25,0 7 26,9

subtotal 4 40,0 9 56,2 13 49,9

A criança descreve

hábitos da família 2 20,0 — — 2 7,7

Não definido

dá respostas vagas 2 20,0 — — 2 7,7

diz não saber 3 18,8 3 11,6

subtotal 2 20,0 3 18,8 5 19,3

Total 10 100 16 100 26 100

Ao verbalizarem sobre o que uma família faz, as crian-ças destacaram algumas funções da família: aos quatro anos (41,7%) e aos cinco anos (58,3%), a função de socia-lizadora, e das duas crianças de três anos que responderam à questão, uma destacou a função de socializadora e outra, a de provedora.

O que é uma família boa? E uma família má?

Para as crianças, a própria família (ou um de seus in-tegrantes) foi identificada como sendo boa – “É o meu pai (...). Minha mãe.... Minha avó”. Elas consideram como boa família aquela que dá e/ou compra coisas (provedora) –

“Que compra bicicleta”; protege e alimenta (cuidadora) – “É

quando ‘tá’ protegendo os filhos” / “Quando ‘tá’ dando comi

-da pros filhos”; recebe as pessoas (socializadora) –“Recebe

todo mundo, que deixa os amigos entrarem”; e que gosta de

todos (afetiva). Também foram citados alguns hábitos da boa família, como não matar bichos.

Quanto à família má, as crianças a identificaram, por

vezes em um de seus membros – “É o pai”; ou apenas repeti -ram “má” ou sinônimos – “Uma pessoa que é muito ‘mau’”. Para estas crianças, uma família má é aquela que não cum-pre adequadamente suas funções de a) provedora – “Uma

família ruim é aquela que não dá nada de bom pra criança”;

b) cuidadora – “Não deixa as ‘pessoa’ dormir”; c)

sociali-zadora, pois bate e morde – “Uma pessoa que (...) bate na

gente, uma pessoa que morde”; não recebe as pessoas – “Ela (...) não recebe as crianças com carinho, nem amigos”; e não

brinca e/ou não promove atividades de lazer – “Não faz eu brincar” / “Uma família que não leva pra passear”. Foi ainda citada como má a família que tem maus hábitos.

Em relação aos grupos, houve uma maior freqüência de verbalizações no Grupo A, em que boa família seria aquela que cumpre a função de cuidadora, ao proteger e alimentar (33,3%), enquanto, no Grupo B, as crianças verbalizaram

(7)

Em se tratando das frequências de verbalizações sobre a família má, houve pouca diferenciação entre grupos. Ela é aquela que não cumpre adequadamente as funções de prove-dora (A f=16,7%), cuidadora (B f=20%) e socializadora (A f=50%; B f=20%). Em algumas verbalizações, as crianças

citaram maus hábitos da família má (A f=16,7%; B f=20%),

havendo também quem apenas a identificou (A f=16,7%; B f=20%). A Tabela 3 corresponde à categorização das verba-lizações das crianças, por grupo, às questões: “o que é uma boa família” e “o que é uma família má”.

Tabela 3

Categorização das verbalizações sobre o que é uma boa família e uma família má

Categorias

Grupos

Total (N = 33) A

(n = 15)

B (n = 18)

f % f % f %

Família boa

Identificação

é a própria família 1 20,0 1 9,1

são integrantes da família 1 16,6 1 20,0 2 18,2

apenas repete ‘boa’ ou sinônimos 1 20,0 1 9,1

subtotal 1 16,6 3 60,0 4 36,4

É aquela que cumpre a função

provedora

dá/compra coisas 1 16,7 1 20,0 2 18,2

cuidadora

protege/alimenta 2 33,3 — — 2 18,2

socializadora

recebe as pessoas 1 16,7 — — 1 9,1

afetiva

gosta de todos 1 16,7 — — 1 9,1

subtotal 5 83,4 1 20,0 6 54,6

É aquela que tem hábitos

altruístas/ecológicos (não mata bichos) 1 20,0 1 9,0

Subtotal família boa 6 100 5 100 11 100

Família má

Identificação

é um integrante da família 1 16,7 — — 1 9,1

apenas repete ‘má’ ou sinônimos 1 20,0 1 9,1

subtotal 1 16,7 1 20,0 2 18,2

É aquela que não cumpre adequadamente a função

provedora

não dá nada de bom 1 16,7 — — 1 9,1

cuidadora

não deixa dormir — — 1 20,0 1 9,1

socializadora

pune (morde/bate) — — 1 20,0 1 9,1

não promove brincadeiras 1 16,7 1 9,1

não promove lazer 1 20,0 1 9,1

não recebe as pessoas 2 33,3 2 18,2

subtotal 4 66,6 3 60,0 7 63,6

É aquela que tem maus hábitos

é ladrão — — 1 20,0 1 9,1

há conflitos/desacordos 1 16,7 1 9,1

subtotal 1 16,7 1 20,0 2 18,2

(8)

Quanto às idades, a única criança de três anos que res

-pondeu a respeito da boa família apenas a identificou; crianças

de quatro anos citaram a boa família como aquela que cumpre,

principalmente, a função de cuidadora (28,6%); aos cinco anos

foram destacadas, em igual proporção (33,3%), as funções de provedora, socializadora e afetiva. Hábitos da boa família fo-ram citados por crianças de quatro anos (14,2%).

Em relação à família má, uma criança de três anos

identificou-a em um integrante da família e outra enfatizou

o não cumprimento adequado da função de socializadora. Crianças de quatro anos também verbalizaram a respeito do não cumprimento adequado dessa função (40%), em diver-sas atividades. Poucas crianças de cinco anos responderam

à questão, predominando, em suas definições, a família má

como aquela que não cumpre adequadamente a função de socializadora (50%).

O que faz uma boa família? E uma família má?

Para as crianças, o que uma boa família faz está relacio-nado ao cumprimento das funções de: a) provedora, dando

e/ou comprando coisas para o filho; b) cuidadora,

alimen-tando e cuidando de tudo – “Cuida de tudo na família”; c) socializadora, ao educar (favorecendo a autonomia, não

cas-tigando, não batendo) – “Deixa os ‘filho é fica’ lá fora de biciqueta” / “Não deixa o filho de castigo” / “Não bate”; e

brincando e/ou promovendo atividades de lazer – “Leva ‘pra passiá’ lá pro parquinho” e d) afetiva, gostando e/ou amando

a criança – “Gosta do filho”. Por vezes, a boa família foi ape -nas identificada pela criança, que repetiu a expressão “boa” ou um sinônimo.

Em relação ao que faz uma família má, na opinião das crianças, ela não cumpre adequadamente as funções de: a) provedora – “Que não dá nada pras crianças”; b) socializado -ra, pois pune – “Porque quando os filhos pega as coisas dela,

sem pedir, aí ela morde” / “E também bate nas crianças”; e c) afetiva – “É [ruim] pros filhos”. Uma das crianças destacou que a própria família não fazia o que faz uma família má; ou -tras salientaram maus hábitos da família. A maior proporção de verbalizações foi sobre o não cumprimento adequado da função de socializadora.

A respeito do que faz uma boa família, as crianças do Grupo A destacaram o cumprimento adequado das funções de provedora (27,3%) e de socializadora (27,2%) e as do Grupo B, o cumprimento da função de socializadora (45%).

Quanto ao que faz uma família má, crianças de ambos os gru -pos destacaram que ela não cumpre adequadamente a função de socializadora (A: f=61,5%; B: f=36,3), especialmente por punir. A categorização das verbalizações das crianças sobre o que faz uma família boa e uma família má, por grupo, en-contra-se descrita na Tabela 4.

Tabela 4

Categorização das verbalizações sobre o que faz uma família boa e o que faz uma família má

Categorias, temas e subtemas

Grupos

Total (N = 33) A

(n = 15)

B (n = 18)

f % f % f %

Família boa

Identificação

apenas repete ‘boa’ ou sinônimos 1 9,1 1 9,1 2 9,1

Cumpre sua função Provedora

dá/compra coisas 3 27,3 — — 3 13,6

Cuidadora

alimenta 2 18,2 — — 2 9,1

cuida de tudo — — 1 9,1 1 4,5

Socializadora

educa 2 18,2 2 18,2 4 18,2

promove lazer 1 9,0 3 27,3 4 18,2

Afetiva

gosta, ama a criança 2 18,2 2 18,2 4 18,2 Não definido

dá respostas vagas — — 1 9,1 1 4,5

diz não saber — — 1 9,1 1 4,5

subtotal — — 2 18,2 2 9,1

Subtotal família boa 11 100 11 100 22 100

(9)

353 Tabela 4

(continuação)

Categorias, temas e subtemas

Grupos

Total (N = 33) A

(n = 15)

B (n = 18)

f % f % f %

Família má

Identificação da família (que não é) má

a própria família não é má — — 1 9,1 1 4,1

Não cumpre adequadamente sua função Provedora

não dá/não compra coisas 2 15,4 1 9,1 3 12,5

Socializadora

mata 1 7,7 1 4,2

pune 7 53,8 3 27,2 10 41,6

não passeia 1 9,1 1 4,2

Afetiva

é ruim para os filhos 1 7,7 — — 1 4,2

subtotal 11 84,6 5 45,4 16 66,7

A criança descreve hábitos da família má

bagunça/quebra coisas 1 7,7 1 9,1 2 8,3

não altruístas/anti-ecológicos (mata bichos) 1 9,1 1 4,2

subtotal 1 7,7 2 18,2 3 12,5

Não definido

dá respostas vagas 1 7,7 2 18,2 3 12,5

diz não saber 1 9,1 1 4,2

subtotal 1 7,7 3 27,3 4 16,7

Subtotal família má 13 100 11 100 24 100

Quando comparadas por idade, verificou-se a predo -minância da função de socializadora em 37,5% das

verbali-zações de crianças de cinco anos; 30,8% das de quatro anos

e, também, pela única criança de três anos respondente. As crianças das três idades destacaram, ainda, o cumprimento da função de cuidadora. Apenas crianças de quatro anos

atribuíram à questão respostas vagas, não definindo o que

a família boa faz.

Em relação à questão sobre o que faz uma família má,

a única criança de três anos que a respondeu identificou a própria família como não sendo má; aos quatro anos, preva -leceu o não cumprimento adequado da função

socializado-ra, porque a família pune (45,5%); crianças de cinco anos

também destacaram o não cumprimento adequado dessa

função (58,4%), porém sob aspectos mais diversificados.

O percentual de verbalizações das crianças mostrou-se maior, em geral, quando responderam a “o que faz uma

família” (53,8%) do que a “o que é família” (46,2%). Ape -nas 27,3% das crianças não responderam à questão “o que é uma família” e 30,3% a “o que uma família faz”. No entanto, a pergunta “o que é uma família má” foi a que teve maior freqüência de não respondentes (84,8%), segui-da de “o que é uma família boa” (72,7%). Muitas crianças também não responderam sobre o que faz uma família boa

(60,6%) e má (54,5%).

Em relação à idade, foram as crianças de três anos que não responderam às questões, em maior proporção. Entre as respondentes desta faixa etária, as do Grupo B

verbaliza-ram mais do que as do Grupo A; entre as de quatro e cinco

(10)

Figura 1. Média de verbalizações das crianças sobre família, por grupo e idade.

1,5 3,0

8,5 4,9

8,8 4,0

A B A B A B 5 anos

4 anos

3 anos

Médias das verbalizações

Apresentação de aspectos característicos e definidores de

família e opiniões das crianças

Frente aos aspectos característicos e definidores de fa -mília, apresentados às crianças na segunda parte da entrevis-ta, conforme descrito na seção do método, as crianças eram questionadas sobre a possibilidade de que as pessoas inte-grantes da história relatada formassem ou não uma família.

Na primeira questão, as crianças de três anos

dividiram-se entre concordar e discordar; 70% das crianças de quatro

anos e 85,7% das crianças de cinco anos concordaram que o grupo apresentado pudesse ser uma família. Na segunda questão, as crianças de três anos concordaram que o grupo

pudesse formar uma família; mais crianças de quatro (70%)

e de cinco anos (71,4%) concordaram do que discordaram,

embora 28,6% das crianças de cinco anos não tenham res -pondido à questão.

Em síntese, para muitas crianças deste estudo, um gru-po de pessoas que não estivesse totalmente envolvido ou

passasse pouco tempo junto, desde que as pessoas fizessem

algumas coisas juntas e umas para as outras, poderiam for-mar uma família. A aceitação do grupo como família aumen-tou em proporção à idade.

Discussão

Mudanças sociais e econômicas são indicadas, na lite-ratura, como propulsoras da ocorrência de ajustes nos papéis desempenhados na família e em sua conceituação

(Cerquei-ra-Silva e cols., 2008). Esse fato é identificado nas concep -ções de família das crianças pré-escolares participantes deste estudo, especialmente ao utilizarem o critério da composição

familiar em suas definições.

Ao citarem a composição familiar, as crianças referiram-se, principalmente, às relações biológicas entre seus mem-bros, mas raramente descrevendo a família como formada apenas pelo núcleo familiar, como relatado em estudos mais

remotos (Moore e cols., 1977; Powell e cols., 1981). Elas

incluíram, em suas definições, membros da família extensa,

pessoas com relações não-biológicas e animais de estima-ção, indicando um reconhecimento semelhante ao descrito na literatura, a respeito da variabilidade das famílias

con-temporâneas e, em específico, das famílias brasileiras (Strat

-ton, 2003; Torres & Dessen, 2007). Tais dados confirmam a

constatação teórica de que a família não mais é vista apenas como um sistema nuclear, tendo incorporado aqueles que

fa-zem parte de sua rede de relações e com quem têm afinidades (Petzold, 1996). Eles também corroboram os resultados de

estudos empíricos mais recentes, tanto em diferentes culturas

(Georgas e cols., 2007) quanto com crianças (Morrow, 1998; Roe e cols., 2006).

Diferenças e similaridades nas concepções das crianças decorrentes de seu desenvolvimento foram claramente

ve-rificadas nas respostas das crianças deste estudo. Algumas

crianças, especialmente aos três anos, apresentaram baixa freqüência de verbalizações a respeito da família – um

con-ceito relativamente abstrato – e dificuldades para atribuir de

-finições aos pólos bom/mau, conforme descrito por Morrow

(1998). As crianças pouco maiores (de quatro e,

principal-mente, cinco anos), por sua vez, já utilizaram algumas defi

-nições abstratas, indicando a sua maior flexibilidade para o

desenvolvimento do conceito de família.

As concepções das crianças também refletem as próprias

mudanças pelas quais passam a sociedade e a família con-temporâneas. A questão das mudanças remete aos modos de vida das famílias, incluindo o envolvimento de pais e mães

na divisão de tarefas domésticas e de cuidados com os filhos.

(11)

355 percebiam mais a existência de divisão de tarefas entre as

mães e os pais do que as crianças do Grupo B.

Mudanças semelhantes vêm sendo apontadas na litera-tura. Com o aumento do trabalho remunerado das mães, um número crescente de pais compartilha com elas, ou assume

para si, a responsabilidade de educar os filhos, buscando se

adequar à realidade atual. Isso tende a conduzir o pai a uma

maior proximidade e participação na educação do filho, em -bora uma maior responsabilidade ainda seja, muitas vezes,

atribuída à mãe (Dessen & Torres, 2002; Wagner, Predebon, Mosmann, & Verza, 2005).

Ainda em relação ao envolvimento de ambos os geni-tores com ocupações remuneradas, outra possibilidade de cuidados dispensados à criança caracteriza-se pela busca de ajuda de outras pessoas, como parentes, empregadas e

instituições de educação (Simionato-Tozo & Biasoli-Alves, 1998). É importante destacar que ambas as situações foram verificadas, especialmente, nas famílias do Grupo A deste

estudo.

Logo, a maior inserção da mulher no mercado de tra-balho tem gerado mudanças, também, na percepção que a criança tem das funções desempenhadas na família. Isto se

dá, especificamente, quanto à opinião das crianças sobre os

papéis exercidos pelo pai e pela mãe, indicando um ajuste positivo delas às atuais condições, enquanto os adultos têm sido apontados como relutantes em ultrapassar papéis

fami-liares tradicionais (Gomes & Resende, 2004).

À sua maneira, as crianças participantes descrevem o que ocorre internamente nas famílias, tendo se mostrado importante, para elas, o envolvimento do adulto

(especial-mente mãe e pai) em seus cuidados; por outro lado, as suas

verbalizações indicam que não aprovam práticas punitivas como parte de uma família considerada boa. Neste contex-to, é também importante conhecer a percepção dos estilos e

das práticas parentais das crianças (Weber, Prado, Viezzer, &

Brandenburg, 2004). A ampliação deste conhecimento pode-ria auxiliar na prevenção de problemas advindos de tais

prá-ticas que, de acordo com Dessen e Szelbracikowski (2006),

fazem parte da etiologia da manifestação de comportamen-tos agressivos e de oposição pela criança, que, por sua vez, podem interferir no seu processo de aprendizagem.

Se consideradas do ponto de vista da perspectiva do de-senvolvimento familiar, as famílias participantes passavam por mudanças necessárias ao seu estágio de

desenvolvimen-to, próprias de famílias com filhos pequenos, como: a) ajus

-tes no sistema conjugal para criar espaço para o(s) filho(s), b) concentração de esforços nas tarefas de educação, finan

-ceiras e domésticas; e, ainda, c) um realinhamento de pa

-péis e relacionamentos com as famílias ampliadas (Carter & McGoldrick, 1995). Estas mudanças se refletem nas concep

-ções das crianças, que foram consistentes com a definição ecopsicológica de família (Petzold, 1996).

Portanto, a família é um conceito vivenciado e compar-tilhado pelas crianças, ao interagirem, durante o seu processo de socialização. Embora as crianças e suas famílias pareçam estar, paulatinamente, se ajustando às atuais condições da vida moderna, ainda há necessidade do desenvolvimento de políticas públicas em seu favor (Stratton, 2003). Além disso, faz-se necessário expandir a compreensão teórica e empíri-ca sobre as atuais concepções de família, uma vez que esta desempenha um papel preponderante no desenvolvimento humano.

Assim, os resultados apresentados neste estudo possibil-tam compreender melhor as concepções que as crianças têm de família, uma vez que há poucos estudos empíricos que con-siderem a sua opinião, conforme relatado na seção introdutória deste artigo. O reconhecimento da participação ativa da crian-ça é recente e a relevância de suas formas de comunicação e

de suas ações vêm sendo apontadas (Kreppner, 2003; Percy,

2003). Além disso, as concepções de família ora apresentadas pelas crianças podem ser utilizadas como base de comparação em situações de intervenção direcionadas às crianças peque-nas e suas famílias.

Apesar da relevância dos dados, é preciso ter cautela, na medida em que, nas entrevistas, apesar da utilização de artifícios lúdicos para atrair a atençao das crianças, algumas delas se distraíram com a presença do cenário, especialmente as mais novas. Isto pode ter acarretado na não manutenção de um nível adequado de atenção, prejudicando as respos-tas das crianças mais novas, o que também foi destacado

por Souza (2006), em situação semelhante com crianças pequenas. Na literatura, o uso de figuras representando os

conceitos explorados, encenações de histórias com bonecos ou desenhos feitos pelas crianças são citados como possibili-dades de complementação à entrevista, tendo em vista captar mais amplamente as concepções de crianças pequenas (Roe

e cols., 2006). Também é importante destacar a necessidade

de que o entrevistador e o pesquisador estejam bem prepara-dos para lidar com a criança, e para interpretar suas verbali-zações (Montandon, 2005).

Concluímos, reiterando a importância de que, em pes-quisas com e sobre a família, a criança seja escutada, ainda que apresente um conceito pautado na sua própria família, pois com ela convive e nela aprende valores e crenças. A convivência das crianças com a família extensa, com outras pessoas adultas e com outras crianças em seu dia-a-dia pos-sibilita que se tornem fontes importantes de informação, na pesquisa. Uma visão sistêmica e global do funcionamento das famílias só é possível quando se considera as opiniões de todos os subsistemas familiares, incluindo aqueles em que a

criança participa ativamente (Dessen & Lewis, 1998). Além

(12)

356

Referências

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Maria Auxiliadora Dessen é Professora Associada II da Uni-versidade de Brasília (UnB), Coordenadora do Laboratório de Desenvolvimento Familiar e Professora no Programa de Pós-graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde do Instituto de Psicologia da UnB.

Patrícia Cristina Campos Ramo é Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Processos de Desen-volvimento Humano e Saúde do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.

Recebido: 14/01/2009 1ª revisão: 11/08/2009 2ª revisão: 09/10/2009 3ª revisão: 21/01/2010

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Figura 1. Média de verbalizações das crianças sobre família, por grupo e idade.1,53,08,54,98,84,0ABABAB5 anos4 anos3 anos

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