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Cinema: memória audiovisual do mundo

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Academic year: 2017

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Marcelo (La Carretta) En rique López da Cun ha Pereira

Cin e m a : m e m ó ria a u d io vis u a l d o m u n d o

Belo H orizon te

(3)

Marcelo (La Carretta) En rique López da Cun ha Pereira

Cin e m a : m e m ó ria a u d io vis u a l d o m u n d o

Dissertação apresen tada ao Curso de Mestrado em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Un iversidade Federal de Min as Gerais, com o requisito parcial à obten ção do título de Mestre em Artes Visuais.

Área de Con cen tração: cin em a

Orie n ta d o r:

Luiz Nazario

Belo H orizon te

(4)

LA CARRETTA, Ma rce lo L. d a Cu n h a , 19 79 -

Cin e m a , m e m ó ria a u d io vis u al d o m u n d o / Ma rce lo La Ca rre tta . – 2 0 0 5

10 2 f.. : il. –

Orie n ta d o r: Lu iz N a za rio

D is s e rta çã o a p re s e n ta d a a o Me s tra d o e m Arte s Vis u a is d a Es co la d e B e la s Arte s d a U n ive rs id ad e Fe d e ra l d e Min a s Ge ra is , co m o re q u is ito p a rcia l à o bte n çã o d o títu lo d e Me s tre e m Arte s Vis u a is .

1. Cin e m a , co n s e rva çã o , re s ta u ra çã o e e xib içã o . – 2 . Cin e m a te ca s , H is tó ria . – 3 . Cin e m a , H is tó ria . – I. N a za rio , Lu iz, 19 5 7- II. U n ive rs id a d e Fe d e ra l d e Min a s Ge ra is . Es co la d e B e la s Arte s IV. Títu lo .

CD D : 70 2 .8 8

(5)

Agra d e cim e n to s

Lu iz N a z a r io , por estar sem pre ao m eu lado n esta im portan te jorn ada. Com ele, en ten di o real sign ificado da palavra orien tação.

A d r ia n a Fe r r e ir a Cu n h a , m in ha n am orada n a graduação, m in ha n oiva n a in iciação cien tífica, m in ha esposa n o m estrado (Deus sabe o que m e aguarda n o doutorado)!

A ld a Cu n h a , m in ha m ãe para todas as horas (até as que ela descon hece). Ca r lo s A lb e r t o Fe r r e ir a , m eu gran de tutor.

(6)

R e s u m o

A palavra restauração vai um pouco além do sim ples ato de restaurar. Ela pode tam bém ser en ten dida com o um a poderosa ferram en ta, parte im portan te da com pilação de um arquivo de valor cultural e histórico. Dirigin do n ossa aten ção para essa área, preten dem os destacar n ão apen as as técn icas de con servação e restauração de películas, com o tam bém o resgate da m em ória de um a sociedade, de um a época, con sideran do o film e com o um im portan te docum en to histórico. Qualquer film e é im portan te sob a ótica de um a an álise histórica, pois todos registram n ão só im agen s, m as idéias, costum es, gestos da hum an idade daquele período. São an alisados n esta pesquisa os con ceitos que fazem do film e um docum en to histórico, o surgim en to de um a con sciên cia de con servação e restauração, a história de algum as cin em atecas pelo m un do e particularm en te pelo Brasil, as técn icas utilizadas n a recuperação dos film es e, n um a visão m ais in tim ista, os esforços da Escola de Belas Artes – UFMG para a salvaguarda de sua própria m em ória audiovisual.

A b s t r a c t

(7)

Cin e m a : m e m ó ria a u d io vis u a l d o m u n d o

Ín d ice

In tro d u çã o : a re cu p e ra çã o d a m e m ó ria

a u d io vis u a l 7

I – O film e co m o d o cu m e n to h is tó rico

10

II – O n a s cim e n to d e u m a m e n ta lid a d e

co n s e rva d o ra 2 4

III – Co n s e rva r, re s ta u ra r e re vive r a

m e m ó ria a u d io vis u a l

4 2

IV – Bre ve h is tó rico d a m e m ó ria

a u d io vis u a l d o B ra s il

71

V – Ap re n d e n d o e m c a s a : a m e m ó ria

a u d io vis u a l d a Es co la d e B e la s Arte s

9 8

Co n clu s ã o : s o bre o p a s s a d o e o fu tu ro d o

cin e m a 14 7

B ib lio gra fia 15 3

(8)

In tro d u çã o

A re cu p e ra çã o d a m e m ó ria a u d io vis u a l

A palavra restauração vai um pouco além do sim ples ato de restaurar. Ela pode tam bém ser en ten dida com o um a poderosa ferram en ta, parte im portan te da com pilação de um arquivo de valor cultural e histórico. Dirigin do n ossa aten ção para essa área, preten dem os destacar n ão apen as as técn icas de con servação e restauração de películas, com o tam bém o resgate da m em ória de um a sociedade, de um a época, con siderando o film e com o um im portan te docum en to histórico.

(9)

No Brasil, foram tam bém esses apaixon ados por cinem a que ajudaram a m an ter viva n ossa m em ória audiovisual n a salvaguarda dos film es de Igin o Bon fioli, H um berto Mauro, J oaquim Pedro de An drade, Adhem ar Gon zaga, Glauber Rocha; das em presas Cin édia e Atlân tida; dos Ciclos Region ais, da Chan chada, do Cin em a Novo; trazen do à vida o discurso dos que já se foram através de cin ejorn ais e docum en tários; e de toda a gam a de im agen s que con stituem o n osso passado histórico, fundam en tal para en tenderm os de on de viem os e para olharm os com m ais seguran ça em direção ao futuro. Mais que m ero en treten im en to, o cin em a é o m elhor registro de n ossa época.

Essa pesquisa revelou possuir m uitos argum en tos que m erecem aten ção, tais com o o en ten dim en to dos processos técn icos e quím icos para a con servação e restauração das películas; o uso das n ovas tecn ologias digitais para a con servação da m em ória audiovisual e, n um a visão m ais in tim ista, o resgate do rico e quase descon hecido acervo da Escola de Belas Artes, UFMG. Neste últim o caso, n ossos esforços n o sen tido de rem asterizar o acervo foram descritos em detalhes n a presen te m on ografia, um diário do trabalho realizado den tro do projeto Film oteca

M ineira, coorden ado pelo Prof. Dr. Luiz Nazario, projeto do qual participei ativa e

apaixon adam en te. Pérolas com o an im ações de alun os, produções de Min as Gerais e em particular de Igin o Bon fioli, raridades com o o m ais an tigo film e con servado n o Brasil e in clusive películas da extin ta Alem an ha Orien tal foram rem asterizados para DVDs n este projeto, revelan do algun s dos tesouros que a Escola escon de.

(10)
(11)

As pessoas sen tam -se em cadeiras en fileiradas, todas voltadas para um a parede, onde apen as um fin o tecido con hecido com o écran se destaca. No alto da sala, do lado oposto, um a pequen a jan ela. Apagam -se as luzes. Duran te um in stan te, alguém pode pen sar n o ridículo de diversas pessoas descon hecidas e an ôn im as n um cubículo escuro, de portas fechadas, sen tadas por m ais de duas horas de fren te para um a parede. Mas esse in stan te é logo in terrom pido por um facho de luz que corta a sala e preen che quase em sua totalidade a tela da parede oposta. Em segun dos, o cin em a fará com que essas pessoas esqueçam on de estão. Suas realidades serão outras.

Desde sua in ven ção, o cin em a torn ou-se um elem en to catalisador do raciocín io do hom em do século XX, seguram en te um dos gran des respon sáveis pelo salto gigan tesco da hum an idade n esse período. Sen tado num a sala escura, podia-se viajar sem sair do lugar, con hecer n ovas culturas, n ovos lugares, n ovas pessoas, “devorar” n um a pílula de duas horas as im agen s com pactadas de um rom an ce que custaria dezen as de horas de leitura em págin as escritas. Pelo cinem a, as possibilidades do hom em alcan çar seus son hos atin gem n íveis an tes in im agin áveis.

(12)

m ovim en to é a atração visual m ais in ten sa da aten ção1. J oseph-An toin e Plateau,

físico belga, foi um dos prim eiros da história a m edir o fen ôm en o da persistên cia retin ian a, fun dam en tal para o cin em a, acaban do cego por con seqüên cia das in úm eras ten tativas e experim en tos sobre o tem a2. Den tro do con texto de

in ovações tecn ológicas in iciadas com o advento da eletricidade e logo após expressa em in úm eras in ven ções que surgiram , podem os en ten der que a do cin em a foi um dos m aiores passos dados pelo hom em n a busca do autocon hecim en to, defin in do n ovos rum os para a história.

Com o cin em a, o hom em pode expressar com extrem a fidelidade o m ovim en to tal com o ele o im agina. O cin em a n asce registran do, n asce com o docum en to, in depen den te de gên ero, classe, época ou país, o film e é seguram en te um a das m ais im portan tes fon tes históricas. Causa en tão assom bro o fato de que boa parte desses docum en tos, prin cipalm en te os prim eiros, ten ha sido perdida para sem pre. O descaso pelo “velho” e a ân sia por “n ovidades” sem pre foram os gran des in im igos da con sciên cia e da m em ória do hom em . A revolução in dustrial e a lâm pada de Edison levaram as pessoas a im agin ar um sem n úm ero de possibilidades para a m odern ização da vida: n a civilização in dustrial, quem possuir m ais en ergia elétrica e soltar m ais fum aça da cham in é de sua fábrica passa a ser con siderado o m ais poderoso. Celebran do essa m en talidade, n o in vern o de 190 9 o poeta Filippo Marin etti com pôs em prosa o que viria a ser o prim eiro Man ifesto Futurista:

1

Apud: ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual, p. 365.

2

(13)

M arin etti e algun s am igos estav am jun tos a altas horas da n oite,

em sua casa em M ilão. [...] Indign av a-os seu silên cio, sua capacidade de

abarcar e refletir o im enso céu estrelado, os ecos abafados da água dos

canais, a agourenta quietude dos palácios de pedra, in dign av a-os a

harm on ia que criav a com um a Itália repleta de lem bran ças da

An tiguidade, um a Itália alheia às forças aglutin adoras do industrialism o.

[...] Esse an seio do rum or e da v elocidade, capazes de quebrar a

im obilidade do silêncio em que se sentiam asfixiados, tev e com o resposta o

repentino ruído dos bondes em baixo da sua jan ela. Eletrizado, M arin etti

conclam ou, aos brados, os seus com pan heiros a segui-lo – a saírem de

carro à luz do alv orecer. N ão há n ada, gritav a, que possa igualar o

resplendor da espada v erm elha do sol, rasgan do pela prim eira v ez n ossa

escuridão m ilenar! Am on toaram -se em autom óv eis e saíram a toda pelas

ruas da cidade, in citado pela v elocidade, M arin etti com eçou a an siar por

um fim da ‘sabedoria dom esticada’, do que já fora pensado, do que já era

con hecido. Com o que em resposta, sua disputa com a experiên cia term in ou

tum ultuadam ente, pois, ao desv iar para ev itar um a colisão, seu carro

capotou n um a v ala. Para M arin etti, esse choque com o perigo era o

desfecho n ecessário para sua experiên cia: - Oh, Vala M atern a - exclam ou -

quase repleta de água lam acen ta! Belo esgoto fabril! Engoli teu lodo

nutritiv o; e lem brei-m e do aben çoado seio n egro de m in ha am a

sudan esa... Quando saí - roto, im un do e m alcheiroso - debaixo do

autom óv el em borcado, senti o ferro incandescente da alegria

perpassan do-m e deliciosam ente o coração3!

3

KRAUSS, Rosalind. Espaço Analítico: Futurismo e Construtivismo, in: Caminhos da Escultura

(14)

O próprio Man ifesto Futurista proclam a um am or pela velocidade e pelo perigo, in cita ao culto de um a “n ova beleza”: um autom óvel em alta velocidade é m ais belo que a Vitória de Sam otrácia4. Advoga valores de agressão e destruição,

clam an do pelo desm an telam en to de m useus, bibliotecas e academ ias – de todas as in stituições dedicadas à preservação e ao prolon gam en to do passado. É curioso n otar que Filippo Marin etti cita a Vitória de Sam otrácia com o padrão de beleza da época. A estátua, cujos restos en con tram -se n a en trada do Museu do Louvre, existe em sua in tegridade apen as n a im agin ação das pessoas, que projetam a partir de suas ruín as a m aravilha que ela deveria ter sido. Ouro e m aldição (Greed, 1924), de Erich Von Stroheim , foi com parado n a época de seu lan çam en to à Vitória de

Sam otrácia. Sin ôn im o de beleza, a estátua é hoje um a ruín a. E, por iron ia, Ouro e

m aldição teve o m esm o destin o, torn an do-se sím bolo da destruição da história do

cin em a5. Os futuristas olhavam com bon s olhos o cin em a, pois segun do eles, ele “já

hav ia nascido futurista, ou

seja, desprov ido de passado

e liv re de tradições 6”. Por

outra ironia do destin o, os film es dos futuristas foram vítim as da política

4

KRAUSS, Rosalind. Espaço Analítico: Futurismo e Construtivismo, in: Caminhos da Escultura

Moderna, p. 50.

5

Mais detalhes sobre o caso do filme Ouro e maldição podem ser encontrados no capítulo III da presente monografia, Restaurar, conservar e reviver a memória.

6

(15)

destrutiva que defen diam : hoje se en con tram desaparecidos a m aioria dos film es feitos em 1916, en tre eles um curta-m etragem in titulado Vita futurista, rodado em Milão e Floren ça e que con tou com a colaboração do próprio Filippo Marin etti7.

Mas a exaltação das possibilidades do aparelho cin em atógrafo lan çaria, além do pen sam en to futurista de um a n ova arte descom prom etida com o passado, apen as voltado para a realidade, outra verten te de idéias totalm en te opostas. Em 25 de m arço de 18 98 , apen as três an os depois da prim eira exibição pública do cin em atógrafo dos irm ãos Lum ière, o fotógrafo checo Boleslav Matuszewski lan çou em Paris o que se acredita ser o prim eiro m an ifesto do m un do a favor da preservação dos film es, um livreto in titulado Um a n ov a fon te histórica 8. Boleslav

cham ava a aten ção para a n ova form a de docum en tação da realidade, an teven do de form a espan tosa o que seria o futuro daquela in ven ção:

Acreditáv am os, erradam ente, que todos os gêneros de docum entos

figurativ os que se torn assem históricos teriam seus lugares n os M useus e

n as Bibliotecas. Colocada ao lado de selos, m edalhas, desen hos sobre

cerâm ica, esculturas etc., que são recolhidas e classificadas, a fotografia,

por exem plo, n ão tem seu departam en to específico. (...) Obrigatoriam en te

restrita n o seu com eço, esta coleção gan haria um a exten são cada v ez

m aior à m edida que a curiosidade dos fotógrafos cin em atográficos

trouxesse cen as sim plesm en te de div ersão ou fan tasistas, além das ações e

espetáculos de interesse docum ental e de en trechos de v ida div ertida, além

7

BENNET, Carl. “The Progressive Silent Film List”, in: http://www.silentera.com/PSFL/data/V/Vitafuturista1916.html, ativo em 26/04/2005.

8

(16)

dos en trechos de v ida pública e n acion al. De sim ples passatem po, a

fotografia em m ov im en to se torn ará en tão um m étodo agradáv el para o

estudo do passado; ou, m ais ain da, um a v ez que ela trará a v isão direta,

ela suprim irá, ao m en os para certos pon tos que têm sua im portân cia, a

necessidade de in v estigação e de estudo. Por outro lado, ela poderá se

tornar um m étodo de ensino singularm en te eficaz. Dos textos de v aga

descrição, oferecidos pelos liv ros destinados à juv entude, um dia

poderem os chegar a ter n um a sala de aula, em um quadro preciso e em

m ov im en to, os aspectos m ais ou m en os im portan tes de um a assem bléia

em deliberação, o encon tro de chefes de estado próxim os de selar alian ças,

um deslocam ento de tropas ou de esquadras ou m esm o a fision om ia

inconstante e m óv el das cidades. M as é necessário que se passe um lon go

tem po an tes que possam os recorrer a essa fon te auxiliar para o ensin o de

H istória. É preciso de im ediato arm azenar a história pitoresca e exterior,

para a em pregar m ais tarde, sob os olhos dos que n ão a testem un haram 9.

O cin em a cum pre im portan te papel ao registrar os hábitos das pessoas. A câm ara, apen as captan do im agen s à sua volta, já tran sform a o film e em um espelho

da realidade. Portan to, o film e pode e deve ser en ten dido com o um a poderosa

ferram en ta, um arquivo de valor cultural e histórico da hum an idade, capaz de resgatar iden tidades de grupos e épocas, com o n um a revisitação do passado de um a cultura. En ten de-se en tão o film e com o docum en to histórico, in cluin do a produção de ficção: os veículos, os figurin os, os objetos de cen a, a paisagem natural e urban a – tudo, e m esm o o im agin ário criado n a tela, está im pregn ado e m arcado

9

(17)

pela época n a qual o film e foi rodado. Mesm o o seu suporte (seja película de nitrato ou acetato, vídeo ou DVD); sua técn ica de colorização (pin tado à m ão, viragem ,

Technicolor ou pin tura digital); seus efeitos especiais (que revelam o estágio

tecn ológico da in dústria); a presen ça ou n ão de ban da son ora (e o form ato da m esm a)... Tudo n um film e pode eviden ciar o tem po em que foi realizado.

Por ser basicam en te um in strum en to de en treten im en to, o film e sem pre refletiu as ân sias do público, m ais um a referên cia que in dica sua im portân cia para a an álise histórica. Marc Ferro apon ta em seu livro Cin em a e H istória as possíveis causas que fizeram o film e ser relegado ao segun do plan o en quan to registro histórico:

(...) Isso (o descaso com o cin em a) tam bém diz respeito ao estatuto

do cin em a n a sociedade n o in ício do século X X . H erdeiro de suas origen s,

por um lado, ele foi considerado com o um a m áquina de v anguarda pelos

sábios e técn icos. Via-se nele o instrum ento registrador do m ov im ento e de

tudo aquilo que os olhos não podem reter. Por outro lado, o film e era

com pletam en te ign orado en quan to objeto cultural. Produzido por um a

m áquin a, com o a fotografia, ele n ão poderia ser um a obra de arte ou um

docum ento. É sign ificativ o que os cine-jornais jam ais ten ham tido outro

autor recon hecido além da em presa que os produziu. O hom em da câm ara

n ão perten ce à sociedade dirigen te, ao m undo dos letrados. Ele é

sim plesm en te um caçador, um caçador de im agen s. Produzida assim , órfã,

a im agem é perfeita para se prostituir para o pov o. Para a sociedade

cultiv ada e para os n otáv eis, o cin em a é um espetáculo de párias10.

10

(18)

O cin em a, talvez por n ascer pré-destinado a registrar, acaba torn an do-se um espelho fiel da sociedade. E esta sociedade ao ver sua im agem refletida ten de a question ar seu próprio aspecto. O crítico de cin em a Paulo Em ílio Salles Gom es acredita que o cin em a é um reflexo fiel do povo que o produz, tan to que se pode classificar o cin em a da m esm a form a que a divisão da sociedade é feita: desen volvidos, subdesen volvidos, todos retratos de suas culturas correspon den tes11. Pode-se dizer que o cin em a é o m ais “pen etran te” dos

docum en tos: além de registrar m odos de vida, registra tam bém o ato de pen sar. An dré Bazin , criador da revista Cahiers do Cin em a e um dos prin cipais pen sadores do cham ado realism o cin em atográfico, con sidera o cin em a um a refração da realidade. O cin em a n ão seria um in strum en to para se olhar a natureza, e sim um in strum en to da ciên cia e da n atureza; ou seja, ele n ão capta o m eio, é um produto dele: Seu desejo de v er o cin em a expandir-se em n ov as áreas era alim en tado, ao

m esm o tem po, por sua preocupação com o futuro do cinem a e por sua

preocupação com o futuro da realidade, ou pelo m en os da n ossa relação com a

realidade12.

A preocupação com o futuro do cin em a expressa por An dré Bazin n ão diz respeito apen as ao film e, m as tam bém à sociedade retratada n a película. Perder um film e sign ifica perder um fragm en to da m em ória audiovisual da sociedade que o produziu. Portan to, todos os film es produzidos por determ in ada sociedade são docum en tos históricos passíveis de serem an alisados, e capazes de ajudar os

11

GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento, p 85.

12

(19)

historiadores a recom por e com preen der determ in ada época n um a certa sociedade. Nesse con texto, um a questão deve ser levan tada: se todos os film es, n ão im portan do seu gên ero, sucesso ou fracasso de crítica e público, devem ser con siderados docum en tos a serem preservados, que critério adotar para a hierarquia de preservação da m assa de películas produzidas em todo o m un do? Eduardo Valen te, n a época estagiário da Cin em ateca do MAM, do Rio de J an eiro, lan çou em artigo da revista Con tracam po um a opin ião polêm ica sobre o tem a:

Quando se fala que “dev em os preserv ar” é lógico que parece um a

coisa óbv ia, sim ples de defen der. Porém , perde-se a perspectiv a da

com plexidade do assun to. Por exem plo: especialm ente n um país com o o

Brasil, é claro que não poderíam os jam ais preserv ar TUDO. N ossas

cinem atecas e instituições sim plesm ente não teriam espaço, pessoal,

orçam ento para todos os longas, todos os curtas, todos os cine-jornais,

todos de tudo. Ain da m ais no trabalho atual on de com eçam os um “pron

to-socorro” de film es, no qual precisam os optar na em ergência por qual

paciente salv ar. Aí a coisa com eça a ficar um pouco m ais confusa. Porque

afinal quem escolhe o que se preserv ará, o que se restaurará (ainda m ais

grav e)? Sob quais critérios? Obras relev an tes? Para quem ? Geralm en te é

sob este tipo de pressão que a coisa com eça a ficar estran ha, porque

passam os por con ceitos v oláteis com o o de relev ância, im portân cia,

perm an ên cia, que sign ificam um a coisa para cada pessoa. E m uitas v ezes

com eçam os a v er um certo cân on e do “bom gosto” escolher qual m em ória

afinal dev em os preserv ar, e ao fazer isso direcionar o que é o “n osso

(20)

m an eira só posso lev ar a sério a questão do “passado” quan do perder

Cidadão Kane seja considerado o m esm o que perder um a

porn ochanchada. Enquanto junto com o discurso do “preserv ar” v enha

sem pre as frases “estam os perden do film es im portantes com o...”, não

posso defen der de todo o conceito. Então, o que o escriba está fazendo,

propon do a paralisia, e que n ada se preserv e para n ão se fazer opções?

Lon ge disso... O escriba apen as ten ta m ostrar que algo que parecia

extrem am en te sim ples e óbv io v ai se m ostrando cada v ez m ais dúbio 13.

Eduardo Valen te levan ta um a hipótese curiosa, que podem os descrever aqui por um a m etáfora: se n a sala de em ergên cia de um hospital um in digen te disputasse o aten dim en to com Fern an da Mon ten egro, qual deles teria prioridade? Naturalm en te, o in digen te iria esperar porque, com o disse certa vez J ean -Paul Sartre, todo hom em precisa de um a estrela e n in guém , n em o m ais ferren ho socialista, perdoaria um m édico que deixasse m orrer um a estrela n acional para salvar um in digen te. O hum an o seria resgatar o prín cipe e o m en digo, a estrela e o in digen te, ao m esm o tem po e da m esm a form a. Mas n um a sociedade de recursos lim itados, isso é n o m ín im o im provável, e por isso as celebridades são privilegiadas em detrim en to dos an ôn im os, e os hum an os “de alto n ível”, socorridos an tes dos “de baixo nível”.

A seleção do m aterial a ser restaurado é extrem am en te subjetiva, de acordo com quem executa o trabalho de restauração (por vezes são as fam ílias dos cin eastas que levan tam o patrocín io n ecessário para a restauração dos títulos);

13

(21)

on de ela é feita (culturas, sociedades e políticas distin tam en te adotadas in terferem n a salvaguarda dos film es; por vezes, um film e con siderado desaparecido n o seu país de origem é en con trado intacto n os arquivos de outro país); sua fin alidade (existe um m ercado cada vez m aior de exibidores e produtores de DVDs in teressados em obras restauradas); ou m esm o sua urgên cia. Mesm o obras de diretores con sagrados com o Charles Chaplin tiveram um processo n atural de seleção n a hora da preservação de seus títulos: o excelen te e ún ico film e m elodram ático de sua cin em atografia, Um a m ulher de Paris / Opin ião pública (A

W om an of Paris, 1918 ), ign orado pelo público e m al recebido pela crítica, por

m uito tem po caiu n o esquecim en to, sen do um a das últim as obras suas a serem restauradas14. Apesar de hoje serem lem brados com o obras-prim as do cin em a,

vários film es foram fracassos de bilheteria n a época em que foram lan çados. En tre eles, Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles, colocan do por terra a teoria de que som en te film es que fizeram sucesso in tegram a cada vez m ais seleta triagem da preservação. Retorn em os a Matuszewski:

Portan to, a prov a cin em atográfica, on de um a cen a se com põe de

m il quadros, e que, repassada entre um foco lum in oso e um a tela bran ca

faz se apresentarem e andarem os m ortos e os ausentes; essa sim ples fita

de celulóide im presso con stitui n ão som en te um docum en to histórico, m as

um a parcela da H istória, e de H istória que não desapareceu; que não

precisa de um gên io para ressuscitá-la. Ela está lá recolhida e, com o esses

14

(22)

organ ism os elem entares que, v iv en do de um a m aneira latente, se

rean im am depois de an os sob um pouco de calor e de um idade, não lhe é

preciso, para acordar e v iv er nov am ente as horas do passado, m ais do que

um pouco de luz atrav essan do um a len te em m eio à escuridão! (..) O

cin em atógrafo talv ez n ão dê a história in tegral, m as traz ao m en os aquilo

que n um liv ro é incon testáv el e de um a absoluta v erdade. A fotografia

ordinária adm ite o retoque que pode chegar até à tran sform ação. M as

ten tem en tão retocar, de m an eira idên tica para cada figura, estes m il e

doze cen ten as de quadros quase m icroscópicos...! Pode-se dizer que a

fotografia anim ada tem um caráter de auten ticidade, de exatidão, de

precisão, que só a ela é possív el. Ela é por excelência a testem unha ocular

v erídica e in falív el. Ela pode controlar a tradição oral e, se os testem un hos

hum an os se con tradizem sobre um fato, colocá-los de acordo silen cian do

aquele que ela desm ente. Supon ham um a m an obra m ilitar ou nav al, na

qual o cin em atógrafo registrou as fases, um a discussão com eçada; ela

será term in ada rapidam en te... Ele pode dar com um a exatidão

m atem ática as distân cias os pon tos das cen as que ele registra. N a m aioria

das v ezes ele m ostra atrav és de in dícios bem claros a hora do dia, a época,

as con dições clim áticas n as quais o fato se produziu. M esm o o que escapa

aos olhos, o progresso im perceptív el das coisas em m ov im en to, a objetiv a

o surpreen de, desde seu in ício perdido no horizonte até o ponto m ais

próxim o em prim eiro plan o n a tela, Em sum a, seria desejáv el que todos os

outros docum en tos históricos tiv essem esse m esm o grau de certeza e de

ev idência15.

15

(23)

Este trecho, ain da do citado prim eiro m an ifesto pela con servação dos film es, n ão con seguiu an tever a revolução digital e a m an ipulação de pixels, im pen sável n o século XIX e cada vez m ais com um atualm en te. Mas con segue, a seu m odo, exaltar a gam a de possibilidades propiciadas pelo registro da im agem , ten tan do in clusive sobrepor essa n ova fon te histórica sobre outras form as de docum en tação. Terem os n o futuro um a produção em m assa de películas e/ ou sim ilares, e um a destruição n a m esm a proporção. Seja pelo progresso ou pelo aban don o, film es que m arcaram época desaparecem das prateleiras e, em seguida, de n ossa m em ória. Sem pre que deixam os desaparecer um film e, estam os deixan do desaparecer um registro de n ossa história.

(24)

con ven cen do e de doutrin ar en treten do o povo, assim com o de difam ar estereotipan do e destruin do m oralm en te o “in im igo” 16.

Um a cultura que n ão preserva as im agen s que gera perde parte im portan te de seu registro histórico a cada geração. Riquíssim a de elem en tos, a m em ória audiovisual é fun dam en tal para com por o n ovo m un do de im agen s em que vivem os. A preservação do cin em a está subm etida à política, m as acim a desta está a real fun ção das im agen s, im prescin díveis para a com preen são do passado, base para o futuro im agético e digital. O resultado é que restam apen as 10 % da m em ória do m un do registrada em film es, e essa carên cia aum en ta se an alisam os separadam en te cada país. Não é esse ou aquele film e que pede para ser socorrido, m as toda a m em ória audiovisual do m un do.

16

Apud: FERRO, Marc. Cinema e história, p.70; NAZARIO, Luiz. Diversão e terror: dos autos-de-fé

(25)

A s c in e m a t e c a s s ã o d r a g õ e s q u e p r o t e g e m n o s s o s t e s o u r o s . J e a n Co c t e a u 17

O cin em a é um a arte essen cialm en te efêm era, e já n asceu sem m aiores preocupações em ser con servada para as gerações futuras. Porém , difere do teatro por dar aos en volvidos um a falsa esperan ça de que aquela cen a, aquele gesto, a in terpretação deste ou daquele ator durariam para sem pre. Seu suporte é frágil e o descaso com que as películas são tratadas fazem do cin em a, a m ais n ova das artes, tam bém a m ais frágil em term os de con servação e m em ória.

No in ício do cin em a, era com um descartar as películas que já haviam sido exibidas. Elas já haviam atin gido o público desejado, já tin ham feito din heiro, n in guém im agin ava que essas películas poderiam ter outra serven tia ou aplicação. Na m aioria das vezes, elas eram ven didas a quilo, e acabavam viran do pen te, vassoura ou esm alte. Outras vezes, a película velha era queim ada pelos realizadores para criar efeitos especiais n as n ovas pr oduções. Os prim eiros projecion istas jogavam n a rua os film es já exibidos. Os que restavam eram cuidadosam en te queim ados fora das salas, a fim de evitar que os m esm os queim assem essas salas n o caso de um in cên dio gen eralizado, fato com um n um a época em que a eletricidade, ain da um a n ovidade, era usada sem con trole. J á existiam algum as

17

(26)

práticas de guarda de arquivos fílm icos, com o o Museu Britân ico, em Lon dres, e a Biblioteca do Con gresso, n os EUA. Sobre o prim eiro, a prática de arm azen ar fotografias em m ovim en to recebia duras críticas, com o a publicada n o jorn al

W estm in ster Gazette em 20 de fevereiro de 18 97:

O funcionam ento arbitrário da sala de grav uras do M useu Britânico

está grav em en te perturbado pela coleção de fotografias an im adas que têm

caído no colo dos estupefatos fun cionários do local. (...) N a degradada

sala, destin ada a Dürer, R em bran dt e aos outros m estres (...) [os

fun cion ários] catalogam paulatin am en te “O Derby do Prín cipe”, “A praia

de Brighton ”, “Os ôn ibus de W hitehall”, e outras cen as atrativ as que

deleitam o coração do gran de público dos espetáculos m usicais (...).

Falando sério, esta recom pilação de idiotices não está sen do con v ertida em

um a tarefa absurda18?

O film e era con siderado um m ero divertim en to, de alcan ce m uito im ediato; m as n em todos pen savam assim . Um artigo de 10 de dezem bro de 190 6, publicado n a revista View s an d film in dex, já ten tava alertar para as poten cialidades das im agen s cin em atográficas:

Costum am os n os pergun tar para on de v ão todos os film es que são

feitos e usados algum as v ezes, e a pergunta que não sai das nossas m entes

é: Será que os fabricantes de film es percebem que estão fazendo história?

18

(27)

Será que n ão pensam que daqui a 50 ou 10 0 anos os film es feitos hoje

serão curiosidades19?

A história do cinem a n ão é feita apen as de gran des in ven ções, aparelhos en gen hosos, dem an da por n ovidades e a con stan te destruição das películas ao sabor dos n ovos aperfeiçoam en tos e técn icas. Existe outra história, paralela a esta, que acaba torn an do-se a prin cipal pon te de ligação en tre o m un do n ovo e o antigo, en tre o cinem a atual e sua m em ória. Partindo de práticas isoladas, crian do acervos pessoais, cin eastas realizadores ou apen as cin éfilos apaixon ados pela sétim a arte criaram o “in san o” hábito de colecion ar film es, já perceben do que suas películas favoritas desapareciam dos cin em as e, n um segun do in stan te, de suas m em órias. Eles en tenderam o cin em a com o o m elhor registro de seu tem po, além de ser n ão apen as um divertim ento, m as a m ais n ova das artes.

De sim ples curiosidade cien tífica a divertim en to; de divertim en to a im portan te objeto de reflexão sobre a sociedade. Na Itália, Ricciotto Can udo publicaria em 1911 um artigo in titulado O nascim ento da Sétim a Arte. Esta arte seria o cin em a, e o term o seria adotado e usado até hoje. Na França, Georg Lukacs tam bém enten deria o cin em a com o um a n ova form a de expressão, publican do em 1913 um dos prim eiros en saios sobre a lin guagem e estética, Introdução à estética

do Cinem a. Tam bém n a Fran ça, Louis Delluc cria em 1914 o term o cineasta,

iden tificando o realizador n ão com o um m ero caçador de im agen s, m as com o artista de um a n ova arte20. Ricciotto Canudo fun daria em 1920 n a Itália o

19

(28)

Cineclube dos Am igos da Sétim a Arte21. Germ ain e Dulac, cin easta, criaria um a

Associação sem elhan te em Paris, defen dendo o cinem a com o objeto de reflexão e arte22. E assim surgiram pelo m un do os Cin eclubes, espaços destin ados n ão só à

exibição de film es, m as dedicados a refletir sobre o cin em a com o um todo. São os cin eclubistas os prim eiros criarem parâm etros da v isão do cinem a elev ado à arte, in clusive crian do escolas de in trodução à estética, crítica e prática do cin em a.

O Cin eclubism o expan diu-se pelo m un do, e n o fin al dos an os 1920 quase todos os países possuíam estes tipos de sociedades. No Brasil, o Cin eclubism o possuía razões éticas e técn icas: o lan çam en to do film e O can tor de jazz em 1927 in augurava a era son ora n o cinem a. E o question am en to sobre as van tagen s desse n ovo avan ço tecn ológico em detrim en to dos film es m udos, que de um dia para o outro se torn aram obsoletos, acabaram crian do grupos de discussão e debates a favor e con tra o son oro, en ten dido por algun s apen as com o um a m oda passageira, sen do o film e silen cioso (com sua estética expressiva e a pan tom im a dos atores) con siderado a essên cia m esm a do cin em a. Plín io Sussekin d Rocha, Otávio de Faria, Alm ir Castro e Cláudio Mello, eram os que defen diam estes ideais. Eram todos in tegran tes do Chaplin Club, cineclube que daria origem à Film oteca Brasileira e à Fun dação Cin em ateca Brasileira23.

20

WILLEMEN, Paul. An introduction to Framework, in:http://www.frameworkonline.com/about2.htm, ativo em 14/03/2005.

21

GORIA, Gianfranco. Scrivere Fumetti, in:http://www.fumetti.org/goria/scrivere/002.htm, ativo em 27/05/2005.

22

Germaine Dulac foi a segunda mulher a dirigir filmes na França, atrás somente de Alice Guy-Blanché, contemporânea de Méliès e hoje esquecida. Fonte: World Cinema, in: http://www.geocities.com/Paris/Metro/9384/directors/dulac.htm

(29)

Da crítica e reflexão, os Cin eclubistas passaram a con servar film es, m atéria prim a dos seus estudos, in iciaram n a década de 1930 um a verdadeira cruzada

perserv acionista, n o in tuito de proteger com o dragões os tesouros do cin em a.

Destacam -se n este período os esforços de H en ri Langlois, Georges Fran ju e Lotte Eisn er, n a Fran ça; Ern est Lin dgren , n o Rein o Un ido; J acques Ledoux, n a Bélgica; Iris Barry e J am es Card, n os EUA; Mario Ferrari e Maria Adrian a Pólo, na Itália; Ein ar Lauritzen , n a Suécia; Paulo Em ilio Salles Gom es, n o Brasil; e tan tos outros que, partindo de práticas isoladas, ajudaram a con stituir um a n ova m en talidade

conserv acionista24.

Assim acon teceu n os países dem ocráticos e de livre m ercado, num processo diferen te do que ocorreu n os países totalitários, on de o Estado con trolava e m on opolizava toda a produção e exibição dos film es. Os govern os dos países con siderados liv res viram -se, n um prim eiro m om en to, desobrigados da con servação da produção audiovisual. Nesses países, foi um a política con servacion ista dos estúdios de cin em a m ais previden tes n a guarda de suas produções ou o colecion ism o de algun s apaixon ados pelo cin em a que desem pen haram o prin cipal papel n a con servação dos film es: o colecion ism o gerou os cin eclubes; algun s cin eclubes deram origem a arquivos de film es; n um a etapa seguin te, essas film otecas particulares, m uitas vezes associadas a m useus, organ izaram -se em verdadeiras cin em atecas, fun dações que, articulan do-se in tern acionalm en te e prom oven do cam pan has de con scien tização sobre a n ecessidade da preservação do patrim ôn io audiovisual, acabaram , tardiam en te,

23

Vieira, João Luiz. Verbete Chaplin Club In: RAMOS, Fernão. MIRANDA, Luiz Felipe (orgs.).

Enciclopédia do cinema brasileiro, p. 119.

24

(30)

obten do o apoio dos Estados dem ocráticos para preservar, restaurar e exibir os film es desde en tão considerados com o tesouros nacionais.

Fun dado em 1929, o MoMa é um a en tidade dedicada a preservar a arte m odern a com o um todo. A idéia é criar um cen tro de referên cia direcion ado prin cipalm en te para escolas, torn an do-se um m useu da história de todas as artes, in clusive o cin em a. O MoMa é respon sável pela preservação de pérolas do cin em a m udo com o N anuque, o Esquim ó (N anook of the N orth, 1922), de Robert Flaherty, e Intolerância (In toleran ce, 1916), de David Wark Griffith, depositados n a in stituição pelos seus próprios realizadores25.

De todas as cin em atecas, certam en te poucas detêm tan tos film es an tigos quan to a Biblioteca do Con gresso, com películas datadas de 18 90 , praticam en te do in ício de cin em a. E a razão de tão rico acervo é que, n a corrida in dustrial, os produtores de film es criaram as m ais loucas m aneiras de registro de patentes, ten tan do assegurar a propriedade in telectual de suas produções n um período que ficou con hecido com o guerra de paten tes. Um a en gen hosa e curiosa m an eira de

25

(31)

registro acabou salvan do vários film es: a im pressão da película em um rolo de

papel. O cin em a, n ovidade n os an os 190 0 , ain da não possuía um m étodo de

registro: se n em era con siderado docum en to, m uito m en os tin ha espaço n os m useus e arquivos; as leis de direito autoral só iriam m en cion ar o cin em a em 191126. Nos Estados Un idos, algun s realizadores optaram , assim , por im prim ir em

papel os seus film es. Essa prática assegurava o film e com o docum ento: o papel podia ser paten teado e, com o docum en to em papel, guardado n a Biblioteca do Con gresso. O que acabou sen do criado in con scien tem en te foi um arquivo de 3 m il rolos de papel de produções do in ício do cin em a, bem arm azen ados, ao con trário da cópia origin al em película de nitrato, desgastada e por m uitas vezes desaparecida. Graças a essa m atriz de papel, m ais de 20 0 obras puderam ser, após a in ven ção de um a m áquin a especialm en te adequada para isso, restauradas e tran sferidas n ovam en te para a película, garan tin do a sobrevida de um a boa parte da m em ória audiovisual do prim eiro cinem a n orte-am erican o27.

26

Documentário Salvadores de imagens (Keepers of the frame, 1999), da WinStar Productions.

27

(32)

Além disso, a Biblioteca do Con gresso detém a salvaguarda de relíquias do cin em a em n itrato, com o o n egativo original de O grande assalto do trem (The

Great Train R obbery , 190 3), de Edwin S. Porter; e clássicos do cin em a com o A

m ulher faz o hom em (M r. Sm ith Goes to W ashington, 1939), de Fran k Capra;

R elíquia m acabra (The M altese Falcon , 1941), de J ohn H uston ; Casablan ca (idem ,

1942), de Michael Curtiz, en tre tan tos outros28.

Nascido em 1914, n a Turquia, H en ri Langlois seria um dos m ais im portantes defen sores da m em ória do cin em a. Com eçou por gosto a colecion ar os film es que am ava, e o hábito torn ou-se um a obsessão quan do percebeu que certos títulos de sua coleção torn avam -se ao lon go dos an os a ún ica cópia que deles restava. Lan glois guardava suas raridades em n itrato n a ban heira da casa, para o desgosto da fam ília, que n ão podia tom ar ban ho n a ban heira e ain da corria (sem saber) sérios riscos, pois o aquecim en to do ban heiro era a gás 29. Gastou todo o din heiro que

possuía para adquirir quan tos film es fossem possíveis, até que o govern o fran cês, m uito tem po depois, reconheceu seu em pen ho e passou a auxiliá-lo fin an ceiram en te n a aquisição dos títulos. Com apen as 10 títulos fun dou, com o am igo Georges Fran ju, e tam bém in spirado pelas palestras do professor de cinem a J ean Mitry, em 1936, um m useu-teatro destin ado a guardar, restaurar e exibir

28

Biblioteca do Congresso, in: http://www.loc.gov/, ativo em 21/05/2005.

29

(33)

film es: a Cin em ateca Fran cesa, que hoje dispõe de m ais de 60 m il títulos30. Estava

dado, n a Fran ça, m ais um passo defin itivo para a salvaguarda dos film es e o exem plo de H en ri Langlois seria seguido em vários outros países em todo o m un do. Além de guardar com o um dragão os film es da Cinem ateca, H enri Langlois prom ovia exibições dos seus tesouros, pois um acervo n ão serve apen as para proteger os film es do desaparecim en to, m as tam bém para divulgá-los, e assim propagar a m em ória deles. Um a reun ião de am igos acaba torn an do-se um im portan te cen tro de reflexão sobre o cinem a e o seu papel na sociedade: de sim ples espectadores a cin éfilos, de leitores passivos a críticos, essas pessoas ten tam desesperadam en te salvar a m em ória audiovisual do m un do, n a m edida em que divulgam , criticam e debatem film es, levan do o cin em a a um n ível in telectual de reflexão in dispen sável à sua in serção n a cultura. H en ri Lan glois exibia seus film es para um a platéia pequena, às vezes lim itada a vin te pessoas, m as m uito en tusiasm ada, en tre as quais en con travam -se J ean Cocteau, J ean -Paul Sartre, Sim on e de Beauvoir, Sim on e Sign oret e am igos estran geiros de Lan glois: Alberto Cavalcan ti, Luigi Com en cin i e Alberto Lattuada 31.

Con siderado o pion eiro n a prática de con servação de film es, Lan glois en fren tou todo tipo de em pecilhos para assegurar a vida do seu m aior projeto, a Cin em ateca Fran cesa. Em 1968 acabou destituído do cargo de diretor da Cin em ateca que fun dara por desen ten dim en tos com o en tão Min istro da Cultura da Fran ça, André Malraux. Essa dem issão causaria um a on da de m an ifestações a favor de H en ri Lan glois de proporções gigan tescas em todo o m un do. Passeatas de

30

Cinemateca Francesa, In:http://www.cinemathequefrancaise.com/, ativo em 19/03/2004.

31

(34)

estudan tes en fren tando a polícia e o apoio de diretores fran ceses fam osos com o Claude Chabrol, J acques Dem y, J ean -Luc Godard e Fran çois Truffaut (que se proclam aram “filhos da Cin em ateca”) m ergulharam a Fran ça n um caos. Nun ca um trabalho com o de Langlois tivera tan ta projeção: Os protestos con tra a dem issão de Lan glois tiveram repercussão n o m un do in teiro, chegan do in clusive a can celar o festival de Can n es de 1968 32. O m in istro Malraux se viu obrigado a voltar atrás,

restituin do H en ri Langlois ao cargo.

A organ ização m aior da classe seria criada por in iciativa de H en ri Lan glois em 1938 : a FIAF (Federação In tern acion al de Arquivos de Film es). Com sede em Bruxelas, Bélgica, a associação que n o ato de sua criação contava com apen as quatro sócios, hoje con ta com m ais de 120 in stituições, n um a m ostra da crescen te im portân cia da preservação do patrim ôn io das im agen s. En tre as atribuições da FIAF, destacam -se a n orm alização das técn icas criadas para a con servação e preservação de film es, a facilitação da investigação histórica perm itin do o livre in tercâm bio en tre cin em atecas e o trein am en to de m ão de obra especializada para a difícil tarefa de preservação, restauração e divulgação do patrim ôn io audiovisual33. Den tre as in stituições perten cen tes à FIAF, observa-se que o

fen ôm en o de con servação de film es data da década de 1930 , m as a con scien tização sobre técn icas e práticas de restauração só ocorre de fato n os an os 1950 .

Por iron ia, algum as das in stituições m ais bem sucedidas n a con servação dos film es n a Europa foram am paradas por estados totalitários. Mas n em todos os

32

O episódio é lembrado até hoje, sendo reconstituído no filme Os sonhadores (The Dreammers, 2003), de Bernardo Bertolucci. Fonte: Internet Movie DataBase, in: http://www.imdb.com/name/nm0486581/bio, ativo em 15/05/2005.

33

(35)

film es desses países foram salvos da destruição. Na Rússia, o Estado Soviético con fiscou todo o im en so acervo particular de film es do Czar Nicolau II, im perador que via n o cin em a um a fan tástica form a de en treten im en to. Desse acervo, até hoje pouco explorado, surgiu oficialm en te em 1937 a Cin em ateca Russa (Gosfilm ofon d), local que ain da con serva relíquias ocultas do cin em a m un dial. Com o H itler e Goebbels n a Alem an ha n azista, tam bém Stalin adorava o cin em a, e assistia a film es praticam ente todos os dias. Vários film es ele só en con trava n o Gosfilm ofon d, que, por essa dem an da, acabou se expan din do. Apesar de ser estatal, Gosfilm ofon d tin ha um a liberdade de aquisição de títulos pouco praticada n a época em outros países. Acabou torn an do-se referên cia m un dial, m esm o ten do cen surado até hoje film es que con tam a história audiovisual da Rússia34. Dos poucos títulos

produzidos n o período czarista lan çados em LD e DVD, algun s im pression am pela qualidade e uso de técn icas avan çadas para a época, com o cin co dos oiten ta film es produzidos pelo cin easta e poeta russo Evgen i Bauer (18 65-1917). Esse brilhan te realizador estava fadado ao esquecim en to sob o Estado Soviético, que sim plesm ente “apagou” da historiografia todo o passado fílm ico an terior à Revolução de Outubro35.

A Alem an ha n azista criou, em 1935, um a das prim eiras cin em atecas do m un do: a R eichsfilm archiv , em Berlim , dirigida por Fran k H en sel: m em bro do Partido Nacion al-socialista dos Trabalhadores Alem ães (N ationalsozialistische

34

DMITRIEV, Vladimir. Entrevista a EISENSCHITZ, Bernard, in: Lignes d'ombre. Une autre

histoire du cinéma sovietique (1926-1968). Milano: Edizioni Gabriele Mazzota, 2000. On line: Otra historia del cine soviético (1926-1968). La conservación como acto de historia,

in:http://www.mcu.es/jsp/plantilla_wai.jsp?id=8304&area=cine&contenido=/cine/film/dore/dore_n otas/2004/marzo/dore_sovietico.html, ativo em 27/05/2005.

35

(36)

Deutsche Arbeiterpartei - NSDAP) e das SS desde 1928 , sua biografia é repleta de

con tradições e om issões. Acabou torn an do-se im portan te figura n o m un do dos arquivos de film es tanto na Alem anha quan to n o estran geiro, sen do um dos fun dadores da FIAF em 1938 e seu presiden te em 1939. En carregava-se de exibir para os m em bros do NSDAP tan to film es alem ães quan to os film es proibidos pelo regim e, pois segun do o Min istro da Propagan da e do Esclarecim en to Público, J oseph Goebbels, estes film es deveriam ser estudados com o parte im portan te dos plan os da con tra-espion agem . Fran k H en sel m an tin ha con tatos com a Cin em ateca Fran cesa e se atribuía o m érito de ter in spirado outros arquivos de film es segun do o m odelo alem ão, que qualificava, para efeito de propagan da, com o “o prim eiro do m un do” e “m eio de com un icação n ão-política en tre n ações”. Na verdade, seu trabalho com o con servador de film es n un ca se dissociou de sua m en talidade e de suas atividades n azistas36.

A R eichsfilm archiv não evitou a destruição de film es, livros e dem ais docum entos proibidos pelo regim e nazista. Lotte Eisner, a prim eira m ulher crítica de cin em a n a Alem an ha, por ser judia perdeu seu em prego com o jorn alista, exilan do-se n a Fran ça. Em Paris, passou fom e até en con trar, em 1934, H en ri Lan glois e Georges Fran ju. Passou a realizar trabalhos para Lan glois, que n egociava com os n azistas o salvam en to de film es do cin em a m udo alem ão da Alem an ha hitlerista. Lan glois in cum bia Lotte Eisn er de m issões arriscadas - n ão n a Alem an ha n azista, on de ela n ão podia por os pés, m as n a Fran ça ocupada pelos n azistas, on de ela passou a viver n a clan destin idade com papéis falsos forn ecidos por ele, sob o n om e de Lotte Escoffier. Assim ele a hospedou n um castelo do século XV em

36

(37)

Figeac, onde descobrira que a proprietária possuía latas de film es arm azen adas n um porão: Lotte passou sem an as dorm in do n o belo e velho castelo on de n ão havia ban heiro, só um buraco n o chão, quebran do as un has das m ãos n as latas que abria e pesquisava, descobrin do, por exem plo, um a cópia de O grande ditador que n ão podia de m odo algum cair n as m ãos dos alem ães. Depois da guerra, em 1945, ela se torn ou a curadora da Cin em ateca Fran cesa e voltou à Alem an ha para ten tar resgatar o que podia de film es, program as, requisitos e outros docum en tos do cin em a alem ão para a Cin em ateca Fran cesa37.

Os estados autoritários n a Am érica Latina tam bém fizeram estragos n a m em ória audiovisual. Duran te a ditadura im posta pelo Gen eral Pin ochet n o Chile, praticam ente todas as produções feitas n o país n aquele período foram geradas em VH S por n ão ser possível obter película virgem . Estes film es, por estarem em um suporte m uito in ferior à película, podem com prom eter n o futuro toda a produção do Chile da época. Neste quadro, destaca-se a figura de Carm em Brito, a ún ica m on tadora de film es de sua geração que não “desapareceu” duran te a ditadura. Duran te aqueles an os, trabalhan do com o in trusa n a Chile Film s, Carm em em baralhava propositalm en te os títulos n as prateleiras e guardava a ordem certa n a cabeça, evitan do assim que os m ilitares destruíssem im portan tes obras do período m udo chilen o. Foram proibidos cerca de 40 0 film es n o Chile en tre os an os 1970 e 198 0 . Devido ao retrocesso cultural prom ovido pelos lon gos e duros an os da ditadura, este país ain da n ão possui um a cin em ateca e luta para con servar sua m em ória audiovisual38.

37

EISNER, Lotte. Ich hatte einst ein schönes Vaterland. p. 204-211.

38

(38)

Assim que um film e é iden tificado com o docum en to histórico torn a-se objeto de estudo por parte de instituições de en sin o. Muitas vezes, a ajuda para a recuperação de film es parte de bolsas de pesquisa patrocin adas por en tidades com o a UNESCO, sen do os trabalhos de restauração realizados em un iversidades. Nos an os 1970 , a UCLA descobriu que a Param oun t n ão sabia o que fazer com seus film es de n itrato produzidos en tre 1929 e 1949. A UCLA en trou com um projeto de con servação e restauro do m aterial e o acervo deu in ício ao Departam en to de Con servação daquela in stituição. Assim que a n otícia se espalhou, outras em presas de H ollywood com o a Twen thy Cen tury Fox, a Warn er Bros, a Colum bia e a RKO tam bém doaram suas cópias em n itrato. H oje, a UCLA é referên cia n a con servação de películas n as universidades, exportan do m ão de obra especializada para todo o m un do39.

Mas n em sem pre os film es en con tram um destin o confortáv el. O Can adá, por exem plo, era um dos últim os lugares on de as distribuidoras en viavam seus film es, e eles m uitas vezes n ão eram m an dados de volta. William O’Farrel, diretor do N ation al Archiv es of Canadá, en con trou, em 1978 , 510 film es raros n a cidade de Dawson , algun s con siderados perdidos, n o fun do de um a piscin a. Eles eram usados com o forro para aterrar o local, que havia se tran sform ado em um rin gue de hóquei, “algo bem canaden se” segun do ele. Por estar num a tem peratura baixa e de certa form a protegido, gran de parte desse acervo aterrado estava em perfeitas con dições. É o acaso colaboran do com a H istória40.

39

Documentário Salvadores de imagens (Keepers of the frame, 1999), da WinStar Productions.

40

(39)

Em 1995, por ocasião das com em orações do centenário do cinem a, foram realizadas in úm eras m ostras de film es e even tos especiais. Na Fran ça, berço do cin em a, Thierry Frém aux, diretor do Instituto Lum ière, um a das m ais im portan tes organ izações region ais de restauração do m un do, organ izou um a recon stituição histórica das film agen s dos Irm ãos Lum ière de Saída dos operários da fábrica, captada com a m esm a câm era e película sem elhan te à de 18 95, sen do os operários substituídos por destacados cin eastas de todo o m un do41. O Instituto Lum ière foi

criado em 1991 com o propósito de proteger a heran ça audiov isual da Europa, restauran do clássicos com o O gabin ete do Dr. Caligari (Das Kabinett des Dr.

Caligari, 1919), de Robert Wiene; Cabíria (Cabiria, 1914), de Giovan n i Pastron e;

Fausto (Faust, 1926), de Friedrich Murn au; film es de Alfred Machin (con siderado

o prim eiro cin easta europeu); a coleção com pleta de film es de Alan Roberts, fam oso colecion ador da Nova Zelân dia; de diretores italian os dos an os 1920 , en tre outras centen as de títulos. Som a-se a isso o en con tro e catalogação de outras cen ten as de títulos, publicação de livros e artigos, n um a gigan tesca operação con jun ta en tre as cin em atecas da Áustria, Bélgica, Din am arca, Fran ça, Alem an ha,

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Grécia, Irlan da, Itália, Luxem burgo, H olan da, Noruega, Portugal, Espan ha e Rein o Un ido42.

Dign os de destaque tam bém são os festivais de cin em a destin ados a exibir som en te film es m udos e restaurados, com o o Festiv al de Podern one, n a Itália; o

Festiv al Internacional de Cine M udo de La Serena, n o Chile; o Retour des

Flam m es, n a Fran ça. Em 20 0 2, o Festiv al de Podern one foi um dos respon sáveis

por trazer à ton a a figura do já citado cin easta russo Evgen i Bauer, exibin do relíquias n un ca vistas desse cin easta, com o Day dream s (1915), com um a tram a que an tecipa a de Um corpo que cai (Vertigo, 1958 ), de Alfred H ichtcock; e W om an’s

Soul (1913), com um belo plan o-seqüên cia avan çado para sua época43.

Na Fran ça, o R etour des Flam m es, que presen teia os espectadores com exibições de film es até en tão con siderados perdidos e que foram en con trados em porões, teve, em 20 0 2, um a de suas m ais especiais apresen tações: havia sido en con tra na Espan ha um a cópia colorida à m ão de Viagem a lua (Voy age à la

Lun e, 190 2), de Georges Méliès. O festival fez um a apresen tação especial da

película, restaurada duran te dois an os por Serge Brom berg e Eric Lan ge. O título agora faz parte de um a coleção de 70 m il film es da em presa Lobster Film s, patrocin adora do even to, que plan eja levar o R etour des Flam m es a outros países44.

42

SUROWIEC, Catherine (Org.). The Lumiere Project. p. 23.

43

News on Podernone Festival, in: http://www.labyrinth.net.au/~muffin/news-home_c.html;

Milestone Films, in: http://www.milestonefilms.com, ativos em 27/05/2005.

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No m esm o an o, o film e Viagem a lua tam bém teria em outro local um a exibição especial: por ocasião da 164º Sessão da UNESCO, foi apresen tado a película de Méliès em sua cadên cia origin al (16 quadros por segun do), acom pan hada pelo pian o de Lawren ce Lehérissey e com en tada pela n eta do diretor, Madelein e Malthête-Méliès. A exibição, que ten tava recon stituir em detalhes com o este film e era visto n a época do seu lançam en to possuía um m otivo especial:

Viagem a lua é o prim eiro film e outorgado pela UNESCO com o Patrim ônio

Audiov isual da H um anidade, prática in iciada em 198 0 por aquela in stituição e que

ajuda à preservação de títulos im portan tes que com põem o registro da m em ória

do m undo. Um film e tido com o Patrim ôn io da H um an idade obriga o Estado a

preserva-lo etern am en te, um status som en te alcan çado por obras de arte. É a con solidação defin itiva do cin em a com o docum ento histórico-cultural45.

45

A lista de importantes filmes que se tornaram Patrimônio da Humanidade inclui, além de Viagem

a lua, a versão restaurada em 2001 de Metrópolis (Metropolis, 1927), de Fritz Lang, e O bandido da luz vermelha (idem, 1968), do brasileiro Rogério Sganzerla. UNESCO, Initiative for world

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Tam bém assistim os atualm en te ao ressurgim en to de cen ten as de títulos, em sua m aioria até en tão esquecidos, e que voltam à m em ória do m un do através do DVD, aten den do n orm alm en te um público dom éstico, m as tam bém exibidos

clandestinam ente em salas de aula e pequen os auditórios de un iversidades, que

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O cin em a sem pre teve sua sobrevivên cia associada à superação de obstáculos tecn ológicos que, ao m esm o tem po em que perm itiam sua evolução, jogavam ao esquecim en to tudo o que já fora feito para dar lugar a n ovidades. O cinem a é totalm en te depen den te de seu suporte, e com o observou o crítico e historiador de cin em a Leon ard Maltin , a ironia é que, apesar de m ais nov o, o film e é m ais frágil

do que qualquer outra m ídia. Telas de grandes pintores, por exem plo. Centenas

de anos depois elas continuam existindo. A película, que é algo m uito m ais

recen te, tev e a in felicidade de ser feita de um elem en to in stáv el que, em algun s

casos, faz com que ela desapareça para sem pre46.

O cin em a foi um a culm in ân cia de várias in ven ções desen volvidas n o fin al do século XIX: a lâm pada de Edison , a pesquisa sobre persistên cia retinian a de Newton , e, sobretudo, Reyn aud e seu Praxinoscópio47 fun dam en taram as bases da

m áquin a criada pelos Irm ãos Lum ière, o Cin em atógrafo. Vale ressaltar n esta in ven ção o uso de um a película de base aquosa sen sível, perfurada sistem aticam en te para adaptar-se ao projetor. Até atin gir um padrão, foram feitas

46

Documentário Salvadores de imagens (Keepers of the frame, 1999), da WinStar Productions.

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várias ten tativas de m elhorar a perform an ce da película: a alteração de seu diâm etro (que variou de 15m m a 70 m m ); a localização de suas perfurações (in clusive um a que con sistia em furos no m eio da película); a alteração da velocidade em que a seqüên cia de im agens era exibida (da m an ivela m an ual ao

processo m ecân ico)... Até que se chegou a um con sen so: 35m m de diagon al, perfurações n as laterais e cadên cia de 24 quadros por segun do, padrão seguido até hoje48, em bora

n os an os 1990 Douglas Trum bull, rado que a projeção ideal da película para o olho hum an o se daria n a velocidade de 60 quadros por segun do, cadên cia em que a im agem parece quase “saltar” da tela

após in úm eras experiên cias, n os ten ha assegu

e seu surgim en to com o curiosidade cien tífica à sua con sagração com o en tre

49.

D

ten im en to, o cin em a passou por várias tran sform ações técn icas, procuran do sem pre atin gir um padrão prático-técn ico a ser seguido. E foi duran te esse processo que com eçaram a surgir os problem as que revelariam ser o cin em a, ao con trário do que algun s ideólogos afirm aram , um a das artes m ais efêm eras da H istória. Por ter a sua sobrevivên cia intim am en te ligada a um suporte quím ico, físico e m ecân ico, a

48

Manual de catalogação de filmes. Cinemateca Brasileira, 2002.

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Douglas Trumbull ganhou fama ao revolucionar os efeitos especiais no cinema com o filme 2001, uma Odisséia no espaço (1968, de Stanley Kubrick). Trumbull desenvolveu um sistema de projeção de películas chamado de Showscan. O formato exibia uma película de 70mm numa cadência de 60 quadros por segundo, criando um efeito impressionante.

(45)

película produzida passa por um obsoletism o técn ico irreversível já n o m om en to em que é con cebida - daí sua dificuldade de con servação. O cin em a represen ta um dos m aiores entreten im entos da hum anidade, com um a geração de ren da que o eleva ao patam ar de um a das m ais lucrativas in dústrias do m un do. Isso acarreta m ilhares de soluções técn icas caça-níqueis, de curto prazo, que n ão favorecem a preservação do m aterial produzido. Com o exem plo desse fato, tem os já n o com eço do cin em a a im plem en tação de um a com posição quím ica para as películas extrem am en te precária, apesar de ter sido a prim eira base fílm ica bem sucedida, flexível e tran sparen te. Criada em 18 8 9, a cham ada base de n itrato50 já era

con hecida pela sua periculosidade (sen do usada n a fabricação da din am ite) an tes m esm o de ser escolhida com o m elhor suporte para o film e. Várias razões, in clusive técn icas, ten tam explicar essa escolha perigosa. Im agin am ser um suporte fiel à represen tação da im agem , m as a explicação m ais plausível é que os film es, por con stituírem um divertim en to rápido (n o in ício, os film es eram sim plesm en te descartados poucos dias depois de serem exibidos), n ão m ereciam m aiores cuidados com con servação.

O prin cipal problem a da base em n itrato é sua in flam abilidade. Um film e de n itra

to tem seu pon to de com bustão em 130 °C n o m om en to em que é fabricado. Esse é um n ível praticam en te im possível de ser alcan çado n aturalm en te; por outro lado, o pon to de com bustão da película de n itrato já desgastada cai para 40 °C, alarm an te para países de tem peraturas elevadas com o o Brasil. O nitrato n ão depen de de oxigên io para propagar-se, pois os próprios quím icos que com põem a

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(46)

película agem com o oxidan tes. Ou seja, quan do um rolo de película em nitrato en tra em com bustão espon tân ea n ada pode ser feito, pois n en hum tipo de m aterial ou com posto (água, areia, espum a) pode pen etrar de fato n o foco do in cêndio, que se propaga com rapidez e de form a quase explosiva51.

Cin em as e prin cipalm en te cinem atecas in cen diaram -se por con ta desse supo

gran de problem a da base em n itrato é sua fraca estabilidade. Desde o m om

rte, resultan do em prejuízos in calculáveis para a m em ória cin em atográfica: restam apen as 10 % dos film es produzidos em n itrato. Existem m uitas histórias trágicas en volven do as películas n esse m aterial. H arold Lloyd, fam oso com edian te do cin em a m udo, teve quase todos os seus film es destruídos quan do sua casa pegou fogo. Os film es estavam cuidadosam en te guardados em um cofre, que explodiu com o calor. Os ún icos film es que se salvaram estavam por acaso em prestados ao MoMa52.

Outro

en to da sua m an ufatura, o n itrato de celulose len tam en te se decom põe. Essas propriedades deform adoras da película podem levar an os para aparecer a olho n u, m as em um estágio elevado sign ifica sua perda total. Num prim eiro m om en to, tem os n a película de n itrato em decom posição um a im agem com pletam en te esm aecida, ‘acastan hada’, n um film e originalm en te con cebido em preto e bran co. Deve-se isso à liberação do suporte de ácido n ítrico, m istura fatal para a em ulsão, com posta de partículas de prata. Nos estágios seguin tes, tem os o film e hidrolisado (processo de liquefação). Além de apresentar um líquido pegajoso e bolhas, a película solta um forte odor. Fin alm en te, tem os a solidificação do n itrato, que passa

51

SOUZA, Carlos Roberto. Manual de operações. Cinemateca Brasileira, 1990.

52

(47)

a ser um a pasta am arela e quebradiça, form an do ao fin al do processo um a areia m arrom . Todos esses estágios podem estar ocorren do ao m esm o tem po n um determ in ado film e, depen den do do grau de aban don o da lata53.

Curiosam en te partiu da área m édica a n ecessidade do desen volvim en to con c

ra n ova a experiên cia com o acetato: as prim eiras películas usan do um a prim

décadas seguin tes.

iso de um suporte que fosse m ais estável para a película. Com o o uso do n itrato para raio-x em hospitais represen tava um risco, im plan tou-se o cham ado film e de seguran ça, feito com triacetato de celulose ou sim plesm en te acetato54. Em presas

de forn ecim en to de películas só alcan çariam um suporte em acetato de celulose satisfatório em 1948 , com propriedades óticas e m ecân icas sem elhan tes às de n itrato55.

Não e

eira versão desse m aterial já tin ham sido exibidas n a Feira de n ov idades, even to realizado jun tam en te com as Olim píadas de Paris em 190 056. Com o essas

prim eiras versões apresen tavam péssim a resistên cia a con dições clim áticas adversas (o film e encolhia), seu desen volvim en to e uso só ocorreram de fato cin qüen ta an os depois. O n itrato foi descon tin uado pela Eastm an Kodak em fevereiro de 1951, m as torn a-se tarefa im possível determ in ar quan do de fato foi aban don ado, pois em várias partes do m undo o últim o lote foi usado ao lon go das

53

USAI, Paolo Cherchi. Silent Cinema: an introduction, p. 77.

54

COELHO, Fernanda. Palestra ministrada no CRAV, em Belo Horizonte, a 15/ 04/2004.

55

SOUZA, Carlos Roberto. Manual de operações. Cinemateca Brasileira, 1990.

56

KARNSTEDT, Hans. Filme Cinematográfico. Estrutura: revelação; durabilidade e os fatores que

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