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A obra de João Filgueiras Lima, Lelé: projeto, técnica e racionalização

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Academic year: 2017

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ANDRÉ FELIPE ROCHA MARQUES

A OBRA DO ARQUITETO JOÃO FILGUEIRAS LIMA, LELÉ: PROJETO, TÉCNICA E RACIONALIZAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Orientador: Abilio Guerra

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo Universidade Presbiteriana Mackenzie

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M357o

Marques

,

André Felipe Rocha

A obra de Jo

ă

o Filgueiras Lima, Lelé: projeto, técnica e

racionalizaç

ă

o. / André Felipe Rocha Marques – 2012.

305 f. : il. ; 30cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) -

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012.

Bibliografia: f. 299-305.

1. Projeto de arquitetura. 2.

J

o

ă

o Filgueiras Lima (Lelé). 3.

Conforto ambiental. I. Título.

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Banca Examinadora

Qualificação de dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor Dr. Abilio Guerra

Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Julgamento:... Assinatura:... Professor Dr. Rafael Perrone

Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Julgamento:... Assinatura:... Professor Dr. Paulo Bruna

Instituição: Universidade São Paulo.

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Créditos

Capa: João Filgueiras Lima em entrevista com alunos da Univ. Macken-zie. Foto: André Marques; Desenho técnicos do Hospital Sarah Rio de Janeiro. Fonte: JFGL/CTRS

Projeto gráfico: André Marques e Fernanda Critelli Diagramação: Fernanda Critelli

Ensaios fotográficos entre capítulos: André Marques

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Agradecimentos

Ao arquiteto João Filgueiras Lima pela abertura e disponibilidade. Obriga-do pelo seu tempo e pelas conversas. ObrigaObriga-do também por tornar acessível toObriga-do seu acervo para esta pesquisa. Saiba que sua humildade e generosidade foi o meu princi-pal aprendizado.

Varias pessoas contribuíram para esse trabalho durante esses dois anos. Agradeço em especial à Abílio Guerra, Adriana Filgueiras Lima, Alan Leonardo R. Marques, Albino Pires Marques, Alexandre Lipai, Aline Machado, Ana Amélia Mon-teiro, Ana Carina Rigolin, André Lenza, Angélica Alvim, Antonio Ricarte, Bárbara Vanessa R. Marques, Cacilda Rocha Marques, Celia Regina Moretti, Celso Soares, Edith Gonçalves de Oliveira, Fábio Alexandre R. Marques, Fábio Gionco, Felipe Soares, Fernanda Critelli, Fernanda Freie, Gil Andrade, Giovanni Sarquis, Haifa Sabbag, Jorge Abussamra, Jussara Sant’Ana, Lizete Rubano, Luiz Carlos Toledo, Márcia Alucci, Mar-co Túlio, Maria Isabel Villac, Mário Figueroa, Nádia Somekh, Neuton Bacelar, Paulo Bruna, Percival Deimann, Rafael Perrone, Roberta Sant’Ana Soares, Rodrigo Rocha, Ruth Verde Zein, Sami de Oliveira, Silvia Raquel Chiarelli, Vanessa Padiá e Veronica Polzer.

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Resumo

Essa pesquisa pretende abordar a obra do arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé, através da análise de alguns aspectos do projeto arquitetônico: desenho, téc-nica construtiva, conforto ambiental, racionalização e industrialização. Tenta com-preender o processo criativo e construtivo desse importante arquiteto; como objetivo último, procura colaborar no conhecimento da metodologia de seu projeto de ar-quitetura.

Apresenta também os valores geradores que orientaram a produção do arquiteto ao longo dos anos, desde sua formação ao dias atuais, por meio de uma análise crítica da obra e suas conexões com a arquitetura contemporânea mun-dial, mostrando os passos que foram necessários para consolidar uma arquitetura tecnológica, industrial e humana no Brasil, e expressando na linha de pesquisa as possíveis influências de notáveis predecessores na formação de seu repertório ar-quitetônico, com exemplos e desenhos para identificação dessas expressões projet-uais e culturais.

Entre os diversos nomes do repertório de Lelé, predominam Richard Neu-tra e Jean Prouvé. NeuNeu-tra, arquiteto austríaco, destaca-se na América, em Porto Rico e Estados Unidos com inúmeros edifícios que são exemplos de preocupações constru-tivas e ambientais. Prouvé, construtor francês, é reconhecido pela linguagem formal voltada para as possibilidades da industrialização.

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Abstract

This research aims to address the work of architect João Filgueiras Lima, Lelé, through the analysis of some aspects of architectural design: drawing, con-struction technique, environmental comfort, rationalization and industrialization. It also tries to understand the constructive and creative process of this important architect; and as ultimate aim, seeks to collaborate in knowledge of the methodol-ogy of its architectural design.

It presents the values that guided the architect’s works over the years, from its formation to the present day, through a critical analysis of the work and its connections to world’s contemporary architecture, showing the steps that were needed to build an architecture technological, industrial and human in Brazil, and in the search line expressing the possible influences of notable predecessors in forming its architectural repertoire, with examples and drawings to identify these cultural expressions and projective.

Among the many names of the repertoire of Lelé, predominate Richard Neutra and Jean Prouvé. Neutra, Austrian architect, stands out in Puerto Rico and Latin America with numerous examples of buildings that are constructive and en-vironmental concerns. Prouvé, French builder, is recognized by the formal language toward the possibilities of industrialization.

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Índice

13 Introdução

19 Capítulo 01: Cultura arquitetônica e sociedade (o monge / o hippie)

23 O legado de Oscar Niemeyer e da Universidade de Brasília 30 Inspiração e influências

38 Utopia e revoluções – contracultura

54 As fábricas de João Filgueiras Lima, 1978-2009 59 A evolução do projeto na obra de João Filgueiras Lima 60 Interlocuções com arquitetos contemporâneos

79 Capítulo 2: Arquitetura e indústria (construção).

81 Conversando com Jean Prové 83 O controle construtivo e o desenho 86 Ideologia e construção

89 A industrialização da casa unifamiliar no Brasil 99 Espaços servidos e servidores

107 Arquitetura é construção 111 Racionalização e recorrência 113 Repetição da forma e possibilidades 119 Transporte, armazenamento e montagem 123 Mobiliário, objetos e transporte

151 Capítulo 3: Arquitetura e meio ambiente (ambientação)

153 Conversando com Richard Neutra/Estratégias Bioclimáticas 158 Fases da carreira de João Filgueiras Lima

161 Recorrência e aperfeiçoamento 167 O natural e o espaço construído 166 Richard Neutra e o Brasil 169 Escolas rurais

171 Jardins de ambientação 174 Natureza = Tecnologia 176 Natureza = Arte

199 Capítulo 4: Projetos selecionados (de João Filgueiras Lima, Lelé)

201 Escola transitória de Abadiânia 218 Prefeitura de Salvador 236 Hospital Sarah Salvador 258 Residência Roberto Pinho

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Introdução

Graças às soluções inesperadas, a obra do arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé) contribui de forma significativa para a prática profissional da arquitetura. Distinguem-se sua constante preocupação com as questões referentes ao conforto ambiental, a definição estrutural compatível com a flexibilidade espacial do edifício, as técnicas construtivas adequadas ao acabamento primoroso da edificação, entre outros recursos. A compreensão de como estas soluções foram elaboradas e como evoluíram, de como se relacionam entre si e de como se transformaram em modelos contribuem, sem dúvida, para o saber na arquitetura.

Esta dissertação objetiva desenvolver uma análise critica sobre a obra e o método de projeto do arquiteto, levantando dados técnicos relacionados às questões construtivas e de conforto ambiental, colaborando com aspectos que podem con-tribuir para a prática de arquitetura e urbanismo; procura também assinalar notáveis precedentes e pensamentos referenciais, parâmetros, técnicas e elementos que con-tribuíram e contribuem para a implementação da indústria da construção no país.

Do ponto de vista mais específico, a pesquisa procura padronizar através de desenhos e imagens uma ordem de elementos construtivos empregados de forma sistemática pelo arquiteto, de tal forma que se tornem uma contribuição para estu-dos de implementação da indústria da construção no país.

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1) Escola Rural transitória de Abadiânia. O livro descreve a experiência

pioneira de industrialização da escola com uso de argamassa aramada por Lelé na ci-dade do interior de Goiás, Abadiânia. É uma espécie de cartilha que demonstra passo a passo a execução da escola.

2) Lelé: o arquiteto João Filgueiras Lima. O mestrado de Elaine Peixoto

é o primeiro trabalho acadêmico sobre Lelé, onde a autora levanta a produção do arquiteto, busca evidenciar e contextualizar a importância dele no cenário da ar-quitetura brasileira entre os anos de 1960 e 1990 através de pesquisa histórica apoi-ada na literatura existente, em entrevistas e em um exame de suas principais obras. Como instrumental necessário à compreensão dos processos de criação artística e da arquitetura como um fenômeno cultural, a autora utiliza-se de aportes teóricos empregados por Merleau-Ponty, Jorge Sainz, Giulio Argan, Renato de Fusco e Wal-ter Benjamin para discorrer sobre questões relativas à poética do desenho, espaços, volumes, formas e cores que caracterizam o trabalho do arquiteto. Não obstante o referencial teórico sofisticado e internacional, a obra de Lelé não é cotejada com experiências internacionais.

3) João Filgueiras Lima, Lelé. Publicação organizada por Giancarlo Lator-raca, trata-se de livro panorâmico sobre a produção arquitetônica de Lelé, apre-sentando inúmeras imagens e memórias descritivas acerca de obras organizadas em ordem cronológica. Reproduz textos de Lucio Costa e Oscar Niemeyer e uma entre-vista do arquiteto com Marcelo Ferraz e Roberto Pinho.

4) CTRS: Centro de Tecnologia da Rede Sarah. Publicação que mostra a produção do arquiteto à frente da fábrica do CTRS, e alguns projetos que não con-stam do livro organizado por Giancarlo Latorraca.

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se detém mais sobre o pensamento de Lelé, revelando seu imaginário e quais os mo-tivos de suas escolhas profissionais.

6) Olhares: visões sobre a obra de João Filgueiras Lima. Organizado por Claudia Estrela Porto, o livro foi lançado em dezembro de 2010, quando da inau-guração do Memorial Darcy Ribeiro na UNB. Apresenta uma coletânea de textos de diversos autores sobre a obra de Lelé.

7) Ventilação e iluminação naturais na obra de João Filgueiras Lima, Lelé. Dissertação de Jorge Isaac Perén Montero, trabalho analisa as questões de ventilação e iluminação natural nos hospitais Sarah Rio e Sarah Fortaleza. Demonstra o fun-cionamento do efeito chaminé nos hospitais e as soluções construtivas que permitem o funcionamento do sistema passivo de ventilação e iluminação.

8) Conforto ambiental e sustentabilidade do edifício na obra de João Fil-gueiras Lima (Lelé). Dissertação de Gislene Ribeiro, o trabalho aborda de forma crítica as obras hospitalares, analisando as questões de conforto ambiental.

9) A linguagem da arquitetura hospitalar de João Filgueiras Lima. Dis-sertação de Eduardo Westphal, o trabalho olha de forma sistemática os diferentes “sheds” usados por Lelé.

10) Pré-fabricados em argamassa: material, técnica e desenho de com-ponentes desenvolvidos por Lelé. A dissertação de Cristina Câncio Trigo avalia os componentes em argamassa armada desenhados por Lelé para projetos de escolas e creches.

11) Mayumi Watanabe Souza Lima: a construção do espaço para educação. A dissertação de Cássia Schroeder Buitoni apresenta as experiências feitas pela ar-quiteta Mayumi em escolas a partir dos componentes desenvolvidos por João Filguei-ras Lima em Abadiânia, Rio de Janeiro e Salvador.

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realizadas a partir do ano 2000, com destaque para o processo construtivo. Apresen-ta textos críticos assinados por Max Risselada, Roberto Pinho, Hugo Segawa, Antônio Risério e Márcio Correia Campos.

Do ponto de vista metodológico, a presente dissertação pretendeu obter informações que, uma vez cruzadas, possibilitassem comparar experiências simi-lares de industrialização no mesmo período, delinear a evolução formal das obras do arquiteto estudado, explicar os processos construtivos e compreender sua evolução. Para tanto, se muniu do seguinte ferramental:

1) pesquisa documental: ampla documentação das obras selecionadas – através de material levantado no acervo do arquiteto (cópias de desenhos, relatórios e fotos) e visita pessoal aos edifícios (registro fotográfico digital) – fundamental para a abordagem qualitativa e quantitativa das obras selecionadas, em especial das relações entre desenho e aspectos técnicos de maior interesse para esta pesquisa (industrialização da construção, conforto ambiental, flexibilidade espacial etc.).

2) levantamento bibliográfico: coleta de textos diversos (periódicos, livros, trabalhos acadêmicos, relatórios técnicos etc.) sobre as obras, o arquiteto, a industrialização da construção e o contexto histórico brasileiro, em especial àquele dos Estados que abrigam as obras selecionadas (Bahia, Rio de Janeiro, Distrito Fed-eral, Goiás e São Paulo), permitindo compreender o panorama histórico-cultural onde brota a obra estudada, assim como as múltiplas interpretações da mesma.

3) entrevistas: produção de material primário complementar, através de entrevistas diversas – com o autor das obras, colaboradores e parceiros, críticos e historiadores da arquitetura etc. –, importante para preencher lacunas factuais e cronológicas, além de permitir compreensão mais aprofundada de circunstâncias específicas que determinaram as decisões projetuais e detectar motivações pessoais e coletivas que influíram no desenvolvimento dos fatos.

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construtivos, estratégias climáticas, soluções estruturais e modulações – visa, em um primeiro momento, compreender o método de trabalho do arquiteto estudado, passo fundamental para posterior análise crítica da relação entre o desenho/projeto e o processo construtivo.

A estrutura argumentativa, que conta com a apresentação das questões, comparações e análises de obras, é distribuída através de quatro capítulos, dos quais seguem resumos.

O Capítulo 1: Cultura arquitetônica e sociedade, por meio de um pequeno relato histórico, apresenta a carreira de João Filgueiras Lima, destacando a importância de Oscar Niemeyer e de outros nomes da arquitetura brasileira e inter-nacional na sua formação. O capítulo insere Lelé na reflexão cultural que aconteceu no final da década de 1960, denominada contracultura, concluindo com aproxi-mações e interlocuções de Lelé com arquitetos contemporâneos internacionais.

O Capítulo 2: Arquitetura e indústria – conversando com Jean Prouvé associa a obra de Lelé aos pensamentos do construtor francês Jean Prouve, buscando demostrar, através de aproximações, como as possibilidades construtivas desenvolvi-das por Prouvé são incorporadesenvolvi-das nas soluções propostas por João Filgueiras Lima. Como Prouvé, Lelé busca sempre a montagem simples, sem a necessidade de grandes máquinas, onde a leveza de cada componente é fundamental. As possibilidades de evolução através da racionalização e da recorrência são ideias igualmente defendidas por estes pensadores. Outro ponto discutido é como a fronteira do conhecimento es-pecializado é ultrapassada pelas possibilidades industriais, uma vez que Lelé desenha não somente edifícios, mas também mobiliário e objetos.

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subtropicais como o Brasil. Lelé – que em praticamente todas as suas obras busca o equilíbrio entre os pares natureza/tecnologia e ciência/arte – cita Neutra como uma de suas principais referências, ao lado de Alvar Aalto.

O Capítulo 4: Projetos de João Filgueiras Lima, Lelé apresenta estudos de caso nos quais se busca constatar claramente as questões discutidas nos capítulos anteriores. As obras escolhidas foram selecionadas pelos seus aspectos renovadores no contexto da obra geral do arquiteto:

1) A Escola transitória de Abadiânia, por ser sua primeira experiência no uso da argamassa para industrialização total do edifício com componentes leves e com poucos recursos industriais. Essa obra serviu de base para todas as escolas pro-jetadas posteriormente no percurso profissional de Lelé.

2) A Prefeitura de Salvador constitui uma obra especial na carreira do arquiteto por se tratar de uma inserção de um edifício em centro histórico, onde a delicadeza da implantação e o uso do aço em uma construção de apenas doze dias são suas principais características. A sede da prefeitura, como o projeto anterior, foi concebido como efêmero, sendo possível sua desmontagem e montagem em outro local.

3) O Hospital Sarah Salvador, a primeira obra do CTRS – Centro de Tec-nologia da Rede Sarah, foi projetado inicialmente para ser construído em argamassa armada. Com o fim da FAEC, o projeto foi modificado e adaptado para o uso do aço, técnica recorrente nos hospitais posteriores. No Sarah Salvador, Lelé usa pela primei-ra vez os dutos de instalações e ventilação.

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Capítulo 01: Cultura arquitetônica e sociedade (o monge / o hippie)

João Filgueiras Lima – o Lelé – inicia sua carreira de arquiteto no início dos anos 1960, período marcado por grandes mudanças culturais. Com a construção de Brasília, o Brasil inicia uma nova ocupação no interior do país. Suas cidades começam a crescer vertiginosamente a partir dessa década, resultando em uma transformação territorial mais urbana, terciária e industrial, descaracterizando o Brasil como um país agrícola. No mundo, os avanços tecnológicos se processam cada vez mais rapidamente, mudando formas antigas de viver. As novas tecnologias são impulsionadas com a corrida espacial e o mundo se polariza de forma extrema em torno dos Estados Unidos e da hoje extinta União Soviética.

Em 1959, no período de 17 a 25 de setembro, acontece em Brasília, sete meses antes de sua inauguração oficial, e nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, o Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte tendo como tema Ci-dade nova: Síntese das artes. Entre os presentes se destacam os arquitetos e críti-cos Alberto Sartoris, Giulio Carlo Argan, Stamo Papadaki, Bruno Zevi, Jean Prouvé, Gillo Dorfles, Tomás Maldonado, Flavio Motta, Mário Pedrosa, Willian Holford, Eero Saarinen, Charlotte Perriand e, naturalmente, Oscar Niemeyer.

Esse evento teve desdobramentos no meio arquitetônico internacional. Em 1982, Jean Prouvé comenta, em conversa com Armelle Lavalou, as mudanças da arquitetura e, por consequência, dos arquitetos. Lembra de quando esteve no Brasil para o Congresso Internacional e como este influenciou o arquiteto finlandês Eero Saarinen.

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Figura 01 - Os amigos Lelé e Oscar Niemeyer no escritório deste, em Copacabana.

Fonte: LATORRACA, 2000, p. 10.

que construiu o edifício da TWA no Aeroporto Kennedy...” 1

Podemos imaginar o impacto da obra de Oscar Niemeyer em Eero Saarinen, ao criar a magnífica obra do terminal da TWA, projetado entre 1956 e 1962, em Nova York. Essa enorme influência de Oscar atuou no repertório formal da arquitetura mundial. No início do século XXI ainda podemos perceber o legado deixado pelo mestre brasileiro em quase toda a arquitetura contemporânea, desde os arquitetos brasileiros aos estrangeiros.

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O legado de Oscar Niemeyer e da Universidade de Brasília

Lelé, graças a sua experiência anterior na construção de edifícios habita-cionais para o antigo Instituto dos Aposentados e Pensionistas Bancários – IAPB –, se integra ao grupo de profissionais responsáveis pela construção da nova Universidade do Brasil na recém-construída capital. O primeiro reitor da Universidade de Brasília – como hoje ela é denominada – era o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), sendo o arquiteto Oscar Niemeyer o coordenador do curso de tecnologia. Lelé torna-se secre-tário para o desenvolvimento do plano urbanístico para a implantação da universi-dade e constrói inúmeros pavilhões, sendo o conjunto Colina – edifícios residenciais para os professores – a maior obra desse período.

Um fato importante na Universidade de Brasília – UnB consiste na lider-ança de Oscar Niemeyer no uso da técnica da pré-fabricação. No final dos anos 1950, ele utiliza estruturas pré-fabricadas em inúmeros projetos, sendo que no de-senho de uma escola rural, de 1963, podemos encontrar preocupações presentes na obra de Lelé para a escola transitória de Abadiânia.

Em sua trajetória, Oscar Niemeyer projetou e construiu obras impor-tantes com estruturas pré-fabricadas, tanto no exterior – Universidade de Constan-tine, Argel, Argélia (1969-72), Sede da Fata-European Group, Pianezza, Turim, Itália (1974-75) – como no Brasil – caso do Ministério do Exército em Brasília DF (1967).

“O palácio do exército de Brasília – que se completava com mais oito blocos num total de 1900 metros corridos, justiicando a pré-fabricação – a solução adotada é a mais radical possível com apenas dois elementos pré-fabricados: apoios de 16 metros de altura e lajes de 15 x 5. E o edifí-cio surgiu como um verdadeiro paláedifí-cio, provando que a pré-fabricação, quando bem concebida, não signiica vulgaridade”.2

Para a UnB, além do prédio principal, conhecido como “Minhocão”, Oscar

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Figura 03 - Alojamento para estudantes, Oscar Niemeyer, Brasília, 1962.

Fonte: PETIT, Jean. Niemeyer: poeta na arquitetura. Lugano, Fidia Edizioni d’Arte, 1995. p. 99.

propõe a construção do edifício residencial para os estudantes com células pré-fabricadas empilháveis, montadas por gruas. Cada habitação era sobreposta de forma intercalada, criando entre cada duas um jardim privativo, solução que podemos rela-cionar a um edifício contemporâneo – o Habitat 67, de Moshie Safdie –, que tinha como filosofia “um jardim para cada um”.3

“Mas a pré-fabricação pode ter os aspectos mais diferentes e, como um jogo de armar, ser feita como unidades completas e independentes. Na Universidade de Brasília estudamos um tipo de habitação para es-tudantes – sem fundação especial – no qual as unidades habitacionais, inteiramente prontas, seriam simplesmente colocadas sobre o terreno, nivelado, uma sobre as outras – e alternadas – para que o teto de uma servisse de terraço-jardim para a outra. A solução era tão lexível que permitiria variar todo o conjunto”.4

Observando as obras de Niemeyer do período entre 1980 e 2000 consta-ta-se que o arquiteto se afastou desta questão. Ele tem como premissa máxima a in-venção, tornado- se um arquiteto da criatividade e afastado da técnica. Para Oscar, a racionalização e industrialização dependem de demanda, levando assim o caráter de obra única seus últimos projetos. Niemeyer conclui em um dos seus famosos textos sobre “problemas da arquitetura” como considera a questão da pré-fabricação.

“É claro que a pré-fabricação representa uma limitação e só deve ser aplicada quando problemas de economia e rapidez os reclamam. De outro lado seria a fantasia desnecessária, um obstáculo à própria imaginação do arquiteto”.5

3 - O segundo livro de Moshie Safdie tem como título: For Everyone A Garden de 1974. The MIT Press (Cambrige, Mass), Edited by Moshe Safdie and Judith Wolin.

4 - Idem, ibidem, p. 58. 5 - Idem, ibidem, p. 58. Figura 02 -Escola Primária, Arquiteto Oscar Niemeyer, 1963,

Brasília.

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Apesar das semelhanças formais entre a obra de João Filgueiras Lima e Oscar Niemeyer, elas diferem principalmente pelas questões construtivas. Os edifícios de Niemeyer são construídos de forma artesanal, sofrendo inúmeras deformações pe-las técnicas mal aplicadas. Atualmente é fácil notar acabamentos ruins no concreto, caixilharias mal desenhadas e problemas sérios de manutenção. Essa visão crítica aumenta, principalmente, após a construção de Brasília; é possível imaginar quan-tas toneladas de madeira foram necessárias para construções dos palácios da nova capital.

De forma distinta desta característica , quando observamos a obra de Lelé, notamos que as questões construtivas são em grande medida prioritárias. João Filgueiras Lima afirma que a “racionalização não depende da escala” 6,demonstrando que o projeto necessita de uma racionalização para evitar desperdícios generaliza-dos, tanto na sua configuração espacial quanto na sua construção. Essa preocupação é – ao menos em parte – tributária da profunda mudança cultural do final dos anos 1960, em que o mundo começa a se conscientizar acerca da destruição dos recur-sos naturais, como aparece no discurso do arquiteto, associado à questão social da exploração do trabalho, em depoimento nos anos 1970:

“A gente só deve propor uma pré-fabricação quando ela se justiica. Por outro lado, também acho que não devemos aceitar condições vulgares que predominam hoje na construção. A gente tem que se colocar numa posição radical, antagônica aos abusos que a construção civil propicia, quer em termos de destruição de elementos naturais, quer de exploração de mão-de-obra. A gente vê, em Brasília, as matas ciliares todas destruí-das. Quem é que vê mais pinho do Paraná? E um pinheiro daqueles que demoram 40 anos para crescer. [...] A construção civil, da forma em que ainda é colocada no Brasil, tem a ilosoia do desperdício e da exploração mais vil possível da mão-de-obra, que chamam de desclassiicada”.7

6 - Em entrevista com o autor na Universidade Mackenzie, São Paulo, em 18 out. 2010.

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Figura 04 - Congresso Nacional, Arquiteto Oscar Niemeyer, 1959-60, Brasília.

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Figura 05 - Lelé em uma reunião entre amigos de música em 1988 com o traje Sun Zhongshan

Foto: Adriana Filgueiras Lima

À dupla agenda – preocupações ecológicas e sociais – soma-se uma terceira, de caráter plástico. Lelé, sempre deixou claro o quanto sofreu influência de Oscar Niemeyer, assumindo, sem constrangimentos, um traço que muito sugere a obra do mestre. Lelé, como Oscar, baseia sua obra numa tipologia formalista, na qual os edifícios são claramente definidos e desenvolvidos a partir de suas formas e não por suas funções. Lelé chega a se declarar um subproduto de Oscar Niemeyer.

“Por uma contingência de vida, o destino me jogou pro outro lado, eu fui obrigado a absorver essa coisa de tecnologia, e o Oscar sempre tra-balhou com o concreto da forma mais livre possível... Escultórica. E eu iquei assim, quer dizer, não estou querendo me comparar com o Oscar, sou um subproduto. Estou apenas justiicando como é que foi a forma de inluência”.8

Podemos encontrar também na obra de Lelé inúmeras formas que se repe-tem, podendo assumir diferentes funções. As formas das plantas e elevações quase sempre são retângulos, quadrados, círculos, semicírculos ou trapézios. Formas puras e de fácil percepção, que são valorizadas pelas cores brancas em suas empenas. Lelé utiliza-se de toda gramática e sintaxe de Oscar Niemeyer, adotando, nas palavras de Darcy, um estilo “oscárico”.9

“Nunca vi, em tempo algum, nada de tão ousado como a liberdade plásti-ca que Osplásti-car se dá como arquiteto, e a coragem com que ele cria as cois-as mais inesperadcois-as, como se izesse obra trivial, ínclita. Por este caminho

Guedes, João Filgueiras Lima. Rio de Janeiro, IAB/RJ, 1978, p. 243.

8 - LIMA, João Filgueiras. O arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé) proferiu palestra, em outubro de 1999, no I Seminário Nordeste de Arquite-tura, em Fortaleza, apresentando seus projetos de escolas, hospitais, prédios públicos, residências. A COBOGÓ e mais um grupo de estudantes de arquitetura conversamos com o Lelé após a palestra, numa entrevista informal. Apresentamos aqui a transcrição dessa conversa. Alguns trechos da gravação foram resumidos ou interpretados, por motivo de clareza. Data da entrevista 26 de outubro de 1999. Disponível: http:// cobogo.sites.uol.com.br/entrevista01.htm

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é que, ao longo das décadas, ele foi construindo um padrão oscárico, que hoje é um dos pendores da arquitetura mundial. Não é impossível que, amanhã, se fale de arquitetura oscárica como um substantivo comum. Que ninguém se engane pensando que Oscar é um arquiteto brasileiro, inspirado nas curvas de nossas belas mulheres e de nossas majestosas montanhas. Qual! Nada disso. Oscar é a realização até o limite da capaci-dade humana de criar beleza”.10

A beleza do racionalismo europeu, dado pelos prismas cúbicos brancos, é colocada em questão por Oscar Niemeyer na utilização da plasticidade e liberdade construtivas do concreto armado. Niemeyer compreende o concreto armado na sua possibilidade construtiva através da fundição de moldes. Criando peças escultóricas como marquises, colunas, arcos/ abóbadas ou cúpulas. Darcy Ribeiro deixa claro que a expressividade plástica de Oscar Niemeyer não é somente uma questão de caráter nacional brasileiro e sim uma alternativa cultural qualquer, como: “o limite da ca-pacidade humana de criar a beleza”.

Niemeyer foi importante também para a formação cultural de Lelé.

Aproximou João Filgueiras no Partido Comunista do Brasil – PCB –, no qual ele nunca se filiou, mas com o qual compartilhava seus ideais políticos e ideológicos. Durante o período da UNB, na companhia de Oscar, Lelé participava das reuniões do PCB e, já nos anos 1980, esteve na China, onde pôde conhecer as heranças da revolução cultural chinesa de Mao Tsé-tung, ocorrida em 1966. Ele gostou de muitas coisas que viu – poucos carros e a população utilizando bicicletas como transporte individual; apesar do “barulho infernal” das campainhas das bicicletas aquilo o agradou. Men-ciona ainda o vestuário, todos com as jaquetas azuis de Mao (conhecidas na China por traje Sun Zhongshan). Uma jaqueta azul, estilo militar com quatro bolsos com aba e botões pretos, que ele aderiu ao seu vestuário usando até hoje em suas pal-estras, 30 anos depois da visita a China.

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Figura 06 - Traje Sun Zhongshan Foto: André Marques

Inspiração e influências

No início de suas trajetórias, inúmeros arquitetos buscam nas experiên-cias de outros colegas soluções que os inspirem na resolução de suas obras. O caso de João Filgueiras Lima não é diferente, como pudemos observar em relação às preocupações com a pré-fabricação, que absorve de Oscar Niemeyer. Contudo, de maneira direta ou indireta, outros mestres da arquitetura – Alvar Aalto, Mies Van Rohe, Marcel Breuer, Buckminster Fuller, Lúcio Costa – poderiam ser mencionados como influentes na construção de um repertório que será fundamental na produção arquitetônica de Lelé.

Outro arquiteto importante no início da carreira de Lelé foi Aldary Tole-do11, com quem ele trabalhou no IAPB. Aldary Toledo foi fundamental para formação artística e técnica de Lelé, que vinha de um colégio militar, “Aldary abriu meus olhos e fui muito influenciado por ele até pela arquitetura que fazia, mas, na verdade, estava num período de esponja, de absorver o que fosse”.12 Essa afirmação demonstra o quanto Lelé estava aberto a arquitetos experientes e de posição intelectual mais voltada às preocupações ideológicas da arquitetura.

Na época de estudante, Lelé frequentava a casa de Aldary Toledo, que mantinha um grupo de alunos para discutir arquitetura e arte. Grupo que se for-mou por acaso - graças a um sobrinho do arquiteto – e se manteve por gerações de formandos, já que os veteranos levavam colegas novatos. Os alunos que mais se destacavam trabalhavam também como estagiários para Adary, caso do Lelé. Nesse ambiente, Lelé conheceu Oscar Niemeyer e Darcy Ribeiro, realizando inúmeros trabalhos juntos.13

Aldary Toledo (arquiteto-adjunto) trabalhou com Jorge Moreira Machado

11 - Aldary Toledo (Rio de Janeiro, 1915-1998) pintor e arquiteto. Foi discípulo de Candido Portinari entre 1932-1935. Trabalhou com Oscar Niemeyer, Francisco Bolonha e Edgar do Vale em diversos projetos na cidade de Cataguases (MG) durante a década de 1950.

12 - LIMA, João Filgueiras. In MENEZES, Cynara. João Filgueiras Lima: O que é ser arquiteto. Rio de Janeiro: Record, 2004, p.34

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Figura 08 - Hospital de Puericultura, Arquitetos Jorge Moreira Machado e Aldary Toledo, Rio de Janeito, 1962. Fonte: CZA-JKOWSKI, 1999, p.132.

(arquiteto-chefe) na implantação da Cidade Universitária do Rio de Janeiro na Ilha do Fundão. No projeto do Hospital de Puericultura na Cidade Universitária (1949-1953) podemos encontrar diversos aspectos, mais tarde reproduzidos na obra de João Filgueiras Lima: o uso da quinta fachada com sheds, a síntese das artes e a planta funcionalista – uma circulação- tronco que une três edifícios, resultando em pátios abertos para a paisagem. Uma flagrante influência de um projeto para outro. O termo “influência” é entendido aqui como parte importante da concep-ção do projeto, pois se trata de uma voluntária seleconcep-ção de repertório por parte de um arquiteto na sua formação profissional, como pode se observar nesta passagem de Abilio Guerra:

“Quando se fala de inluência na área da cultura, não se pode perder de vista que o sujeito inluenciado escolheu em alguma medida seu objeto de desejo dentre um conjunto expressivo de ofertas culturais. A inluência cultural é, desde sua origem, um processamento que implica em seleção e adaptação, mesmo considerando que em parte ela possa ser contraban-deada por mecanismos sutis da subjetividade ou por imposições culturais (em termos psicanalíticos, poderíamos chamar estes mecanismos de in-consciente e superego)”.14

É possível notar traços de Marcel Breuer no Centro Administrativo da Bahia, em Salvador (1973), de Lelé, com o Centro de Pesquisa da IBM na França (1960-1962), de autoria do arquiteto húngaro Breuer. Em ambas ocorrem a utili-zação da curva na planta, o gabarito de altura baixo ( três a quatro pavimentos), materiais aparentes sem acabamentos posteriores e a solução de soltar parcial-mente o corpo do edifício através de elegantes pilotis no térreo. A força estrutural também marca as duas obras: paredes externas autoportantes divididas em módulos-janelas criando na fachada um ritmo regular que salienta a forma sinuosa do

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Figura 09 - Centro de pesquisa da IBM, Marcel Breuer, 1960-62, França.

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Figura 10 - Centro Administrativo da Bahia, João Filgueiras Lima, 1973, Salvador.

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Direita:

Figura 12 - Igreja Riola, Alvar Aalto, 1975-78, Riola, Italia.

Fonte: WESTON, 1996 p.213. Esquerda:

Figura 11 - Igreja de Brotas, João Filgueiras Lima, 1980, Salvador.

Fonte: LATORRACA, 2000, p. 122.

cio.

A Igreja de Brotas (1980), em Salvador é outra obra de Lelé em que

podemos observar grande referência dos arquitetos modernos Ela apresenta inúmeras características da Igreja Riola (1966-68) de Alvar Aalto. Ambas têm o predomínio do tijolo aparente e iluminação natural a partir de sheds na cobertura; o desenho também se assemelha no corte, com a sucessão de semicircunferências escalonadas. O shed, uma solução muito comum em projetos industriais do início do século XX, utilizada por Le Corbusier e J. M. Sert em inúmeros projetos possivelmente influen-ciaram Alvar Aalto.

A influência constatada pode ser confirmada no depoimento de Lelé a Marcelo Ferraz e Roberto Pinho, em que ele confirma seu apreço por Alvar Aalto:

“Depois eu iz algumas viagens muito proveitosas, principalmente quando fui a Finlândia visitar as obras de Alvar Aalto pessoalmente. Foi exce-lente! Fui em 1969, já estava um pouco mais maduro. Fiquei um tempo lá, conheci Arne Jacobsen, que tem um trabalho muito bom seguindo a coisa da arquitetura nórdica, que é uma arquitetura diferente, uma proposta que considera o problema do clima e de toda a formação cultural deles. Eu acho que o trabalho do Alvar Aalto é muito rico. Foi uma contribuição enorme!”15

Lelé ainda comenta a importância da arquitetura da Finlândia em seu trabalho:

“O que enriquece muito a arquitetura do Alvar Aalto é a preocupação coma as funções em um prédio e com os detalhes. Eu acho que ninguém fez isso com mais propriedade do que ele. O detalhe é fundamental, isso você aprende com Aalto, com Chacowiski e vários arquitetos importantes dessa geração. Gosto muito do Arnold, também. Eu aprendi muitas coisas

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Figura 13 - Dymaxion House, Buckminster Fuller, 1920, Estados Unidos.

Fonte: BEHLING, 2002, p.161.

na Finlândia. Visitei uma cidade no norte do país, Tampere, onde havia um hospital de seiscentos leitos maravilhoso. Eu iquei empolgado com o hospital; o ambulatório cheio de sheds, com aquela luz entrando (eu

fui lá no verão), cheio de jardins e, ao mesmo tempo, com a mais alta tecnologia. Era o único hospital na época, em 1969, onde já faziam ci-rurgias inteiramente computadorizadas. E apesar de toda a absorção da tecnologia, o prédio era super humano, com obras de arte, aquela coisa integrada, sem excessos, comedida, com mobiliário bonito, brinquedos. Você ica apaixonado pelos brinquedos de madeira feitos ali.” 16

Outro arquiteto moderno que podemos sugerir como referência à obra de Lelé, mesmo que indiretamente, é Buckminster Fuller, autor,nos anos 1920, de uma residência industrializada que poderia ser implantada em qualquer clima – a Dymax-ion House. Essa casa provia inúmeros artifícios para resolver as questões climáticas e de conforto ambiental como teto aerodinâmico para melhor ventilação dos ambi-entes internos; cama de embutir; mesa suspensa; e máquinas de lavar e secar roupa. A casa foi construída em aço e suspensa por um único pilar central contendo todas as instalações, distribuídas em planta hexagonal e dividida por biombos pré-fabrica-dos.

A semelhança com Buckminster Fuller diz respeito à inventividade e experimentação. Fuller era acima de tudo um cientista, é possível constatar isso em suas obras. Generalista ao extremo, desenvolveu projetos cartográficos, desenhou e construiu casas, automóveis e barcos. Na mesma linha, Lelé desenvolveu

in-úmeros projetos para a rede Sarah, desde a cama-maca , ônibus, barcos, elevadores, mobiliários e hospitais. Ambos os projetistas se dizem grandes fracassados em razão do insucesso de inúmeras experiências quando na busca de avanço tecnológico.

“Projetistas que transitam nas fronteiras do conhecimento,

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Figura 14 - Casa Tropical, Jean Prouvé, 1949, montada na oicina de Maxéville.

Fonte: Fonds Jean Prouvé

tivos, curiosos e insaciáveis na busca do aperfeiçoamento de suas ideias, estarão inevitavelmente sucessíveis ao risco de falhas, dado o conteúdo de inovação indissociáveis de suas descobertas e propostas”.17

Outra experiência com elementos análogos à obra de João Filgueiras Lima é a “casa tropical” – protótipos industrializados, montáveis e desmontáveis, para serem utilizadas na África –, de Jean Prouvé, 1949. Prouvé busca provar com esse projeto que sua casa industrializada se adapta melhor ao clima quente do que as construções vernaculares daquela região. A sua proposta provou sua teoria, mas o custo mostrou-se inviável; a produção era cara, demorada e apenas três unidades foram construídas.

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Figura 15 - Pavilhão dos Estados Unidos, Buckminster Fuller, 1967, Geodésica para a Expo 67.

Fonte: a2d-architecture.com

Utopia e revoluções – contracultura

“Soyez réalistes: demandez l’impossible” (“Seja realista: exija o impos-sível”) André Breton

Poucos são os momentos que a história destaca como uma grande vi-rada de página. O ano de 1968 marcou profundamente inúmeras gerações que o sucederam; é possível notar ainda hoje sinais desse tempo. Todo ideário ecológico, hoje chamado de sustentabilidade, deu seus primeiros passos a partir daí. No cin-ema, o filme norte-americano de ficção científica Planeta dos Macacos (Planet of Apes, 1968) mostrava nossa incapacidade de evitar a extinção da raça humana. A imagem do astronauta Taylor (Charlton Heston) junto às ruínas da Estátua da Liber-dade exemplifica a visão coletiva do que se esperar do homem e de suas atitudes temerárias.

As questões da liberdade intelectual, sexual e comportamental hoje tão defendidas foram colocadas em pauta neste período, que tem como uma de suas grandes expressões a chamada contracultura.

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Figura 16 - Estrutura geodésica transportada por helicóptero. Autor e data desconhecidos.

Fonte: http://mfareview.wordpress.com/ okupas, disperso atualmente por todo o mundo”.18

Importante notar a presença e a força das manifestações culturais e políticas deste momento no Brasil e no mundo. O Brasil vivia os quatro primeiros anos da ditadura militar, anterior à radicalização ocorrida em 1968 com o AI-5,19 portanto ainda com frestas que possibilitavam manifestações populares de âmbito cultural e social de grande relevância. Na música, em 1967, com crescimento da popularidade da Bossa Nova, Antônio Carlos Jobim grava nos Estados Unidos o álbum “Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim” fato que marca profundamente a historia da música brasileira.20

O cenário mundial era marcado pelas grandes manifestações juvenis e ideológicas, em vários idiomas podíamos ouvir a expressão o “povo no poder”. Ideo-logia alimentada pelas propagandas da nova república socialista chinesa, conhecida como a grande revolução proletária, iniciada pelo líder revolucionário Mao Tsé-tung (1893-1976). Com endurecimento da ditadura em 1968, esses ideários comunistas, claramente inspirados nos líderes revolucionários cubanos 21, vão levar estudantes de diversas partes do país às manifestações de guerrilha urbana.

Outro aspecto importante dos anos 1960 é a tecnologia. Nesse período, Lelé, afastado na UnB em razão do fechamento da escola, executa em Taguatinga seu primeiro projeto hospitalar. O hospital foi todo executado em pré-moldados pesa-dos de concreto armado, onde cada célula de fechamento poderia chegar a quatro toneladas. Um ano antes (1967), no Canadá, é construído o protótipo de habitação popular, o Habitat 67, desenhado por Moshie Safdie (1938). Moshie explica por que o uso da pré-fabricação no projeto em Montreal:

18 - ÁBALOS, Iñaki. A boa-vida: visita guiada as casas da modernidade. Barcelona: Gustavo Gili, 2003, p. 122.

19 - O Ato Institucional n. 5 (AI-5) redigido em 13 de dezembro de 1968, entrou em vigor durante o governo do então presidente Artur da Costa e Silva. O ato sobrepôs à Constituição de 24 de janeiro de 1967, dando poderes extraordinários ao Presidente da República e suspendia várias garantias constitucionais.

20 - Sobre a história da Bossa Nova, ver: CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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“O aspecto tecnológico era fácil de explicar. Nos anos 1960 nós acredi-távamos que a industrialização poderia reduzir enormemente o custo da habitação, melhorar sua qualidade e rapidez de entrega. A lógica pare-cia clara e da tradição de Buckminster Fuller. Segundo o qual o aper-feiçoamento dos meios de produção poderia reduzir os custos e tornaria a habitação acessível a todos os segmentos da sociedade”.22

Esses novos ideais transformam a arquitetura mundial e novos pensadores modernos tomam a dianteira nas discussões, substituindo os antigos argumentos defendidos pelos primeiros mestres modernos, como Le Corbusier ou Frank Lloyd Wright. Pensamentos imbuídos de preocupações ambientais e motivados pelas novas tecnologias, como os presentes nas ideias de Buckminster Fuller (1895-1983), guru da contracultura americana segundo Luis Fernandez-Galiano:

“Fuller fue uno de los héroes de mi generación. Para los que iniciamos la carrera en 1968 – El año del mayo francés y la primavera de Praga, pero también del Whole Earth Catalog, la biblia de la contracultura ameri-cana – y la terminamos coincidiendo con la primera crisis del petróleo en 1973-74, la arquitectura era inesperable del cambio social impulsado por los movimientos alternativos y de la mudanza técnica estimulada por el agotamiento de los combustibles fósiles”.23

Fuller influencia toda uma nova geração de arquitetos e engenheiros. Principalmente o grupo Archigram (1961-1974), que tinha como membros os ar-quitetos Peter Cook, Warren Chalk, Ron Herron, Dennis Crompton, Michael Webb e David Greene. Suas propostas revolucionárias e utópicas entraram no imaginário dos jovens estudantes de arquitetura do mundo inteiro. Mas é na Inglaterra que essas

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ideias se fortificam. Nos anos 1970, a arquitetura inglesa terá os principais arqui-tetos da chamada arquitetura high-tech. Neste contexto temos o arquiteto Norman Foster, muito influenciado por Buckminster Fuller:

“Tuve el privilegio de colaborar con Bucky durante los doce últimos años de su vida, y esta relación inluyó profundamente en mi trabajo y mi manera de pensar. Inevitablemente, también adquirí una visión cercana de su ilosofía y sus logros. (...) En 1951 Fuller se ocupó de los temas ecológicos, tan vitales en nuestra cultura, cuando se reirió a la Nave Espacial Tierra y a la fragilidad de nuestro planeta, haciendo que su tra-bajo y sus observaciones sean hoy aún más importantes de lo que fueron durante su vida”.24

Em seu livro sobre a sustentabilidade na arquitetura e no urbanismo, o arquiteto britânico Richard Rogers – que fora sócio de Norman Foster no escritório Team 4, com suas respectivas esposas, Su Brumwell e Wendy Cheesema – coloca uma citação de Buckminster Fuller em seu primeiro capítulo:

“Para começar a correção de nossa posição a bordo da grande nave, o planeta terra, antes de mais nada devemos reconhecer que a abundân-cia dos recursos imediatamente consumíveis,inevitavelmente desejáveis ou absolutamente essenciais, até agora, foi suiciente para permitir que continuemos nossa jornada, apesar de nossa ignorância. Estes recursos, em última instância esgotáveis e dilapidáveis, foram adequados até este momento crítico. Aparente, essa espécie de amortecedor dos erros de sobrevivência e crescimento da humanidade foi alimentado, até agora, da mesma forma que um pássaro dentro do ovo se alimenta do liquido envoltório, necessário para uma etapa de seu desenvolvimento somente até um certo ponto”.25

24 - FOSTER, Norman. BUCKMINSTER FULLER 1895-1983. AV monografias, n. 143, 2010, p. 3

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Outro arquiteto que expressa em sua atuação o ideário da contracultura dos anos 1960 é o ítalo-americano Paolo Soleri, idealizador da cidade utópica de Arcosanti (1970), construída no meio do deserto norte-americano do Arizona, com grande apuro formal e geométrico para se tornar um protótipo urbano a fim de abrigar sete mil habitantes.

O historiador Roberto Segre relembra o impacto das primeiras imagens de Arcosanti:

“O que diferenciava as imagens utópicas de Soleri das restantes – mais inspiradas na alta tecnologia e nas rigorosas geometrias de células ar-ticuladas – era a fusão entre homem, natureza e tecnologia, numa trama compacta de gigantescas unidades habitacionais enraizadas na terra, porém que ao mesmo tempo pareciam complexas naves espaciais. In-tegravam entre si a herança orgânica de Wright, a tradição construtiva dos romanos e a visão das megacidades da icção-cientíica, num sistema gráico totalmente inédito, cujo monocromatismo lembrava as fantasias espaciais e formais de Piranesi”.26

E completa, explicando a sua relevância dentro dessa geração de arquitetos:

“Na realidade Soleri aparece como uma igura mítica aos que nos ini-ciamos no debate arquitetônico na década dos sessenta. Aqueles eram tempos heroicos de fervor e esperanças no futuro da humanidade. A Rev-olução Cubana e Che Guevara; o movimento estudantil de maio de Paris; os textos de Marcuse; os hippies, Martin Luther King e a oposição à guer-ra do Vietnã, implicavam num compromisso político e ético identiicado com as propostas ambientais que desejavam controlar a deterioração da

Gustavo Gili,199, p. 1.

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Figura 19 - Arcosanti, Paolo Soleri, Arizona, 1970. Fonte: www.arcosanti.org

natureza e as contradições geradas pelo gigantismo das megalópoles. Por um lado apostavam na aplicação de métodos racionais para resolver os novos problemas ecológicos gerados pela espécie humana – a coniança de Tomas Maldonado no ato projetual; a busca de um equilí-brio entre ambiente e sociedade, colocado por Amos Rapoport, Edward Hall, John Mc Hale, Christopher Alexander e J. Broadbent –; por outro lado surgiram múltiplas imagens de um contexto físico dominado pela alta tecnologia: as cúpulas geodésicas de Buckminster Fuller; as cidades “espaciais” e as megaestruturas – que tanto entusiasmaram Rey-ner Banham – de Yona Friedman, os Metabolistas japoneses, Archigram; as bioestruturas de Alfred Newman, Paul Maymont, Moshe Safdie, D.G. Emmerich, Walter Jones, Zvi Hecker e outros”.27

É importante entender que estava em jogo não somente uma forma nova de olhar o projeto e a construção, mas um projeto novo de sociedade. Lelé se aproxima de Soleri em uma “dedicação passional a um projeto totalizador, baseado não somente numa realidade construtiva, arquitetônica e urbanística, mas também num conceito de vida social (...) divergentes da realidade que impera na sociedade capitalista”28. Nota-se em ambos uma renuncia na forma convencional de exercer a vida profissional. Lelé opta por trabalhos junto aos órgãos públicos, nos quais sua atuação possa contribuir para a construção dessa nova sociedade, enquanto Paolo Soleri lidera um grupo de seguidores na construção de Arcosanti. Essa renúncia leva esses dois arquitetos a um isolamento. Para Lelé, a busca de lugares não explora-dos pela sociedade, como favelas e áreas rurais, permite que sua ação extrapole as preocupações projetuais de um arquiteto, podendo assim, atuar como um educador para a construção equilibrada dos principais valores por ele defendidos que podemos definir como tecnologia, natureza e sociedade. Isso aproxima Lelé de Soleri, que atua em Arcosanti não somente como autor da cidade mas como um guru em seu retiro

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Figura 20 - Lelé no canteiro de obra da Escola Rural de Ab-adiânia, 1982-1984.

Fonte: Acervo pessoal do arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé.

espiritual. Como coloca Segre sobre Soleri, esse isolamento permite “organizar um laboratório social e arquitetônico que fosse além do conceito de utopia – como não lugar, ou de perfeição formal acabada e concluída – e definisse um modelo ambien-tal que articulasse natureza, história e sociedade, em busca de um futuro melhor”.29 Esse ideário dos anos 1960 caracteriza a personalidade discreta de João Filgueiras Lima. Lelé passa a se preocupar com as questões ambientais e com os desperdícios da construção. As preocupações ambientais estão presentes em sua obra desde as primeiras construções nos anos 1960;, atualmente essas questões se tornaram um produto para o mercado da construção. Lelé é avesso a esse discurso sobre sustenta-bilidade propagado pelo mercado. Quando indagado atualmente sobre esse termo incorporado pelo marketing empresarial , ele responde:

“Eu detesto, detesto... Mas está dando lucro ser ecologista. E, na verdade, o discurso da sustentabilidade disseminado por aí não está sendo prati-cado. Porque a gente precisa economizar o que a natureza nos fornece de mais barato”.30

Podemos observar esse ideário em quase todas as obras de Lelé. Uma, em especial, as escolas transitórias de Abadiânia (1982-1984). Um projeto “român-tico”, como coloca Lelé, pois se trata de uma transformação construtiva carregada de princípios sociais e tecnológicos, em que são flagrantes as questões ideológicas. Lelé, nessa obra, se diz mais um operário, não um arquiteto ou engenheiro. E, ao se colocar como “operário principal”, responsável pelo ensino e orientação necessários à construção da escola, transforma sua participação no canteiro em uma ação as-sociada a princípios éticos. Por outro lado, o sistema construtivo fechado, proposto por ele, garante um controle quase total por parte do arquiteto, trazendo para si toda a responsabilidade pela obra, desde o traço, até a usinagem e montagem final. Podemos notar a contradição entre o engajamento ideológico do arquiteto e seu

29 - Idem, ibidem.

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controle total sobre a obra.

Na experiência da fábrica de Abadiânia, Lelé consolida o uso da ar-gamassa armada , construindo uma escola montável e desmontável, sem uso de máquinas pesadas. O processo resulta em escolas e pontes de alto apuro tecnológico, construídas em zonas rurais no interior de Goiás, algo semelhante às grandes estru-turas em Arcosanti, de Paolo Soleri. Com uma pequena fábrica improvisada, Lelé vê a possibilidade de industrialização completa de um edifício:

“Na época que fui demitido da Prefeitura (Salvador), estava tão entu-siasmado com o processo da argamassa armada que quando começou a abertura política e nosso amigo Vander Almada foi eleito Prefeito de uma cidade do interior de Goiás, Abadiânia, resolvi embarcar na aventura. Ele reuniu várias pessoas de outras áreas, médicos, educadores. Queríamos fazer uma experiência – modelo em Abadiânia, no meio do mato. Fui encarregado da minha parte – isso foi feito de graça –, e icava lá pelo menos cinco dias por semana”.31

A experiência em Abadiânia transforma profundamente seu trabalho. Lelé vê a possibilidade da escala de produção industrial para cada componente de uma obra. Na Escola Transitória Rural, utiliza somente dezesseis componentes leves, facilmente manipuláveis pelos operários, e que são usados repetidamente na construção. Para a execução dessa obra, Lelé cria uma apostila com os desenhos passo a passo para a execução da obra. Abadiânia, um município muito carente, não contava sequer com profissionais da construção civil.

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industrializadas em madeira, a única forma de envolver a população era fazendo coisas bem simples. Mas a madeira embora desse uma resposta rápida, era perecível. E ali não tinha escola rural, não tinha nada”.32

Lelé – que, como Oscar Niemeyer, sempre se disse comunista – viu na situação uma oportunidade de desenvolver seu trabalho usando a tecnologia e o desenho como forma de inclusão social, postura próxima à dos arquitetos paulistas Sergio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império, que defendiam uma arquitetura que não alienasse o operário. Com o projeto mais detalhado, a obra independe de ha-bilidades específicas artesanais, utilizando assim o operário como força produtiva qualificada, e não artesanal.

O Grupo Arquitetura Nova, apesar da aproximação ideológica de esquer-da, apresentou uma proposta diferente para o canteiro. O grupo, como Lelé, buscava a organização do canteiro, evitando o desperdício e a economia produtiva e, prin-cipalmente, a sobreposição do trabalho que resultava no mascaramento do processo construtivo. O uso do revestimento, na procura do acabamento final, proporciona a alienação do processo construtivo, como explica Ana Paula Koury em seu livro que trata da produção do Grupo Arquitetura Nova.

“O uso dos revestimentos é uma maneira de apagar os vestígios da produção e a marca do operário na obra acabada, ou seja, representa uma forma de alienação”.33

Por outro lado, o Grupo acreditava na contribuição dos operários. Sendo assim, a idealização e a construção são etapas separadas mas que trabalham para o mesmo fim, expressando-se livremente. Como explica Sério Ferro em entrevista a

32 - MENEZES, Cynara. João Filgueiras Lima: O que é ser arquiteto. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 57. Severiano Porto, em circunstância difer-ente, também optou por fazer uma apostila de construção quando recebeu a encomenda do condomínio Porto da Lua, no Rio Negro. Devido à impossibilidade de estar presente durante a realização das obras, Severiano resolve confeccionar a apostila do passo a passo, provavelmente motivado pela falta de conhecimento técnico dos construtores locais. Ver GUERRA, Abilio. Arquitetura brasileira: viver na floresta. Catálogo de exposição. São Paulo, Instituto Tomie Ohtake, 2010.

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Figura 21 - Desenho para execução da obra, arquiteto João Filgueiras Lima, 1982-84.

Fonte: LIMA, 1984, p. 34-61.

Ana Paula Koury:

“Nenhuma etapa construtiva se sobrepõe a outra de maneira a destruí-la. Todas as etapas são evidenciadas. Há quase um certo lirismo, pois cada corpo produtivo pode se expressar com uma grande autonomia, no mel-hor dos seus possíveis. Eu comparava essa poética com o jazz, onde você tem cinco, seis, até dez músicos, que tocam uma só música, mas cada um deles pode fazer um solo com todo o virtuosismo que é capaz, sem que isso destrua o conjunto ou que cada um desses desapareça na massa”.34

A obra de Lelé está marcada pela preocupação construtiva do edifício, buscando o fino acabamento e a economia global. Esse resultado é obtido pelo enorme controle do arquiteto e o refinamento no detalhe do desenho. A construção permite que seus componentes sejam montados manualmente de acordo com a ide-alização do arquiteto, sem modificações. As contribuições em equipe somente ocor-rem no plano da concepção e revisão do processo.

“Minha proposta de usar e desenvolver a argamassa armada foi baseada na ideia de tornar a pré-fabricação em concreto mais leve, e permitir que um grande contingente de mão-de-obra fosse usado no transporte das peças – dispensando guindaste e grua, essas coisas caras que substitu-em a mão-de-obra –, mas ssubstitu-em abrir mão de um sistsubstitu-ema industrializado, planejado e racionalizado. Por exemplo, num prédio montado a partir de componentes, se eles não se casarem perfeitamente, o prédio não será montado. Então o simples fato daquilo só existir se for planejado já pressupõe o planejamento. E aí você começa de fato a racionalizar a construção”.35

34 - FERRO, Sérgio IN KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova. Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro. São Paulo, Romano Guerra, 2003, p.64

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Figura 22 - Escola de argamassa armada construída em uma favela do Rio de Janeiro, Lelé, 1984-1986.

Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). João Filgueiras Lima: Lelé.

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Figura 23 - Renurb – Companhia de Renovação Urbana de Salvador, 1978–1981.

Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). João Filgueiras Lima: Lelé.

Lisboa: Editorial Blau, São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.107.

As fábricas de João Filgueiras Lima, 1978-2009

A primeira fábrica em Salvador, BA, projetada por Lelé foi implantada na primeira gestão do prefeito Mário Kertész, em 1978. A fábrica da Companhia de Renovação Urbana de Salvador – Renurb foi criada com o objetivo prioritário de im-plantar o projeto de transportes urbanos da cidade. Inicialmente, a fábrica começou a produzir abrigos para paradas de ônibus, que foram executados em concreto armado. Logo, a fábrica começou a produzir outros itens, como estações de trans-bordo, posto policial, postos de pedágio para estacionamentos, bancos (com ou sem encosto), arrimos escalonados e componentes diversos necessários à implantação dos projetos de urbanização dos logradouros e praças onde se localizavam os terminais de bairro. Com o fim do mandato do prefeito Mário Kertész, a fábrica foi fechada em 1981 pelo novo governo.

Em 1984, após esta experiência pioneira, o então prefeito eleito Vander Almada da cidade de Abadiânia, GO, propõe a construção de uma nova fábrica. Caberá a Lelé, na condição de professor da pós-graduação da Universidade Católica de Goiás – com a qual a prefeitura faz uma parceria –, projetar a Escola Rural de Caráter Transitório. Para a execução do projeto – que contava com apenas dezesseis componentes em argamassa armada, passíveis de serem montados sem a necessi-dade de máquinas –, o arquiteto constrói na própria cinecessi-dade sua segunda fábrica. As instalações eram de porte pequeno e os componentes eram dimensionados para que pudessem ser carregados por até duas pessoas – “Construí uma fabriqueta em Abadiânia, bem improvisada. Primeiro fizemos pontes, depois escolas, vários equipa-mentos de uso rural”36 –, uma preocupação que acompanhou Lelé no desenvolvimen-to das demais fábricas e projedesenvolvimen-tos que se sucederam a esta iniciativa.

Ao ver o protótipo da escola já construído, o antropólogo Darcy Ribeiro – então vice do governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola – convida Lelé para construir uma nova fábrica no Rio Janeiro. Conforme depoimento de Lelé:

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Figura 24 - Fábrica de Escola, Abadiânia GO, 1982-1984. Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). João Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, 141.

“Foi nesse período, em 1982, que Leonel Brizola ganhou a eleição para governador do Rio pela primeira vez, e seu vice, meu amigo Darcy Ribeiro, me chamou para trabalhar com eles. Eu lecionava na UCG (Universidade Católica de Goiás), porque a experiência de Abadiânia foi inanciada tam-bém pela universidade, tínhamos conseguido dinheiro com ela. E Darcy levou Brizola até Abadiânia. De repente ele desceu lá, num aviãozinho bem ordinário, levantando poeira. Ficou impressionado com nosso tra-balho e me chamou para ir para o Rio”.37

A nova fábrica, agora de grandes dimensões, irá produzir nos anos seguintes centenas de escolas. Cada unidade podia ser implantada em apenas 45 dias; seus componentes leves permitiam a construção em locais isolados e de difícil acesso.38 Como na experiência anterior na Renurb, em Salvador, após o fim do man-dato, a fábrica é fechada.

O prefeito Mário Kertez será reeleito em Salvador em 1986 e irá abrir uma nova fábrica liderada por Lelé, a Fábrica de Equipamentos Comunitários – FAEC, que dará suporte para diversas intervenções sociais, urbanísticas e de proteção ao patrimônio histórico:

“A necessidade de pensar Salvador de forma integrada e, ao mesmo tempo, abrangendo os mais diversos programas, estimulou a pesquisa de soluções inovadoras, como as das passarelas para o projeto do transporte de massa, as da recuperação do centro histórico, concebidos pelo gênio de Lina Bo Bardi, as das urbanizações de praças, as das escolas e creches que se espalharam por todo estado da Bahia, as do hospital Sarah de Salvador, através de convênio irmado com a Associação das Pioneiras Sociais, as dos equipamentos urbanos etc.” 39

37 - LIMA, João Filgueiras. In MENEZES, Cynara. João Filgueiras Lima: O que é ser arquiteto. Rio de Janeiro, Record, 2004, p. 57 38 - RIBEIRO, Darcy. O livro do CIEPs. Rio de Janeiro, Bloch, 1986, p.137-140.

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Figura 25 - Fábrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). João Filgueiras Lima: Lelé. Lisboa: Editorial Blau, São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.148.

No final dos anos 1990, Lelé desenvolve uma grande fábrica para o Governo Federal para produzir as unidades do Centro Integrado de Apoio à Criança – CIAC, experiência frustrada diante da paralisia do Estado no processo de impeach-ment do presidente Fernando Collor de Mello, acusado de corrupção.

Após várias experiências ligadas a governos e mandatos políticos, Lelé é convidado em 1991 por doutor Aloisio Campos da Paz a fazer parte do Centro de Tecnologia da Rede Sarah – CTRS.

“As funções básicas dos CTRS são as seguintes:

– Construir os novos edifícios destinados à expansão da Rede.

– Ajustar permanentemente os espaços hospitalares às eventuais modi-icações de funcionamento, decorrentes da introdução de novas tecno-logias.

– Desenvolver projetos e fabricar equipamentos adequados à manuten-ção das técnicas de tratamento desenvolvidas na Rede.

– Efetuar a manutenção predial e dos equipamentos da Rede”.40

O CTRS, em convênio com órgãos públicos como prefeituras e o Tribunal de Conta da União, desenvolverá ainda inúmeros outros projetos.

Em 2009, Lelé se afasta da direção CTRS e inicia outra fábrica, o Instituto Brasileiro do Habitat, uma organização sem fins lucrativos e que tem como principal objetivo desenvolver projetos de interesse social, em especial programas de ensino e pesquisa em parceria com universidades. Devido à falta de apoio de governos públi-cos e do delicado estado de saúde do arquiteto o Instituto encontra-se em estado de “hibernação”.41

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Figura 26 - Croqui da Fábrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86).

Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). João Filgueiras Lima: Lelé.

Lisboa: Editorial Blau, São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.148.

Figura 27 - Lelé e Darcy Ribeiro na Fábrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86).

Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). João Filgueiras Lima: Lelé.

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Figura 28 - FAEC – Fábrica de Equipamentos Comunitários, Salvador (1986-2002).

Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). João Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.154.

Figura 29 - CTRS – Centro de Tecnologia da Rede Sarah, Salva-dor (1991-2009).

Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). João Filgueiras Lima: Lelé. Lisboa: Editorial Blau, São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p. 202.

Na sua trajetória, o arquiteto João Filgueiras Lima teve oportunidade de estar à frente das seguintes unidades de produção de componentes arquitetônicos:

Renurb – Companhia de Renovação Urbana de Salvador (1978–1981); Fábrica de Escola, Abadiânia GO (1982-1984);

Fábrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86)

Fábrica de Equipamentos Urbanos, Rio de Janeiro (1984-89) Fábrica de Equipamentos Urbanos, Brasília (1985-90)

FAEC – Fábrica de Equipamentos Comunitários, Salvador (1986-2002); CIAC – Centro Integrado de Apoio à Criança, várias regiões do Brasil (1990); FAEC – Fábrica de Equipamentos Comunitários, Ribeirão Preto (2002-2004); CTRS – Centro de Tecnologia da Rede Sarah, Salvador (1991-2009).

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A evolução do projeto na obra de João Filgueiras Lima

Durante mais de 50 anos de profissão, desde suas primeiras obras em Brasília até seus últimos projetos como o hospital Sarah no Rio de Janeiro, o arquite-to João Filgueiras Lima reavalia constantemente sua produção arquitetônica, o que resulta em uma constante evolução na sua obra. Em diversos aspectos, as primeiras não foram tão eficientes quando comparadas com as últimas obras construídas, mas apresentavam algumas características semelhantes, caso das aberturas zenitais para a iluminação e ventilação.

Com certa liberdade, podemos usar aqui o conceito de evolução na acep-ção dada por Charles Darwin no seu famoso livro A origem das espécies, quando apresenta ao mundo, em 1859, sua concepção de seleção natural. Podemos meta-foricamente dizer que na obra de João Filgueiras Lima certas soluções arquitetônicas “sobrevivem” por estarem mais adaptadas ao meio físico brasileiro. Seria o caso, por exemplo, dos sheds, muito adequados aos rigores do clima tropical brasileiro.

Além desta constante busca de soluções adaptadas ao meio, é visível que, em especial no início de sua carreira, Lelé absorveu experiências de grandes mestres da arquitetura, em especial estrangeiros. É visível a presença do rigor construtivo de arquitetos como Alvar Alto e Marcel Breuer ou do pensamento visionário de um Buckminster Fuller, influências que se mostram fundamentais para o seu crescimento profissional.

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Figura 31 - Hospital Sarah Rio, arquiteto João Filgueiras Lima, 2009, Rio de Janeiro.

Fonte: revista AU, n.175, p.48.

Figura 30 - Museu de Arte de Milwaukee, arquiteto Santiago Calatrava, 2000, Milwaukee – Estados Unidos. Fonte: JODIDIO, 2009, p.321.

Interlocuções com arquitetos contemporâneos

Podemos concluir que Lelé revisa constantemente sua obra, tornando-se um crítico constante do próprio trabalho. Os problemas técnicos e climáticos são quase sempre trabalhados com os mesmos princípios, mas com enormes avanços al-cançados com o passar do tempo, em especial quanto à leveza estrutural, economia de insumos e eficiência climática. Lelé acredita que as ideias devam ser testadas e avaliadas, um senso crítico fundamental para a evolução apontada. Em uma ocasião, quando perguntado sobre a realização profissional, Lelé demonstra seu apreço pelo constante aperfeiçoamento:

“Não acredito que ninguém se considere realizado. Essa insegurança que se tem em relação a si mesmo é importante para você melhorar. Enquanto você achar que não está bom, você esta evoluindo”.42

A obra de João Filgueiras Lima se insere no contexto da arquitetura con-temporânea que busca adequação do projeto aos imperativos climáticos, buscando a eficiência energética. A manipulação das possibilidades tecnológicas torna sua ar-quitetura dinâmica, como um organismo que transpira ao perceber o aquecimento do envoltório (pele). Tais características estão presentes na produção europeia contem-porânea com aporte de alta tecnologia (high-tech) promovida por arquitetos como Renzo Piano, Richard Rogers, Nicolas Grimshaw e Santiago Calatrava, dentre outros. Entre eles, uma semelhança muito grande: Santiago Calatrava, como João Filgueiras Lima, utiliza elementos estruturais dinâmicos, que muito se assemelham a plantas que se abrem na primavera, fazendo assim o controle da luz e criando com todos es-ses elementos o tão desejado espetáculo arquitetural.

Imagem

Figura 01 - Os amigos Lelé e Oscar Niemeyer no escritório  deste, em Copacabana.
Figura 05 - Lelé em uma reunião entre amigos de música em  1988 com o traje Sun Zhongshan
Figura 07 - Lelé com traje Sun Zhongshan em 28/10/2010 Foto: André Marques
Figura 14 - Casa Tropical, Jean Prouvé, 1949, montada na  oicina de Maxéville.
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Referências

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