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No topo do mundo

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Academic year: 2017

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Julho 2008

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este mês de julho, mais de 40 milhões de brasileiros passam a ter um pouco mais de dinheiro para continuar se alimentando. Quantos deles sabem que a Fundação Getulio Vargas deu sua contribuição para que isso acontecesse? Coincidência ou não, a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anunciada no dia 25 de junho último, de reajustar em 8% o total pago aos beneiciários do programa Bolsa Família ocorreu menos de três semanas depois que o IPC-C1 (Índice de Preços ao Consumidor-Classe 1), calculado pela Fundação, mostrou que a inlação para a população de baixa renda foi de 8,24% nos 12 meses encerrados em maio. “Com certeza esse dado teve um papel importante na decisão do governo”, airma o professor Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da FGV), órgão da Fundação responsável pelos levantamentos relativos à inlação.

Após a medida vêm as comemorações e as críticas. O Estado terá que desem-bolsar mais R$ 400 milhões por ano no programa, como prevê o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. Os trabalhadores terão mais estímulos a se acomodar com uma renda garantida e desistir de buscar uma posição mais ativa no setor produtivo nacional. Alguns políticos podem canalizar essa decisão do governo para ins eleitorais.

Pronto. Um trabalho da Fundação Getulio Vargas contribuiu para uma impor-tante decisão governamental, que, por sua vez, desencadeou um debate público nacional. Episódios como esse acompanham a história da Fundação desde seu nasci-mento, em 1944, e, em conjunto, contribuíram para que a instituição fosse incluída, em abril deste ano, na lista dos 30 centros de estudo mais inluentes do mundo.

Quem atribuiu esse status à entidade foi o instituto Think Tanks and Civil Societies Program, por eleição em que votaram pesquisadores, doadores públicos, especialistas em políticas públicas e membros de organizações não governamen-tais. Cada participante votou em um dos mais de 3.000 think tanks (instituições que produzem conhecimento para orientar políticas públicas) não-americanos previamente identiicados pela organização do levantamento, que excluíram as entidades dos EUA para não distorcer a amostra. Entraram no ranking dos 30 centros mais importantes os que obtiveram mais votos.

NO TOPO

DO MUNDO

A notícia de que a FGV foi alçada à lista dos 30 centros

de estudo mais influentes do mundo é comentada

por alguns especialistas

Por Sílvio Crespo

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bre a economia brasileira, em sugestões de políticas públicas, mas o que mais re-percute junto à sociedade são os índices de preços, até porque, no Brasil, inlação e futebol são os assuntos que as pessoas mais comentam”, brinca Schymura.

Na questão da inlação, a proposta da Fundação é detectar cada vez que a sociedade começa a ter necessidade de saber como variam os preços em setores especíicos ou para determinadas ca-madas sociais. O IPC-C1, por exemplo, lançado em 2004, abrange o estrato com renda entre 1 e 2,5 salários mínimos – muito próximo do público-alvo do prin-cipal programa social do governo Lula. “Montamos esse índice porque as pes-soas de baixa renda comprometem com alimentos uma parte mais signiicativa da renda do que as de classe mais alta”, diz Schymura. Hoje, quando a inlação das commodities está nas manchetes dos principais jornais do país, o indicador acaba tendo um alcance ainda maior.

Foi com base em raciocínio seme-lhante que se decidiu criar o IPC-3i, que indica a variação de preço das mercadorias consumidas pela popula-ção da terceira idade. Os idosos usam mais produtos da área de saúde que o resto da população. Mas compram me-nos roupas. Um índice para essa popu-lação é uma referência mais precisa do que, por exemplo, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), usado pelo governo para deinir suas metas anuais de inlação. “O IPC-3i poderia servir para reajustes previdenciários”, defende Schymura.

Produção acadêmica

Mesmo com essa contribuição reco-nhecida, a aparição de uma instituição brasileira na lista dos 30 mais importan-tes centros de estudo do mundo causa surpresa devido a algumas condições particulares dos países emergentes. Em regiões de economia avançada, é natural que o desenvolvimento cientí-ico se dê em ritmo semelhante ao do mercado. No Brasil a situação é dife-rente pelo fato de seu parque industrial ser majoritariamente ocupado por mul-tinacionais. “Essas empresas tendem a fazer o seu desenvolvimento tecnológi-co nas suas matrizes”, aproveitando as pesquisas realizadas no seu país de ori-gem, segundo Cerqueira Leite. Nessas

condições, a demanda da indústria pela produção cientíica brasileira tende a ser reduzida. No entanto, “a indústria não precisa demandar explicitamente a produção acadêmica, ela precisa ser capaz de absorver”, diz o físico.

A transferência de conhecimento das instituições de ensino e pesquisa para o mercado não é um processo rápido, de acordo com Cerqueira Leite. Uma das principais formas de isso ocorrer é por meio da consultoria. Um professor que atingiu certo grau de maturidade acadê-mica passa a freqüentar uma empresa semanalmente transferindo conheci-mentos. Mas “isso, por incrível que pa-reça, ainda é visto com maus olhos no Brasil e às vezes é até proibido”.

Nesse aspecto, a FGV se destaca dos demais centros de excelência do país, como a Universidade de São Paulo, em que há diiculdade para aceitar o pro-cesso de transferência do conhecimento da academia para a empresa. “A FGV é um caso especial, porque já nasceu com essa competência, com essa proposta, e não com aquele espírito acadêmico rí-gido de torre de marim com que nasce-ram as universidades do Estado de São Paulo e as federais. A Fundação, não; já nasceu com a idéia de atuar junto com a indústria e ser até um braço dela.” Hoje, com a Lei da Inovação, a tendên-cia é que as demais escolas também se aproximem, nesse aspecto, do setor pri-vado, prevê o professor. O desaio, ago-ra, também é da própria indústria, uma vez que ela não está acostumada a ter proximidade com a produção acadêmi-ca. “Isso vai acontecendo aos poucos”, airma Cerqueira Leite.

Nova fase

As pressões pela relevância da pes-quisa acadêmica são crescentes no mundo inteiro. Isso pode representar um perigo, mas também um desaio para instituições como a FGV. “Esse cenário é tão promissor quanto arrisca-do em termos estratégicos”, airma

Ale-xandre Faria, professor-adjunto da Eba-pe (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas), da FGV. “A pressa em contribuir para a sociedade ou para o mercado pode bloquear tanto a diversidade na academia como a nossa capacidade de inovar ou criticar.”

Diversos países têm interesse no conhecimento gerado nas economias emergentes, devido ao potencial de crescimento delas. Regiões desenvolvi-das estão preocupadesenvolvi-das também com o outro sentido, o de transferir conheci-mentos para as áreas do planeta menos avançadas. “Lidar com esse cenário especíico é uma tarefa crucial para instituições acadêmicas que ocupam posição de destaque no Brasil, como é o caso da FGV.”

Também em termos de formação de quadros para o país a Fundação deve ganhar importância nos próximos anos, de acordo com Faria. O motivo é a cres-cente demanda pela qualiicação de gestores nos setores público e privado. O chamado “apagão da mão-de-obra” brasileiro, já percebido pelo empresa-riado nacional, agora é um problema conhecido internacionalmente. O jor-nal mais inluente do mundo, o New

York Times, publicou em 2 de julho

ex-tensa reportagem mostrando que, com o crescimento econômico recente, está faltando proissionais preparados no Brasil, o que pode comprometer o de-senvolvimento futuro.

“Tenho a impressão de que o princi-pal desaio para a Fundação é compati-bilizar as enormes demandas imediatas por formação e qualiicação de quadros no campo da gestão no país com o imen-so desaio de produzir pesquisa acadê-mica que contribua de forma efetiva para os mercados e para a sociedade”, airma Faria. “É certo que continuare-mos descobrindo muitas oportunidades e enfrentando muitos problemas nesse aspecto, que é crucial para a posição da FGV como instituição comprometida com o desenvolvimento do país.” No caso da FGV, a contribuição

à sociedade tem se dado por meio da formação de pessoal qualiicado para os setores público e privado, da produção e divulgação de pesquisa acadêmica e apli-cada e da elaboração de dados macroe-conômicos, setoriais e empresariais.

“A FGV foi tão importante para o Brasil que passou a ser quase uma coisa institucional. A gente percebe a Funda-ção quase como o IBGE (Instituto Bra-sileiro de Geograia e Estatística)”, diz o físico Rogério Cezar Cerqueira Leite, professor emérito da Unicamp e mem-bro do Conselho Editorial da Folha de

S.Paulo. “As estatísticas produzidas pela

Fundação estão em nosso dia-a-dia. A gente nem sabe, mas ela tem a ver com a nossa rotina; está no esqueleto da ati-vidade de ciência e tecnologia, na ativi-dade de produção do Brasil.” Isso para não falar que, até 1986, era a FGV que calculava o PIB do Brasil, antes de o IBGE incorporar técnicos da Fundação e assumir para si essa função.

Em termos de formação de quadros para as administrações pública e pri-vada, o papel da Fundação também é reconhecido. Nem seria preciso citar que o atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, é um quadro da casa. “No to-cante ao setor público federal, principal-mente na área econômica, durante certo período, a FGV gozou de um relativo monopólio no preenchimento de cargos no alto escalão: Ministérios da Fazenda e Planejamento, Banco Central e autar-quias federais”, diz Alkimar Moura, pro-fessor titular e atualmente chefe do de-partamento de Planejamento e Análise Econômica Aplicada à Administração.

Na Fundação desde 1970, ele conta que “com o passar do tempo, o recru-tamento desses proissionais ampliou-se para outras universidades ou instituições e o peso relativo da FGV diluiu-se, como seria de se esperar”. O aparecimento de novas escolas de administração de em-presas e o surgimento de especializações de gestão de negócios nas escolas de

en-genharia e direito tornaram o ambiente mais competitivo. “Acredito, no entanto, que a FGV tem condições de continuar formando líderes que poderão marcar o cenário empresarial brasileiro e mesmo global”, prevê Alkimar Moura.

Contribuição à indústria

“A reconhecida qualiicação de seus pesquisadores e o grande volume de conhecimento gerado por esse centro de excelência que é a FGV constituem um dos alicerces mais estáveis do de-senvolvimento econômico brasileiro”, airma Paulo Francini, diretor do De-partamento de Pesquisas e Estudos Eco-nômicos da FIESP (Federação das In-dústrias do Estado de São Paulo). Entre os indicadores que ajudam a orientar as decisões das empresas, a FGV produz a pesquisa de coniança do consumidor e a sondagem industrial. Os dois estudos se complementam: um aponta a evo-lução da demanda, enquanto o outro olha para os investimentos de quem oferece os produtos.

Segundo Francini, a indústria pau-lista consulta “praticamente toda a gama de índices setoriais produzidos pela Fundação”, tanto os de preços como os relacionados à atividade eco-nômica. Os primeiros, diz ele, servem para balizar os mais diversos contratos; os demais são utilizados de forma com-plementar aos índices calculados pela própria FIESP para uma melhor com-preensão da conjuntura econômica. Francini chama atenção para o fato de que a Fundação, além de fornecer suas pesquisas regulares, também produziu estudos a pedido da FIESP, como, por exemplo, a “Consolidação das Propos-tas e MePropos-tas para Ajuste Fiscal e de Sis-temas e Técnicas de Gestão Pública”, trabalho realizado em 2006 em parceria com o IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) e a Bo-vespa (Bolsa de Valores de São Paulo). “A FGV sempre nos auxiliou na luta pela formação das bases para o

cresci-mento econômico e no delineacresci-mento das ações necessárias à construção de um Estado mais eiciente e menos de-sigual”, airma Francini.

Com o reconhecimento notório da utilidade desse tipo de levantamento, a FGV vem expandindo sua atuação. No ano passado, por exemplo, foi lançada uma pesquisa que mede a coniança de investidores em países da América Latina. Para o ano que vem a proposta é criar um novo estudo, mas dessa vez novamente voltado para a economia doméstica. Trata-se da sondagem de serviços. O setor representa atualmente cerca de 60% do Produto Interno Bruto brasileiro. “Como está o termômetro do setor de serviços? Hoje ninguém sabe dizer”, airma Schymura.

Além de dar segurança para o empre-sariado tomar suas decisões, indicadores como esses costumam ser apropriados também pelo governo. “Hoje, no mun-do econômico, muito é informação. Quanto antes se tem informação de como as coisas estão indo, mais fácil ica para os gestores de políticas públi-cas conduzir, por exemplo, a política monetária e a política iscal.”

Inflação e futebol

A atual desconiança dos nossos vi-zinhos argentinos em relação aos seus índices oiciais de preços nos ajuda a lembrar a importância de instituições independentes do governo na produção de dados estatísticos. “Se na Argentina existisse uma FGV, ter-se-ia, hoje, um conhecimento preciso de como está va-riando o índice de preços por lá”, airma Luiz Guilherme Schymura. De todos os trabalhos da FGV, os levantamentos de índices de inlação, realizados pelo instituto dirigido por ele, talvez sejam os mais percebidos diretamente pela população, pela grande exposição na imprensa. Segundo Schymura, metade do retorno de mídia espontânea de toda a Fundação se refere ao Ibre, e grande parte disso vem dos índices de preços. Além disso, o instituto ocupa atualmen-te páginas em jornais populares expli-cando como os produtos têm ou não se encarecido e apontando quais estão subindo mais e quais recuam. “É claro que temos excelência em vários outros aspectos, como em formação de alunos, em material acadêmico, em estudos

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volume de conhecimento gerado pela FGV

constituem um dos alicerces mais estáveis

do desenvolvimento”, diz Paulo Francini

“A FGV é especial, pois nasceu com essa

competência, não com o espírito acadêmico

de torre de marfim com que nasceram as

universidades públicas”, diz Cerqueira Leite

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