IV CONGRESSO BRASILEIRO SOBRE GESTÃO PELO CICLO DE VIDA
9 a 12 de novembro de 2014 São Bernardo do Campo SP Brasil
Influência da matriz elétrica na adaptação de inventários de ciclo de
vida para o cenário brasileiro
R. M. DINATO1, R. S. ARMELIN1, M. P. MONZONI NETO1 e F. G. LUCCAS1
1 GVces Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas Av. 9 de Julho, 2029 - 11° andar - CEP: 01313-902 - São Paulo - SP - Brasil
A ausência de um banco de dados nacional é frequentemente apontada pelos profissionais da área como um dos maiores gargalos à realização de estudos de ciclo de vida no Brasil. Dessa forma, a utilização de bancos de dados internacionais torna-se a única alternativa para viabilizar a elaboração de tais estudos. Um dos bancos mais utilizados é o suíço ecoinvent, que se encontra na versão 3. Como os processos existentes no ecoinvent não retratam a realidade brasileira, a adaptação mais básica que costuma ser realizada é alterar a matriz elétrica. No presente estudo, foram escolhidos 20 elementos desse banco de dados e foi feita a alteração da matriz elétrica, com o objetivo de compreender os impactos de tal alteração. O software SimaPro foi utilizado e o método de avaliação de impacto
IPCC 2007 GWP 100a foi o escolhido para avaliar o desvio entre o elemento original do ecoinvent e o elemento adaptado. Os resultados demonstram que o desvio chega a 214% dentro da amostra escolhida. O estudo conclui que a utilização de bancos de dados internacionais sem as devidas adaptações ao cenário brasileiro pode levar a resultados não condizentes com a realidade. A alteração da matriz elétrica é a adaptação mais básica, mas isso não garante o alinhamento com o material produzido no Brasil.
1.
Introdução
A ausência de um banco de dados nacional é geralmente considerada o maior gargalo para a elaboração de uma Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) no Brasil. Diversos estudos apontam que essa é uma das principais barreiras para uma disseminação mais ampla da ACV no Brasil, dentre eles MARTINS (1999), UGAYA (2001), RIBEIRO (2003) e RIBEIRO (2009), apenas para citar alguns exemplos.
Com a falta de dados nacionais, a alternativa mais viável para a elaboração de estudos de ACV é a utilização de bancos de dados internacionais, sendo o suíço ecoinvent um dos mais utilizados. No entanto, é sabido que os valores de outros países não retratam com precisão a realidade brasileira e, dessa forma, uma adaptação dos dados é necessária para estudos que necessitem um maior grau de confiabilidade.
A adaptação mais básica que costuma ser realizada é alterar a matriz elétrica dos processos existentes; o objetivo do presente estudo é analisar a relevância que tal alteração possui.
2.
Material e método
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abranger o maior número possível de grupos - o SimaPro divide os materiais em grupos: agricultura, cerâmicos, químicos, construção, eletrônicos, combustíveis, vidro, metais, minerais, papel e papelão, plásticos, têxteis, água e madeira;
materiais que possuem apenas uma rota tecnológica disponível no ecoinvent - isso garante que qualquer adaptação de tal material à realidade brasileira utilizará sempre esse elemento;
a cobertura geográfica dos elementos escolhidos foi sempre RoW (rest of the world) - essa é a opção mais próxima da realidade brasileira, visto que o Brasil está incluído nesse recorte;
os elementos escolhidos encontram-se no campo Transformation, ou seja, referem-se ao ciclo de vida do berço ao portão da fábrica e
elementos que poderão servir de base para um grande números de outros estudos.
Para quantificar a diferença entre o elemento original e o elemento adaptado, foi escolhida uma única categoria de impacto ambiental, as mudanças climáticas, e foi utilizado o método de avaliação de impacto IPCC 2007 GWP 100a.
3.
Resultados
A Tabela 1 apresenta os materiais escolhidos, a qual grupo e subgrupo ele pertence no SimaPro, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) do elemento original do ecoinvent e do elemento adaptado e o desvio entre ambos.
Tabela 1: Emissão de GEE dos elementos originais e dos elementos adaptados
elemento original
elemento modificado
Agricultura Produção vegetal fibra de algodão 2,73 2,29 19%
Água Água potável água da torneira 0,000474 0,000256 85%
Cerâmicos - louça sanitária 1,78 1,33 34%
Combustíveis Petróleo GLP 0,701 0,653 7%
Combustíveis Petróleo querosene 0,546 0,526 4%
Metais Ferrosos ferro fundido 2,12 1,88 13%
Metais Não ferrosos bronze 6,03 6,02 0%
Minerais - basalto 0,0096 0,00614 56%
Minerais - dolomita 0,0407 0,0225 81%
Papel + papelão Papel gráfico papel de jornal 2,64 1,06 149%
Papel + papelão Papelão caixa de papelão ondulado 1,3 1,24 5%
Plásticos Termofixos poliuretano, espuma rígida 4,49 4,26 5%
Plásticos Termoplásticos PET, granulado, grau para garrafas 3,29 3,18 3%
Químicos Ácidos inorgânicos ácido bórico 0,843 0,657 28%
Químicos Ácidos inorgânicos ácido nítrico 3,17 3,17 0%
Químicos Ácidos orgânicos ácido adípico 25,7 24,9 3%
Químicos Gases nitrogênio líquido 0,637 0,203 214%
Químicos Pesticidas glifosato 11,7 11,1 5%
Vidro Construção fibra de vidro 2,58 1,69 53%
Vidro Embalagem frasco de vidro (branco) 1,16 1,02 14%
Emissão de Gases de Efeito Estufa (kg CO2e/kg)
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Como é possível observar, em nove elementos, o desvio ficou abaixo de 10%, podendo ser considerado baixo. No entanto, os outros onze elementos apresentaram desvio acima de 10%, o que pode ser considerado significativo. Chama a atenção o desvio acima de 50% em seis elementos, sendo que o maior valor alcançado foi de 214%.
A Figura 1 apresenta as diferenças obtidas, de forma visual; os elementos originais foram normalizados, representando 100% das emissões de GEE.
Figura 1: Diferença entre as emissões de GEE dos elementos originais e dos elementos adaptados
Além da diferença encontrada, é interessante observar que o elemento adaptado possui sempre emissão de GEE menor do que o elemento original. Isso indica que a matriz elétrica brasileira utilizada pelo ecoinvent possui emissão de GEE menor do que a média mundial utilizada (RoW). Portanto, ao adaptar a matriz elétrica ao cenário nacional, os processos acabam tendo o impacto climático reduzido.
4.
Discussão e conclusão
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Brasileira de Avaliação de Ciclo de Vida, criada em 2012, é justamente influenciar e apoiar o governo para criação do banco de dados brasileiro (CEBDS, 2014). A utilização de bancos de dados internacionais é uma possível solução, mas as devidas adaptações devem ser realizadas.
O presente estudo deixa claro que a simples modificação da matriz elétrica pode ser responsável por um desvio de mais de 200% entre as emissões de GEE do elemento original do ecoinvent e do elemento adaptado. Portanto, utilizar um processo do ecoinvent sem executar nenhuma adaptação pode levar a resultados totalmente incompatíveis com a realidade nacional.
Dessa forma, é importante avaliar a necessidade de adaptação de cada processo utilizado. A modificação da matriz elétrica é apenas um ponto a ser adaptado; de forma geral, outras questões também devem ser analisadas e alteradas de forma a retratar o mais próximo possível o cenário nacional. Por fim, antes de iniciar um estudo de ACV, é importante identificar se o software que será utilizado possibilita tais adaptações ao banco de dados original.
Referências
CEBDS CONSELHO EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Câmaras Temáticas. Rede ACV. Disponível em:
<http://cebds.org.br/camaras_tematicas/rede-acv/>. Acesso em: 2014-09-22.
MARTINS, Osvaldo Stella. Análise de Ciclos de Vida como Contribuição à Gestão Ambiental de Processos Produtivos e Empreendimentos Energéticos. 1999. Dissertação (Mestrado em Energia) - Energia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/86/86131/tde-03042012-091806/>. Acesso em: 2014-09-12.
RIBEIRO, Flavio de Miranda. Inventário de ciclo de vida da geração hidrelétrica no Brasil - Usina de Itaipu: primeira aproximação. 2003. Dissertação (Mestrado em Energia) - Energia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/86/86131/tde-23082004-123349/>. Acesso em: 2014-09-12.
RIBEIRO, Paulo Henrique. Contribuição ao banco de dados brasileiro para apoio à avaliação do ciclo de vida: fertilizantes nitrogenados. 2009. Tese (Doutorado em Engenharia Química) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3137/tde-31032010-114700/>. Acesso em: 2014-09-12.
UGAYA, Cássia Maria Lie. Análise de Ciclo de Vida: estudo de caso para materiais e componentes automotivos no Brasil. 2001. Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica) - Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. Disponível em: