t
I
I
i
1
!
iJ
A EXPRESSÃO DO CORPO
NA
PRÁTICA RELIGIOSA PROTESTANTE
MAlSA
GOMES BRANVÃO KULLOK
-'
..
PRÁTICA RELIGIOSA PROTESTANTE
MAISA GOMES BRANVÁO KULLOK
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA COMO REQUISITO
PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU
DE
,;
MESTRE EM
EDUCA~ÃO.
RIO DE JANEIRO
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
1984
apoio dos seguintes órgãos:
• Universidade Federal de Alagoas - UFAL
• Coordenação de Aperfeiçoamento de
Ensino Superior - CAPES
• Instituto de Estudos Avançados em
Educação - IESAE
iii
i·
A Esther Maria Magalhães Arantes, pela amizade, carinho
e orientação
A Rubem Alves, pelas primeiras palavras que
inspiraram
este trabalho
A Elter Dias Maciel, pelas valiosas sugestões
A Daniel, pelo amor, dedicação, força e apoio
Aos meus pais, pela confiança
A Ana Maria, Clemência, Julieta, Graça e Luíza,
pelas
horas de discussão que permitiram enriquecer este traba
lho
A Léo, Valmi, Ronaldo, Edgar, Antonia e Regina, pelo con
solo nas horas mais difíceis
A Georgina do Nascimento Marçal, pelo apoio na fase
fi-nal do trabalho
A Elce, Marisa e Coralina, pelo estímulo
A todos os amigos que me ajudaram e incentivaram,
o meu muito obrigada
iv
."
pâg.
PREFÁCIO
1
INTRODUÇÃO ---
2
CAPITULO 1
ORIGEM DO PROTESTANTISMO BRASILEIRO:
CARACTERI-ZAÇÃO E IMPLANTAÇÃO ---
11
CAPITULO 2
A PRÁTICA RELIGIOSA PROTESTANTE
---2.1. Os ritos
---2.2.
Os demônios
-2.3. O mundanismo
---CAPITULO 3
A PERSPECTIVA HISTdRICA E Ey'pLUTIVA DO CORPO
E
SUA EXPRESSÃO NO AMBIENTE RELIGIOSO:
---CONCLUSOES
--BIBLIOGRAFIA
---ANEXOS
---v
17
18
22
2S
31
41
43
SO
I
Io
objetivo deste trabalho foi mostrar como o cor-po considerado "templo do Espírito Santo" -ê
trabalhado na prática religiosa protestante.Secundarizado diante da alma, deve este corpo ser objeto de disciplina rigorosa. Este aprendizado - do corpo dócil e submisso - é obtido através de intensa doutrinação e renúncia aos prazeres da vida terrena, transformando o crente num ser diferente, separado e exemplo vivo de fé cristã.
Inicialmente, foi apresentada a origem do protes-tantismo brasileiro, sua caracterização e implantação, se-guida pela descrição da prática protestante através dos ri tos, dos demônios e do mundanismo.
Finalmente, foi levantada a evolução histórica do corpo e sua expressão no ambiente religioso, analisando teorias psicológicas sobre mente/corpo, comparando-as com os conteúdos da doutrina protestante e examinando as for-mas como o controle e a repressão são exercidos sobre cor-po/mente do crente.
Le présent travail a eu pour but montrer comme le corps - considéré le "temple de l'Esprit Saint" - est tra-vaillé dans les pratiques protestantes.
Deuxiemement placé devant l'âme, ce corps doit être objet de discipline rigoureuse. Cet apprentissage
-du corps docile et soummis - est obtenu au moyen de la pr~
dication intense et le renoncement aux plaisirs de la vie dans ce monde, en devenant le croyant être différent a l'écart des autres hommes et exemple vif de la foi chré-tienne.
D'abord, on a présenté l'origine du protestantis-me brésilien, ses caractéristiques et son implantation. En
suit, on est venu
ã
la description des pratiques réligieu-sesã
travers les rites, les démons et la mondanité.En dernier, on a relevé l'évolution historique du corps, son développement et son expression dans l'ambient réligieux, en analisant des théories psychologiques sur la raisonjcorps, en les comparant avec les contenus de la doc trine protestante et en examinant la maniere dont le con-trôle et la représsion se sont exercés sur le corpsjraison duo croyant.
gue.
E~c~eve
com
~anguee
expe~imen~a~~~
que
o ~angue e e~pZ~i~o."(NIETZSCHE, apud ALVES, Rubem.
Conve~~a~
com
quem
go~~ade
en~ina~.são Paulo, Cor
te z, 1981, p. 3 O • )
Quando pensei em escrever a dissertação de mestr~
do na área de Psicologia da Educação, preocupei-me em est~ dar o comportamento humano no ambiente religioso, pois re-ligião sempre despertou em mim o mais profundo interesse. A minha própria história de vida está intimamente ligada a
este tema o que justifica e explica o meu grande envolvi-mento pessoal e emocional com este assunto.
A formação da minha identidade como ser humano, a minha construção de realidade, a minha visão de mundo tive ram como parâmetro os dogmas da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) onde crescí, tendo a Bíblia como regra de fé e prática, sendo moldada nas leis da Constituição de Fé Presbiteriana que eram reforçadas no ambiente familiar e escolar.
Meus avós maternos eram membros da Igreja Presbi-teriana em Maceió e criaram seus filhos de acordo com os preceitos religiosos. Minha mae, a filha mais nova, desde cedo esteve freqUentando a igreja e aprendendo as leis re-ligiosas. Porém, meus avós tiveram um desentendimento acer ca da organização da igreja local e afastaram-se do conví-vio da igreja. Com isso, cada filho seguiu seu próprio ca-minho. Mas, a minha mãe costumava falar que um dia, quando estivesse mais velha, dedicar-se-ia
à
vida religiosa e se-ria crente.Quando eu tinha perto de 6 anos, minha mãe passou a sofrer de uma séria doença e, ao pensar na possibilidade da morte, voltou-se para a igreja, levando consigo todos os filhos.
O
meu pai, porém, de origem católica e dizendo-se ateu, permanecia na sua vida normal, dizendo-sem qualquer alte-ração, o que~p~uco a pouco, contribuiu grandemente para que me suscitassem dúvidas e surgissem questionamentos acerca da importância da religião. Viví - dos S aos 21 anos de idade - no seio de igrejas protestantes (Igreja Presbiteriana do Brasil - IPB - em Garanhuns, Caruaru e Ma ceió, dos S aos lS anos; Igreja Cristã Presbiteriana - lep,i·
me inquietavam indefinidamente. Eram tantas as normas, as regulamentações, as proibições e situações, nao totalmente claras para mim, que eram inúmeras, portanto, as minhas dú-vidas.
Sempre vi a igreja corno um instrumento proibitivo onde a mutilação do homem era uma realidade. Sentia-me o corpo esquartejar-se, seccionar-se ~ sobre ele,
permitido falar, muito menos sentir. Tudo que prazer era considerado pecado, e esta idéia de
nao era lhe desse pecado sufo cava e camuflava todo o prazer. Urna vida sem prazer, tris-te, insípida, melancólica - essa era a vida que a
proporcionava. E onde estava a alegria, a vida, zer?! ... Isto era condenado pela Igreja.
igreja
o
pta-Comecei a participar, a partir dos 5 anos de ida-de, do universo mágico da religião, freqUentando a Escola Dominical ~ reunião matinal, nos dias de domingo, onde os membros da igreja são distribuídos em classes para estudo da Bíblia. Durante 10 anos, freqUentei assiduamente a Igre ja Presbiteriana em Garanhuns, Caruaru e Maceió, partici-pando ativamente de todos os seus eventos. Fui vice-presi dente da UMP - União de Mocidade Presbiteriana (órgão com-posto pelos jovens da igreja q~~ tem caráter assistencial e evangelístico e, por objetivo, manter os jovens unidos); professora da classe de adolescentes na escola dominical (lugar onde são debatidos e estudados os preceitos da Bí-blia segundo a orientação dada por urna revista editada pe-la Casa Presbiteriana do Brasil); organista da Igreja e componente do coral ria Igreja Presbiteriana em Maceió.
,..
justificativas para tal? Por que o nao comprometimento com a vida? Por que ser diferente? Por que o "compromisso for-mal" negando a própria vida no ato da profissão de fé? Por que nao se podia pensar livremente? Por que tanta repres-· são?
Estas perguntas sem respostas foram se avultando, cada vez mais, a ponto de não me ser mais possível perman~
cer no seio da igreja por estar "alterando" toda a estrutu ra que não permite pensamentos divergentes. Isto porque a igreja protestante é um universo fechado que não admite corpos estranhos em seu meio.
Ora, enquanto eu me debatia com as minhas dúvidas, minha família envolvia-se com um movimento que acontecia no seio das igrejas protestantes, chamado movimento de re-novação espiritual, que se caracterizava pela ênfase no 'Es pírito Santo e exigia a santificação da vida dos fiéis. Es te movimento levou minha família à expulsão - ato de poder da instituição que se sentiu ameaçada na sua
minada no seu interior, dividida.
autoridade,
Minha família incomodava todo o sistema instituí-do, pois queria mudar a ORDEM estabelecida, CRIAR novos v~
lores, novas formas de vida, mostrar que a religião é vida,
é
modu..6 vivendi,
é algo concreto, "pé no chão". Todo esseCom a expulsão, veio a busca de uma outra igreja que atendesse às aspirações da minha família no que dizia respeito à doutrina e forma de culto, com menos formalismo e menos rigidez. Filiamo-nos à Igreja Cristã Presbiteriana que estava em fase de formação e tinha como característica ser constituída, em sua maioria, de ex-presbiterianos, ou seja, de pessoas que haviam se rebelado contra
°
excesso de organização e formalismo existentes na Igreja Presbiteriana do Brasil. Esta nova denominação era, no princípio, marcada pela liberdade no culto e sem rigidez excessiva quanto à o~demo go a cada mais
Acontece, ênfase na vez maior flexível,
porém, que este movimento, que trazia consi-santificação exigia do "crente" uma renúncia às coisas do mundo e, o que pensávamos ser
transformou-se numa camisa de força.
Neste período, as minhas dúvidas e angústias au-mentaram de forma considerável e muitos foram aqueles que oravam por mim, até com imposição de mãos, para afastar o "espírito de dúvida" que, segundo eles, me atormentava. E, neste meio, os questionamentos foram crescendo, tomando vul to, angustiando-me. - Por que tanta repressão? Por que tão tremenda castração do indivíduo com a idéia de pecado, de proibição, de medo do Absoluto? Por que o CORPO, núcleo per manente de resistência
à
repressão, vítima silenciosacons-tantemente reprimido, castrado no ambiente religioso?
Não me conformava com as proibições declaradas em pleno culto momento em que, voltando-se para o além-vida, a ênfase era sempre dada a uma vida de sacrifícios, resigna çao e renúncia. Durante os cultos era comum o uso do "apelo aos não-crentes" com o objetivo de convertê-los
à
fé
prote~tante. Isto era feito através da lembrança constante da mor te que servia para atemorizar c assustar o indivíduo levan-do-o, muitas vezes, a um processo de "conversão" que só du-rava aquele instante. As palavras usadas eram quase sempre as mesmas: "Você não sabe se amanhã vai ver o sol nascer, o
que vai acontecer esta noite. Se você morrer hoje, para
a perdição, o lugar de pecado, em que aquele que
gozava na
vida dos prazeres mundanos, na vida pós-morte sofreria
hor-rores. E aquele que aqui renunciasse a tudo,
herdaria
os
-ceus.
Com todo este rigor existente, era maior ainda a
repressao ao corpo que era cada vez mais castigado e
conde-nado ao suplício e punição. Corpo era sinônimo de
pecado,
pois consistia em prazer. E, por essa razao,
em
j~lhode
1976, afastamo-nos definitivamente da Igreja Cristã
Presbi-teriana. Muitas foram as marcas e inúmeras as dúvidas
que
-persistiram dentro de nos e em mim particularmente. Era pre
ciso, então, procurar uma resposta e por isso insisto
na
busca de explicações aos fatos que ocorrem dentro da
insti-tuição religiosa. Procuro conhecer a organização interna da
Igreja, o seu discurso, os seus ritos para poder
compreen-der o comportamento deste ser tão estranho -
o crente.
Como se vê, grande parte da minha vida foi
vivi-da dentro vivi-da igreja. Tovivi-da a minha adolescência, fase vivi-da des
coberta, a1í estive. Talvez isto tenha me levado a perceber
as contradições existentes na igreja protestante.
Muitas
eram as minhas dúvidas e as respostas que recebia nunca
fo-ram satisfatórias. Tudo se tentava
ex~licar atrav~sda
pró~pria Bíblia - regra de
f~e prática. Assim, quando
buscava
respostas recebia as seguintes contestações:
I' • • • afi i
acerteza de fatos que se não vêem"
(HEBREUS, 11:l)1,ou então,
"Justificados, pois, mediante a fe •.•
"(ROMANOS,
5:1)2. Eou
tros tantos versículos poderiam ser citados que eram
utili-zados como respostas is minhas dúvidas.
~interessante, mas
nada pode perturbar a ordem da igreja, e a dúvida não
~ad-mitida de forma alguma,
é
tida como coisa do "inimigo".
O
cristão tem que ter
f~,acima de qualquer outra coisa, e es
ta deve ser desenvolvida
atrav~sde uma vida dedicada i ora
ção e i leitura da Bíblia.
- o protestante - considerado pela igreja como sendo um "ser diferente" nas suas açoes, nos seus gestos, nas suas palavras e que, por esta razao, se nos apresenta como ten do um corpo trabalhado, isto é, reprimido.
Não pretendo, porém, desmistificar a fé, tampou-co ridicularizá-la, pois, em certo sentido, sou e conti-nuo a.ser protestante. Faço, pois, minhas as palavras de Rubem Alves quando declara:
"Sou protestante. ( ••• ) Meu protestantismo
i uma saudade e uma esperança.
:E, sou prótestanté."3
Pretendo explorar esta idéia, tão fortemente in-culcada no crente, de que o CORPO - templo do Espirito Santo - só deve ser trabalhado no sentido da EUGENIA: saú de e esportes - o que vem ocultar o verdadeiro projeto p~
dagógico de dominação e anulação do prazer.
Falo de uma religião hist6ricamente determinada que tem sua força no instituído, no processo de sacraliza ção, na Igreja. E esta é, pois, fruto de uma época, de uma situação politico-social, de uma determinada cultura que faz questão de perpetuá-la, uma vez que está inserida num contexto social que, bem ou mal, o representa. E esta igreja - detentora do saber e, conseqUentemente, do poder do sagrado - é quem ilumina com ilusões, consolando os fracos, e com legitimações, consolidando os fortes, man-tendo-os vivos e fortalecidos na fé.
Ocorre, porém, que esta igreja é constituida de homens, os quais, por sua vez, se consideram a própria igreja. Mas, o que é Igreja? são inúmeras as respostas que encontramos a essa questão e que variam segundo a co-notaçãó que se desej a dar. Segundo D. Paulo Evaristo Arns,
"Igreja e uma reunião de pessoas, ligadas entre si pela
confissão da mesma fê cristã e pela participação nos
mes-mos sacramentos."'+ Já para Zwinglio Dias, "Igreja e uma _o,
um estilo de vida inteiramente diferente, atraves do qual.
tratam de plasmar uma nova maneira de ser e viver guiados
pelo Espírito Santo. Homens e mulheres resgatados do pec~
do, da solidão sem Deus, da não-vida para a plenitude da
vida, para a realização completa e definitiva daquilo que
eles simplesmente são: homens e mulheres
nos!"S
'seres
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.
A BrBLIA SAGRADA.
Antigo e Novo
Te~tamento.Rio de Janei
ro, Sociedade Bíblica do Brasil, 1969, p. 267.
2.
Idem, p. 184.
3.
ALVES, Rubem. Confissões de um protestante obstinado.
Pne~ença,
Rio de Janeiro, (169), p. 26, jul. 1981.
4
ARNS, Paulo Evaristo (Cardeal).
O que
ê
igneja.
3.ed.
São Paulo, Brasiliense, 1981, p. 16.
5
DIAS, Zwinglio M.
Vi~cu~~ão ~obnea igneja.
Petrópolis,
,.-.
~
(I)
CAPITULO 1
Procurei deixar claro, na introdução, que meu pro pósito é mostrar o comportamento do protestante, dando re-levância a maneira corno o corpo é trabalhado na institui-ção igreja. Com isso escolhi urna direinstitui-ção mas nao defini o protestantismo. E isto porque "pela sua própria natureza, não podemos falar de protestantismo no singular, ainda que
~. · · 1 . . 111 M
c a r a c t e r 1. s t 1. C a s s 1. m 1. a r e s a t r a v e s sem as sua s 1. g r e J a s . as , se nao devo definí-lo, posso e desejo caracterizá-lo.
o
protestantismo caracteriza-se por apresentar um universo diferente em que lia vida nãoê
um fim, mas apenasum meio"2 • Um meio para alcançar a eternidade. Assim, a
vida humana apresenta-se limitada, sem condições de criar, de gozar e até mesmo de usar o senso crítico.
Segundo Rubem Alves, no protestantismo, tempo .e espaço são divididos por um dualismo fundamental: perdição e salvação. E para a salvação, o protestantismo enfatiza ·a necessidade do abandono pelo "crente" da vida mundana. Daí caracterizar-se também o protestante corno aquele ser diferente, separado do mundo, afastado do pecado. Esta se-paraçao que existe entre o crente e o mundano é idêntica àquela, entre o sagrado e o profano, o celestial e o terre no. Assim, para o crente, "o que
ê
do homem,ê
do· mundo.'.'Tornar-se crente é, pois, romper· com a vida do mundo e as-sumir a tarefa de "converter" os outros para o "caminho da verdade." Um convertido é o sujeito que "saiu do mundo" e "se entregou a Cristo" passando a ser, ele mesmo, o "tem-plo do Espírito Santo" que não pode se macular com o peca-do.
o
crente, portanto, é alguém que "está no mundo" mas "não é deste mundo". Esta é a idéia que tem de serin-trojetada pelo crente: a não participação nas coisas e nos fatos que acontecem no mundo. Ele está de fora, corno um es pectador. O seu mundo é o outro mundo, o além-vida, aquele para o que está se preparando aqui. Esta atitude é
enfati-zada nos sermões, nos cânticos, nas lições de escola domi-nical e até na literatura evangélica.
no Brasil e na América Latina - fruto da maneira como o protestantismo aqui se implantou. Adequando-se
à
realidade brasileira, criando novos ritmos e novas ênfases distan-cia-se das características do protestantismo que lhe deu origem predominantemente, o norte-americano.Por caminhos diferentes, chegou o protestantismo no Brasil: o de m~g~ação, oriundo dos emigrantes protestan tes, quase sempre de origem alemã, predominantemente lute-ranos e que se fixaram no sul do país; o de expo~tação
pu-~~tana, descendente dos escoceses e ingleses, com
tendên-cias calvinistas; o h~4tÕ~~~O, com tendência missionária quase sempre de origem norte-americana. Estes dois últimos grupos se espalharam por diversas regiões do país, concen-trando-se, predominantemente, nas grandes cidades.
Durante o período colonial brasileiro não houve possibilidade de implantação de movimentos protestantes o~
de imperava o catolicismo romano. Até o século XIX ocorrem apenas esparsas tentativas de fixação de grupos protestan-tes, quando da invasão francesa no Rio de Janeiro (1555-1557) e das expedições holandesas na Bahia e Pernambuco
(1624-1630) .
Só a partir do século XIX é que se torna efetiva e permanente a presença dos grupos protestantes no Brasil, consolidando-se no final do século. liA chegada do
protes-tantismo está, portanto, muito ligada às condições
favorá-veis do contexto histórico. ~ de se notar, entretanto, que
não somente se abrem possibilidades para esse sistema reli
gioso, mas tambem outras correntes de pensamento encontram
campo para aqui se estabelecerem. Aproximadamente no perí~
do de um secu10, depois de 300 anos de predomínio quase ab
soluto do catolicismo, instalam-se no Brasil movimentos co
mo a maçonaria (1801) e o positivismo (1881, como igreja);
o anglicanismo (1835); ramos protestantes como o luterano
(1823), metodista (1835); congregacional (1855),
presbite-riano (1859), batista (1882), episcopal (1890); religiões
cientificistas, como o espiritismo (1865) e o esoterismo
(1909), segundo relaciona Waldo Cesar. Acrescenta-se ainda
Na segunda metade do s~culo XIX, portanto, ~ que chegam, ao Brasil, as chamadas denominações históricas (me todistas, congregacionais, presbiterianos e batistas), qua se todas provenientes de esforços de missões norte-america nas, que se consolidam no reinado de D.Pedro 11. Assim ~
que, em 1858, funda-se a 1~ Igreja Evang~lica Brasileira, de tradição congregaciona1, no Rio de Janeiro. Em 1859, c~
meça o trabalho missionário dos presbiterianos norte-ameri canos e, em 1863, surge a 1~ Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Verifica-se, neste período, a chegada tamb~m
de grande número de missões norte-americanas com o objeti-vo de "catequisar" o poobjeti-vo brasileiro.
Uma das características do protestantismo norte-americano, no s~cu10 XIX, foi o surgimento do pietismo~ mo vimento religioso que, em sua origem, não se preocupava em criar novas "seitas" ou "denominações" mas sim em permear as denominações já existentes. O pietismo nao se preocupou em modificar a ordem da sociedade, mas em transformar o ho mem dentro de qualquer ordem. Constituia-se na crença de que o indivíduo era o elemento transformador da sociedade.
O pietismo, segundo E1ter Maciel, foi uma reli-gião de ênfases que não implicou em modificações doutriná-rias profundas mas que se infi1t~ou em todas as denomina-ções já existentes, constituindo-se na ideologia dominante das igrejas do Brasil e fruto dos movimentos missionários que se difundiram no país.
O protestantismo histórico chegou ao Brasil marca do pelo pietismo, que aqui se consolidou como igreja orga-nizada, enfatizando a evangelização da sociedade, o estra~
geirismo - predomínio do modelo americano - e a ~tica rig~ rosa. Esta ênfase está presente em todos os pronunciamen-tos e reflexões sobre a vida e o mundo. Assim, o pietismo seria uma "fuga asc~tica do mundo", colocando o crente "contra o mundo", isto ~, participando da vida social ape-nas como meio de conversão-dos pecadores.
ape-sar da liberdade religiosa vigente no Brasil na segunda m~
tade do século XIX, o protestantismo histórico não chegou
a implantar-se nas massas. Só com o advento das religiões
pentecostais protestantismo dito iluminista - em 1910, é
que começa a existir uma maior difusão do protestantismo,
e este começa a tomar forma.
Segundo Francisco Rolim, o movimento pentecostal
tem na classe pobre o seu suporte social e, assim, vai se
expandindo rapidamente, pois para onde vai um pentecostal,
leva a igreja consigo. Ele "é" a própria igreja. Enquanto
isso, presbiterianos, metodisias, batistas, anglicanos e
luteranos continuavam a ser igrejas de classe média,
pre-sas às grandes cidades ou às comunidades de emigrantes do
Sul, só penetrando para o interior em situações
específi-cas. Assim, o trabalho dos protestantes, muitas vezes
fi-nanciados por igrejas norte-americanas, progredia de uma
maneira pouco satisfatória para as congregações. Só o
gru-po pentecostal conseguiu se expandir velozmente e, hoje,
aproximadamente 7S% dos protestantes são do ramo
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIAS, Zwing1io. "Evangelho e Ideologia: uma mistura nao
premeditada". Re.vi.6;(:a Plte..6e.I1ç.a, Rio de Janeiro, (169):
3, jul. 1981.
2.
ALVES, Rubem. Plto;(:e..6;(:al1;(:i.6mo
e. lte.plte..6.6ao.
São
Ãtica, 1979, p. 166.
Paulo,
3.
RAMALHO, Jether Pereira. Pltá;(:.,[ca e.duca;(:iva
e. .6ocie.dade..
-• CAPITULO 2
A PRÁTICA RELIGIOSA PROTESTANTE
2.1. Os
RITOS
2.2.
Os
DEMÔNIOS
Falar da prática religiosa protestante é falar do
que ocorre no interior da igreja enquanto
instituição;
e-falar do seu funcionamento, da sua organização e, para isso,
é preciso conhecer os seus mecanismos. Quem se apercebe do
seu funcionamento detém o segredo da manipulação e do
con-trole.
o
protestantismo apresenta uma prática semelhante
no que diz respeito aos cânticos,
à
estrutura do culto, aos
ritos, seja qual for a denominação que represente e a
dou-trina que fundamente. O que diferencia os diversos
de protestantismo são os dogmas e as ênfases que
tipos
variam
conforme a organização interna de cada denominação.
Estas
idéias, porém, não revelam nenhuma conotação de certo e er
rado, pois "aos fiéis pouco importa que suas idéias
sejam
corretas ou não. A essência da religião não é a idéia, mas
.,a força.
Osagrado não é um círculo de saber,
10
de poder."l
mas um C1rcu
Procurarei, portanto, agora explicar o
funciona-mento da instituição religiosa através dos elefunciona-mentos mais
marcantes da prática protestaIlte, afirmando que "as
insti-.,
tuições, pelo simples fato de existirem, controlam a condu
ta humana estabelecendo padrões previamente definidos
de
conduta que a canaliza em direção por oposição às
outras direções que seriam teoricamente possíveis."2
2.1. Os Ritos
muitas
A
igreja protestante, independente da denominação
que configure, possui um ritual por demais rigoroso
e que
é
obedecido
à
risca. Há, no ambiente religioso, uma
preoc~pação excessiva com o que se relaciona
ã
ordem do culto, ao
comportamento e
ã
vida do crente -
como
é
chamado
aquele
que se torna membro de uma comunidade protestante.
O rito se constitui na experiência cotidiana,
no
mesmos, com o mundo e com o outro. Ele surge como um siste ma de representação estruturado de acordo com as práticas sociais.
No meio protestante, o ritual mais representativo e que se constitui na forma mais expressiva da igreja é o
cul~o. O culto é uma reunião de pessoas que têm por objeti
vo louvar e glorificar a Deus, o Criador e, a Jesus Cristo, o Salvador sob a orientação de um dirigente o pastor que traça o andamento do trabalho a ser seguido. Um culto obe-dece a uma seqUência onde o ponto alto é o sermão proferi-do pelo pastor.
O sermão, ou melhor, o discurso religioso re a coisas invisíveis, coisas que estão além dos sentidos comuns e que, somente os olhos da fé podem pIar. ~ ao invisível que a linguagem religiosa se ao mencionar as profundezas da alma, as alturas dos
se refe nossos contem refere
..
ceus, o desespero dos infernos, os fluidos e influências que cu-ram, o paraíso, as bem-aventuranças eternas e o próprio Deus. Vejamos, por exemplo, o que dizem alguns sermoes:"'Evangelho' significa 'boas novas'. 'Reino' significa 'do
.. ,
minio de um rei'. Todo reino, portanto, tem um Senhor. O Senhor do Reino dos céus ou reino de Deus é Jesus Cristo. Os verdadeiros discípulos de Cristo são membros deste Rei-no. Para pertencer a ele é necessãrio obedecer ao único Se nhor que o Reino possui. Para obedecê-lo é necessário ter em conta que a porta de tal Reino é estreita e o caminho que conduz para lã também é estreito. tl3 Ou ainda: "No Evan gelho não existem meios termos."4
O discurso religioso
é
elaborado com palavras que nomeiam, parte a parte, o que é dadoã
representação. E e~ te discurso transforma-se num discurso competente, pois é proferido, ouvido e aceito como verdadeiro independentemenEste discurso nao diz tudo e nao pode dizer, por isto ele ê "coerente" e poderoso. O discurso religioso con têm algo mais que a pura essência de sentido, ou seja, ele vai alêm do sentido puramente religioso. Nos sermões
exis-te um lado "oculto", camuflado, que leva o crenexis-te a ausen-tar-se do mundo em que vive, fazendo com que despreze a vi da "mundana" - fonte de pecado, e viva na esperança da vin da de Cristo, aguardando um mundo melhor - "o novo mundo".
~ assim que, ao mesmo tempo em que mantêm o cren-te participando ativamencren-te no seio da comunidade, exyrce-lhe um controle total sobre as atitudes e aspirações e o mantêm afastado das lutas sociais, da participação nas "coisas deste mundo", tornando-o um ser conformado politi-camente e alienado, distante dos problemas e das lutas so-ciais que ocorrem ao seu redor.
g
que, quanto mais o discurso se torna específicotanto mais o desconhecimento, que ele produz, dá lugar a práticas repressivas. O discurso de que faz uso a religião ê um discurso que tenta proscrever o pensar e, com
dar lugar
à
repressão do dize.r e do fazer.isso,
O discurso religioso encarrega-se de mascarar o poder que a instituição exerce sobre o indivíduo sem que ele perceba o trabalho que nele ê realizado. E quando al-guêm percebe a manipulação, que com ele ocorre, já não ser-ve para permanecer no ambiente religioso porque incomoda,
fere, perturba o andamento do trabalho da instituição.
;.
lícias profusas ali, Sl.m a1i ..• "
(SALMOS e HINOS n
9473);
"Finda a lida terreal, quando j i do rio alem, / Nessa vida
gloriosa me encontrar."8
(SALMOS e HINOS n
9540);
"Soufo-rasteiro aqui, em terra estranha estou, / Celeste pitria,
sim, e para onde VOU ••• " 9
(SALMOS e HINOS n
9544);
"Depoisque Cristo me Salvou, / Em ceu o mundo se tornou; / Ate no
meio do sofrer /
É
Ceu a Cristoconhecer .•. " 10(SALMOS
e
HINOS n
9561).
A música exerce uma função gloriosa em todos
aqu~les que a escutam. Acalma a alma, refrigera o
eSplI:lto,
..
.
eleva o pensamento e transmite uma sensação de paz e
enle-vo. Os hinos. religiosos possuem uma harmonia e beleza tal
que jamais serão esquecidos por quem já os ouviu um dia e
com ele. se deliciou.
Mas, isto é óbvio, uma vez que a história do
testantismo tem muito a ver com a música. O espírito
pro-testante é um espírito cantante. Durante a Reforma,
vemos
o povo cantando em uníssono como uma marcha vitoriosa:
"Cas-te10 forte e nosso Deus, / Espada e bom escudo; / Com seu
poder defende os seus / Em todo o transe agudo. / Com
fú-ria pertinaz / Perseg~~ Satanis / Com inimo cruel; / Augu~
to e forte e ele; / Igual não hi na terra."ll
(SALMOS e HI
NOS n
9369). A reforma protestante aconteceu através da mú
sica.
"Quem canta e mais perigoso do que quem só pensa. Ocanto p~e asas nos pes. O canto mobiliza o medo e transfor
ma gestos solitirios em caminhadassolidirias."12
Ora, a igreja utiliza-se do sermão e da música
p~ra mostrar o seu poder enquanto instituição, e este poder
toma corpo sob a forma de técnica de dominação,
refletin-do-se nos gestos, atitudes, comportamentos, hábitos e
dis-cursos. Embora os procedimentos de expulsão sejam
freqUen-tes, o que interessa a igreja protestante não é expulsar o
pecador mas "convertê-lo"
ã
fé. Tanto é assim que,
geral-mente, o próprio crente ao desligar-se de uma igreja
nao
"cai no mundo", mas se filia a uma outra igreja
ou
até
Assim se percebe a forma como a igreja trabalha o crente, moldando o seu corpo, instruindo as palavras que ele deve falar, definindo os sentimentos que ele deve sen-tir, ensinando-lhe os comportamentos que deve reproduzir, e isto as igrejas protestantes fazem, às vezes, de maneira escandalosa, repetindo estruturalmente o poder político, amando-o, imitando-o, e utilizando até mesmo suas técnicas repressivas.
2.2. Os Demônios
Na igreja protestante, os demônios sao considera-dos como entidades ou espíritos - causadores de tenta~ão -e, desde muito cedo, somos ensinados a temê-los e respei-tá-los. Este "culto" é enfatizado através do temor e do po 'der da "palavra" - a Bíblia, nos seus próprios
ensinamen-tos, quando afirma que o verdadeiro crente deve ser tenta-do para provar a sua fé. "Bem-aventurado o que sofre tenta
ção porque quando for tentado receberá a coroa da vida a
qual tem o Senhor prome tido a'os que O amam" 13 (I Timóteo 4:4)
A tentação é a causadora do pecado, e este existe como sendo a principal conseqUência da rebeldia do homem
"porque todos pecaram e destituídos estao da glória de
Deus";llf (Romanos 3:23). Mas, "a tentaçao não é pecado. O pecado só ocorre quando se cede
ã
tenta ç ão".15o
que é interessante notar é que, quem tenta o ho mem é o demônio, e nao Deus, conforme se constata no texto a seguir: "Ninguém ao ser tentado diga: sou tentado por Deus".16 (Tiago 1:13). Mas, sim, "Sujeitai-vos a Deus, re-sisti. ao Diabo e ele fugirá de vôs". 17 (Tiago 4:7)atos, pois, quando fazem algo de "errado", é movido por uma força estranha a elas, isto é, são tentadas pelo demô-nio e, por isso, pecam. Aliás, esta idéia de pecado é algo muito abrangente dentro da igreja e pode ser resumida numa única frase: tudo é pecado. Quando se define pecado como qualquer transgressão
à
lei de Deus, não fica muito claro que lei é esta que tem de ser obedecida, por quem e por que.A literatura evangélica é rica em explorar as idéias de pecado e tentação através das suas obras, réfor-çando-as como coisas externas ao homem. Veja o que diz os textos seguintes: "Conserve-se afastado das ·causas da ten-tação";18
"r:
importante que os crentes nao ignorem asten
-taçoes que se erguem prontas a se oporem a marcha de sua
peregrinação para o céu, e que são especialmente ativas
quando na alma foi despertada uma fome e sede de justiça,
e começa a alcançar a plenitude que é nossa em Cristo".19
Ocorre também que, como a literatura evangélica quase sempre se destina ao público jovem, há uma preocupa-ção muito grande em não permitir que o jovem seja tentado pelos sentimentos, que é o seu ponto mais vulnerável. "A
principal tentação com que a alma se defronta nesta conju~
tura é a mesma que a assalta ao longo do caminho, a cada
passo de sua caminhada; é a tentação quanto aos
sentimen-toS". 20 O jovem é visto como uma presa fácil às tentações do demônio e assim, é preciso "protegê-lo", ensinando-lhe o que fazer, orientando-o como agir para impedir que ele caia no pecado.
Quando afirmo que na igreja protestante há um "culto" ao demônio
é
porque ela exalta a importância dos demônios quando lhes atribui a responsabilidade e a culpa por todos os atos "errados" da vida do crente...
lo contrário, passaram a sufocar-me com oraçoes e imposi-ções de mãos para expulsar o demônio da dúvida que estava me dominando. ~ assim, a igreja "nomeia" um demônio para cada tipo de pecado, ou seja, para cada tipo de "mal" que incomoda e altera a sua estrutura. Assim, existe o demônio do sexo, demônio da bebida, demônio do fumo, demônio da dú vida, demônio do medo, demônio da sensualidade, demônio da desobediência, etc.
Mas, será que há realmente tantos demônios para cada caso específico ou existe apenas um único demônio? Haverá um chefe entre eles? Povoarão eles todos os
luga-res?
Segundo a Bíblia, o demônio aparece com diversos nomes:
Legião
21 (Marcos5:9), Beiiai
22(Juízes
19:22),
Via-bo
23(Lucas
4:3),
Sataná~24(Mateus12:26).
Tem um que é o maioral entre eles:Beizebu
25(Mateus
12:24).
Está presente em todos os lugares: nas regiões celestes2~(Efésios6:12),
nos lugares áridos27 (Lucas
11:24),
ao redor de nós28(I
Pe-dro 5:8) .Falar sobre os demônios é algo comum nos testemu-nhos dos crentes. " . . . uma coisa, porem,
ê
ser salvo, e ou-tra bem diferente ê manter uma experiência de vitória so-bre o mundo, a carne e o Diabo."29Outro testemunho que vem confirmar tudo o que ex-pus acima é o de urna crente que, "depois de uma vida tumul
- l" - " 3 o El
tuada, converteu-se a re 19lao protestante . a conta toda a sua experiência com os demônios e afirma~"Creio que Deus conhecendo o meu coração, me entregou mesmo a Satanás para que eu pudesse provar toda a dureza de sua servidão, chegando
ã
conclusão de que havia uma vida melhor, diferente. tl31
Ela mesma, no seu depoimento faz urna interpreta-ção do demônio e sua atuainterpreta-ção na vida das pessoas, quando afirma que era viciada em drogas, inclusive em LSD que, s~
Luci-.
.fer, Satanás e Demônio".
Como se pode perceber, nos testemunhos dos cren-tes, estes sempre subjugam. o diabo ou demônio tornando claro que é assim que deve ser.
Encontramos ainda, no meio cristão, normas de con duta para o crente seguir e assim sobreviver às tentações dos demônios: "Meu conselho aos jovens crentes com
respei-to
ã
feitiçariae:
1. Não pesqu1se o assunto. Deus sabe tudo a
res-peito de Satanás e isto basta.
2. Conheça os truques do diabo e nao o tema. Um
dos seus truques prediletos
e
fingir-se inofensivo, 'transformar-se em anjo de luz' para enganar os crentes. O jovem
crente não precisa temê-lo e nem as práticas umbandistas,
nem fetiches, nem ameaças demoníacas.
3. Não se envolva em atividades demoníacas tais
como essas rodas de alfabetos, sessões, etc. Não consulte
h oroscopos. Conf1e a or1entaçao do seu futuro a, - . . ~ D eus . ,,32
2.3. O Mundanismo
Uma das preocupações mais freqUentes na igreja protestante é com o "espírito do mundo" que invade as igr~
jas levando os crentes a desejarem participar das coisas que o mundo oferece e que são vistas como indesejáveis pe-la igreja.
Este "espírito do mundo" é visto como algo perigo so para o seio da igreja e como divisor do grupo cristão. Daí ser necessário vencê-lo o que só se faz através do sa-crifício. No coração de todas as religiões está
°
sacrifí-cio e sacrificar é renunciar a um valor estimativo.Ocorre que esta separaçao do mundo ~
mudan-.~.
ça de vida, o que na igreja nao acontece. Daí se atribuir, cada vez mais, importância
à
penitência,à
punição - em de trimento, talvez, de alguns outros pecados - a todas as in sinuações da carne: pensamentos, desejos, imaginações vo-luptuosas, deleites, movimentos simultâneos da alma e do corpo.A preocupaçao básica da igreja protestante é afa~ tar o crente dos caminhos do pecado, das coisas mundanas o que se percebe no seu próprio discurso. E como combater e~
te espírito que se infiltra no seio da comunidade povoando o ambiente com suas idéias?
cristã
A igreja insiste em manter a "diferença do cren-te", e o seu comportamento deve mostrar sua separação do mundo.
g
necessário que o crente seja reconhecido, porto-dos quantos o cercam, pelo modo de falar, de vestir e de comportar-se. E assim, o·crente "não bebe", "não fuma", "não joga", "não dança", "não usa linguagem de baixo ca-lão", "não anda em más companhias", "não namora incrédulos (todo aquele que não faz parte do grupo protestante)".
Esta idéia é reforça~a pela leitura de textos da Bíblia Sagrada que procura manter o crente afastado do "p~
cado" como no texto apresentado: "Bem-aventurado 'o que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se no caminho dos pecadores nem se assenta na roda dos necedores".33(SALMOS 1:1).
-varao detemencar-Dessa forma, o crente passa a ter uma ··vísão do mundo segundo a ótica da denominação a que pertence. Ele vê o mundo como a sua igreja o permite ver, segundo a sua construção de realidade, rejeitando o mundo em que vive co mo nao sendo o lugar ideal para viver.
Quando falo em renúncia, sempre penso em liberda-de. Renunciar ao próprio eu implica sempre na entrega a um ideal. E é a partir desta preocupação e desta ênfase à re-núncia que a religião passa a distribuir vasta literatura combatendo o mundanismo, fazendo com que o crente perceba a necessidade de se manter afastado dos "pecados da carne",
como: "as intimidades, o sexo extraconjugal, homossexuali~
mO e o lesbianismo, as doenças venéreas, a mastur~ação, a
feitiçaria e a macumba, o alcoolismo, as drogas".31t
E toda esta preocupaçao
é
levada a um nível tal que a igreja passa a atuar com intenso controle sobre o comportamento dos seus membros, particularmente dos jovens que, segundo a própria igreja, estão mais sujeitosà
tenta çao por serem mais impetuosos e inconseqUentes.A comunidade cristã faz uso de urna artimanha que, muitas vezes, é eficaz, favorecendo o casamento entre os Jovens membros da denominação, enquanto estes são adoles-centes. Através de festas, brincadeiras, reuniões sociais, jogos, encontros de jovens, a~igreja estimula o contato en tre os jovens e permite que se aprofunde o relacionamento entre eles incentivando o surgimento do namoro -
"compro-...
misso", visando ao casamento e, conseqUentemente, a perpe-tuação da fé, da espécie, e da igreja.
Esta atitude da igreja acarreta um aumento do de-coro, uma "intimidade cristã" só que escondendo e camuflan do o corpo do crente. Aliás, isso
é
próprio da repressao que funciona como injunção ao silêncio e transforma as re-lações do sexo em rere-lações de poder. "Se o sexo é reprimi-do, isto é, fadadoã
proibição,ã
inexistência e aomutis-mO, o simples fato de falar dele e de sua repressão possui - d l·b d " 35
como que um ar de transgressao e 1 era a •
quan-to ao comportamenquan-to do crente. Assim, é que escolhi um tex to que é um "conselho" dado por uma irmã "fervorosa" aos jovens cristãos. Diz ela:
"Jovem crente, observava a sua face enquanto você cantava e adorava a Deus. E então, depois do culto, eu vi quando você entrava naquele carro com um rapaz que não temia a Deus. Oh! Sim, ele estava no culto naquela noite, atendeu ao apelo e até derramou lágrimas! você não aceitaria a idéia de que, para ele, isto era apenas um meio para chegar a um fim".36
Quis, com este artigo, mostrar como a igreja testante está preocupada com o jovem e com a relação ele mantém com o mundo que é sempre apresentado como
pro-que algo que deve ser temido e, o jovem crente não deve se deixar contaminar por ele. Esta preocupação vai além do comporta-mento do crente, demonstrando uma preocupação ainda maior com o envolvimento sexual que, porventura, venha a aconte-cer. A igreja faz uso de um discurso sobre o relacionamen-to sexual que camufla o seu desejo de exercer poder sobre a ação das pessoas, utilizando para isto uma linguagem per suasiva, dogmática, "conselheira".
Além deste depoimento, muitos outros poderiam ser apresentados como "lições" para manter os jovens ligados
ã
igreja e fiéis aos seus preceitos e, conseqUentemente, ate morizados o que contribui pa~a uma maior dedicaçãoã
deno-minação que está filiado.".
REFERENCIAS Br'BLIOGRÃFICAS
2
· ALVES, Rubem.
O que
ê
~eli9ião.São Paulo, Brasiliense,
1981, p. 66.
BERGER, Peter
&
LUCKMAN, Thomas.
A
~on~t~ução ~o~ialda
~ealidade.
4.ed., Petrópolis, Vozes, 1978, p. 80.
3.
LINS, Paulo.
O que e·evangelho do
~eino,s.n.t.
4.
---o
O
mi~tê~ioda
mú~i~a,s.n.t.
5.
CHAuT, Marilena.
Cultu~ae
Vemo~~a~ia:O
di~~u~~o ~omp~tente e
out~a~ 6ala~.São Paulo, Moderna, 1981, p. 7.
6.
FOUCAULT, Michel.
A m~~~o6I~~~ado
pode~.Rio de
Janei-ro, Graa1, 1979, p. XII.
7
SALMOS e Hinos. Rio de Janeiro, Igreja Evangélica F1umi
·
-nense
/
Casa Publicadora Batista, 1967,
p.291-2.
8
Idem, p. 327-8.
·
9
·
Idem, p. 329.
1 o
Idem, p. 337-8.
·
1 1
Idem, p. 230-1.
·
12.
ALVES, Rubem. "Confissões de um protestante obstinado".
Rev~~ta P~e~ença.
Rio de Janeiro (169) :26, jU1./1981.
13.
BTBLIA SAGRADA.
Antigo e Novo
Te~tamento.Rio de
Janei-ro, Sociedade Bíblica do Brasil, 1969, p. 250.
1 4 .
Idem, p. 183.
15.
WILKERSON, David.
Manual de
matu~~dadedo jovem
~~ente.Belo Horizonte,
Bet~nia,1972, p. 31.
16.
BTBLIA SAGRADA, op. cit., p. 272.
18.
DUGAN, de Roy.
G~ande~ po~~~b~l~dade~da
juven~ude.Be-lO Horizonte, Betânia, 1970, p. 39.
19.
SMITH, Hanna Whi ta1l.
O ~ e9~edo deuma
v~da 6el~z.Belo
Horizonte, Betânia, 1974, p. 59.
2 o.
Idem, p. 59.
21.
BIBLIA SAGRADA, op. cit., p. 50.
2 2.
Idem, p. 283.
2 3
Idem, p. 75.
2 It
Idem, p. 19.
·
25
Idem, p. 19.
·
26
Idem, p. 233-34.
·
27
Idem, p. 90.
·
28
Idem, p. 280.
·
29.
HUGEL, T.H. "O caminho para a vitória: obediência".
Re-v~~~a Ra~o de
Luz,
Rio de Janeiro (19): 8 jul./set. 1975.
3 o
3 1
BRANDÃO, Helena Maria Viana. "Deus
é
meu empresário".
Jo~nal
OlLi.ma
Ho~a,Rio de Janeiro, 25 mar. 1982,
p.l.- - - o
liA verdadeira beleza".
Rev~~~a Ra~o deLuz,
Rio
de Janeiro (20):
32.
WILKERSON, David, op. cit., p. 60.
3 3
BIBLIA SAGRADA, op. cit., p. 565.
31t.
WILKERSON, David, op. cit., contra-capa.
35.
FOUCAULT, Michel.
H~~~õ~lada
~exualldadeI:
a
von~adede ~aben.
3.ed., Rio de Janeiro, Graa1, 1980, p. 12.
36.
MARA, Lúcia. "De coração para coração".
Rev~~~a Ra~o deLuz,
Rio de Janeiro (10):7, abr./jun. 1973.
I
-• CAPITULO 3
-A PERSPECTIV-A HISTORIC-A E EVOLUTIV-A
DO CORPO E SUA EXPRESSÃO
i'{)
AMBI ENTE
São muitas as noçoes existentes sobre o corpo. Uma delas refere-se ao corpo físico: saúde e beleza. Outra, trabalha a relação mente-corpo oriunda da teoria psicanalí tica. E a mais recente, trata da visão social e política do corpo. Para que se possa entender a maneira como o cor-po é abordado no meio protestante, faz-se necessário apre-sentar uma evolução dos diversos conceitos de corpo o que servirá de fundamento para a análise.
Segundo Jacques Donzelot, "a teoria maquinística do corpo, sobre a qual repousa a medicina do seculo XVIII,
consiste em inverter, de maneira idêntica, as posições re~
pectivas da alma e do corpo com relação
ã
perfeição. ( ..• )Não e mais o corpo que deve, por seus estigmas ou por sua
pureza, atestar a elevação de uma alma e seu desapego;- e a
alma que, por sua vez, e intimidada a dar contas da
imper-feição dos corpos e das condutas, a dedicar-se a geri-los
por meio de uma saudável regulação dos fluxos."l
A partir do século XIX há uma preocupaçao em redu zir o corpo a apenas uma de suas "necessidades" ou "fun-ções" o que se reflete na proliferação de ciências que vi-sam ao estudo do corpo de forma estanque, isolada. Surge também, neste mesmo século, a teoria psicanalítica, rompen do com estas visões de corpo e instaurando um saber sobre o inconsciente, enfatizando a unidade mente-corpo.
Segundo a teoria psicanalítica, o aparelho mental do indivíduo é composto pelo ID- - EGO - SUPEREGO. O ID é instintivo, biológico, inconsciente e busca a satisfação; é o princípio do prazer. O SUPEREGO é social, cultural, consciente e busca regular as ações do id; é o princípio da realidade. O EGO é o mediador entre o id e o superego, é a essência da personalidade, é o que caracteriza a indi-vidualidade humana. Ele é "primeiro e acima de tudo, um ego
corporal, ou seja, deriva das sensações corpóreas e pode
ser encarado como uma projeção mental da superfície do cOE
po alem de representar as superfícies do aparelho mental."2
um objeto estranho, pois ego e corpo sao indissolúveis. O
ego é sempre o padrão pelo que a pessoa mede o mundo exter
no e onde vamos encontrar a instalação das idéias
religio-sas. Estas nada mais são que ensinamentos e afirmações
so-bre fatos e condições da realidade externa que nos dizem
algo, mas que, por não termos descoberto por nós
reivindica a nossa crença.
Esta unidade mente-corpo é amplamente
mesmos,
defendida
pela teoria bioenergética que vê o corpo como sendo a
"perspectiva somática da expressão emocional"3 a pessoa
experiencia a realidade do mundo somente através do seu
corpo. A mente e o corpo de um indivíduo normal funcionam
como sistemas complementares para expressar o prazer da
pessoa. O prazer é um princípio do corpo, e a negaçao do
prazer conduz a uma rejeição do corpo.
Na pessoa dita normal, corpo e mente são _ _ -t ligados
pela funçao integrativa do prazer. Ele e, des~e modo, um
princípio do corpo, e a mente que antecipa o prazer afirma
a sua identidade com o corpo no nível mais profundo de
ex-periência. Nes ta perspectiva, ~é neces sário, portanto,
con-siderar o corpo sempre como uma totalidade e trabalhá-lo 1
como tal. A identificação com o corpo habilita, pois, o in
divíduo a evitar o logro das palavras.
n
no corpo que os sentimentos se expressam, e asmarcas sao fixadas e a vida transparece. E é sobre este
corpo, "centro absoluto de onde tudo se irradia"lt, que a
igreja protestante exerce o seu poder, procurando
sufocá-lo sob o rótusufocá-lo do pecado, impedindo-o de participar ativa
mente da vida e do prazer.
Na igreja protestante, é vedado ao crente partici
par de festas, dançar e divertir-se. Porém, como o jovem,
principalmente, gosta de alegria e prazer, a igreja,
atra-vés de "reuniões sociais", procura compensar o crente
da-quilo que ele perdeu ao se converter
ã
fé protestante.início, depois músicas (quase sempre folclore) e poesias.
O jovem também participa de algumas "brincadeiras
inocen-tes" onde não é permitido tocar, abraçar ou ficar muito
próximo dos jovens do sexo oposto. Aliás, esta é uma carac
terística comum no grupo protestante: a assexualidade. A
igreja não "fala" em sexo, nem em corpo. Mas, na sua
lite-ratura, chega a dizer: que "o melhor modo de enfrentar as
tentações do sexo ê fugir delas."?
13 esta a tendência da igrej a protestante:: fugir da
quilo que é inevitável. Assim, as palavras sexo e corpo
não são pronunciadas e, para manter a "pureza", a igreja
tenta exercer um controle absoluto sobre o indivíduo,
de-fendendo a idéia de que o seu corpo é o templo do Espírito
Santo e, como tal, não pode macular-se com o pecado nem
com os desejos da carne.
-Como o jovem segundo a igreja protestante, e o
elemento mais sujeito às influências do mundo exterior, há
uma preocupação muito grande quanto ao seu comportamento.
Vejamos o que nos diz o
Manual
de matu~ldadedo jovem
e~ente:
liA repressão do impulso sC:xual não prejudica a nin-guêm."6 E, mais adiante: liA repressão não resulta emdis-túrbios. Quem se entrega, está se expondo a ter um
esgota-mento nervoso por causa do sentiesgota-mento de culpa. A
repres-são fortalece a auto-apreciação e eleva o caráter; promove
sentimentos de segurança e de valorização da outra
pes-soa."7 E diz mais: liA repressão ê o preço que se paga para
se ter uma boa p'rodutividade e desenvolvimento sadio."8
o
prazer carnal, portanto, constitui a principaltentação que o diabo emprega para atrair o ego aos
"abis-mos do inferno". Contra essa pavorosa catástrofe, o ego
aterrorizado luta a todo custo para manter seu controle so
bre o corpo. A consciência, associada ao ego, passa então
a desempenhar papel oposto ao inconsciente.
O
ego representado pelo corpo é o depositário de todas as forças da escu
ridão. E, no entanto, e apesar de tudo, a tentação nao
po-de ser removida e nem o diabo sobrepujado, enquanto o
cor-,
t
po estiver com vida. O aspecto demoníaco é, a voz da experiência do corpo.
infelizmente,
110 demônio alega estar falando em nome do cor
po; isso ilude a pessoa, uma vez que seu instinto mais profundo e satisfazer os desejos do corpo~
Mas a voz do diabo provem dos sentimentos reprimi dos que se tornaram perversos no decorrer da re~
- 9
pr e ssao.1I
O indivíduo sadio, porém, possui uma imagem
men-....
tal clara de seu corpo. Imagem que ele e capaz de reprodu-zir verbal e graficamente. No entanto, o conflito do homem moderno e, mais particularmente do religioso, surge dos-'va lores opostos representados pelo seu ego e pelo seu corpo.
Na igreja, portanto, é-lhe ensinado que o corpo é "centro do pecado" e que, por isso, deve ser mortificado para que ele, o homem, alcance a salvação eterna. Isto se
-percebe claramente nos ensinamentos conforme se v e a se-guir: 1I • • • sabendo isto, que foi crucificado com ele o
nos-so velho homem, para que o
eonpo do peeado
seja destruído,e não sirvamos o pecado como escravos, 11 1 o
(ROMANOS 6:6).
IINão reine, portanto, o
peeadq.
em
V0-6-60c.onpo
mortal,maneira que obedeças às suas paixões; nem ofereçais
um os membros do seu
eonpo ao peeado
como instrumentoiniquidade ••. 1I11
(ROMANOS 6:12-13).
IIS e , porem, Cristode
cada
de
está
em vós, o eo~po, na verdade está mon~o por causa do
peca-do . . . 1I12
(ROMANOS
8:10). IIporque se viverdes segundo acar-ne, caminhais para a morte; mas, se pelo Espírito
manti6i-eande-6 0-6
6ei~0-6do eonpo,
certamente vivereisll13
(ROMA-NOS
8:13).~ assim, pois, a través do temor, que a igreja exer ce um controle total sobre a vida do crente transformando o seu corpo em algo sem vida, que não sente prazer, que nao
....
goza. O corpo do crente e passivo, amorfo, punido, castiga do, controlado pela idéia amplamente inculcada e difundida de pecado. E, desta forma, o crente comporta-se como al-guém que já não
é
deste mundo, que aqui só está de passa-gem, aguardando a vida após a morte como a solução para os.
~
.".
seus males e, fazendo da morte física, morte do seu corpo, sua libertação.
Segundo Foucault, tios historiadores vem abordando a história do corpo há muito tempo. Estudaram-no no campo
de uma demografia ou de uma patologia históricas;
encara-ram-no como sede de necessidades e de apetites, como lugar
de processos psicológicos e de metabolismos, como alvos de
ataques microbianos ou de vírus: mostraram ate que ponto
os processos históricos estavam implicados no que poderia
conceder na história das sociedades a 'acontecimentos' bio
lógicos como a circulação dos bacilos, ou o prolongamento
da duração da vida. Mas o corpo tambem está diretamente
mergulhado num campo político, as relações de poder têm a!
cance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, ri di-rigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a
cerimônias, exigem-lhe sinais. Este investimento político
do corpo está ligado, segundo relações complexas e recípr~
-
utilização econômica;-
boacas, a sua e, numa proporçao, co
mo força de produção que o corpo e investido por relações
de poder e de dominação; mas em compensaçao sua
-
constitui-".
çao como força de trabalho so e possível se ele está preso
sistema
-
(onde necessidade-
tambemnum de sujeiçao a e um
instrumento político cuidadosamente organizado, calculado
e utilizado); o corpo só se torna força útil se e ao mesmo
tempo corpo produtivo e corpo submisso. Essa sujeição não
ê obtida só pelos instrumentos da violência ou da
ideolo-gia; pode muito bem ier direta, física, usar a força
con-tra a força, agir sobre elementos materiais SEm no entanto
ser violenta; pode ser calculada, organizada, tecnicamente
pensada, pode ser sutil, não fazer uso de armas nem do ter
ror, e no entanto continua a ser de ordem física. Quer
di-zer que pode haver um 'saber' do corpo que nao e
exatamen-te a ciência de seu funcionamento, e um controle de suas
forças que e mais que a capacidade de vencê-las:esse saber
e esse controle constituem o que se poderia chamar a tecno
logia política do corpo. Essa tecnologia e difusa, claro,