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Por uma reforma dos sistemas horizontal e vertical de divisão de funções do Estado

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS - RJ

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE

MESTRADO

EM

ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA

POR UMA REFORMA DOS SISTEMAS

HORIZONTAL

E VERTICAL

DE

DIVISÃO

DE

FUNÇÕES

DO

ESTADO

DISSERTAÇÃO APRESENTADA A ESCOLA

BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

EM

ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA

MAURÍCIO BALESDENT BARREIRA

(2)

FUNDAÇÃO

GETÚLIO

VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

POR UMA REFORMA DOS SISTEMAS HORIZONTAL E VERTICAL

DE

DIVISÃO

DE

FUNÇÕES

DO

ESTADO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR

MAURÍCIO BALESDENT BARREIRA

APROVADA

EM

2£/õ*>

/2-QOJL

PELA COMISSÃO EXAMINADORA

ProP. Deborah Moraes Zouain

Doutora em Engenharia de Produção

Prof. Aspásfa Brasileir

)outora em Sociolaín

Prof. Pauímde Bessa Antunes

(3)

BARREIRA,

Maurício

Balesdent.

Por

uma

reforma

dos

sistemas

horizontal

e vertical

de

divisão

de

funções

do

(4)

Não há realização minha que não tenha, direta ou indiretamente,

origem em Patrícia, Gabriel e Tiago. A eles dedico esta

(5)

Agradeço aos professores da EBAPE, em especial a Aspásia

Camargo e Frederico Lustosa, fontes constantes de inspiração, e

à Deborah Moraes Zouain, minha orientadora, bem como a todos

meus alunos de graduação e pós-graduação, pois de sua avidez

por conhecimento nasce a maior parte de meu estímulo para

(6)

SUMARIO

Dedicatória 4

Agradecimentos 5

Resumo 7

Abstract 9

Introdução 11

Metodologia 13

Objetivos do Estudo e a Delimitação do Tema 14

Capítulo I: A Reordenação da Divisão Horizontal das

Funções do do Estado: O Papel do Poder Legislativo 20

1. O Legislativo no Brasil: um Poder em crise 20

2. A Separação de Poderes 29

3. O Princípio da Legalidade 37

4. Primeira Proposição: A Revisão de Funções do

Poder Legislativo 49

Capítulo II: Federalismo à Brasileira 59

1.0 Modelo Federativo Brasileiro 59

2. Segunda Proposição: Instituições Regionais e

Federalismo 68

Conclusão 79

(7)

RESUMO

Enquanto muito se discute nos meios acadêmicos e no próprio

Congresso Nacional o teor das reformas política, tributária e

previdenciária, todas elas, aliás, fundamentais ao país, esta

monografia aborda outras dimensões de reforma, relacionadas à

organização funcional do Estado Brasileiro.

Assim porque a exigência de um Estado eficiente responde não

somente a questão de sua legitimidade, mas é, hoje, no ambiente

globalizado de intensa competição e de constante instabilidade,

imperativo do próprio desenvolvimento de uma nação, especialmente

o Brasil, que deve, paralelamente, enfrentar um enorme déficit social

acumulado.

Procura-se, então, discutir, numa visão prospectiva, uma nova divisão

de funções entre os Poderes Executivo e Legislativo, especialmente

no que concerne à produção normativa, cujo modelo atual, ainda

fundado no dogma da reserva de lei, apresenta-se incapaz de

responder com o grau de agilidade e competência que se exige do

Estado atual. Remanesce, obviamente, a preocupação com a

preservação dos valores democráticos e com a contenção do poder do

Executivo, que instruíram a formação dos Estados constitucionais,

mas a monopolização, pelo Legislativo, da produção de normas gerais

e abstratas não é fator imprescindível ao alcance de tais objetivos e

(8)

No outro aspecto, da divisão vertical de funções determinada pelo

modelo federativo brasileiro, aborda-se a "crise de relacionamento"

entre os Entes Federativos, que se nota na dificuldade de adoção de

políticas públicas conjuntas, problema que mais se agrava ante à

justa demanda da sociedade em encontrar, para seus organismos,

espaço de participação nessa mesma seara.

Deixando à parte algumas sugestões de reconfiguração federativa,

com inclusão ou exclusão de Entes, o presente estudo procura

defender a adoção de soluções institucionais para a concretização da

cooperação entre os Entes e para participação da sociedade na busca

(9)

ABSTRACT

While discussions go on within academic environment and The

National Congress over reforms, be it political, tributary or on social

welfare actual subject in Brazil which is, indeed, primordial the

present monograph reaches into different paradigms on amendments,

focusing the functional organization of the Brazilian State.

The demand of an efficient State is due to the matter of legitimacy, as

well as within the contemporary globalized world, with intense

competition and frequent instability it is peremptory to the

development of a country, particularly Brazil, which should,

concomitantly, meet its huge social déficit.

Thus, in a prospective point of view, one intends to scrutinize a new

division of tasks between the Executive and Legislative; specially

concerning normative production, which the current model still

based on the 'reservation of law' dogma is unable to respond as

nimble and proper as nowadays' State may claim. Prevails the

apprehension with the preservation of democratic values along with the

restraint of the Executive's power which, both, answer for the

development of constitutional State. Nevertheless, the Legislative

monopolization of the general and abstract production of norms is not

vital to achieve the referred goal; neither does it correspond to the

(10)

On the hierarchical division of functions aspect, set by BraziliarTs

federative model, the "relationship crisis" between Federative Entities

is analyzed. Such crisis points out the obstruction to adopt public

policies as a whole an increasing problem, inasmuch as society

strives delegation for its body politic.

Not examining possible federative recostructions, such as Entities'

omission or comprehension, this essay works on the adoption of

institutional solutions to form a coalition between these Entities, and to

(11)

INTRODUÇÃO

A presente monografia encontra-se sistematizada em quatro partes

distintas, com o seguinte teor:

Na primeira, caracteriza-se a estrutura e a forma do texto, abordando

seus objetivos, a delimitação do tema e a metodologia utilizada.

No segunda (Capítulo I), discorre-se sobre o Poder Legislativo e os

princípios correlatos a sua função no Estado de Direito. A

demonstração de que a Teoria da Separação de Poderes buscava

responder a demandas do Estado Liberal erigido no século XVIII, de

manutenção do poder pela burguesia (em face do monarca e da

própria "massa" popular), e que nesse intento seu caráter instrumental

revelou-se mo uso de proteções meramente formais, como o princípio

da legalidade, leva à conclusão da inadequação de um sistema em

que os poderes são separados.

Remanesce, sim, a divisão funcional de competências entre os

poderes, sem, no entanto, que tal se dê em regime de monopólio das

atribuições que lhes dão nome. Na função de produção normativa, que

demanda em si mudança brusca, quer pela retirada do âmbito do

Estado de um amplo espectro de matérias, fundada no princípio da

subsidiariedade, quer pelo enxugamento do rol de assuntos

(12)

apenas as que se refiram aos direitos fundamentais, às garantias

democráticas, à segurança jurídica e outros meios essenciais de

manutenção de um Estado de Direito Democrático devem a ela

adstringir-se, estendendo-se, quanto às demais, a capacidade

normativa do Poder Executivo.

Na terceira parte (Capítulo II), dá-se a análise da divisão vertical de

funções perpetrada na adoção do federalismo, e após rápida análise

de sua origem no mundo, parte-se da constatação de que, no Brasil, a

dicotomia centralismo-descentralização acompanhou toda sua

trajetória histórica e que tal aspecto determinou especial dificuldade de

inter-relação entre os entes federados, problema que não encontra

solução senão na criação de instâncias institucionais próprias à ação

conjunta.

Assim, propõe-se a criação de instâncias - algumas personalizadas e

outras não personalizadas - titularizadas por União, Estados,

Municípios, setor produtivo e pela a sociedade civil organizada,

constituindo-se uma simulação da própria vontade geral, em âmbito

regional, de forma a otimizar a atividade estatal e mesmo de

demonstrar a propriedade da manutenção de um Estado Federal.

No último bloco, procura-se um adequado concerto entre as duas

proposições cunhadas, a partir da premissa de que tanto a divisão

vertical quanto a horizontal devem justificar-se diante do princípio da

(13)

A METODOLOGIA UTILIZADA

Trata-se de monografia de análise teórica, cujo desenvolvimento se

dá,

como

prescrevem

Tachizawa

e Mendes1,

mediante

uuma

análise

crítica ou comparativa de uma teoria ou modelo já existente, a partir

de um esquema conceituai bem definido".

O meio de investigação utilizado foi fundamentalmente bibliográfico,

com o que se procurou determinar, a partir de um estudo exploratório,

o quadro de insatisfação quanto aos modelos de divisão de poderes e

de federalismo em vigor no Brasil. A partir desse delineamento de

correntes doutrinárias atreladas às idéias ora defendidas, foram

apresentadas algumas proposições teóricas para mudança dos

referidos modelos.

1 Takeshy Tachizawa e Gildásio Mendes. Coma Fazer Monografia na Prática. 6a. ed. Rio de

(14)

OS

OBJETIVOS

DO

ESTUDO

E A DELIMITAÇÃO

DO

TEMA

Reforma do Estado é expressão um tanto equívoca, pois sob

sua égide têm surgido uma enorme gama de reflexões e propostas, e

a maior parte a identifica com apenas uma de suas dimensões (a

reforma administrativa, ou a reforma fiscal, por exemplo). De fato, uma

verdadeira reforma do Estado não tem como prescindir do

enfrentamento de questões políticas, econômicas e administrativas.

Mesmo que os paradigmas reinantes nos processos de reforma

de Estado já implantados ou em curso no mundo sejam, como nota

Sônia

Fleury,

"o novo

gerencialismo

e a perspectiva

democratizante"2,

a abordagem deste trabalho, não obstante compartilhar dos principais

objetivos desses dois eixos - a eficiência administrativa e a

participação da sociedade -, adota norteamento próprio, na medida em

que privilegia a análise de questões que se referem à própria

organização do Estado.

Para reformar o Estado, porém, há de se ter claro o papel que se

deseja para esse Estado, como faz Adam Przeworski segundo seu

prisma:

"A reforma do Estado deve ser concebida

em termos de mecanismos institucionais pelos

2 \jn Reforma dei Estado, artigo publicado na Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro:

(15)

quais os governos possam controlar o

comportamento dos agentes econômicos

privados, e os cidadãos possam controlar os

governos".

Parece óbvio que o objetivo que norteia a idéia de reforma é, via

de regra, variável segundo o modelo ideológico que o inspira, como se

depreende dos objetivos cunhados por Adam Przeworski, de

inspiração neoliberal, que parece prevalecer nas experiências

norte-americana, inglesa, australiana e neozelandesa, sob a forma do

managerialism, que compreende a idéia de emprestar da

administração de empresas técnicas gerenciais, fundadas na

flexibilidade, nos processos (e não na estrutura), na delegação de

poder, na fixação de metas, no desempenho e na responsabilização

(accountability) dos funcionários e no foco no cliente

Não obstante a inspiração ideológica, parece igualmente claro

que as medidas propostas e tomadas no bojo das reformas têm um fio

condutor comum, qual seja, conferir ao Estado mais eficiência e

eficácia em suas ações, alcançando o devido equilíbrio entre, de um

lado, as limitações fiscais, e de outro, as expectativas dos cidadãos.

A Eficiência, que sempre se exigiu do Estado - ao que parece

com êxito reduzido -, como ocorre no Brasil agora com expressa

elevação do princípio correspondente à égide constitucional (art. 37,

caput), ganha contornos ainda mais rígidos, com a parametrização da

(16)

seja sempre um dado de realidade, mas muitas vezes uma mera

imagem produzida pela propaganda e pela própria comparação com a

combalida administração pública burocrática.

De fato, a mudança cultural, fortemente estimulada pela recente

revolução tecnológica e pelo fenômeno da globalização, fez ampliar a

demanda geral por eficiência dentre os cidadãos, que a exigem do

Estado como o fazem, na qualidade de clientes, de seus fornecedores

privados.

É o que

alertam

Moreira

Neto

e Rabello

de

Castro

(1998:

53)3:

"E aqui se chega à palavra-chave d

globalização: eficiência...Com efeito, as

pessoas querem ver seus interesses

satisfeitos, pouco importando quem o faça: se

será uma empresa ou uma entidade

governamental, se nacional, multinacional ou

estrangeira."

É que,

seja

qual

for

o modelo

de

Estado

pretendido,

mais

ou

menos interventor, mais ou menos preocupado com as políticas

sociais, há necessidade de modernização dos procedimentos da

Administração Pública que o instrumentaliza, preocupação que, de

certa forma, sempre permeou os Estados modernos, como se viu na

reforma pombalina, ou, no Brasil, na reforma "Daspiniana" de 30, ou

(17)

Não se pode negar o acerto das constatações de Abrucio (1999:

175) acerca do modelo de Estado que se esfacelou a partir dos anos

70 a olhos vistos e por todos os lados do mundo - o Estado do

Bem-Estar

Social,

interventor

e apoiado

no

modelo

burocrático

weberiano4-comprometido pela crise econômica mundial dos anos 70 e 80, cuja

face recessiva pôs o Estado frente à forte crise fiscal, a qual, por sua

vez, agravou sua incapacidade para responder às demandas dos

cidadãos, gerando crise de legitimidade e de governabilidade.

É natural

que

se

associe

a idéia

de

reformar

o Estado

às

debilidades

do regime burocrático, cujas disfunções suplantam suas qualidades.

Não se pode, portanto, negar a necessidade de revisão de diversos

mecanismos mediante os quais o Estado se move, boa parte deles

relacionados à Administração Pública - termo que designa, pelo

critério formal, o complexo de órgãos responsáveis pela função

administrativa, e pelo material, o complexo de atividades concretas

desempenhadas pelo Estado, visando o atendimento de necessidades

coletivas - de forma a que esse Estado adapte-se à nova realidade do

mundo globalizado, em que predominam as "regras de mercado" e se

torne, quanto ao menos, o que irônica e precisamente denominou o

sociólogo

Michel

Crozier

de

"Estado

Modesto"

(1989:10)5.

3Moreira Neto, Diogo de Figueiredo & Rabello de Castro, Paulo. O Futuro do Estado: do pluralismo

à desmonopolização do poder. ]n O Estado do Futuro. Ives Gandra da Silva Martins (coordenador)

. São Paulo: Pioneira, 1998.

4Abrucio, Fernando Luiz. Artigo. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da

administração pública à luz da experiência internacional recente. In Reforma do Estado e

Administração Pública Gerencial. Orgs. Luiz Carlos Bresser Pereira e Peter Kevin Spink. 3a. ed.

Rio de Janeiro: Editora FG, 1999.

5Crozier, Michel. Estado modesto, Estado moderno: uma estratégia para uma outra mudança.

(18)

Ocorre que as propostas e reflexões que permeiam o tema

Reforma do Estado induzem à idéia de que é suficiente, para que o

Estado se torne mais eficiente e eficaz, que suas funções e objetivos

sejam definidos claramente (o que fazer) e que sua máquina

administrativa seja modernizada {como fazer), quando o que pretende

demonstrar a presente dissertação é que fatores estruturais do

Estado, relacionados à distribuição de suas funções e à própria

origem das diretrizes governamentais (a quem compete fazer)

deveriam receber tratamento prioritário e antecedente.

Destarte, cabe investigar se remanesce válida a premissa de

limitação de poder que instruiu os ideais do Estado Moderno,

mediante a clássica tripartição de poderes concebida por Locke e

Montesquieu, a qual encontra correlação direta com os ditames

federalistas (também já vislumbrados por Montesquieu), que

igualmente visam a evitar a concentração de poder em uma só pessoa

política. Tratou-se de conter o poder mediante separação horizontal

(dos Poderes) e vertical (entes federais).

Ou, se inadmitindo que ainda caiba ao Estado o monopólio do

Poder, que nessa hipótese dissemina-se na sociedade - é o Estado

pluriclasse, como conceituado por Massimo Severo Giannini

(1988:60)6

-, é a busca

da

eficiência

que

se

apresenta

como

elemento

norteador dessas divisões verticais e horizontais de funções (não mais

(19)

federativo, e dessa forma o ponto ótimo de equilíbrio dessas divisões

deve ser intentado tão-somente com vistas a tornar o Estado mais

eficaz.

Nesse sentido, o presente estudo assume caráter propositivo, ao

procurar demonstrar que esses sistemas de divisão de funções devem

ser permanentemente flexibilizados, tanto, no que concerne aos

poderes constituídos, mediante a redistribuição do rol de atribuições

de cada qual, quanto, no âmbito da divisão federativa, por intermédio

de alternativas institucionais que permitam uma cooperação sem

interferência entre os entes federados.

É,

pois,

por

considerar

que

a relação

entre

os

Poderes

e o

modelo federativo constituem os eixos sobre os quais se erige o

Estado, que o presente estudo pretende abordar suas peculiaridades,

os motivos das crises que os cercam e as propostas e perspectivas de

mudança que sirvam a propiciar a aplicação das demais dimensões, já

amplamente debatidas, da reforma do Estado Brasileiro.

(20)

CAPÍTULO

I : A Reordenação

da

Divisão

Horizontal

das

Funções

do Estado: O Papel do Poder Legislativo

1. O Legislativo no Brasil: um Poder em crise

Desde que o Estado passou a assumir uma maior gama de

atribuições, incorporando as chamadas funções sociais, ampliou-se e

especializou-se o papel do legislativo, posto a estabelecida

precedência da lei ante a atividade executiva, fenômeno que por certo

tanto contribuiu para ampliar sua importância, quanto seu

questionamento.

Já então o poder executivo se pretendia ágil a responder às

novas demandas, e para tanto especializava o chamado aparelho de

Estado (especialmente a burocracia), processo esse para o qual não

contribuía a morosidade e o conservadorismo do legislativo, já

ressaltado por Huntington acerca do Congresso americano:

"Velhas idéias, velhos valores, velhas

crenças custam a morrer no Congresso. A

estrutura do Congresso encoraja sua

perpetuação"7

7 Huntington, Samuel. Congressional Responses to the Twentieth Century. In Truman, David. Ed.

The Congress and America's Future. New York, Prentice-Hall, 1965, p. 16. APUD Abranches,

Sérgio Henrique Hudson de & Soares, Gláucio Ary Dillon. As Funções do Legislativo. Revista de

(21)

A associação do Poder Legislativo à idéia de conservadorismo,

de instabilidade, de inoperância, de crise, enfim, praticamente

acompanhou toda a história dos parlamentos, e não foi diferente no

Brasil.

É bem

verdade

que

as

câmaras

municipais

das

primeiras

vilas

do Brasil-colônia até o século XVII gozavam de grande autonomia de

fato, em razão da ausência de maior controle da metrópole, mas esses

tempos já vão longe e há de se notar que tais instituições ainda

exerciam funções policiais, judiciárias e administrativas - não havia

separação de poderes.

Desde então, até a outorga da primeira constituição brasileira,

em 1824, o Poder Legislativo manteve-se, como as demais

instituições, sob dependência dos monarcas, como sói ocorrer em

regimes como o aqui então em vigor.

A inauguração de nosso período constitucional deu-se sob a

influência dos ventos liberais da Constituição americana, mas,

permanecendo o regime monárquico, preservou-se o poder do

imperador mediante a inserção de um quarto poder, o moderador, que

exercido conjuntamente com o Executivo, excluía o Legislativo de

qualquer esfera decisória.

O advento da república não alterou a correlação de forças entre

os poderes, com a adoção do presidencialismo justificada pela tese da

(22)

por

Rui

Barbosa8.

Prevalecia

o

Poder

Executivo,

sustentado

na

política

dos

governadores

e no

coronelismo9,

sistema

que

se

manteve

por muito tempo e excluía qualquer participação dos demais poderes,

como bem ressalta José Afonso da Silva acerca da Primeira República

(1889-1930):

"A Constituição enumerava, é verdade, as

matérias de competência presidencial, mas isso

não tinha maior significado, porque o poder

estava para além (ou para aquém, segundo as

circunstâncias) do formalismo constitucional. A

realidade forjou um presidencialismo de mando,

sem freio e sem contrapeso constitucional."

A Segunda República, iniciada com a revolução de 1930 sob

liderança de Getulio Vargas, pôs por terra qualquer eventual aspiração

de retomada de força do Poder Legislativo; foi, aliás, anulado pelo

Governo Provisório, que avocou para o Poder Executivo a própria

função legislativa, até que eleita a Assembléia Constituinte.

A Constituição de 1934, mesmo alterando a estrutura do Poder

Legislativo, com o abandono do bicameralismo puro mediante a

Barbosa, Rui. Comentários à Constituição Federal brasileira. São paulo:Saraiva, 1933, p. 404,

APUD Silva, José Afonso. Presidencialismo e Parlamentarismo no Brasil. Revista de Ciência

Política. Rio de Janeiro: FGV, 33(1) 9-32, nov. 1989.

"O Coronelismo resulta da superposição de um amplo regime representativo a uma estrutura econômica e

social inadequada. Manifesta-se em um compromisso, uma troca de favores, entre o poder público, que se

fortalece e a influência social dos chefes locais (poder privado), calcada na estrutura agrária". In Leal, Victor

Nunes. Coronelismo, Enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo:

(23)

retirada da função legiferante do âmbito do Senado - transformado em

um tipo de conselho (ou órgão de controle) cuja atribuição principal

consistia na busca da coordenação dos poderes - trazia conotação

formal que propiciava maior equilíbrio entre os poderes, o que não

logrou ocorrer porquanto as forças políticas dominantes já indicavam o

intuito de manutenção do status quo ante, e o Poder Legislativo

mantinha-se fraco na prática, "dominado que era por tendências

oligárquicas

e conservadoras"10.

No período entre 1937 e 1945, sob a égide da chamada

"Constituição

Polaca"11,

o Senado

é substituído

por

um

Conselho

de

Estado, instaura-se censura prévia, pena capital, afinal mecanismos

típicos de um período ditatorial, que reforça, obviamente, ainda mais

as competências presidenciais, como deixava claro o art. 73 da

citada Carta de 37:

"art. 73. O Presidente da República,

autoridade suprema do Estado, coordena a

atividade dos órgãos representativos, de

grau superior, dirige a política interna e

externa, promove e orienta a política

legislativa de interesse nacional, e

superintende a administração do país."

O processo de redemocratização do país sacramentada na

Constituição de 1946 foi protagonizado pelo Legislativo e tal papel

(24)

garantiu um período de estabilidade e equilíbrio na relação entre os

poderes; mas já vigorava uma nova correlação de forças políticas,

com partidos diversos e movimentos alheios às oligarquias

tradicionais, realidade essa que gerou mais tarde ferrenha disputa pelo

poder e substancial instabilidade política, quadro que se manteve

durante a vigência do sistema parlamentarista de governo e impediu

que o Poder Legislativo exercesse na plenitude suas funções de

Estado - salvo as políticas - mesmo que, talvez pela primeira vez na

história deste país, gozasse de prerrogativas formais e materiais para

exercê-las.

Mas não foi pequena a importância do Legislativo no decorrer

das diversas crises políticas vivenciadas nos anos 50 e início dos anos

60. Nesses momentos parecia revelar-se uma oculta força, a se

contrapor à imagem corrente de ineficiência que revestia todas as

casas legislativas. Afonso Arinos, no início dos anos 60, já defendia

que o Congresso deveria "controlar a legislação sem legislar", ao

qualificar a legislação editada pelo Legislativo como 'esparsa, muitas

vezes supérflua, quando não demagógica e desligada das

verdadeiras

necessidades

públicas"12,

o

Ministro

do

Supremo

Tribunal Oswaldo Trigueiro, em seminário realizado pela Universidade

de Brasília sobre a Reforma do Poder Legislativo, também já se

pronunciava pela revisão das funções do Poder Legislativo, em

especial no campo legislativo, criticando a atuação do Congresso :

(25)

"Ele vota poucas leis, e as poucas que

vota, pelos defeitos do processo legislativo, não

são

evidentemente

de

melhor

qualidade"13

Novos ventos favoráveis ao Legislativo somente surgiram com a

"Constituição-cidadã" de 1988 (antes disso, sob o regime militar,

manteve-se a regra de submissão ao Executivo). Considerada um dos

corolários da redemocratização do país e da nova realidade

constitucional, a ampliação da importância do Poder Legislativo na

condução do Estado concretizou-se em princípios e normas

constitucionais.14

Criou-se a expectativa de que o Poder Legislativo seria

verdadeiro co-gestor do Estado, postos a valorização de seu papel na

atividade legislativa - que lhe dá nome - , com a redução do rol de

matérias cuja iniciativa de lei pertence, privativamente, ao Poder

Executivo, bem como nas atividades de fiscalização e controle.

Chegou-se a afirmar que a despeito de se ter ratificado a opção pelo

sistema presidencialista, resultará da discussão um "sistema híbrido",

dados os poderes substanciais deferidos ao parlamento. A prática,

entretanto, afasta tal avaliação.

12 Mello Franco, Afonso Arinos de. Evolução da crise brasileira. São Paulo: Cia. Editora Nacional,

1965, p. 35-36.

13 APUD Marinho, Armando de Oliveira. A Modernização do Poder Legislativo. Revista de Ciência

Política 7 (3): 104. Rio de Janeiro: FGV, 1973.

14É o que explica José Afonso da Silva, in op. c/f., p. 30: "Contudo, a Constituição tentou fortalecer

o Congresso Nacional na busca do equilíbrio dos poderes. Especialmente, ampliou-lhe as

atribuições, devouveu-lhe boa parte do poder financeiro, mormente quanto à iniciativa de leis

nesse campo, e reforçou seu poder de controle sobre oo Executivo e a Administração Federal,

dando, para tanto, maiores poderes às comissões parlamentares e ao sistema de controle externo,

(26)

Parece claro hoje que essa valorização propiciada pela

Constituição de 1988 não se fez concretizar, quer por razões relativas

à própria debilidade das instituições e de seus quadros (os agentes

políticos in casu), situação que gera, quanto àquela, uma relação de

subserviência das Casas Legislativas perante o Poder Executivo e,

quanto a estes, conchavos políticos que maculam a independência do

Poder, quer pelos bruscos - considerando o processo histórico

-adventos da chamada era tecnológica e do fenômeno da globalização,

que agravam ainda mais o que se logrou chamar de ingovernabilidade

- segundo

Habermas15,

uma

combinação

de

"crise

de

gestão

administrativa com crise de apoio político dos cidadãos", cuja

ocorrência repercute na própria concepção dos Poderes. Os dois

elementos determinaram importantes mudanças de paradigma nas

relações na sociedade como um todo e, como não poderia deixar de

ocorrer, impuseram impacto nas relações desta com o Estado.

Consolida-se, assim, uma tendência que já se alinhavara quando

o Estado assumiu a feição de Estado prestador de serviços (Welfare

State); ao assumir uma bem mais extensa (ou especializada) gama de

atribuições, fez-se imperativo ao Executivo tornar-se mais forte não só

em sua função natural (administrativa), mediante melhoria qualitativa

de seu aparelhamento burocrático e de suas relações com parceiros

privados, mas também na função legislativa, que aos poucos deixa de

ser exclusiva do Poder Legislativo.

15 Habermas Juergen. Raison e Légitimité - problèmes de légitimation dans le capitalisme avance

(27)

Inverte-se, já a partir de então, sem aparente abalo da

democracia e do Estado de Direito, a hierarquia relativa entre Poderes

à qual

se

refere

Gordillo16

- em

que

o Legislativo

seria

preeminente

em relação ao Executivo, sedimentando-se a prevalência do Poder

Executivo.

Se por um lado a informação se distribui com mais facilidade e

os instrumentos de participação popular nas ações de governo têm

seu uso difundido, por outro a celeridade imposta pelo mundo

globalizado da chamada era da informação torna inadequado e

ineficaz o atual (antigo) modo de legislar. O processo legislativo é, nos

moldes atuais, lento e não responde à administração de crises.

Faz-se, assim, acirrar a edição de normas e medidas pelo Poder

Executivo, o que, no contexto atual, constitui-se em grande parte em

clara subtração do campo competencial do Legislativo. Mas a

necessidade de rapidez em suas ações não explica tudo; o uso das

Medidas Provisórias pelo Governo Federal, quando indiscriminado e

quando ausentes seus pressupostos constitucionais, representa,

irremediavelmente, grave desrespeito ao princípio da separação entre

os Poderes.

Não se pode deixar de registrar que a inclusão das Medidas

Provisórias na Constituição de 1988 foi intentada pelos constituintes

como meio de equilíbrio entre as duas variáveis, a necessidade de

16

Gordillo, Agustin. Princípios Gerais de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p.

(28)

dotar o Executivo de meio de ação ágil e o refreamento do uso

autoritário, como se pode depreender da otimista afirmativa do

deputado Ferreira Lima, transcrita da obra de Figueiredo e Limongi:

"O decreto-lei, sempre abastardado pelos

regimes autoritários, reconquista a sua

roupagem democrática e os seus fundamentos

históricos como fator de modernização e

rapidez na ação administrativa nos casos de

importância e urgência, tão presentes no

mundo

moderno."17

De fato o que se impõe é a revisão do próprio sistema de

separação de Poderes, cabendo ao Legislativo, em especial, encontrar

novo rumo, com valorização das funções de planejamento (formulação

e discussão de políticas públicas), controle e fomento. Essa mudança

insere-se na natural evolução da estrutura de poder do Estado, cuja

organização se altera, ora - como está a ocorrer - ao atribuir funções

(novas) a uma gama maior de órgãos, ora - como se impõe ocorrer

-a rever a estabelecida divisão de funções entre os Poderes.

E seja como reação ao mencionado incremento das iniciativas

legislativas por parte do Executivo, como supõem Abranches e

Soares, ou porque de fato a atividade de controle representar

prioritariamente - ela, sim, e não a atividade legislativa - a função do

17 Figueiredo, Angelina Cheibub & Limongi, Fernando. Executivo e Legislativo na nova ordem

(29)

Legislativo essencial ao Estado Democrático de Direito, dá-se que é

nesse campo que o Legislativo brasileiro tem obtido maiores tentos.

Aliás, os mesmos Abranches e Soares lembram que "para

Huntington, o Congresso, para subsistir e ser importante, não

precisa legislar. Sua função primordial deve ser o controle da

administração governamental.".

2. A Separação de Poderes

Mesmo que na Antigüidade Aristóteles (384 - 322 a.C), em sua

monumental obra Política, já identificasse e diferenciasse as

chamadas funções estatais ao classificar os atos correspondentes em

três tipos - deliberações sobre assuntos de interesse comum,

organização de cargos e magistraturas e atos judiciais -, por longo

período tal distinção se pôs em plano menor, ocultada pela

preponderância dos monarcas, que as personificavam e exerciam de

forma una.

Somente muitos séculos depois, quando da criação dos grandes

Estados territoriais, o estudo dos poderes do Estado retoma

relevância com a obra do francês Jean Bodin (1530 - 1596), precursor

da dicotomia público-privado e grande teórico da soberania que, não

obstante, nega o equilíbrio (de poderes) ao vislumbrar um poder

predominante (poder soberano - o Estado) e outros subordinados

(30)

em sua defesa da indivisibilidade do poder e em sua crítica aos

governos

mistos18,

mesmo

repelindo

a idéia

da

separação

das

funções

do Estado.

Mas foi Montesquieu, em sua concepção de "governos

moderados" - contrapostos a "governos despóticos" - que

efetivamente lapida e formula a teoria da separação de poderes,

considerada baluarte do moderno Estado de Direito. Fê-lo no Livro XI

de "O Espírito das Leis" partilhando o poder soberano segundo suas

funções - executiva, legislativa e judiciária -, o que representou

avanço em relação à citada teoria mista, como bem assevera Bobbio :

"O governo misto deriva de uma

recomposição das três formas clássicas, e

portanto de uma distribuição do poder pelas

três partes componentes da sociedade, entre os

diversos possíveis "sujeitos" do poder, em

particular entre as duas partes antagônicas - os

ricos e os pobres (patrícios e plebeus). O

governo moderado de Monstesquieu deriva,

contudo, da dissociação do poder soberano e

da sua partição com base nas três funções

fundamentais

do

Estado...'*9

18 Sistema político idealizado por Políbio (séc. II a. C.) na obra clássica História (Livro VI), que

combina as três formas clássicas de governo, na busca do equilíbrio e da contenção do poder.

19 Bobbio, Norberto. A teoria sobre as formas de governo. 10a edição (trad.), p. 70. Brasília: Ed.

(31)

Se a contenção do poder contra o abuso já era objeto da

preocupação de Políbio e, após, entre outros, de Locke, inovou

Montesquieu ao vislumbrar, como destaca Bobbio "ao lado de uma

divisão

horizontal

do

poder...uma

divisão

vertical"20,

atribuindo

as

funções do Estado a órgãos diferentes - poderes como instituições

-de

forma

que

"o

poder

limite

o poder"21

(le

pouvoir

arrete

le pouvoir).

Tal idéia (um ideal, até então) inspirou a Revolução francesa e, com

especial reforço da concepção do freios e contrapesos (também

sugerida pelo próprio Montesquieu), a Constituição americana.

Quer seja na qualidade de poder predominante (como

vislumbrado

por

Bodin

e, após,

por

LocKe22),

ou

como

um

dos

poderes

autônomos descritos por Montesquieu; quer seja para, como foi objeto

da preocupação desses pensadores, o controle do poder do executivo,

ou para fins de eficiência governamental, como após acrescido nos

artigos

federalistas23,

o papel

do

Legislativo

no

Estado

Liberal

- cuja

matriz sobreviveria ao Estado contemporâneo - já se delineara,

cabendo-lhe não só formular as leis, mas fiscalizar-lhes a execução

("Mas, se, num Estado livre, o poder legislativo não deve ter o

direito de frear o poder executivo, tem o direito e deve ter a

20 Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 136.

21 Montesquieu, Charles de Secondat, Barão de, O Espírito das Leis, p. 166. São Paulo: Martins Fontes,

1996.

22 "Where the legislative and executive power are in distinct hands, as they are in ali moderated

monarchies and well framed govemments (...) In ali cases whilst the government subsisits, the

legislative is the supreme power...". In Locke, John. Treatises of government. USA: Easton Press,

1991, p. 213 e 207, APUD Silveira, Paulo Fernando, Freios e Contrapesos (Checks and Balances),

Belo Horizonte: DeIRev, 1999, p.75.

23 Série de artigos que antecederam a Constituição americana, mais tarde atribuídos a Hamilton,

(32)

faculdade de examinar de que maneira as leis que criou foram

executadas...")24.

Qualquer análise sobre a Teoria da Separação de Poderes deve partir

do pressuposto de que não há uma fórmula única, um sistema

aplicável de modo indistinto em todos os Estados. Assim, a

similaridade entre os sistemas de separação de poderes adstringe-se

à idéia da tripartição das funções do Estado, mas mesmo em cada

Estado a forma de partilha varia conforme o momento histórico e a

positivação constitucional que o encerra.

Estabelecido tal pressuposto, cabe lembrar que mesmo que se

reconheça a Aristóteles as primeiras reflexões sobre a idéia de

separação de poderes, sua projeção se deu por intermédio de Locke

e, principalmente, de Monstesquieu, que não só conferiu-lhe um

sistema coerente em seu Espírito das Leis, como encontrou nas

circunstâncias históricas a si contemporâneas sede ideal para sua

proliferação.

Em França, a burguesia via chegada sua hora de se apropriar do

poder político que lhe faltava a complementar seu status social e

econômico, e dessa forma se fez o terceiro estado, o estado burguês:

"Essa identificação de si mesma com a

nação dava à burguesia, ao mesmo tempo,

consciência de sua importância e disposição de

(33)

lutar pela sua ascensão política, pelejar pela

tomada do poder e pela direção efetiva dos

negócios

públicos."

(Victor

Nunes

Leal)25

A defender a liberdade econômica e o direito de propriedade, que se

constituíam nas pedras de toque do liberalismo implantado,

encaixou-se perfeitamente o sistema de contenção do poder erigido por

Montesquieu, que "não foge à regra da natureza instrumental das

instituições políticas; é, ao contrário, um exemplo elucidativo

dessa

concepção

básica."26

Mesmo que autores mais recentes identifiquem uma tendência

conservadora na concepção de Montesquieu, por considerarem-na

instrumento

de

arrefecimento

das

reivindicações

das

massas27,

a

verdade é que o princípio da separação de poderes foi alçado à

posição de dogma do sistema democrático, tendo sido abarcado pelos

inúmeros Estados nos quais brotava o constitucionalismo, como nos

Estados Unidos da América, em cuja Carta Constitucional foi

consolidado o sistema de checks and balances, . e na própria

Constituição brasileira outorgada por D. Pedro I em 1824.

Esse sistema de freios e contrapesos, cuja abordagem no

Espírito das Leis de Montesquieu representou inegável contradição à

25, in Cinco Estudos, Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas.

26 Victor Nunes Leal in A Divisão de Poderes no Quadro Político da Burguesia. Revista de Ciência

(34)

sua formulação primeira, de especialização e monopolização de

funções por cada Poder, conferiu pragmatismo à teoria da separação

de poderes, tanto que seu autor ousou imaginar um sistema perfeito,

calcado no Estado Inglês, em que a contenção do poder ganhava

relevo sobre a especialização de funções.

Nesse ponto, em especial, denota-se a utilidade do princípio da

separação de poderes ao ideário liberal, pois soma-se a idéia de um

estado mínimo à utilização de diversos mecanismos que, sob a égide

da contenção do poder (ou, mais propriamente, do abuso de poder),

acabam por tornar o estado inerte e, dessa forma, propicia-se a

liberdade do indivíduo e a liberdade econômica desejada pela

burguesia, finalidades maiores da doutrina de Montesquieu.

Porém, esse estado letárgico só pôde corresponder às

necessidades de um Estado pré-industrial e suas debilidades logo se

demonstraram, como notou Paulo Bonavides:

"O princípio que requer três ramos

separados e teoricamente coordenados é

menos apropriado ao alarido e excursões da

política do século XX do que era ao ritmo lento

de

dezessete

décadas

atrás'*8

27 ver Paulo Bonavides, in Ciência Política, São Paulo: Malheiros, 10a ed., 2001, e Franz Neumann

in Estado Democrático e Estado Totalitário, Rio de Janeiro, Zahar, 1969p. 156

28 In Do Estado Liberal ao Estado Social, Ed. Saraiva, , São Paulo: Ed. Saraiva, 7a edição,

(35)

Com a evolução do constitucionalismo e com a afirmação do

sistema de checks and balances, afastada portanto qualquer idéia de

soberania dos poderes, restou claro que as funções do Estado

atribuídas aos Poderes constituídos - Executivo, Legislativo e

Judiciário

- não

se ajustam,

como

ensina

Celso

Bastos29

a um

critério

orgânico (ou subjetivo) de classificação, segundo o qual, por exemplo,

considerar-se-ia como sendo função legislativa todo ato proveniente

do Poder Legislativo.

É

que

além

dos

mecanismos

de

checks

and

balances,

destinados ao controle recíproco dos poderes, a realidade demonstrou

claramente que a divisão rígida de funções entre os poderes não se

aplicava, como bem se depreende da lição do citado jurista:

"...a tal ponto que é perfeitamente lícito

afirmar-se que hoje dizer que a função

legislativa é própria do Poder Legislativo é uma

verdade tão-somente relativa porque esse

próprio poder desempenha também funções

administrativas e judiciárias. Do mesmo modo

que também é verdadeiro o fato de o Poder

Executivo e o Judiciário legislarem, ainda que

em pequena escala. Daí porque o nome da

função de cada um dos poderes é o daquela

que eles exercem preponderantemente sobre

29 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20a ed. atual, p. 345. São Paulo:

(36)

as outras, que ele cumpre a título minoritário e

que não correspondem ao modelo de alocação

feito por Montesquieu e às quais se dá o nome

de

funções

atípicas."30

Se, de certa forma, a assertiva de Bastos já era verdadeira nos

primórdios do constitucionalismo, a revolução tecnológica e o advento

do Estado do Bem-Estar Social passaram a expor a fragilidade do

sistema, em especial no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, o

que claramente se percebeu no Brasil.

Resta esclarecer, para conferir justiça ao brilhantismo da

construção de Montesquieu, que esta, disseminada como separação

de poderes, sempre teve na divisão de poderes seu foco maior e tal

assertiva não revela qualquer intuito de compartimentalização rígida

de funções, pois prescreve aos Poderes, especialmente ao Executivo

e ao

Legislativo(

os

que

considera

"visíveis"31)

algumas

prerrogativas

típicas de outros (o poder de veto ao Executivo, funções jurisdicionais

ao Legislativo).

30 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciêncuia Política. 3* ed., p.79. São Paulo:

Saraiva, 1995.

(37)

3. O Princípio da Legalidade

Como, no absolutismo, o monarca, "legitimado" pela vontade divina,

concentrava em si todos os poderes (recorde-se a célebre frase de

Luis XIV: "L'Etatc'est moi"), parece claro que o princípio da legalidade

não poderia então prosperar nesse período em que prevalecia a idéia

do Estado de Polícia.

Foi com o advento da Revolução Francesa, já influenciada pelos ares

do nascente constitucionalismo norte-americano, que a legalidade foi

alçada à posição de importância que até hoje usufrui, de principal

instrumento de submissão dos governos à vontade geral do povo

-mesmo que essa vontade ainda não fosse tão geral assim, dadas as

limitações ao sufrágio ainda reinantes no período revolucionário.

Nesse contexto, assim como o princípio da separação de poderes teve

no sistema de freios e contrapesos seu ponto de equilíbrio, teve na lei

sua expressão de validade, especialmente porque o conceito desta no

Estado Liberal deixa de se restringir a sua dimensão material (a

contemplação do justo e do racional), como pensavam os antigos

-(Platão, Sócrates, Aristóteles, Cícero, S. Tomás; após Hobbes, a lei

assume caráter voluntarista, passa a ser vontade e ordem, e Locke

tratou de vincular esse conteúdo volitivo da lei ao conceito de

(38)

e inteligente,

no

seu

próprio

interesse"32).

Quando

Rousseau

em

seu

Contrato

Social33

cunha

um

conceito

de

lei

fundada na vontade geral, conferindo generalidade à origem (de

todos) e ao próprio objeto (para todos), erige-se em torno dessa idéia

todo um novo sistema, em que a lei impera, como fonte única das

obrigações impingidas ao cidadão. O art. 3o da Constituição Francesa

de 1791 estabelece que " não há na França autoridade superiora da

lei. O rei não reina mais senão por ela e só em nome da lei pode exigir

obediência". A Declaração dos Direitos do Homem já prenunciava em

1789,por seu artigo 5, que "a lei não proíbe senão as ações nocivas à

sociedade. Tudo o que não é vedado pela lei não pode ser impedido e

ninguém pode ser forçado a fazer o que ela não ordena". Estava

consagrado o princípio da legalidade.

Ademais, a generalidade da lei concebida por Rousseau traz ínsito o

princípio da igualdade, o qual, por sua vez, desdobra-se, na lição de

Manoel

Gonçalves

Ferreira

Filho34,

em

Igualdade

de

todos

perante

o

Direito, a obrigatória uniformidade de tratamento dos casos iguais e,

face negativa, a proibição das discriminações"; e a tríade

principiológica conformadora do Estado de Direito completava-se com

o princípio da justicialidade, ou do controle judicial dos atos praticados

pelo poder público.

Essa nova forma de Estado, também denominado Estado Moderno, ou

32 In Macpherson, La Teoria Política dei Individualismo Posesivo, De Hobbes a Locke, p. 169,

APUD J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 818.

33 Do Contrato Social, Livro II, Cap. IV, XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

(39)

Estado Constitucional, possuía, pois, como traços marcantes,

ressaltados

de

forma

acurada

pela

doutrina

de

Vasquez

Jiménes35,

(i)

Um estatuto constitucional, o corpo fundamental de leis, que

estabelece e limita os direitos e atribuições do indivíduo e do Estado,

conciliando autoridade e liberdade; (ii) a concepção do princípio da

separação de poderes; (iii) a adoção e vigência dos princípios

fundamentais destinados a garantir a vida, a igualdade e as formas

capitais de igualdade (pensamento, culto, expressão, ir e vir, petição

etc); e (iv) a Plena garantia constitucional dos direitos públicos

subjetivos.

Essa concepção teórica restritiva conferida à legalidade impunha aos

Poderes Executivo e Judiciário papel de meros executores da Lei, e

esse ponto fez claro a distinção dos modelos francês, que a abarcava,

e norte-americano, que prestigiava outras fontes do Direito (common

law).

Não obstante, mesmo nos Estados Europeus que adotaram o sistema

francês, o princípio da legalidade não obteve, perante o Poder

Executivo, o alcance limitador dos tempos recentes e mesmo atuais,

pois então prevalecia a chamada vinculação negativa da

Administração, restando a esta liberdade de ação em todos os pontos

não alcançados pela lei. Alimentada ainda pelos costumes

remanescentes de liberdade de ação gozados pelas monarquias

absolutas antecedentes ao novo regime, operava-se de fato uma

35 Renato Vasquez Jimenes. Princípio da legalidad en Ia ley general de administración pública. San

(40)

discricionariedade administrativa, indesejada porque identificada com

o abuso dos monarcas, mas cujo advento foi assim explicado por

Maurice Hauriou:

"A lei foi colocada sobre um pedestal e

uma teoria jurídica foi construída para

reconduzir todo o direito à regra de direito e

para subordinar a esta todo o poder, recusando

ao poder discricionário qualquer relevância

jurídica. Para responder a estes exageros, será

suficiente recordar que mesmo na França

pós-revolucionária, a supremacia da lei escrita

lentamente declinou e que, por um movimento

inverso, restaurou-se lentamente o poder dos

juízos discricionários, a ponto que fosse

restabelecido, entre os dois domínios, um novo

equilíbrio."

No âmbito judiciário, o juiz, como lembra Garcia de Enterría, fora

reduzido a ser apenas "Ia bouche qui prononce les paroles de Ia Io?', e

havia de se limitar a buscar a lei aplicável e extrair dela a

particularização

que

requeria

a solução

do

caso

concreto.36

O Poder Judiciário, porém constatando tal limitação da lei, passou a

privilegiar também a construção jurisprudencial, cuja relevância se

36 Eduardo Garcia de Enterría e Aurélio Menéndez Menéndez. Cuadernos Civitas. Madrid: Civitas

(41)

notava, ampliava e até originava institutos jurídicos, como o fez,

conforme

lembra

Alexandre

Santos

de

Aragão37,

no

âmbito

do

direito

público e do direito privado, com a teoria da imprevisão, com a

vedação ao enriquecimento sem causa, com a responsabilidade civil

do Estado, o abuso de direito, o desvio de finalidade, entre outros.

Esse império da lei, que se desdobrou, no Direito francês, na

implantação, por Napoleâo, de toda uma nova administração e de

uma codificação extensa (Códigos Civil, Comercial, Penal, Processual

Civil e Processual Penal, todos editados entre 1804 e 1810),

demonstrava, contudo, suas fragilidades, à medida que ficava clara a

impossibilidade de uma norma geral abarcar toda a gama de preceitos

que se lhe exigia, mormente porque o sistema era, por natureza,

ab-rogatório de todo o Direito anterior.

Cabe, porém, esclarecer que a legalidade até aqui tratada, de origem

liberal, concerta as idéias de soberania popular e de representação

parlamentar, consubstanciando o princípio da reserva legal, que

visava à proteção, em face do Estado, dos valores burgueses - a

propriedade e a liberdade.

Posta a lei, assim, como instrumento de contenção do Poder

(Executivo) e de garantia de objetivos racionalmente definidos,

consumou-se seu conceito como "eixo de concretização constitucional

do Estado de Direito. Tratava-se de um conceito unitário (não

37 In Princípio da Legalidade e Poder Regulamentar no Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro:

(42)

unilateralmente formal ou material), pois ele continha uma dimensão

material intrínseca e uma dimensão formal-processuaf, ensina

Canotilho38

(mesmo

que

não

lhe

agrade

a distinção

dicotômica

desses

aspectos).

Mas o advento do Estado Social, ou Estado do Bem-Estar Social, em

que o Estado viu-se instado a atender a uma extensa gama de

atribuições em prol da coletividade - a busca do interesse público

passa a se constituir em função primordial do Estado, em detrimento

do atendimento de interesses individuais que caracterizou o Estado

Liberal - foi acompanhado também da prevalência da doutrina do

positivismo jurídico, para a qual ao Direito competia apenas determinar

não o conteúdo, nem o fim do Estado, mas a forma mediante a qual o

Estado

agia39.

Adstringia-se

o conceito

à legalidade

administrativa,

no

que

Eros

Roberto

Grau40

chamou

de

processo

de

"transformação

(na

verdade, involução)" da legalidade:

"Concebida a legalidade como a imposição

de um limite à atuação estatal, originalmente

implicava que todo elemento de um ato da

Administração deveria estar expressamente

previsto como elemento de uma hipótese

normativa, devendo a norma fixar poderes,

direitos, deveres etc, modos e seqüências dos

38 J.J. Gomes Canotilho, in op. Cit., p. 353..

39 F. J. Stahl tornou-se ícone desse pensamento com sua obra Filosofia do Direito .

40 In Algumas Notas Para a Reconstrução do Princípio da Legalidade, Revista da Faculdade de

(43)

procedimentos, atos e efeitos em cada um dos

seus componentes e requisitos de cada ato

-do que resultava a concepção do Poder

Executivo como administração e da

Administração como execução".

Nessa linha evolutiva narrada de forma célere - porque o caráter

histórico não é fim desta reflexão -, chega-se ao chamado Estado de

Direito Democrático, em que se recupera a conjugação e mesmo a

confusão, que prefere Canotilho, dos aspectos material e formal do

Estado. No aspecto material, o Estado visa a um ideal de justiça, não

como mera abstração, mas como resultante de uma formulação

normativa de origem jurídico-constitucional. Formalmente, o Estado de

Direito Democrático reveste-se do princípio da divisão funcional dos

poderes, do princípio da legalidade da administração, da

independência dos tribunais e do acesso ao judiciário, segundo

taxionomia de Canotilho.

Se não se deve perder de vista o papel da legalidade como

instrumento da forma jurídica, que Von lhering considerava inimiga

declarada

da

arbitrariedade

e irmão

gêmea

da

liberdade41;

é na

sua

relação com o aspecto material do Estado de Direito que a legalidade

há de ser compreendida nos tempos atuais. Nem o princípio da

legalidade, nem o conceito de Estado de Direito fazem qualquer

sentido se desvinculados dos objetivos que encerram, vale dizer, das

41 Rudolph von lhering. O Espírito do Direito Romano. V. III. Rio de Janeiro:Alba Editora, 1943, p.

(44)

próprias funções atribuídas ao Estado.

Se esse Estado Democrático de Direito deve, essencialmente, visar à

justiça social e se sua conformação deve corresponder à existência de

uma sociedade polissistêmica, que assume a primazia do Poder e

que compartilha a busca do interesse público , é nesse contexto que o

princípio da legalidade há de ser posto.

Não há mais porque adstringi-lo ao papel instrumental da divisão de

poderes, cuja concepção original - seja em Locke ou em Montesquieu

-, de natureza orgânica, consubstancia as funções estatais segundo

um critério subjetivo - função Executiva é do Poder Executivo, função

Legislativa é do Poder Legislativo e função judiciária é do Poder

Judiciário.

A simples utilização de taxionomia diversa, como fazem Renato Alessi

e, aqui no Brasil, Eros Grau, conduz à solução diversa a questão da

legalidade. A partir de um critério material, pautado, pois, no objeto da

ação do Estado, as funções deste, sob consenso geral, são a

normativa (produção de normas), a administrativa (execução de

normas) e judicial (aplicação de normas).

Sustentam esses autores que a função normativa é gênero, da qual

são espécies a função legislativa, a função normativa e a função

regimental, e com base nesse entendimento não vislumbram óbices a

uma ampla atividade normativa do Poder Executivo, que, aliás, não

(45)

lei, como bem observa Eros Roberto Grau:

"Essa atribuição [normativa] conferida ao

Executivo pelo Legislativo consubstancia

permissão para o exercício de função que é

própria do Executivo, como faculdade

vocacionada à integração do ordenamento

jurídico. Por isso, ela preexiste à atribuição, da

qual podemos dizer cumprir o papel de

instrumento de controle da legalidade daquele

exercício. Assim, a atribuição conferida ao

Executivo para aludido exercício poderia ser

comparada ao tiro de partida que é dado para

que se desenrole uma corrida de 100 metros; a

faculdade de correr velozmente é própria a

quem participa da prova, como é própria ao

Executivo, repito, a função normativa

regulamentar; não obstante, tanto a faculdade

de correr quanto a função normativa

regulamentar não poderão ser desencadeadas

- a atleta a correr, o Executivo a emanar

regulamentos - senão após, respectivamente,

o estampido do tiro de partida e a expedição,

pelo

legislativo,

daquela

atribuição."42

Assim, contra a maior parte da doutrina brasileira, que não admite

(46)

regulamentos executivos, esse autor, de forma consistente, vislumbra

mesmo na Constituição brasileira alguns espaços para a ação

normativa do Poder Executivo, que se situariam, por exemplo, no

espaço distintivo entre o que chama de princípio da legalidade em

termos relativos (CF/88, art. 5o, II) e princípio da legalidade em termos

absolutos (art. 150, I).

A posição de Eros Grau coaduna-se com a percepção de que a visão

da legalidade pelo aspecto puramente da lei formal - emanada do

parlamento - não é garantidora das finalidades do Estado de Direito

Democrático, pois não se preocupa com seu conteúdo (material). Dei

Vecchio já advertia que a mais cruel das injustiças consiste

exatamente naquela que é feita em nome da lei...

Sendo assim, se a contenção da ação estatal em face da liberdade

dos cidadãos e os valores democráticos permanecem resguardados,

nada deve obstar a que a o Estado brasileiro adote, com vistas a uma

ação mais eficiente e eficaz, um modelo de divisão de poderes em

cujo bojo a atribuição normativa seja, em grande medida, atribuída ao

Executivo, desde que se resguarde ao Legislativo a proeminência

legislativa propriamente dita, quer autorizando aquele Poder nas

matérias que a Constituição exige reserva de lei formal (não

normativas), quer na expedição de leis acerca de matérias cuja

relevância e generalidade, amplitude e similaridade de tratamento

(pelo aspecto federativo) demandem sua regulação, como ocorre nos

Códigos (civil, comercial, penal etc), nas leis de normas gerais, nas

(47)

leis de plano, nas que se referem a direitos sociais, a obrigações

tributárias, nas que instituem crime etc.

Ter-se-ia de forma expressa, tal qual no direito alemão, um rol de

matérias sujeitas à lei formal, cuja normatividade seria integrada pelos

regulamentos expedidos pelo Poder Executivo, com natureza

autônoma quanto ao conteúdo da norma, o qual agiria, assim,

pretensamente, de forma mais ágil e apropriada (aos casos

concretos); outro rol sujeitar-se-ia também à lei material (com

conteúdo normativo), sem que tal importe em exclusão de capacidade

normativa do Executivo, mas esta se dá mediante os regulamentos

executivos.

Parte-se da consideração de que as leis emanadas do Legislativo

possuem densidades normativas variáveis segundo a predita

relevância que lhes confere o texto constitucional, ou mesmo a

peculiaridade da matéria - matérias mais relevantes são submetidas à

reserva absoluta de lei; matérias de alta complexidade técnica, ou que

demandem particularizações só possíveis no âmbito do administrador,

recebem da lei apenas preceitos gerais (são as lois-cadre do Direito

francês).

Serve

também

a nortear

tais

divisões

a distinção

doutrinária43

que considera a existência de leis de arbitragem e leis de impulsão,

aquelas editadas com objetivo de compor interesses inter-individuais,

de manter a ordem interna, e estas com vistas a estabelecer políticas

públicas, conteúdo material que avoca a predominância de

43 Verem Manoel Gonçalves Ferreira Filho, íq Do Processo Legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968,

(48)

normatividade advinda do Executivo.

Mas que não se considere tais alternativas como derrogatórios do

princípio da separação dos poderes, nem como redutores da

importância do Poder Legislativo, a uma porque, como bem observa

Canotilho, "a separação dos poderes existe em cada direito positivo se

nele

contemplada

e qual

nele

tenha

sido

contemplada"44;

a duas,

porque assim como importariam em acréscimo da função normativa do

Executivo, já prevalece hoje a possibilidade de edição, pelo

Legislativo, de leis cuja materialidade é ausente não pela inexistência

de conteúdo prescritivo, mas pela falta de generalidade e abstração,

configurando atuação tipicamente administrativa, própria dos atos

administrativos. São as leis-medida, próprias ao Direito alemão, mas

igualmente encontráveis na Carta brasileira.

No mais, o princípio da subsidiariedade, cuja aplicação cada vez

mais se impõe na implantação da divisão vertical de funções entre os

entes federados, também na seara ora tratada encontra sede própria,

mediante subtração de determinadas matérias do âmbito da Lei

formal, como exercício do fenômeno da deslegalização (]á abarcada

pela Constituição francesa de 1958), que se apresenta, conforme

descreve

o eminente

professor

Diogo

de

Figueiredo45,

sob

as

formas

da extralegalização, da paralegalização, da sublegalização e do

fomento público.

44 Op. Cit, p. 72-75.

45 Neto, Diogo de Figueireso Moreira. Sociedade, Estado e Administração Pública. Rio de

(49)

A deslegalização, que consiste na "retirada, pelo próprio

legislador, de certas matérias, do domínio da lei (domaine de Ia loi)

passando-as

ao

domínio

do

regulamento

(domaine

de

rordonnance)"46

comporta situações em que a atribuição normativa é distinguida a

entidade estatais ( as agências reguladoras, por exemplo), ou mesmo

a pessoas privadas, neste caso sob a égide da subsidiariedade, que

enuncia a prevalência das medidas tomadas pela própria sociedade e

põe o Estado, por conseguinte, em função subsidiária, o que já vem

ocorrendo no Brasil em relação a diversas profissões, já sujeitas à

auto-regulação.

4.

PRIMEIRA

PROPOSIÇÃO:

A

REVISÃO

DAS

FUNÇÕES

DO

PODER LEGISLATIVO

Como já se demonstrou, nenhuma das funções estatais deve ser

objeto de monopólio de um Poder específico, pois, em alguma medida,

todos exercem atribuições normativas, julgadoras e administrativas. O

que se ora propõe é que haja, mais do que alteração substancial,

clareza normativa quanto, em especial, ao papel do Poder Legislativo.

Esse Poder, antes inexistente ou subjugado, assumiu, com

maior ou menor relevo, nas teorias de Bodin, Locke, Montesquieu e

Kant, entre outros que cunharam a base do Estado de Direito, posição

de extrema importância (proeminência, para Kant, por exemplo), pois

46 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, in Mutações do Direito Administrativo, Rio de Janeiro:

(50)

a ele caberia tanto servir de contrapeso ao poder do Executivo, cuja

contenção constituía-se na principal motivação do advento desse novo

modelo de Estado, como representar a vontade geral, na produção da

lei.

A elaboração de leis, assim consideradas as normas genéricas e

abstratas que inovam a ordem jurídica, editadas segundo o

procedimento formal determinado pela Constituição, é função ainda

hoje exercida pelo Poder Legislativo sob a égide do princípio da

reserva legal, que não se confunde com o princípio da legalidade,

como já afirmado. Este determina a submissão à lei, ou a atuação

segundo os ditames da lei, enquanto aquele estabelece o alcance da

lei formal, vale dizer, a fixação, pela Constituição, de um espectro de

matérias cuja normatização compete à lei formal, editada pelo Poder

Legislativo.

Há de se lembrar que a função normativa, compreendida em

sentido amplo, que extrapola os limites da lei formal, é exercida

também pelos demais Poderes, tanto que ao Executivo, segundo a

Constituição brasileira, cabe editar até normas gerais e abstratas, por

Medida Provisória e por Regulamento (mesmo que a edição deste

decorra de anterior previsão em lei). Como função atípica, todos

expedem normas de efeito interno e outras não sujeitas ao princípio da

reserva legal.

Atualmente, no campo legislativo já se vislumbra clara

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