Maria Clara Corrêa Dantas de Araújo
Dissertação submetida como parcial para a obtenção do mestre ,m Educação.
Orientador:
Abram Ekstermann
Rio de Janeiro
Fundação Getúlio Vargas
requisito grau de
Instituto de Estudos Avançados em Educação Departàmento de
Psicologia
da EàucaçãoHeliana, Zelia, Geraldo, Rober
to e Bruno.
RESUMO... ....•••.•... . ... •• ..•.•.•.•.••.• •..•...
VI-INTRODUÇAO. . . • . . • . . . . • . . . • . • . . • • • . . • . • • . . . . 1
1. A EDUCAÇÃO MUSICAL COMO AGENTE DA APRENDIZAGEM.. 3
1.1. A Formação Integral do Educando e a Música. 3 1.2. A Percepção Musical... 6
1.3. A Reação
à
Música... 131.4. A Música no Aprendizado da Linguagem... 15
2. O PROBLEMA DO "SIGNIFICADO" NA MOSICA... 18
2·.l ... A Experiência Estética .••.• : . . . 18
2.2. Aspectos da Relação Emoção-Objeto... 22
2.3. A Música como "Linguagem de Sentimentos"... 28
2.4. A Música e as Estruturas Mentais... 31
3. EST~TICA E PEDAGOGIA... 47
3.1. A Arte como Criação do Homem... 47
3.2. Da Estética do Belo
à
Estética da Arte... 503.3. A Educação pela Arte... 56
3.4. A Evolução da Consciência RÍtmica... 64
3.5. O Pensamento Musical ....•.••.•.•.•• .--.-. ~ • . . • 75
4. A EDUCAÇÃO MUSICAL - UMA TENTATIVA DE AVALIAÇÃO. 88 4.1. Erros da Educação Musical Tradicional... 88
4.2. Uma Nova Fase na Educação Musical... 90
4.3. A Educação Musical e sua Prática... 92
4.3.1. Método Dalcrose... 92
4. 3.2. Método ORFF... 9.7 4.4. Uma Educação Musical Efetiva: A RÍtmica
Mu-s i c a l . . .
100
5. CONCLUSÕES... 105
6. SUGESTÕES • . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 109
7. BIBLIOGRAFIA... 1.13
com
minha~ mão~- enquanto
caminhava
ao an livne,
pelo~ bo~que~,no
~ilêncio da noite ou pela madnugada,
leva-do pon um
e~tado de e~pZnitoque
o~poet~
tnaduzem pon
palavna~ie eu,
pon
ton~que
~oam,nugem
e
tempe~teiam
ã.
minha volta,
at~êque
o~con-veltta
em
nota~."L. V.
Beethoven
Esta menegrafia parte de pressupeste de que a
música desenvelve e equilíbrie emeci.onal de indivídue e
sua sensibilidade para e bele. Essa premissa alerta para
a impertância de estude em questãe, especialmente em
re-laçãe a .outras áreas de ensine, censiderande-se a
educa-çae musical cerne um instrumente auxiliar ne aprendizade
das .outras disciplinas.
Trata-se de um estude teórice, cem
implica-çees pedagógicas, visande a demenstrar a impertância da
educaçãe musical -nãe descebrir talentes para a música e
valeres musicais --, aperfeiçear e indivídue, criande pIa
téias que saibam .ouvir música e, desenvelvende a sua capa
cidade perceptiva, criar um estade prepiciader da
apren-dizagem.
sãe expestes alguns aspectes essenciais, bási
ces, demenstrande que a educaçãe musical nas escelas
é
fater de integraçãe emecienal de educande, e que faverece e
trânsite interdisciplinar e facilita a aprendizagem.
This dissertation is based on the supposition that music develops the emotional balance of the
indivi-dual and his sensitivity tobeauty. This premiss en-phasizes the importance of this study, specially relat-ing to other. teachrelat-ing areas, considerrelat-ing the teachrelat-ing of music as an auxiliary instrument in the learning of other subjects.
This is a theoretical study involvingpedagogy
and having as an objective the importance of music educa tion, not to discover musical talents, but to develop the individual potencial to understand and -appreciate music, creating ideal conditions for learning.
Several fundamental points are dealt with, showing that music education in school is a basic factor contributing to the emotional balance of the student, helping him in his other areas of study and facilitating his learning procesSe
Este é um estudo cujo objetivo
é
ode analisara importância do fenômeno musical no desenvolvimento
cog-nitivo do educando e das suas percepções, assim como as
implicações no seu comportamento e na sua educação.
Apesar de vivermos numa época intensa de
pes-quisas e reformas educacionais, justifica-se essa análise
sobre a importância da música na educação - dado o seu
nível de influência emocional e, conseqüentemente, na
formação da personalidade do indivíduo.
Consultando-se os modernos métodos de
pedago-gia musical, corno os de Kodaly, Da~croze, Willens, Orff ,
Maternot e outros (apud Sigren, 1966), observa-se que os
mesmos apresentam semelhanças em seu objetivo geral.
To-dos esses autores são da mesma opinião e propõem, de uma
forma ou de outra, que o educando trave um contato com a
música desde os primeiros dias de vida, e de uma forma vi
va e real. Alguns chegam a insinuar que a música deve
ser ouvida pela mãe durante a gestação, para que o feto se
acostume ao ritmo musical, através das percepções
senso-riais.
Essas teorias apóiam-se no fato de que, nos
primeiros anos da existência, o espírito infantil, a
es-pontaneidade e a ânsia do conhecer se apresentam com uma
receptividade bem acentuada, livres que ainda se
sobre sua livre expressa0.
Conforme Leibowitz, pode-se afirmar agora o que tem sido di to raras vezes e sempre em voz baixa: "A História da Música
é
a história dos homens que a têm cria-d " 1o .
A música tende a reorganizar a personalidade em seu conjunto, já que influi nas esferas afetiva, inte
-lectual, sensório-motriz e na socialização.
Heu interesse não
é
o de formar músicos, mas o de contribuir para a formação integral do educando.1. A EDUCAÇÃO MUSICAL COMO AGENTE DA APRENDIZAGEM
1.1. A Formação Integral do Educando e a Música
Na opinião dos educadores modernos, a conduta
humana se desenvolve pela interação herança e o meio sendo
este último o fator mais importante na educação do indivíduo.
Entendem os educadores de hoje que, sendo a educação
primor-dialmente responsável pelas atitudes, ações e realizações do
indivíduo, seu objetivo deve ser não somente o de aquisição
do conhecimento, mas também o de desenvolvimento da
persona-lidade.
"No conceito de educação é impossível separar
o ponto de vista pedagógico da adaptação social". (Heuyer)
o
pensamento atualé,
portanto, o de que a escola deve alcançar a plenitude de formação integral e intera
gír do ser humano com as necessidades da sociedade.
Nesse sentido, diversos autores são de
opini-ao que a educação musical deve ocupar um lugar de
desta-que no plano da educação. Pois quanto mais diversificadas
forem as sensaçoes e emoções do educando, maiores se
rao suas possibilidades de crescimento.
Para Kurt Pahlen, a educação musical signifi
ca que "através do desenvolvimento da sensibilidade da
criança ela pode captar as manifestações do mundo sonoro;
há de modelar uma consciência do que e,
-
pode e deve ser a arte; há de cercar-se de seus semelhantes; há devi-sual, do tato e do olfato; há de formar seu caráter visan
do a um maior idealismo; há de convertê-la em um ser
sen-sível .•. ,,2
Os educadores, pois, defendem a necessidade de
a educação musical ser incluída em um programa escolar co
muro apontando ser mais imperiosa essa necessidade no que
se refere a classes especiais, que visam a atender educan
dos com problemas, situados em posição desvantajosa num
mundo essencialmente competitivo, onde os menos capazes
não encontram lugar facilmente. ~ responsabilidade da
educação adotar todas as possibilidades para integrá-los
na sociedade.
A opinião dos educadores tem respaldo na mani
festação biopsicossociológica fundamental do ser humano
- a linguagem.
De fato, a música e a linguagem têm como base
o som. Os mesmos aspectos sonoros estão presentes na
mu-sica e na ,linguagem falada. Enquanto a fonte sonora da
música sao os instrumentos - de sopro, de corda, de
per-cussao ,na linguagem oral essa fonte é a laringe,
sen-do os órgãos sen-do aparelho fonoarticulasen-dor os
modificado-res e amplificadomodificado-res dos sons originais, quando a coluna
de ar faz vibrar as cordas vocais.
A música e linguagem, além disso, possuem em
comum o fato de serem expressas em símbolos escritosp que
permitem a elaboração de suas respectivas composições. Na
música, são as notas e sinais musicais, com seus valores
gráficos, símbolos dos sons na fonética.
Na música, os sons, variando em freqüência e
intensidade, se combinam em ritmos - seqüência de sons e
pausas. O ritmo musical nada mais é do que uma das
mui-tas manifestações do ser humano, no qual o ritmo é expre~
sado de diversas formas - através de suas atitudes, da
sua forma de falar, de agir, de caminhar. E o ritmo
tan-to caracteriza as melodias como é indispensável, no
indi-víduo,
à
boa coordenação motora para o desempenho corretoda expressa0 oral e gráfica da linguagem.
Música ou linguagem, ou ambas, são, enfim,fo~
mas de expressão virtualmente comuns a todos os
indiví-duos. E a linguagem musical é a melhor forma de comunica
ção entre os seres humanos, na opinião dos pedagogos musi
cais. Dalcroze, Gainza, Kodaly são unânimes em justificar
a necessidade e conveniência de sua aprendizagem, afirrnan
do que a linguagem musical estimula as principais faculda
des humanas, corno a imaginação criadora, a sensibilidade,
a vontade e a inteligência.
Corroborando essa idéia, especifica o
educa-dor brasileiro
J.
Lellis Cardoso. (Idort., p. 147l:"N~o podemos justificar a aus~ncia
de música, princi~almente para as crianças das escol~s p~blicas, por ter a música uma infiu~ncia
decisi-va na formação do caráter do indivi duo. Os educandos que transp6em os anos escolares sem nEles ter
revi vida as suas próprias melodias
- jamais ter~·J a mGsica como estimu
lo para as suas reações. A mGsica
evita recalcamento, serve de expan-sao a estados emotivos e do temper~
menta que ignoramos possuir, conse-qOentemente, equilibra a
personali-dade, portanto é força de discipli-na social. A mGsica na
coletivida-de suaviza os sentimentos humanos,
irmana os indivíduos no mesmo afeto e no mesmo ideal."3
1.2. A Percepção Musical
Um plano de educação que se proponha a incluir
a educação musical como agente efetivo de aprendizagem e
formação integral não pode deixar de levar em conta o
de-senvolvimento da percepção auditiva musical .
. Muitos pedagogos afirmam que a percepçao audi
tiva
é
de importância fundamental para o desenvolvimentoda capacidade musical do indivíduo.
Vanderplas (apud Novaes, 1970) identifica na
atividade perceptiva: apreensão, discriminação, reconheci
mento, identificação e avaliação. Afirma que a atividade
intelectual requer habilidade para discrL~inar
semelhan-ças e diferensemelhan-ças, e para categorizar um objeto novo pela discriminação de propriedades, atributos e características.
çao e identificação. A diferenciação permite ao indiví~
duo, por exemplo, estabelecer a distinção entre dois sons
quanto às suas qualidades físicas (altura, intensidade
,
timbre ou duração) se duas execuções imediatas de uma mes
ma melodia são iguais ou diferentes. A identificação
ca-pacita reconhecer, por exemplo, a linha melódica de uma
determinada peça musical conhecida. Requer a
de um estímulo de cada vez. 4
exposição
As idéias de Zenatti aproximam-se das de
Gib-son (1967), em sua obra sobre aprendizagem e
desenvolvi-mento perceptual, referindo-se a quatro diferentes
méto-dos utilizaméto-dos no estudo da percepção: detectação,
reco-nhecimento, discriminação e identificação.
Prince (1972), por sua vez, identifica nove
variáveis relacionadas com as características do ouvinte:
aptidão musical, habilidade musical, treino, experiência
musical, personalidade, maturação, atenção seletiva, est~
do geral da atenção e atitude afetiva em relação à música.
Na opinião desse autor, "a memória e uma
va-riável importante na audição porque permite os efeitos de
feed-back nos julgamentos de elementos musicais novos ou
já conhecidos anteriormente".5 Explica Bentley (19671 que
"a percepção da melodia
é
impossível sem a aptidão pararecordar os sons já ouvidos no desenvolver da linha
meló-dica".6 A atenção, para Solser & Murphy (apud Prince,1972),
é uma variável que merece ser considerada pois
"é
imFos-sivel perceber" sem a mesma. Já a aptidão musical, é
sical, urna disposição geral e inata da personalidade. Mas,
para esse autor, "urna aptidão só existe em
desenvolvimen-to, em vir-a-ser. A noção de aptidão é essencialmente di
nâmica".7
,"
A percepçao auditiva, enfim, manifesta-se
a-través da discriminação e do reconhecimento auditivos. Em
bora já existam em potencial na percepção auditiva
pro-priamente dita, são passíveis de serem desenvolvidos atra
vés da experiência e do t=eino específico, conforme
afir-mam estudiosos como Wing e Frances, Teplov e Zenatti.
prince (1972) propõe alguns tópicos de
inte-resse quanto a esse desenvolvimento, para a utilização da
música na educação: verificar os efeitos do ensino sobre
a habilidade do indivíduo para perceber elementos
musi-cais e fazer julgamento sobre a música; investigar a
ida-de ou nível escolar mais receptivo ao treino da percepção
auditiva; experimentar e avaliar os métodos "mais efetivos
para o treino da percepção auditiva; medir a influência
do desempenho musical anterior sobre aprendizagem percep
tual.
Para Elkind (1972, apud Mársico, 1975), tal
desenvolvimento parece depender da maturação, urna vez que
"o grau até onde urna criança é capaz de descentralizar
(dissociar os diferentes campos de fixação de sua atenção
num dado momento ou em momentos sucessivos) está sempre
em função do nível de maturidade da atividade perceptiva
particular e das características particulare$ da
Moore (1972) afirma que o processo perceptual torna-se gradualmente diferenciado pelas experiências de
aprendizagem ao longo de todo o ciclo de maturação do sis
tema nervoso, sucedendo-se os estágios perceptivos dentro
de uma seqüência contínua, onde os anteriores vão sendo
cumulativamente incorporados. Como resultado, o
indiví-duo responde diferenciadamente a uma determinada
informa-çao em diferentes idades, revelando a resposta, o estágio
de seu desenvolvimento. 9
Piaget (1971, apud Mársico, 1975) concorda que o "o desenvolvimento mental se faz por . é tapas e por
estágios, em graduações
sucessivasn~Osalientando
que essedesenvolvimento pode sofrer adiantamento ou atrasos em
conseqüência de diversos fatores, entre os quais heredita
riedade, maturação interna, experiência física,
transmis-são social e fator educacional.
-Há autores, todavia, que nao aceitam a
possi-bilidade desse desenvolvimento, como Révész e Seashore
(apud Teplov, 1966), postulantes de que as propriedades do talento musical são ineducáveis~l Seashore (apud Antrin ,
1952), realizando testes para selecionar crianças musical mente dotadas, assegurou que "as qualidades musicais
ina-12
tas não mudam com a idade 'nem com o estudo". Essse
estu-dioso repetiu seus testes com os mesmos individuos
períodos sucessivos de estudo, os quais, de acordo
seu depoimento, não apresenta:::-am melhora apreciável.
apos
com
Tal posição teórica é contestada por Teplov
in-!
;.
tensidade e de duração do som, assim como estão
estabele-cidas nos testes de Seashore, não constituem a base do ta
lento musical nem,mesmo merecem ser chamadas de musicais".
Uma segunda corrente defende a evolução da di
ferenciação e identificação em função da idade. Gilbert
(apud Zenatti, 1969) verificou que as crianças de 6 anos,
em média, percebem diferenças de 1/3 de tom, diminuindo
esse limiar regularmente, até que na idade de 19 anos e
-atingida a diferenciação de 1/15 de tom, em média. Essaevolução etária foi confirmada por experiências de
Henst-chel, 1913, Meissner, 1914, Mainwaring, 1931 e Imberty
1966 (apud Zenatti, 1969) .13
,
Em apoio
à
posição teórica da importância daeducação musical para o desenvolvimento da percepção musi
cal, Wing, Valentine e Holmstrom, trabalhando com
crian-ças, e Francês, com adultos (apud Zenatti, 1969),
encon-traram diferenças significativas entre grupos que recebiam
educação musical diversa, sendo um deles constituído por
indivíduos privados dessa educação.
A prop6sito, e com referência
à
aplicação daeducação musical em currículo escolar, é útil a
observa
-çao de Bentley (1967} de que, em um grupo em idade.
esco-lar cujos membros estejam sujeitos a ensi~o e condições
ambientais idênticos, podem se verificar' diferentes
está-gios de progresso individual, pois a forma como cada
cri-ança aproveita o que o meio lhe oferece es·tá na
dependên-cia também do nível de maturação atingido por suas
.
Zenatti (1969) buscou apoio na teoria de
Pia-get, que evidencia a atividade perceptiva visual, parecen
do-lhe suscetível de aplicação no campo da música. Em
seus estudos, com crianças de 6 anos, constatou estar a
atividade perceptiva musical das mesmas suficientemente
desenvolvida, permitindo alcançar boa percentagem de acer
tos. As crianças mostraram-se capazes de classificar e
emparelhar os sons segundo sua qualidade de altura - gr~
ve ou aguda; realizaram bem as experiências de discrimina
çao de melodias onde as notas de cada melodia
apresenta-varn a mesma duração; e obtiveram um elevado nível de acer
tos nas experiências de percepção ritmica.
As experiências de Zenatti parecem corroborar
a opinião de Piaget de que a criança de pouca idade nao
dispõe ainda da capacidade perceptiva discriminatória, na
qual os elementos de um estímulo são isolados e podem ser
apreciados em atenções sucessivas ou simultâneas. As cri
anças não.conseguiram concentrar-se em apenas um dos
pla-nos do estímulo musical, corno o elemento rítmico ou o
me-lódico, abstraindo os demais, tendo sido necessário que
cada um desses dois aspectos fosse apresentado em
estímu-los separados.
Zenatti verificou ainda que entre 7 e 8 anos
a atividade perceptiva é limitada para reconhecer um terna
musical apresentado em diferentes vozes superpostas no de
correr da execução. Já na faixa etária entre 8 e meic. e
10 anos, constatou maior atividade perceptiva de planos so
-.
divíduos de 10 e meio a 16 anos revelaram atividade per~
ceptiva nas provas de discriminação da melodia, embora os
indivíduos de 16 anos ainda não atinjam o nível de percep
çao discriminatório dos adultos.
As experiências de Zenatti evidenciam influên
cia do fator educação na percepção musical.
Delton (1971, apud Mársico, 1975),
pesquisan-do o progresso das respostas musicais em crianças de
pré-primário, conclui por uma melhora nessas respostas como e
vidência de alguma aprendizagem e aconselha a introdução
do treinamento o mais cedo possível na educação musical
das crianças.
Tais estudos demonstram, enfim, que a
passa-gem de um estágio musical para outro mais avançado é
pos-sível, não somente com a evolução natural da aptidão
ina-ta, mas também sob influência de fatores corno a educação,
o meio ambiente familiar e o meio
cultural.-A questão da percepçao auditiva, para fins de
aplicabilidade da educação musical na educação geral,
re-sume-se na dúvida, ainda hoje existente, de se todo
indi-viduo pode desenvolver um "ouvido musical". Todavia, no
desenvolvimento do "ouvido
musical,~l,4
Willems (1961)con-sidera dois domínios: a sensorialidade auditiva e a afeti
vidade auditiva. A sensorialidade auditiva seria a
sen-sorialidade na receptividade do órgão auditivo para
dis-criminar os sons em geral quanto a características de tim
.
bre, duração, altura e intensidade. Para mensurar esse
so-licitar ao sujeito que emparelhe, discrimine ou
identifi-que pelo timbre objetos sonoros em geral, ou experiências
nas quais ele deva discriminar dois sons, tocados
suces-sivamente, quanto à altura tonal. A afetividade auditiva caracteriza-se pela reaçao do sujeito diante das
impres-sões causadas pelos estímulos sonoro-musicais, podendo ser
medida e exercitada através de entonação espontânea de
uma escala ou melodia qualquer, reprodução e reconhecime~
to de temas musicais, discriminação do movimento melódico
e ordenação de objetos sonoros dentro da sucessão da esca
la musical.
Esses exercícios encontram-se descritos em
o-bras de Willems (1961 e 1962), Montessori (1965) e Teplov
(1966) .
1.3. A Reação Psíquica
à
MúsicaYingling t1962} classifica quatro tipos de
reação na audição musical: associativa, intelectual,
emo-cional e sensorial. Na associativa, há uma transformação
dos estímulos tonais em termos objetivosr associados a
histórias, cenas, imagens: A resposta intelectual é
des-crita por Yingling como uma classificação crítica da obra,
através do reconhecimento da ordenação dos elementos musi
cais e apresentação do plano de composição. A resposta
emocional ou sentimental seria caracterizada como uma
tificação dos diferentes ti~bres instrumentais da obra.
Na categoria sensorial ele inclui as reações do tipo pura
mente motor, como tensão de postura, gesto ou intenção de
movimento conectada com a música (vontade ou tentativa de
dançar), ou uma necessidade do ouvinte de se aproximar ou
de se afastar da fonte musical.
Ainda com referência às conclusões de Yingling,
vale citar Willems (1961), quando diz: I1S e tomarmos em
conta que a criança entre os 3 e 7 anos vive em grande par
te sensorialmente, convém encaminhá-la, nessa idade,à se.!!.
sorialidade auditiva ainda que não se despreze a natureza
afetiva da percepção auditival1
• Segundo Montessori(1965),
110 ouvido sensorial é a base necessária
à
educaçãomusi-call1 .15
A reaçao típica das crianças
à
audição dees-tímulos musicais é basicamente sensorial, de acordo com
Ortmann {1927, apud Yingling, 1962}i e, conforme destaca
Yingling (1962), a sensação física, do tipo sensorial, e
-fundamental para a apreciação da música em âmbito maisamplo, como o das relações formais e emocionais.
Esta seria, pois, segundo os estudiosos, a ba
se para o desenvolvimento da educação musical e sua
1.4. A Música no Aprendizado da Linguagem
Na percepçao dos sons das palavras, "as
sen-saçoes auditivas caracterizam-se por uma percepção
tim-brística da altura", afirma Teplov (1966), entendendo que
na audição de palavras se pode sentir um movimento sonoro
para cima e para baixo, ainda que não seja o tipo de movi
mento de altura no sentido musical. Segundo ele,
é
essacaracterística tirnbrística da altura dos sons que permite
às pessoas, em geral, "perceber e reproduzir a melodia da
palavra e a entonação própria da língua".
"A diferença entre a audição da palavra e a
audição da música", explica Teplov, "consiste no fato de
que a sensaçao imediata do movimento das alturas
consti-tui a essência mesma da audição musical enquanto que na
audição da palavra ela é apenas um fator ace~sôrio".
Outros autores vão mais longe, destacando a
importância da percepção auditiva da característica
tim-brística da palavra para a alfabetização. Apontam corno
causa básica na dislexia - ou seja, dificuldade para
a-prendizagem da fala, da leitura ou da escrita certos
defeitos de discriminação das características
NOTAS - 19 capítulo
1. LEIBOWITZ, René - A evolução da música de Bach a
Schoenberg - Divulgação e Ensaio, Porto - 1962. p. 25
2. PAHLEN, Kurt - La música en la education moderna. Editora Ricord, 1964. p. 17.
3. CARDOSO, J. Lellis. (Revista do IDORT). p. 147.
4. ZENAT, Arlete - Le development génétique
de la percepcion musicale. Paris, Centre National de la Recherche Scientifique, 1966. p. 104.
5. PRINCE, Warren F. A paradigm for research on music list ening. Journal of Research in Music Education. Madi-son, Winter, 1972. p. 445-55
6. BENTTLEY, Arnold. La aptutut musical de los ninos y como determinarIa. Buenos Aires, Vitor Leru, 1967. p. 127.
7. TEPLOV, B. M. Psychologie des aptitudes musicales. Paris Press Universitaires de France, 1966. p. 405.
8 Leda Osório - Treinamento específico da Percepção Mu-sical em estudantes de Música. Porto Alegre, 1975. Dissertação (Mestrado em Educação). p. -·18.
9. MOORE, Maxine Ruth. A consideration of perceptual pro-cess"in the evaluation of musical performance. Jour-nal of Research in Music Education, Madison. p.273-79.
10. PIAGET, Jean. Psicologia da Inteligência. 2a. ed. , RJ • Editora de Cultura, 1971. p. 229.
11. TEPLOV, B. M. Psychologie des aptitudes musicales. op. cito p. 48, 1966. p. 406.
12. ANTRIN, Doran K. Você tem talento para a música? Reader's Digest - Seleções, New York, dez. p. 33-40.
,
14. WILLEMS, Edgar. Las bases psicológicas de la educación musical. Buenos Aires, Eudeba, 1961. p. 206.
15. Ibidem. p. 207.
16. TEPLOV, B. M. , 1966. Psychologia des aptitudes musica-les. op. cito , 1966. p. 404.
2. O PROBLEMA DO "SIGNIFICADO" NA MÚSICA
2.1. A Experiência Estética
Há atualmente uma tendência para tratar a
ar-te mais corno um fenômeno significativo do que uma
experi-ência agradável, uma gratificação dos sentidos. De
acor-do com L. A. Reid, essa orientação resulta provavelmente
do livre uso da dissonância e da chamada "fealdade" por
numerosos artistas em todos os campos - na literatura,na
música e nas artes plásticas - e da extraordinária
indi-ferença das massas incultas aos valores artísticos. Antiga
mente, as massas não tinham acesso às grandes obras de
arte: a música e a pintura eram os prazeres das classes
abastadas; pode-se supor que as classes populares aprecia
riam -a música se pudessem usufruir. Hoje em dia,em que
todos (ou quase todos) podem ler, visitar museus e ouvir
música ao menos pelo rádio, o julgamento das massas, a
despeito das manipulações da indústria cultural, se
tor-nou uma realidade, evidenciando que a arte não é um
pra-zer sensual direto. Acrescentando-se o interesse lógico
e psicológico pelo simbólico, pelo meio expressivo e pela
articulação de idéias, não estaremos muito longe de uma
nova filosofia de arte, baseada no conceito de forma si~
nificativa .1
Mas se as formas em si e por si sao significa
_._--
... -. .de artísticas, então certamente a espécie de significaçãô
que lhes diz respeito constitui um especial problema de
semântica. O que é significação artística? Que espécie
de significado expressam as formas expressivas '?
Diferentemente dos símbolos literais,elas nao
transmitem proposições. Uma marinha pode representar
-
a-gua e rochas, barcos e cais de pescadores; uma
natureza-morta, laranjas e maças, um vaso de flores, caça ou
pei-xes mortos etc. Esse conteúdo não torna os padrões de pin
tura na tela "formas expressivas". A mera noçao de
coe-lhos, uvas, ou até barcos ao pôr-do-sol, não é a idéia'
que inspira uma pintura. A idéia artística é sempre uma 2
concepçaomais profunda
Vários estudiosos do comportamento tentaram
descobrir esta significação mais profunda ,
interpretan-do quadros, poemas e até composições musicais como
símbo-los de objetos amados, e de natureza proibidà.- A
ativi-dade artística, segundo os psicanalistas, é uma expressa0
de dinamismos primitivos, de desejos inconscientes,
usan-do os objetos e cenas representausan-dos para corporificar as
fantasias secretas do artista. 3
Esta explicação implica creditar significação
às obras de arte, embora ,devido à censura moral que
de-turpa a aparência dos desejos básicos nunca se possa
di-zer o que significam exatamente. Faz referência ao aspec
to emocional, ao modo como vi '~enciamos a experiência
ar-tística. Acima de tudo, revela esse setor desconcertante
geral - a chamada psicologia dinâmica , baseada no
reco-nhecimento de necessidades humanas fundamentais, dos
con-flitos resultantes de sua influência recíproca, e de meca
nismo pelo qual elas se valem, se disfarçam e finalmente
se realizam. O ponto de partida dessa psicologia
é
a descoberta de formas simbólicas antes não reconhecidas, tipi
ficadas no sonho, e perfeitamente identificáveis em todas
as realizações em que atuam elementos de fantasia.
Estas considerações informam uma teoria psic~
nalítica da estética, que, no entanto, não resolvem satis
fatoriamente as questões que constituem o problema filos~
fico da arte. A interpretação de Freud, não apresenta
qualquer critério de excelência artística. Pode explicar
por que um poema foi escrito por ser popular, e revelar
os traços humanos que se escondem sob sua imaginação
fan-tasiosa e as idéias secretas que um quadro combina, mas
nao faz nenhuma distinção entre arte boa e má.' Os traços
aos quais atribui a importância e significação de uma gran
de obra-prima podem todos encontrar-se igualmente em uma
obra obscura de algum pintor ou poeta assaz incompetente.
o
psicólogo . Wi-lhem Steckel, interessado nas produções artísticas comocampo de análise, afirmou explicitamente: "Quero
salien-tar que é irrelevante para o nosso propósito se o poeta
em questão é um grande poeta e universalmente reconhecid~
ou se estamos lidando com um pequeno poeta. Pois, no fim
das contas, estamos investigando apenas o impulso que
im-4·
Assim, a questão da análise da experiência es
tética nao pode ficar limitada simplesmente
à
pesquisadas formas puras perceptíveis.
A música é uma manifestação predominantemente
não-representativa. Ela exibe a forma pura não como
embe-lezamento, mas como sua própria essência; pode-se tomá-la
no seu melhor período - por exemplo, a música alemã desde
Bach a Beethoven - e, no entanto, apresenta tão-somente
estruturas tonais: nenhuma cena, nenhum objeto, nenhum f~
to, ou seja, nenhum conteúdo óbvio, literal. Se o
signi-ficado da arte pertence ao domínio da percepção sensorial,
à
parte o que representa de modo ostensivo, tal significado puramente artístico deveria ser o mais acessível
atra-vés das obras musicais. 5
o
som é o meio mais fácil de ser usado de ummodo puramente artístico, mas isso não significa que a mú
sica seja considerada como arte superior, a mais expressi
va e a mai.s universal. Além disso, é falsa a idéia de
que o que
é
válido para a música o seja também para as outras artes. Um modelo básico de propósito ou método para
a análise de todas as artes, embora convidativo, é perigo
so porque desencoraja as teorias especiais e o estudo sim
pIes e técnico. ~ mais válido que uma teoria geral
2.2. Aspectos da Relação Emoção-Objeto
A história da estética musical é acidentada , como acontece com as histórias intelectuais, sendo inevi-tável o aparecimento de várias teorias. No curso dessa reflexão e controvérsia, o problema da natureza e função da música deslocou seu centro várias vezes. Na época de" Kant, subordinava-se
à
concepção da arte como atividade cultural, e dizia respeito ao lugar da música entre as contribuições ao progresso intelectual. Desse ponto de vista, a música foi alinhada entre as mais interiores de todas as formas de arte. Os evolucionistas de épocas pos teriores buscaram sua importância a partir das suas ori-gens: se ela possuísse um valoràe sobrevivente ,ou fosse o resíduo de algum instinto ou expediente anteriormente u- -til, sua dignidade estaria salva, mesmo que nosso intere~se por ele fosse tão limitado quanto o que William James imaginava - "mera peculiaridade incidental do sistema ner voso, sem nenhuma significação teleológicall •6
sim-plista do belo, e uma visão da arte corno a satisfação du
gosto. Esta teoria da arte, que, por certo se aplica a to
das as artes, é estética no sentido mais literal, e seus
defensores sentem-se orgulhosos de não ultrapassarem os
limi tes do campo assim definido? Essa abordagem não- é
re-presentati va. Diz respeito, apenas, às reações de prazer
ou desprazer ante os sons simples ou complexos, nao apro
fundando a relação entre a emoçao e o seu objeto.
Outra forma de reaçao a música parece mais ex
pressiva: a resposta emocional que ela produz. A crença
de que a música desperta emoções remonta aos filósofos gre
gos. Platão exigiu, para seu Estado ideal, uma censura es
trita de modos e melodias, para que os cidadãos não fossem
tentados por árias fracas e voluptuosas a condescenderem
com emoções
desmoralizadoras~
O mesmo princípio éinvoca-do para explicar o uso da música na sociedade tribal, o
toque do clarim convocando exércitos para a. batalha, o
costume de embalar o bebê com cantigas de ninar, a lenda
das sereias, que se baseia em uma crença no efeito
hipnó-tico narcóhipnó-tico e tóxico da música, e assim por diante.
Apesar do fato de não haver um único registro autêntico
de qualquer mudança específica de disposição ou intenção,
ou mesmo a inibição de um impulso, operada em qualquer
pessoa por efeito da música, essa crença. no poder físico
da arte difundiu-se até os tempos moãernos. Sabe-se que a
música, na verdade, afeta o ritmo cardíaco e respiratório,
facili ta ou perturba a concentração, excita ou relaxa o
exce-çao de provocar impulsos de cantar, tamborilar, ajustar o
passo ao ritmo musical e, talvez, de fitar, prender o
fô-lego ou assumir uma postura tensa, a música comumente nao
9
influencia o comportamento. Essas influências somáticas
parecem afetar as pessoas indistintamente, sejam elas
a-preciadoras ou não de música, e são, portanto, funções de
som mais do que funções de música.
Os resultados das experiências realizadas
a-crescentam muito pouco ao fato conhecido de que a maioria
das pessoas relaciona sentimentos com a música, e
acredi-ta ter determinados sentimentos sob a influência da
mú-sica. Charles Avison, musicólogo e organista inglês,
a-diantou, sem evidência experimental, em 1775, que "a
for-ça do som em alarmar as paixões
é
prodigiosa", e que a música "naturalmente desperta uma variedade de paixões no
peito humano, similares aos sons que sao expressos; e
as-sim, pela arte do"- músico somos alternadamente
exal-tados com júbilo, ou afundados em tristeza agradável,
in-citados à coragem, ou esmagados por gratos terrores,
des-feitos em piedade, ternura e amor, ou transportados às re
giões de bem-aventurança, em êxtase de louvor divino ..
IO
Segundo Rousseau, Marpug, Mattheson, C. Ph.E.
Bach, "dado que um músico não pode comover as pessoas de
outro modo, exceto comovendo-se a si mesmo, deve
necessa-riamente ser capaz de produzir nele mesmo todos esses afe
tos que gostaria de despertar em seus ouvintes; ele Eles
transmite seus sentimentos, movendo-os, assim, o mais ra-_ . ~. //11
A crença de que a música é uma catarse emocio nal foi amplamente aceita por filósofos e músicos. De Rous seau a Kirkegaard e Croce, entre os filósofos, de Marpug a Hausegger e Riemann, entre os criticos de música, mas acima de tudo entre os próprios músicos disseminou-se a convicção de que a essência da música
é
a auto-expressão. Beethoven, Schumann, L~zt7 por exemplo, deixaram testemu-nhos nesse sentido. O critico musical, geralmente,é
de opinião que toda música comovente e plangente deve tradu-zir alguma experiência pessoal, o êxtase ou desespero da própria vida do artista; e a maioria dos apreciadores de música aceita a afirmação de Henri prunieres de que,se-jam quais forem os sentimentos que um compositor transmi-ta, "podemos ficar certos de que ele não expressará esses sentimentos com autoridade, a menos que os tenha experi-mentado em um dado momento de sua existência,,12. A teo-ria da auto-expressão, que classifica a música- com "expres sões tais.como r Oh-oh r ou, en um nível superior, versos
liricos", como diz Carnap, é a concepção mais popular da
- - ~ . 13
significaçao e funçao da mUS1ca . Essa teoria explica de modo aceitável a conexão da música com o sentimento, e o mistério de uma obra de arte desprovida de assunto ex-plícito; acima de tudo, ela insere a atividade musical no âmbito da psicologia moderna.
vez mais integradas, disciplinadas e articuladas, muito
semelhante à história da liL"::fuagem, importante a partir do
momento em que se desapega de sua antiga fonte nos gritos
expressivos, e se torna denotativa e conotativa mais do
que emocional.
As leis de catarse emocional sao naturais,não
artísticas. As exclamações usuais como "Ah~" "Oh-oh!"
não são criações, mas hábitos verbais; até a afirmação da
enunciação do pensamento não se baseia no fato de que tais
palavras foram imaginadas com propósitos psicocatárticos,
mas de que são tabus, e a quebra de um tabu produz alívio . 114
emOClona •
Pode-se argumentar que ao tocar música o
in-divíduo busca e freqüentemente encontra, auto-expressão.
A imensa variedade de interpretações que diferentes
exe-cutantes ou ouvintes dão
à
mesma peça ~ diferenças atéde conteúdos gerais de sentimento, como tristeza, raiva,
alegria, impaciência - faz parecer que esses deviam ser
os próprios sentimentos do compositor no momento da
cria-ção artística. No entanto, ele não poderia provavelmente
ficar sentindo todas as diferentes emoções que sua
compo-sição parece capaz de expressar. O certo
é
que a músicapode ser usada para descarregar experiências subjetivas e
restaurar o equilíbrio pessoal, mas essa" nao
é
sua funçãoprimária.
Se a música tem qualquer sigr!ificação, é
se-mântica, não sintomática. Seu significado não
é
o de umcor responde ao conteúdo conceitual da linguagem - é
emi-nentemente simbólico. A música não é a causa ou a cura de
sentimentos, mas sua expressão lógica; assim, ela tem
mo-dos especiais de funcionamento, que a tornam
'identificá-das com a linguagem, e até com os símbolos
representati-vos, como imagens, gestos e ritos.
Segundo Hugo Riemann, realizaram-se várias ten
tativas de tratar a música como linguagem de emoções,
em-bora nenhuma se mostrasse realmente satisfatória. Ao que
parece, o que impediu o progresso do problema central da
forma significativa foi a falta de entendimento dos
mo-dos pelos quais as estruturas lógicas podem entrar em
vá-rios tipos de significação. Uma dificuldade inerente
ao nosso tempo - o obstáculo do excesso de conhecimento,
que força a aceitação das chamadas "descobertas" de
espe-cialistas em outros campos, descobertas que nao se
efe-tuaram com referência às investigações estéticas, e
fre-qüentemente deixam de lado o que seria mais importante .
Riemann declarou que a estética musical pode e deve
acei-tar as leis da lógica e as doutrinas dos lógicos
Na estética musical a questão central é a que
envolve a lógica interna do simbolismo. O problema
con-cerne à estrutura lógica de um tipo de símbolo que os
ló-gicos nao usam e, portanto, não se interessariam por ele.
~ um problema filosófico, que requer um estudo lógico e
envolve a música: ser capaz de definir o significado
mu-sical adequada e precisamente, mas para um contexto e um
uma filosofia do simbolismo.
A suposição de que a música é um tipo de
lin-guagem, nao do aqui e agora, mas de conteúdo conceitualg~
nuíno, é amplamente difundida, embora não de modo tão uni
versal quanto a teoria do sintoma emotivo.
o
pioneiromais conhecido nesse campo é Schonpenhauer; e tornou-se
uma espécie de vered~to aceito que sua tentativa de inter
pretar a música como símbolo do aspecto irracional da
vi-da mental, a Vontade, foi acertavi-da, embora sua conclusão,
sendo metafísica, fosse equivocada. Seja como for, sua
contribuição foi, e é indiscutível: a concepção da música
como uma semântica impessoal, real, um simbolismo com um
conteúdo de idéias, ao invés de um sinal da emoção de
in-divíduo. O princípio foi logo adotado por outros
pensa-dores, embora se polemizasse em torno do conteúdo
ideati-vo que se corporificava na linguagem de sons.15
2.3. A Música como "Linguagem de Sentimentos"
Nem todas as concepçoes de semântica musical
eram ingênuas e literais. Ao lado da evolução da pintura
de sons, ocorre o desenvolvimento da música dramática em
um sentido mais subjetivo - música que é projetada e aco
representação musical sao o amor e a saudade, a esperança
e o medo, a essência da tragédia e da comédia. Não se
trata de "auto-expressão", e sim de exposição de sentimen
tos atribuíveis a pessoas no palco ou personagens
fictí-cios em uma balada. Na música instrumental sem ação
dra-mática, pode haver uma alta significação emocional que não
seja referida a qualquer sujeito, e a convicção de alguns
autores de programa de que isto é protesto do compositor
contra a vida, grito de desespero, visão de sua amada, ou
tudo o que queiram, é uma fantasia perfeitamente
injusti-ficada. A música é uma linguagem de emoção, que expressa
o conhecimento do sentir humano por parte do compositor e
nao corno ou quando tal conhecimento foi adquirido.
Para Wagner, "o que a música expressa, é eter
no, infinito e ideal; ela não éxpressa a paixão,o amor ou
o anelo de um dado indivíduo em uma dada ocasião, mas a
paixão, o anelo ou o amor em si, e apresenta-o-naquela va
riedade ilimitada de motivações, que é a característica
exclusiva e particular da música, alheia e inexprimível
para qualquer outra linguagem,,16 .
Embora romântica, essa passagem expressa, de
modo bastante claro, que a música não é auto-expressã~mas
formulação e representação de emoções, disposições,
ten-sões mentais e resoluções de um quadro lógico de vida .
Os sentimentos revelados na música são apresentados
dire-tamente ao entendimento, a fim de que se possa
apreendê-los, concebê-apreendê-los, compreendê-apreendê-los, sem pre~ender tê-los ou
o
conteúdo da arte é sempre real. Mas se o •conteúdo for a vida de sentimento, impulso, paixão, então
os símbolos que o revelam não serão os sons ou as açoes
que normalmente expressariam esta vida, não são os signos
associados, mas as formas simbólicas, que o transmitem ao
nosso entendimento.
Raros autores que atribuem alguma significação' a
- qualquer tipo de música mantiveram essas várias espécies
de significado estritamente separadas. As emoçoes, por
sua vez, são tratadas ora como efeitos, ora como causas,
ora como conteúdos da assim chamada música emotiva.
Hanslick, opondo-se
à
concepção romântica deuma linguagem da música , declarou que a música não tran~
mite quaisquer significados, e que o conteúdo da música
são os padrões de som, dinâmicos ("toenend bewegte Formen"
= formas tonais dinâmicas} e que o tema de uma
composi-ção musical é seu conteúdo apropriado. 17
Protestando contra o uso semântico da música,
a representação da vida emotiva, o mesmo autor afirmou:
"Não é mera esgrima de palavras pr~ testar muito enfaticamente contra a
noção de 'representação', porque e~
ta noção deu origem aos maiores er-ros de estética musical. 'Represe~
-tar' algo s9mpre envolve a concepçao
eVorstellungJ de duas coisas separ~
pecífico. uma relação explícita de
refer~ncia ~ outra»~8
Sua opinião quanto às condições de representa
çao pode, é claro, ser contestada à luz de um melhor
co-nhecimento do simbolismo. O que ele diz se aplica em
ge-ral à expressa0 litege-ral, à
científicai
mas não é verdadei ro no tocante a alguns outros modos, que servem mais paraformular conhecimento do que para comunicar seus produtos
acabados.
As pretensões a uma linguagem da música, bem
como as críticas suscitadas, convidam à crítica lógica.As
sim, ao invés de discutir acerca deste ou daquele suposto
"significado", a música deve ser enfocada do ponto de vi~
ta puramente lógico, como uma possível forma simbólica de
alguma espécie. Corno tal, ele precisaria ter
caracterís-ticas formais análogas ao que quer que pretendesse
simbo-lizari quer dizer, se representasse algo, por exemplo, um
evento, uma paixão, uma ação dramática, teria de exibir
uma forma lógica que o objeto também pudesse assumir.
A figura musical que reconhecemos como tal de
ve ser uma figuração sob a qual possamos apreender a
coi-sa a que se refere.
2.4. A Música e as Estruturas Mentais
As estruturas musicais se assemelham
.
Wolfgang Koehler, o pioneiro da psicologia daGestalt, refere-se a vantagem da chamada dinâmica musical
para descrever as formas da vida mental: "De um modo qu~
se geral, os processos interiores, emocionais ou
inte-lectuais, mostram tipos de desenvolvimento aos quais se
pode dar nomes, comumente aplicados a eventos musicais,c~
mo: crescendo e diminuindo, acelerando e retardando. Ele
transpõe esses termos convenientes para a descrição do
comportamento manifesto, a reflexão da vida interior mas
atitudes e gestos físicos. Como essas qualidades ocorrem
no mundo das experiências acústicas, elas são encontradas
também no mundo visual, podendo assim expressar
caracte-rísticas dinâmicas similares da vida interior em
ativida-de diretamente observável. Ao crescente tempo
inte-rior a nível dinâmico correspondem um crescendo e
accele-rando em movimento visível. ~ claro que o mesmo desenvo!
vimento interior pode expressar-se acusticamente, como no
accelerando e reforzando da fala .•• A hesitação e a
fal-ta de determinação interior tornam-se visíveis como o
ré-tardando do comportamento visível ou audível.
Jean D'Udine, por sua vez, concebe a música
como uma espécie de gesto, uma projeção tonal das .formas
do sentir, mais diretamente refletidas na dança ~
.
ml.ml.ca
do regente orquestral e todas as gesticulações
expressi-vas do regente, são realmente uma dança •.. toda música é
dança .•. Toda melodia é uma série de atitudes. E
ain-da: Todo sentimento contribui, com efei"to, com certos
carac-"
terística essencial da Vida: o movimento •.• Todas as cria
turas vivas estão constantemente consumando seu
ri tmo interno"
~9
Este ritmo - a essência da vidapróprio
e
o
plano de fundo para as articulações especiais produzidas
pelo sentir: "Ati a vida mais rotineira apresenta
algu-mas dessas quebras no seu ritmo, fontes de alegrias e tri~
tezas sem as quais seríamos tão inertes quanto os seixos
- da estrada 20 Os ritmos são os protótipos das
estrutu-ras musicais, pois toda arte i apenas sua projeção, de um
campo do sentido a outro, uma transformação simbólica. I/To
do artista i um transformador; toda criação artística - 21
apenas uma transmutaçao"
-eAssim como Koehler usa a linguagem da
dinâmi-ca musidinâmi-cal para expressar fenômenos psicológicos, com
ba-se em sua analogia formal, D'Udine faz do movimento o pro
tótipo de formas vitais e reduz todas as artes a 'uma
es-pécie de dança. Von Hoeslin compara a dança,' a arte
plástica, ,o pensamento e o sentimento
à
música por causada analogia com as funções da vida: os relacionamentos
fundamentais na música sao tensões e resoluções; e os
pa-drões gerados por tais funções são os papa-drões exemplifica
dos em toda arte, bem como em todas as respostas emotivas.
Onde quer que puros contrastes de idiias produzam uma rea
çao, onde quer que as experiências de forma pura produzam
tensão mental, temos a essência da melodia. Assim ele
descobre Melodias da Linguagem na poesia e Melodias do :?e,!!.
sament:o na vida. Críticos mais propensos ao
assu-mindo que a música apresenta padrões de excitação que
0-correm nos tecidos nervosos, ou seja, nas fontes físicas
da emoção Assim, existem certos aspectos da chamada
vida interior - física ou mental - dotados de
proprie-dades formais similares às da música padrões de
movi-mento e repouso, de tensão e alívio, de concordância e
discordância, de preparaçao e de efetuação, de excitação
- e de mudança súbita.
o
primeiro requisito para um relacionamentoconotativo entre música e experiência subjetiva
é
uma certa similaridade de forma lógica. Não resta dúvida de que
as formas musicais possuem determinadas propriedades que
permitem o seu uso simbólico: compõem-se de muitos itens
separáveis, facilmente produzidos e combináveis em vários
modos; em si, não representam nenhum papel prático
impor-tante capaz de lhes eclipsar a função semântica: são pro~
tamente distinguidas, lembradas e repetidas; e 'finalmente,
têm notável tendência para modificar mutuamente os
carac-teres em combinação, do mesmo modo que as palavras, em
que todas servem a cada uma como contexto Os
requisi
-tos puramente estruturais de um simbolismo sao
satisfei-tos pelo fenômeno tonal chamado, "música •
Entretanto, a música não
é
uma linguagem, poisnão dispõe de vocabulário. Chamar os tons de lli~a escala
de palavras, a harmonia de gramática e o
desenvolvi-mento temático de sintaxe
é
urna alegoria inútil, poisos tons carecem de conotação fixa ou significado lexical •
no-çao de significação musical, mas não na harmonia. Esses
aspectosforarn estudados, do ponto de vista psicológico,em
uma obra competente e cuidadosa. Kurt Huber investigou
a sucessiva emergência de fatores expressivos na
apreen-são dos padrões tonais mais simples possiveis -padrões de
entoação simples de dois a três tons, despidos de todos
os elementos contextuais de timbre, ritmo, volume, etc.
,
devido
à
sua produção uniforme por instrumento elétrico ,em sucessao cronometrada e força igual.
Os resultados das experiências de Huber sao
significativos:
"1)0 estágio mais baixo da apreensao de tom produz uma impressão de cor de
tom do complexo tonal inteiro ou de
uma diferença entre cores tonais dos tons separados.
2)Os significados transmitidos pela
impressão de brilho tonal envolvem estados ou qualidades ou suas mudan
ças. isto é. mudanças passivas. A imaginação de um evento não ocorre
sem uma impressão de movimento to-nal.
3]0 fator mais primitivo na percepçao do movimento tonal é o sentido de sua direção. o que. de acordo com o autor. "constitui o ponto de parti-da parti-daquele simbolismo psicológico
de figuras (psychische Gestaltsyrnb~
lik) que encontramos na tendência
4)A apreensao de uma amplitude de
in-tervalos tonais independe deste sen
tido de direç~o; e "todo simbolismo espacial na interpretaç~o de
moti-vos tem suas ~
ralzes nessa imp~ess~o
~
de dist~ncia intertonal.'
5)A idéia de um passo musical requer
uma percepçao conjunta de distância
e direç~o tonais. "Nâo estamos exa
gerando se tornarmos toda interpre-taç30 psíquica superior diretamente
dependente da apreens~o das -formas de intervalo ou. pelo menos. se as
considerarmos como imediatamente re lacionadas a elas.
6)Impressões de consonância. dissonân
cia e parentesco (Zusammengehoeri~
keit) requerem a noç~o de passo
mu-sical ou progressão (não foram da-dos tons simultãneos; a pesquisa b~
seava-se em elementos melódicos).
7)Um acento subjetivo pode-simplesme~
te recair sobre o tom que é mais im portante do ponto de vista
harmôni-co quando o ouvinte organizou o
in-tervalo; ele sugere ou nao. uma es-trutura rítmica.
8lA ritmização subjetiva. quando ocor reI baseia-se na acentuaç~o mental.
Na medida em que a acentuação men-tal pode ocorrer sem qualquer ênfa-se real (como sucedeu necessariamen
te nessas experiências). resulta que o problGma do ritmo na m~sica nao
te temporal e o "ritmo musical".qui
mais tarde resulta da organização
interna e tonal do motivo.
Assim parece deste ponto de vista
(que é compartilhado. incidentalmen te. por Ohmann) que o ritmo m~sical.
em contraste com o mero ritmo temp~
ral das medidas. origina-se nas·
re-lações de Gestalt interiores ao pr~
prio motivo. Esta conclusão corro
bora pela evidência científica as doutrinas de Heinrich Schenker no
tocante ao compasso e ritmo. isto e. que o ritmo é função do movimento to nal. não da divisão de tempo; seme-lhante movimento depende tanto da
tensão melódica e harmõnic~ e da di
22
reção quanto do compasso.
Dessa maneira, vários fatores expressivos
es-tão envolvidos nas mais simples estruturas mus.icais e exer
cem funções na transmissão da mensagem musical. As
infle-xões de voz entram também na "expressividade musical" da
fala, mas não alteram o conteúdo de uma enunciação ~,'
que
é
somente determinada pelo vocabulário e pelasintaxe, pois no máximo podem afetar nossa reaçao
à
declaraçao. Os fatores semânticos musicais, todavia, nunca
fo-ram isolados. Os estudos de Schweitzer e Pirro
,
queinvestigaram o vocabulário emocional de Bach, correlacio
nando figuras musicais com as palavras que ele comumente
lhes atribui, indicam certas associações na mente de Bach,
cola, mais do que leis musicais de expressa0. Segundo
Hu-ber observou na sua investigação, '-é impossível determinar
o valor expressivo absoluto de intervalos separados
(ter-ceiro, quinto etc.) porque seu diapasão absoluto afeta a
clareza dos seus constituintes e, com isso, suas qual
ida-des de contraste, apreensibilidade etc.
A música, embora não tenha as propriedades ca
~racterísticas da linguagem - termos separáveis com conota
ções fixas e regras sintáticas para derivar conotações com
plexas sem qualquer perda para os elementos constituintes-,
pode ser um símbolo apresentativo e apresentar experiência
emotiva por meio de formas globais que são indivisíveis co
mo os elementos do claro-escuro. Esse ponto de vista já
foi sugerido Parece particularmente difícil apreender
a idéia de que algo possa ser conhecido e não possa ser
denominado. Assim, filósofos e críticos negaram a simboli
zação musical da emoção, baseados no fato de que,como Paul
Moos o'expressa, Ma música instrumental pura
é
incapaz detraduzir até os sentimentos mais comuns, tais como amor
,
lealdade ou ira, de maneira não ambígua e distinta, por
~3
seus próprios poderes sem ajuda' - . Heinrich, igualmente,
afirma: "Existem muitas obras musicars de alto valor
ar-tístico, que nos desconcertam completamente quando
tenta-mos denotar por urna palavra o estado de ânimo que
suposta-mente transmitem. Só isto basta para tornar inteiramente
insustentável a concepção da música como arte sentiment.al 24
ou arte de expressar sentimentos" . A. Gehring,
cal signifique algum sentimento, memória ou idéia denominá
vel, declara: "Até que isso seja feito, precisamos negar
que a sirnbolização seja responsável pelo encanto essencial
da arte".25
Os argumentos acima baseiam-se nas suposições
de serem absolutas as rubricas estabelecidas pela
lingua-gem, de modo que qualquer outra semântica tem de efetuar
as mesmas distinções que o pensamento discursivo e
indivi-dualizar as mesmas coisas, aspectos, eventos e emoções. O " que é criticado por esses autores é na realidade a força
da expressividade musical: a música articula formas que a
linguagem não pode expor. Justamente porque a música nao
possui a mesma terminologia e o mesmo padrão, ele serve a
-revelação de conceitos nao -' verbais. Traduzir "ossen-timentos mais comuns, corno amor, lealdade ou ira, de manei
ra não-ambígua e distinta", seria duplicar o que as denomi
naçoes verbais fazem com bastante clareza.
Por serem as formas do sentimento humano mais
congruentes com as formas musicais do que com as formas da
linguagem, a música pode revelar a natureza dos
sentimen-·tos' com um pormenor e uma verdade de que a linguagem nao
-consegue aproximar-se. Essa peculiar expressividade damu-sica, corno semãntica de fatos vitais e emocionais, foi des
coberta por Huller, colaborador do Beitraege zur Musik de
Marpug. Segundo esse autor, "há sentimentos tão
cons-tantemente suprimidos pelo tuml!lto de nossas paixões, que
só logr~n revelar-se timidamente e são praticamente