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Déficit zero ou superávit primário?

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Déficit zero ou superávit primário?

Folha de S. Paulo

Marcos Cintra – 11/07/2005

A atual crise política brasileira estimulou o governo a procurar uma “agenda positiva”. Eis que, providencialmente, surge uma “nova” proposta de política econômica, de autoria do deputado Delfim Netto, batizada de “déficit zero” e que promete estabilização com crescimento. A sugestão foi apresentada em invólucro de novidade e vem sendo objeto de maciça campanha mercadológica.

Em realidade, o “déficit zero” não contém elementos conceituais de inovação. Pelo contrário, é o aprofundamento e a radicalização da política de estabilização econômica que vem sendo seguida desde 1999. Falar em déficit nominal zero ou em ampliar o superávit primário em 2,5 pontos percentuais é rigorosamente a mesma coisa. Contudo, paradoxalmente, a proposta vem sendo interpretada como uma alternativa simpática e eficaz e não causa os mesmos arrepios de repúdio do que se o governo anunciasse que elevaria a meta do superávit primário.

Uma primeira conclusão: conceitualmente, o simpático “déficit zero” e a odiada política do FMI de geração de superávits primários são metas quantitativamente equivalentes. Gerar um superávit primário maior, capaz de suportar todo o serviço da dívida pública, equivale a produzir déficit nominal zero. Trata-se de truísmo.

Contudo o que diferencia o “déficit zero” de um mero aprofundamento da atual política econômica são: a) diferenças de dosagem na fixação das metas quantitativas; e b) os métodos e mecanismos de geração dos excedentes

orçamentários.

A política monetária de Malan e de Palocci fixa metas de inflação e usa a gradação dos juros como variável

instrumental. Paralelamente, há o compromisso de obtenção de superávit primário que reduza a relação dívida/PIB, tida como uma das causas da elevada taxa de juros praticada na economia.

A proposta do “déficit zero” subverte essa hierarquia. Estabelece, constitucionalmente, obrigatoriamente, o nível do superávit primário necessário para estancar o crescimento vegetativo da dívida pública e subsidiariamente fixa juros compatíveis com uma adequada expectativa inflacionária.

Essa diferença não é explicitada, ou seja, não se admite o enfraquecimento da política de metas de inflação. Pelo contrário, o raciocínio apresentado admite, em princípio, uma evolução causal virtuosa, como segue: a

obrigatoriedade de zerar o déficit público irá gerar expectativas positivas tanto do ponto de vista inflacionário como no quadro de solvência nacional, permitindo uma queda na taxa de juros. Por outro lado, a contenção dos gastos

públicos e a liberação de recursos para investimentos no setor privado causariam efeitos positivos na oferta, estimulando o crescimento econômico. A inflação continuaria sob controle mediante a aplicação da graduação da Selic em torno do novo, e mais baixo, patamar de juros.

Mas, no entanto, é possível que a economia tenha uma evolução menos favorável: a queda inicial nos juros estimularia os “espíritos animais” dos empresários, como diria Keynes, expandindo a demanda agregada. Os estrangulamentos na infraestrutura acumulados pela falta de investimentos no passado (exemplo, energia elétrica e transportes) pressionariam a inflação. Nesse caso, os juros teriam de ser elevados, mas os mandatos constitucionais de “déficit zero” implicariam constrangimentos à liberdade da política monetária. Por sua vez, a instabilidade

resultante reforçaria a elevação dos juros, e apenas uma contenção fiscal profunda, politicamente insustentável, seria capaz de conter a recidiva inflacionária.

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termos de probabilidades de ocorrência.

Também cumpre apontar méritos e deméritos da proposta.

Como ponto positivo, surge a mudança de ênfase nos mecanismos de geração de superávits orçamentários, que passariam do aumento da extração tributária, como tem sido até agora, para a redução dos gastos públicos. Trata-se de diferença qualitativa de enorme impacto, do que provavelmente resultariam significativos aumentos de eficiência produtiva. Ademais, a proposta do “déficit zero” contém elementos de heroísmo e de dramaticidade que poderiam produzir resultados favoráveis no curtíssimo prazo, ainda que de sustentabilidade não-garantida. Há ainda a possibilidade de reversão na perniciosa tendência de crescimento da carga tributária que vem acontecendo nos últimos anos, bem como a conscientização da importância do “choque de gestão” para tornar o setor público mais eficiente.

Os pontos negativos são igualmente significativos. A constitucionalização da política econômica pode tornar-se um grande estorvo, como, aliás, reconhecido pelos defensores do “déficit zero” ao proporem a ampliação da DRU (Desvinculação das Receitas da União) para desengessar o Orçamento público. A perda de graus de liberdade da política monetária pode ser outra notória desvantagem da proposta, sem falar nos riscos políticos de uma política fiscal excessivamente contencionista e na eleição dos gastos sociais vinculados na educação e na saúde como primeiros candidatos ao cadafalso via ampliação da DRU.

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 59, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal (1999-2003). Atualmente é secretário das Finanças de São Bernardo do Campo. É autor de “A verdade sobre o Imposto Único” (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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