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O banco mundial e o combate à pobreza no nordeste: o caso da Paraíba.

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Academic year: 2017

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INTRODUÇÃO

O artigo analisa como, a partir do financia-mento de projetos de desenvolvifinancia-mento, as agênci-as in ternacionais in terferem n ão apen agênci-as n agênci-as pro-posições, mas na execução, nos objetivos e na pró-pria lógica desses projetos. No caso em tela, anali-saremos o Projeto Cooperar (Projeto de Combate à Pobreza Rural do Estado da Paraíba), qu e con ta com financiamento do Banco Mundial.

O Projeto Cooperar é parte de um programa mais amplo do Banco Mundial, de combater à po-breza rural no Nordeste, o Northeast Rural Poverty

Alleviation Program – Programa de Alívio da

Pobre-za Rural no Nordeste –, e está plenamente articula-do às novas estratégias dessa instituição, delineadas a partir do objetivo de combater a pobreza através do estímulo à participação das populações locais na definição dos investimentos do Estado.1

O BANCO MUNDIAL E O COMBATE À POBREZA NO

NORDESTE: o caso da Paraíba

Flávio L úcio Rodrigues V ieira

*

Nossa an álise tem por base docu men tos produ zidos pelo Ban co Mu n dial e pelo órgão do Governo da Paraíba responsável pela execução do

Projeto Cooperar. Acreditam os qu e seu exam e

permite con statar u ma ampliação das limitações não apenas do Estado nacional brasileiro, mas também das esferas de poder su bn acion ais, de elaborar projetos de desenvolvimento fundados em estratégias n acion ais e (ou ) region ais. Essas estratégias foram abandonadas por orientações p a u t a d a s p e l o s l o c a l i s m o s e , p o r t a n t o , fragm en tárias, qu e se origin am por den tro de in stitu ições extern as, a exem p lo d o Ban co Mu n d ial, cu ja exp licitação é ap resen tad a em projetos como o que aqui vamos analisar.

Essas proposições estão em estrita con so-nância com o novo paradigma de desenvolvimen-to su sten tável, in trodu zido n o Nordeste desde 1994, depois da conclusão do Projeto Áridas (Bra-sil, 1994), e reafirmadas, a partir de 1995, com a elaboração, de planos de desenvolvimento susten-tável pelos governos estaduais dessa Região (Vieira, 2004). Não cabe aqu i discu tir esse processo, ape-n as iape-n d icar qu e as p rop ostas esboçad as são declaradamente defendidas pelo Banco Mundial e

* Dou tor em Sociologia, p ela UFPE. Professor d o Dep arta-m en to d e História e d a Pós-Grad u ação earta-m História e Serviço Social da Un iversidade Federal da Paraíba – UFPB. Ru a João Cabral d e Lu cen a, n .º 320/503 – Bessa – João Pessoa.PB Cep :58035-105. flaviolu ciov@u ol.com .br

1 O Projeto Coop erar tem seu s sim ilares n o Nord este. Na

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se inserem no amplo quadro de reestruturação do Estado qu e ocorre desde en tão, n o Brasil e n o Nordeste.

Tais características se revelam, em primeiro lugar, no que se refere ao problema do combate à pobreza. No Relatório sobre o Desenvolvim ento

Mundial, de 1990 (Banco Mundial, 1990), que teve

a pobreza como tema central, foram esboçadas es-tratégias para combatê-la, tendo como objetivo prin-cipal declarado a criação de oportunidades econô-micas para a geração de renda. Para o Banco Mun-dial, é isso que justifica a proposta de desenvolvi-mento sustentável, como foi explicitado, dois anos depois, no relatório sobre desenvolvimento mun-dial, de 1992, cuja temática focalizava as relações entre desenvolvim ento e m eio am biente (Banco Mundial, 1992, p.1). Nesse documento, foram reto-m ad os os argu reto-m en tos acerca d o crescireto-m en to populacional, abordagem habitual nos anos 1970, especialmente após a publicação do célebre relató-rio do Clube de Roma, intitulado Lim ites do

cresci-m ento (Meadows et al., 1978), com seus impactos sobre o desenvolvimento econômico agora já ajus-tados à nova conjuntura de hegemonia neoliberal.

N o s a n o s 1 9 9 0 , a s a n á l i s e s fo r a m redirecionadas para um outro limite do crescimento econômico, a pobreza, segundo o Banco Mundial, a principal geradora da degradação ambiental (Ban-co Mundial, 1992, p.28-31). Dessa forma, é possí-vel inferir que, para o Banco Mundial, a pobreza se configura como a variável principal que explica o crescimen to dos problemas ambien tais, o qu e n os permite con clu ir sobre qu em são os gran des respon sáveis pelos problemas ecológicos atu ais. Por isso, para o Ban co Mu n dial, “o alívio da po-breza é tan to u m imperativo moral como u m re-qu isito p révio in d isp en sável p ara ch egar a sustentabilidade ambiental. Os pobres são ao mes-mo tempo vítim a e agente da degradação do meio ambiente” (1992, p.32). Ao mesmo tempo, afirma que “h á uma sinergia considerável entre o alívio da pobreza e a proteção do meio ambiente.” (p.34). Assim , o d esen volvim en to su sten tável d eve compatibilizar crescimento econômico, combate à pobreza e preservação ambiental, e a estratégia

pro-posta é dirigida especificamente para os países “em desenvolvimento” (Banco Mundial, 1992).

Nos relatórios de 1990 e 1992, conjugaram-se dois pon tos cen trais qu e con stitu irão o fu n da-mento da estratégia de desenvolvida-mento proposta pelo Banco Mundial para os países “em desenvol-vimento” e que determinarão a lógica dos progra-mas fin an ciados pelo BIRD a partir da década de 1990: combate à pobreza e desenvolvimento local. Assim, a relação entre sustentabilidade ambiental e desen volvimen to só pode se realizar pelo com-bate à pobreza. Ressalte-se também que o elemen-to cen tral da estratégia de desen volvimen elemen-to su s-tentável é a participação das comunidades locais:

Os en foqu es baseados n a participação têm três v a n t a ge n s p r i n c i p a i s : a ) p e r m i t e m a o s planejadores compreender melh or os valores, os con h ecimen tos e a experiên cia da popu lação lo-cal; b) ajudam a ganh ar o respaldo da comunida-de quanto aos objetivos dos projetos e a assistên-cia comu n itária para a execu ção ao n ível local, e c) podem aju dar a resolver os con flitos com res-peito ao u so dos recu rsos (Ibid., 99).

Não é à toa, portanto, que combate à pobre-za e desenvolvimento local aparecem como verda-deiras panacéias nas discussões e nos projetos de desen volvimen to desde en tão, sen do qu e ambos os termos são partes essen ciais do con ceito de desenvolvimento sustentável. No entanto, a tran-sição para a h egemon ia dessas idéias e práticas durou pelo menos duas décadas até que elas apa-recessem na forma como se apresentam hoje.

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DO POLONORDESTE AO PROJETO ÁRIDAS: dos pólos de desenvolvimento ao desenvol-vimento local

A Sudene, criada em 1959, foi a instituição que ajudou a consolidar o processo de integração do Nordeste ao mercado nacional e coordenou as ações do Estado brasileiro na região, sendo, portan-to, o principal instrumento da modernização eco-nômica e social do Nordeste. A sua constituição é resultado das preocupações desenvolvimentistas predominantes à época, e, sem dúvida, é a expres-são mais bem acabada de u m pen samen to qu e se t or n ou a ç ã o, n a s c id o s ob a in flu ê n c ia d o desen volvimen tismo brasileiro e, em gran de me-dida, da obra de Celso Fu rtado.

No início dos anos 1970, uma nova estraté-gia de desenvolvimento foi elaborada, e o papel da Su den e foi redefin ido, com a perda de su a au to-nomia relativa para formular as políticas de desen-volvimento regional. Quando foi criada, a Sudene era vinculada diretamente à Presidência da Repú-blica. A partir de 1972, a estratégia de desenvolvi-mento regional brasileiro passou a ficar atrelada à estratégia dos Planos Nacionais de Desenvolvimen-to (PND). Desde então, tais definições foram con-centradas no Ministério do Planejamento. A nova estratégia tinh a por base a criação de con dições para a in ten sificação do processo de in tegração inter-regional, através do Plano de Integração Na-cion al (PIN), qu e con cen trou su as ações n a con s-t r u ç ã o d e r o d o v i a s , c o m o fo i o c a s o d a Tr a n s a m a z ô n i c a , a l é m d o Pr o gr a m a d e Re d is t r ib u iç ã o d e Te r r a s e d e Es t ím u lo à Agropecuária do Norte-Nordeste (Proterra). O ob-jetivo desse Programa era favorecer o deslocamen-to dos “excedentes” populacionais, especialmente nordestinos, para a nova fronteira agrícola locali-zada no Norte e no Centro-Oeste, procurando, com isso, dimin u ir as pressões decorren tes da gran de concentração de terras na região, para preservar a secular estrutura fundiária do Nordeste.

Essas redefinições começaram a se confor-mar n o I PND (1972-1974), qu e represen tou u ma mudança na concepção do papel da agricultura no

desen volvimen to econ ômico do país, com refle-xos diretos sobre a qu estão agrária, por dois as-pectos. O primeiro, é o abandono de uma concep-ção que tinh a na resoluconcep-ção do problema agrário a via para a modernização das estruturas sociais do Nordeste (e do Brasil); e o segundo, a substituição da estratégia de desenvolvimento regional global por uma estratégia de pólos de desenvolvimento. Para Gonçalves Neto (1997), a estrutura fundiária, pela primeira vez, deixa de ser apresentada como um dos gargalos do processo de desenvolvimento nacional, abolindo-se a reform a agrária como ele-mento estratégico das políticas de desenvolvimen-to. Com o Proterra, por exemplo, preten deu -se viabilizar a agricultura nordestina, estimulando a racionalização da sua estrutura agrária com a in-trodu ção de n ovas tecn ologias, com ên fase n a a irrigação.

Em 1974, o Governo Federal lançou o Pro-grama de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (Polonordeste), e o Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região Semi-árida do Nordeste, o Projeto Sertanejo. Esse Projeto era dirigido no sentido de estimular o desenvolvimen-to d as áreas secas d o Nord este. Qu an desenvolvimen-to ao Polonordeste, antes de qualquer coisa, é relevante reconhecer que esse projeto é a expressão mais bem acabada da nova estratégia de desenvolvimento re-gional, pois se volta para a concentração dos inves-timentos em determinados espaços considerados estratégicos (Valle, 1977), expressando, como seu próprio nome indica, uma estratégia de criação de “pólos de desenvolvimento” regionalmente articu-lados. Por outro lado, ele representa uma inflexão decisiva da estratégia de desenvolvimento rural, cujo delineador mais importante é o Estado.

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paço econ ômico, as qu ais desempen h ariam u ma força centrípeta na atração de novos investimentos (Perroux, 1974). Esses pólos estabeleceriam rela-ções com ou tros espaços polarizados através da estruturação de sistemas de transportes e comuni-cações, estru tu ran do eixos de desen volvimen to. Procurava-se, com os investimentos nas áreas de-limitadas, produzir efeitos irradiadores na econo-mia regional.

É conveniente lembrar aqui a reverberação dessas formu lações n o âmbito do plan ejamen to region al n a década de 1990, especialmen te n as primeiras elaborações do govern o de Fern an do Henrique Cardoso sobre um projeto de desenvol-vimento sustentável para o Nordeste, aspectos que analisamos em outro lugar (Vieira, 1997). Uma outra permanência que se mostra presente nas elabora-ções sobre desen volvimen to su sten tável diz res-peito à diferenciação que Perroux faz entre

cresci-m ento e desenvolvicresci-m ento. Para Perrou x, o fun

da-mento do desenvolvida-mento “é a combin ação de mudanças sociais e mentais de uma população que a torn am apta a fazer crescer, cu mu lativamen te e de man eira du rável [diz-se h oje sustentável] seu produ to real, global” (Perrou x, apud An drade, 1973, p.55). Ou seja, o desenvolvimento exprime um avanço que transcende os dados materialmente verificáveis, econômicos, expressando mudanças culturais, sem as quais sua reprodução se torna inviável. O desenvolvimento tem um impacto mais homogêneo na sociedade, ao passo que “o cresci-mento não surge em toda a parte ao mesmo tempo; manifesta-se com intensidades variáveis, em pon-tos ou pólos de crescimento; propaga-se, segundo vias diferentes e com efeitos finais variáveis, no con-junto da economia.” (Perroux, 1967, p.164).

Rigorosamente, está nessa ação planejada o resultado mais visível da econ omia n ordestin a contemporânea.2 Os pólos de desen volvimen to

lograram alcançar expressivos níveis de crescimen-to de produtividade e incremencrescimen-to tecnológico, mas os efeitos propagadores esperados para o restante

da economia regional – objetivo do Polonordeste (Valle, 1977, p.20) – pou co se fizeram sen tir. Ao con trário, as d esigu ald ad es esp aciais foram man tidas e, em mu itos casos, até aprofu n dadas, qu an do n ão recriadas, e agravou -se a con cen tra-ção de renda. Um caso paradigmático é o dos pro-gramas de colon ização criados pela Codevasf, n o Vale do São Fran cisco, qu e acabou por colocar o con trole das terras destin adas à fru ticu ltu ra n as mãos de gran des empresas e de famílias tradicio-nais, principais beneficiárias dos programas de ir-rigação (Da Silva, 1989).

O Polonordeste funcionava da seguinte ma-neira: os técnicos do projeto dividiam a região em áreas geográficas, que recebiam ações planejadas setorialmen te (estradas, edu cação, saú de, san ea-mento, assistência técnica, comercialização), ten-do em vista as deficiências para o crescimento. No trech o citado a seguir, Antônio Roch a Magalh ães (2000) – técn ico do Min istério do Plan ejamen to n os an os 1970, Secretário de Plan ejamen to do Govern o do Ceará (1987-1990), coorden ador do

Projeto Áridas (1993-1995) e assessor principal do

Banco Mundial para o Brasil desde 1996 – analisa as limitações da estratégia do Polonordeste.

A estratégia DRI [Desen volvimen to Ru ral In te-gr a d o] t in h a lógica , m a s d ep en d ia d e u m arcabou ço in stitu cion al avan çado, o qu e n ão se en con tra em áreas atrasadas. Aí h avia u ma con -tradição em termos. Como cada ação deveria ser execu tada pela in stitu ição setorial respectiva – por exemplo, a assistên cia técn ica pela Agên cia Govern amen tal de Assistên cia Técn ica (n a épo-ca, a Embrater, n o âmbito federal, e a Emater, n o estadu al) – acabava-se com u ma impossibilida-de impossibilida-de coorimpossibilida-denação impossibilida-de um granimpossibilida-de número impossibilida-de agên-cias. Qu an do recebia os recu rsos, a Emater pre-feria u tilizá-los n as su as próprias prioridades setoriais. E quando os utilizava na mesma região, o faziam n u m tempo diferen te do das demais agên cias. Qu an do o projeto dava certo, a Emater tin h a o mérito. Qu an do n ão dava, era o PDRI. Além do mais, a maior parte dos recu rsos era u tilizada n a bu rocracia das agên cias execu toras. Cerca da metade, apen as, era aplicada em ações finais e, como visto acima, não havia a integração d esejad a p elos p lan ejad ores. O arcab ou ço institucional era complicadíssimo. Além das inú-meras agên cias estadu ais, h avia a coorden ação region al n a Su den e, a coorden ação n acion al n o Min istério do In terior, a su pervisão n o Min isté-rio do Plan ejamen to e n o Ipea (Magalh ães, 2000, p.2-3).

2 Para u m a an álise global d os resu ltad os d as ações d o

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A análise acima indica que o principal pro-blema dos planos de desen volvimen to in tegrado era a centralização da burocracia estatal no contro-le das defin ições de in vestimen tos e liberação de recu rsos. Essa crítica à bu rocratização do Estado evoluirá, nos anos 1990, como veremos, para uma pregação contra a presença reguladora do Estado, elemento justificador das políticas de desenvolvi-men to local. Nu ma an álise retrospectiva e ten do em vista as preocupações atuais do Banco Mundi-al, torna-se relevante também ressaltar, na análise acima, a estratégia de racion alização do u so dos recu rsos, qu e ju stifica tan to a n eu tralização do Estado n o con trole das políticas de desen volvi-mento – o que é considerado fator de desperdício –, bem como a redu ção do seu papel, até en tão intransferível, de organizar o espaço nacional e region al. Esse dois aspectos, ju n tos, aju dam a le-gitimar uma ideologia que valida um comportamen-to político aparentemente despolitizado dos diri-gen tes estatais, qu e n ão têm mais fu n ção de criação e elaboracriação estratégica, a n ão ser a reprodu -ção de um modelo cujas diretrizes já estão previa-mente delineadas.

Não era esse o caso n os an os de 1970, já que os governos militares ainda controlavam com certa rigidez a ação do Estado no desenvolvimento e c o n ô m i c o .3 M a s , é p o s s í v e l d i z e r q u e o

Polonordeste representa um embrião das futuras políticas do Ban co Mu n dial. Na segu n da metade da década de 1970, o Ban co Mu n dial in icia su a atu ação n o fin an ciamen to de projetos de desen -volvimento rural, vinculado ao Polonordeste. Em 1978, por exemplo, o Estado de Paraíba obteve fi-nanciamento para o Projeto de Desenvolvimento Rural Integrado do Brejo Paraiban o (Wolrd Ban k,

1987). A participação do Banco Mundial no finan-ciamento de projetos voltados para o desenvolvi-men to ru ral, n o fim da década de 1970 e meados da década de 1980, foi fundamental para aperfei-çoar os mecanismos de atuação do Banco no Bra-sil. Essa estratégia, centrada no desenvolvimento rural, que posteriormente “evoluiu para o comba-te à pobreza” (Magalhães, 2000), será fundamental para con solidar a forma de atu ação do BIRD nos anos 1990.

A experiên cia qu e o Ban co Mu n dial acu -mulou desde então resultará numa nova estratégia de desenvolvimento para o Nordeste, que combi-na estratégias cada vez mais “globais”, isto é, adap-tadas às estratégias dos países desenvolvidos. Se-gundo Chesnais, essa mudança pode ser explicada qu an do, a partir dos an os 1980, o investim ento

externo direto foi drasticamen te redu zido para

mu itos países periféricos, o qu e fez com qu e as políticas de combate à pobreza passassem a ocu -par um lugar cada vez mais central nas estratégias de desenvolvimento para instituições como o Ban-co Mundial. Ao mesmo tempo em que o Ban-combate à pobreza ganhava centralidade, “o tema do desen-volvimen to foi colocado em su rdin a” (Ch esn ais, 1996, p.313). Ou seja, a crise da década de 1980, ocasion ada, em gran de medida, devido aos cres-centes impactos do endividamento externo, cujos r e fl e x o s d e s a gr e ga d o r e s s o b r e o Es t a d o desenvolvimentista no Brasil foram ressaltados por vários autores, entre os quais citamos Fiori (1994), constitui um campo aberto para a implementação de novos modelos de ascendência neoliberal. Se-gundo o próprio Banco, o enfoque mudou nas úl-timas décadas, deslocando-se dos projetos de infra-estrutura “para um paradigma mais abrangente de desenvolvimento, contando com a colaboração dos govern os federal, estadu al e mu n icipal”, associa-do também ao significativo apoio daassocia-do a projetos de “reformas políticas e in stitu cion ais”, ou seja, de reforma do Estado. No plano da ação econômi-ca, o “en foqu e recen te tem sido n as reformas dos setores fiscal, fin an ceiro, elétrico, ambien tal e de desenvolvimento humano” (Banco Mundial, 2004, p.1-3). É relevante observar, ainda, a crescente par-3 Para corroborar tal afirm ação, é su ficien te observar as

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ticipação das agências externas no financiamento de políticas pú blicas. No caso do BIRD, a partici-pação dessa in stitu ição já represen ta 12% de to-dos os in vestim en tos pú blicos n o Brasil. “Os empréstimos do Banco Mundial, que compõem uma grande parcela do investimento público brasileiro, estão altamente concentrados na redução da pobre-za e no financiamento de programas destinados à região Nordeste” (2000, p.4). Com um volume tão expressivo de empréstimos, e não sendo o BIRD uma entidade de propósitos humanitários, os “cui-dados” em preservar a capacidade do país de conti-nuar a pagá-los, para conticonti-nuar a recebê-los, são incluídos entre as ações de apoio do Banco, especi-almente em momentos de crise financeira:

Desde a eclosão da crise em diversas econ omias de mercado emergen tes, em meados de 1997, o Ban co Mu n dial vem iden tifican do ou tras áreas nas quais o seu apoio pode ser mais útil ao Brasil. Como parte desse esforço, preparou análises e

recom endações sobre ajuste fiscal através de re-form as estruturais e apoiou as autoridades fede-rais para garantir que a austeridade fiscal e o

desaqu ecim en to econ ôm ico n ão tivessem u m impacto desproporcion al n as popu lações mais vu ln eráveis. (2004, p.3-4, grifos n ossos)

Como já salientamos, a conjuntura da déca-da de 1980 foi marcadéca-da pela crise déca-da dívidéca-da e pelo con seqü en te esgotam en to do ch am ado Estado desenvolvimentista no Brasil. Esse fato é essencial para se entender o aumento da ingerência dos or-ganismos financeiros multilaterais nas estratégias de desenvolvimento nacional. É significativo tam-bém lembrar que os anos do governo do presiden-te José Sarn ey são de tran sição e marcados por forte crise econômica e descontrole inflacionário. Os fin an ciamen tos de organ ismos como o Ban co Mundial, devido a limitações fin an ceiras cau sa-das pelo comprometimento fiscal com o pagamen-to dos serviços da dívida, acabaram con stitu in do u ma n ecessidade para a preservação do modelo que estava sendo gestado. A presença das agênci-as de financiamento externo (BIRD e BID) nagênci-as po-líticas de desen volvimen to n o Nordeste, desde en tão, se torn ará cada vez mais visível, especial-men te a partir do in ício da década de 1990, mo-men to decisivo de reorien tação e adesão do

Esta-do brasileiro às políticas de liberalização econômi-ca e de reforma.

Dados sobre empréstimos do BIRD e do BID para financiamento de projetos desenvolvidos no Nordeste podem evidenciar o que foi dito acima. Na década de 1970, por exemplo, o valor dos em-préstimos dos dois bancos para o Nordeste não al-cançou os US$ 330 milhões. Esses valores quase quadruplicaram na década de 1980, indo a pouco mais de US$ 1,3 bilhão, e a mais de 1,6 bilhão na década seguinte. Até 2004, esses valores já alcança-vam os US$ 648 milhões (Esplar, 2004). Ou seja, de um total de US$ 2,36 bilhões em empréstimos liberados entre 1970 e 2004, apenas 13,9% (US$ 329 milhões) foram liberados na década de 1970.

A nova estratégia do Banco Mundial acom-panha as redefinições que ocorreram nos organis-mos in tern acion ais n a década de 1980, como já tivemos a oportu n idade de demon strar em ou tro trabalho (Vieira, 2004), no transcurso dos debates sobre a nova estratégia de desenvolvimento para os países “em desen volvimen to”, qu e viria a ser conhecida como desenvolvim ento sustentável. Ao longo dos anos 1980, acontecimentos importantes no âmbito da redefinição das estratégias mundiais dos organismos internacionais terão impactos so-bre as definições das políticas de desenvolvimen-to no Brasil, enquandesenvolvimen-to, como vimos, aumentava a participação das agências externas no financiamen-to dessas políticas. Em 1988, por exemplo, o tema central do Relatório sobre Desenvolvim ento

Mun-dial, do Ban co Mu n dial foi a problemática das

fi-n afi-n ças pú blicas. Nesse docu mefi-n to, h á a defesa de uma prática que viria a se tornar corrente no Governo Federal a partir de 1995, o superávit

pri-m ário: “Para solucionar tais questões [de políticas

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agências, de desenvolvim ento com unitário, esboça-do sobre uma oposição entre as escalas local e naci-onal: “... daí a criação de governos locais que sejam receptivos aos desejos de seus cidadãos e não me-ros instrumentos do governo central.” (1988, p.169). Para consolidar essa transição, que dura um pouco mais de uma década, três iniciativas devem ser destacadas. No in ício dos an os 1980, foi cria-do o Programa de Desenvolvimento Rural cria-do Nor-deste, qu e gerou , em 1985, o Programa de Apoio ao Pequ en o Produ tor Ru ral do Nordeste (PAPP).4

O PAPP foi criado n o dia 1º de abril de 1985 e tin h a como preocu pação “dimin u ir o grau de po-breza” na zona rural (Sudene, 1990, p.2), ainda se en qu adran do, pelo men os até 1993, n a categoria de programa de desen volvimento ru ral. Depois, será red efin id o n o âm bito d a n ova estratégia centrada nas duas linhas mestras das políticas do BIRD h oje: desenvolvim ento com unitário e alívio

à pobreza.

Em 1991, foi criada, n o Con gresso Nacio-nal, a Comissão Especial Mista sobre Desequilíbrio

econôm ico inter-regional brasileiro, cujo objetivo

foi fazer u m balan ço das ações do Estado n o de-senvolvimento regional e propor ações que supe-rassem os “desequilíbrios” regionais. Essa comis-são – qu e teve en tre seu s assessores técn icos o cearen se Antôn io Roch a Magalh ães, fu tu ro coor-denador do Projeto Áridas e foi presidida pelo Se-n ador ceareSe-n se BeSe-n i Veras, qu e seria MiSe-n istro do Planejamento do Governo Itamar Franco e coman-daria a conclusão do Projeto Áridas, que abordare-mos a segu ir – produ ziu u m relatório fin al cu jas con clu sões gerais apon tavam para a n ecessidade de uma reorientação estratégica para o desenvolvi-men to region al. O relatório, entre ou tras coisas, analisou as causas dos desequilíbrios regionais no Brasil e propôs, como saída, a su peração das n o-ções tradicionais de desen volvimen to region al, influenciadas ainda àquela época pela visão do GTDN, e a adoção de u m n ovo modelo orien tado pelas novas concepções de desenvolvimento que estavam em pleno amadurecimento e que

atendi-am pelo nome de “desenvolvimento sustentável”. O docu men to in corpora as críticas às políticas desenvolvimentistas, esboçando uma concepção de Estado e de regu lação econ ômica de n ítida as-cendência neoliberal, ao defender a aplicação de m edidas com o aju ste fiscal, abertu ra extern a, desregulamentação da economia, desestatização, além da descentralização e da “delegação de com-petências” à sociedade (Brasil, 1993, p.32-33).

Em seguida à aprovação do relatório da Co-missão Especial Mista sobre Desequilíbrio

econô-m ico inter-regional brasileiro, foi criado, eeconô-m 1993,

o Projeto Áridas, cu ja missão era “elaborar” u m novo modelo de desenvolvimento para o Nordes-te. A d efin ição qu e se segu e está con tid a n a contracapa do documento final desse Projeto:

O PROJETO ÁRIDAS é u m esforço colaborativo dos Governos Federal, Estaduais e Entidades Não-Govern amen tais, comprometidos com os objeti-vos do desen volvimen to su sten tável n o Nordeste. O Áridas con ta com o apoio fin an ceiro de En -tidades Federais e dos Estados do Maran h ão, Piau í, Ceará, Rio Gran d e d o Norte, Paraíba, Pern ambu co, Sergipe e Bah ia, particu larmen te através de recu rsos do segmen to de Estu dos do Programa de Apoio ao Pequ en o Produ tor - PAPP, oriu n do do fin an ciamen to do Ban co Mu n dial. A execu ção do Áridas se dá n o con texto de coope-ração técn ica e in stitu cion al en tre o In stitu to In teramerican o de Cooperação para Agricu ltu ra - IICA e os Estados, n o âmbito do PAPP (Brasil, 1994, p.2).

Para o Projeto Áridas, u m dos pon tos qu e distinguem o novo modelo (desenvolvimento sus-tentável) do anterior (desenvolvimentista) diz res-peito à compreen são do desen volvimen to como u m “processo global”, u m ch avão u sado pelos n ovos técn icos já plen amen te in tegrados à n ova estratégia, para dizer que a visão desenvolvimentista era econom icista e exclusivamente voltada para o crescimento econômico. Especificamente, para o

Projeto Áridas, o combate à pobreza e a

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suas relações com a sociedade”, com a “redefinição dos papéis e funções das esferas públicas e priva-d as.” (1974, p .174-175). É n esse con texto priva-d e redefinições estratégicas que se verifica uma ade-são generalizada por parte dos governos estaduais nordestinos ao novo paradigma de desenvolvimen-to, a partir de 1995, com a adoção de plan os esta-duais de desenvolvimento sustentável que seguem o modelo proposto pelo Projeto Áridas e qu e têm, no combate à pobreza, o objetivo justificador de toda a política de desenvolvimento (Vieira, 2004).

A ORIGEM DOS PROGRAMAS DE COMBATE À POBREZA NO NORDESTE

Um caso sign ificativo, qu e n os aju dará a entender elementos dessa transição, é o da Paraíba. O primeiro contrato de empréstimo entre o Gover-no da Paraíba e o Banco Mundial, que daria ori-gem ao Projeto Cooperar, o 2860/BR (Brasil/BIRD, 1987), foi realizado du ran te a gestão do en tão go-vernador da Paraíba, Tarcísio Burity (1987-1990), no valor de US$ 60 milhões. O programa, elabora-do fora elabora-dos cânones que iriam prevalecer nos anos 1990, n os três primeiros an os, dirigiu su as ações p r ior it a r ia m e n t e p a r a o fin a n c ia m e n t o d e redistribuição de terras, de irrigação pública e de crédito rural (Governo da Paraíba, 1989, p.5). É importante registrar qu e, apesar das pretensões in scritas n o projeto origin al, n esses três an os de execução, nenhuma família foi assentada por ini-ciativa do Programa, ao passo qu e, dos US$ 60 milh ões previstos, apen as US$ 8,04 milh ões fo-ram executados em outros projetos (1989, p.9-11). Ain da em 1989, o con trato foi reformu lado e fo-ram abandonados definitivamente os progfo-ramas de reforma agrária.

Projetos como esse representam os últimos sopros de vida da estratégia de desen volvimen to rural integrado financiada pelo Banco Mundial. Num país da importância política e econômica do Brasil, na América Latina, é salutar que as defini-ções estratégicas esperem a consolidação de uma hegemonia ideológica, o que só acontecerá após a

eleição que ocorre em 1989, e o resultado consisti-rá no que o Financial Tim es chamou de revolução

intelectual latino-americana contra o chamado

pen-samen to popu lista (Fiori, 1995, p.9).

Em 1993, o PAPP foi reformu lado para se aju star às n ovas con cepções qu e estavam se deli-neando no âmbito do planejamento regional nor-destin o. Existiam vários problemas de execu ção do PAPP, como o “elevado saldo não desembolsa-do desembolsa-do fin an ciamen to, da ordem de US$ 500 mi-lh ões, e dos gastos com atividades-meio, como assistência técnica, pesquisa agropecuária e admi-nistração do programa.” (Soares, 1997, p.133). Não é possível compreen der essas críticas sem levar em con ta as n ovas estratégias. Os problemas ob-servados n o âm bito da adm in istração dos re-cursos destinados aos projetos de desenvolvimento e as solu ções de racion alização apon tadas para superá-los estão dentro do quadro das reorientações propostas e se aju stam às n ovas con cepções de desenvolvimento regional que estavam em elabo-ração n o in terior dos estu dos e proposições do

Projeto Áridas.

Na descrição de Soares (1997):

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A implemen tação da n ova estratégia teve duas avaliações. Uma delas, organ izada pelo Go-verno Federal, desenvolvida por um Grupo de

Tra-balho Interm inisterial, que analisou as

experiênci-as da Paraíba, de Pernambuco, de Alagoexperiênci-as, do Rio Gran de do Norte e do Ceará, con clu iu qu e a pro-posta era problemática, por força da tendência à dispersão espacial das ações, à pu lverização dos recu rsos e à possibilidade de u so político, o qu e colocava em risco a su a su sten tabilidade. A co-missão ch egou a propor qu e fossem feitas avalia-ções sobre a eficiência e a eficácia dos projetos do PAPP, n os casos de propostas de prorrogação dos contratos de financiamento. A segunda avaliação foi da respon sabilidade dos técn icos do Ban co Mundial e da Food and Agriculture Organization

of the Un ited Nation s (FAO), e con clu iu p ela

positividade da experiência, especialmente devi-do ao aumento devi-dos desembolsos devi-do Banco.5 A

ava-liação do BIRD acabou por prevalecer sobre a do governo brasileiro. Esse fato, por si só, é revelador sobre qual é a in stân cia mais relevan te para deci-dir sobre questões referentes ao desenvolvimento regional no Brasil. Se nos, contratos an teriores, a União aparecia como tomadora do empréstimo, após 1993, ela passa a ser apenas fiadora. As deci-sões qu an to à realização de n ovos con tratos de em préstim os serão tom adas desde en tão pelo

BIRD, após solicitação dos governos estaduais e a análise da “adequação” da proposta.

Os estados da Bah ia, do Ceará e de Sergipe apro-veitaram a oportu n idade e con segu iram, n o in í-cio do segundo semestre de 1995, autorização do governo federal, por meio da Comissão de Finan-ciamen to Extern o (COFIEX), para con tratarem n ovos fin an ciamen tos com o ban co. A prin cipal alteração dos n ovos con tratos é qu e o mu tu ário do empréstimo passou a ser o govern o estadu al, caben do à Un ião o aval do fin an ciamen to. Esses contratos representam a continuidade dos atuais PAPPs, embora, convenientemente, sua denomi-nação tenha sido alterada para Programa de Com-bate à Pobreza Ru ral. (Soares, 1997, p.133-134)

Não é por acaso, também, qu e todos os es-tados n ordestin os, a partir de 1995, mesmo os governados por políticos considerados de esquer-da, a exemplo de Miguel Arraes, em Pernambuco, cuidaram de elaborar “Planos de Desenvolvimen-to Sustentável”, que diziam seguir as orientações do Projeto Áridas, e qu e também eram, n ão por acaso, as mesmas do Ban co Mu n dial. É também em 1995, que o Governo Federal lança o programa

Com unidade Solidária, em clara consonância com

a estratégia do Banco Mundial. Segundo o BIRD:

O n ível de pobreza em certos segmen tos da po-pu lação, particu larmen te n o Nordeste, especial-men te em su as áreas ru rais, é u ma preocu pação elemen tar para a admin istração brasileira. Por causa da alta incidência de pobreza no Nordeste, esta região é u ma prioridade n os programas de desen volvimen to. A base do esforço do Govern o Federal para combater a pobreza e a fome é o programa Comunidade Solidária, lançado no iní-cio de 1995 como u ma ampla estru tu ra para co-orden ar programas e projeto de combate à po-breza ru ral e u rban a e focalizado n os mu n icípi-o s icípi-o n d e a p icípi-o b r e z a é m u i t icípi-o s e v e r a . A implemen tação é descen tralizada, com ên fase para a au to-aju da comu n itária e poder local, e con cen tran do em qu atro temas prin cipais: desen volvimen to ru ral, geração de emprego e ren -da, alimen tação e n u trição, e serviços u rban os. (World Ban k, 1997, p.11)

Os projetos de combate à pobreza dos esta-dos nordestinos compõem um amplo programa de combate à pobreza no Nordeste financiado pelo Ban co Mu n d ial, o N orth ea st Ru ra l Poverty

Alleviation Program . Deten tor dos recu rsos para

empréstimos a esses estados, o Ban co Mu n dial determin a n ão apen as o sen tido estratégico das políticas de desenvolvimento, como também a acei-5 A avaliação d o Ban co Mu n d ial sobre o d esem p en h o d o

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tação e legitimação dos seu s con ceitos e an álises sobre a realidade brasileira e nordestina. O caso das políticas de combate à pobreza exprime mais um capítulo no turvo enredo do consenso gestado (pelo alto, como sempre) a respeito das alternativas no campo dos debates sobre desenvolvimento econô-mico e social. E isso não pode deixar de ser visto como perda de soberania a que está submetido o Estado brasileiro, visto agora, no caso aqui analisa-do, sob o ângulo de um dos entes federativos prisi-oneiros de uma armadilha que eles próprios aju-dam a manter, reproduzindo-a ao aceitarem as for-mas de controle de suas orientações estratégicas.

O caso do Projeto Cooperar, formalmente de iniciativa do Governo da Paraíba, nos indica isso. Depois da década de 1980, a mudança na estratégia de desenvolvimento regional não foi determinada nacionalmente, isto é, sua origem não se situou no âmbito do Estado nacional brasileiro. Um dado es-sencial que corrobora essa afirmativa foi a transfor-mação dos países que recebiam recursos do Banco Mundial em campo de experimentos a respeito das políticas mais adequadas de desenvolvimento a se-rem financiadas pelo Banco Mundial, que buscava “modelos” param serem aplicados em outros paí-ses. Nesse sentido, Antônio Rocha Magalhães, à época Secretário Executivo do Ministério do Plane-jamento, descreve o processo de mudança de rumo no modelo de desenvolvimento aplicado ao Nor-deste a partir de 1993. Preocupada com a centrali-zação na União – no que diz respeito à liberação de recursos de empréstimos do Banco Mundial, via PAPP, para os governos estaduais –, uma missão do BIRD propôs a organização de uma comitiva para ir ao México com o objetivo de conhecer, in loco, a experiência mexicana de descentralização. Magalhães compartilhava desse entendimento, defendendo que se fosse “às últimas conseqüências no processo de descentralização, afastando todo o complexo de agências governamentais que inviabilizavam o pro-grama [PAPP]”.

Magalhães descreve o modelo mexicano

A comu n idade reu n ida defin ia o qu e precisava fazer em primeiro lu gar. Em segu ida, elegia u m presidente, um secretário e um tesoureiro que se

encarregariam de implementar o projeto, que era levado a u m comitê mu n icipal on de a priorida-de era con firmada. Uma vez aprovado o projeto, a comu n idade recebia 90% dos recu rsos, somava o seu trabalh o (equ isomavalen te aos 10% restan tes) e cu idava da implan tação. Visitamos comu -nidades que estavam executando projetos de água potável, escolas, m elh orias u rban as. Em cada lu gar, n ão apen as se via on de e como os recu rsos estavam sendo aplicados, mas se sentia o entusi-asmo da popu lação ben eficiada.

[...] De volta ao Brasil, in iciamos de imediato o processo de tran sformação. [...] O n ovo modelo do PAPP, implan tado a partir de 1993, era total-men te descen tralizado para as comu n idades. A com u n idade poderia tom ar con h ecim en to do programa através de informações divulgadas pelo govern o ou através de qu alqu er ou tro meio. Ela deveria reu n ir-se, em dem ocracia plen a, para discu tir os seu s problemas e su as prioridades, in d ican d o o qu e d esejam em p rim eiro lu gar. Nesse processo, geralmente se destacam lideran-ças n atas. A comu n idade também deveria for-mar u ma associação, com presiden te e u ma di-retoria, com poderes para assu mir compromis-sos e receber e admin istrar recu rcompromis-sos. A comu n i-dade também in dicaria represen tan tes para u m Con selh o Mu n icipal, qu e faria a priorização dos projetos a n ível do mu n icípio (2000, p.5-6).

A partir de 1995, o n ovo modelo gan h a a forma qu e tem n os dias de h oje, evolu in do para uma quase completa autonomização frente às vári-as esfervári-as de governo, embora mantendo ainda al-gu m vín cu lo com os govern os estadu ais, através da contratação dos empréstimos e do controle que esses ain da têm sobre as Un idades Técn icas qu e implementam os projetos nos municípios. No en-tanto, os governos nordestinos não têm nenhuma in terven ção qu an to à con cepção e os ch amados “delineamentos estratégicos”, atuando muito mais como um organizador da estrutura administrativa e repassador de recursos às comunidades.

Em 1997, aproveitan do essa n ova leva de financiamento, o Governo da Paraíba apresenta a proposta qu e viria a ser den omin ada de Projeto

Cooperar.

PROJETO COOPERAR: definições

O Projeto de Com bate à Pobreza Rural do

Estado da Paraíba, ou Projeto Cooperar é resu

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o Ban co Mundial, tendo como fiador o Govern o Federal (BIRD/Govern o da Paraíba, 1998, p.2). Como já afirmamos, o Projeto Cooperar compõe u m programa mais amplo de fin an ciamen to do Banco Mundial para o combate à pobreza no Nor-deste, o Northeast Rural Poverty Alleviation Program

Rural Poverty Alleviation Project (Programa de

Alí-vio da Pobreza Rural no Nordeste), que conta, des-de 1995, com projetos financiados para os estados da Bahia, Ceará Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Piauí (World Bank, 1997). O valor total destinado ao financiamento desse Projeto é de US$ 80 milhões, sendo de US$ 60 milhões a participa-ção d o Ban co Mu n d ial, US$ 12,9 m ilh ões a contrapartida do Governo Estadual e US$ 7,1 mi-lh ões a participação das comu n idades ben eficia-das. No caso das comu n idades, a con trapartida pode ser paga em dinheiro ou através da execução de mão-de-obra e produção de materiais (Governo da Paraíba, 2001, p.17). O primeiro con trato teve prazo de vigência de cinco anos, iniciado em 1998 e con clu ído em 2003, aden tran do, portan to, o mandato de um outro governador, o que estabele-ce uma obrigação de continuidade, independente-mente da concordância do futuro governador. Em 2003, já com u m n ovo govern ador (de oposição) eleito, Cássio Cu n h a Lima, o con trato foi ren ova-do por u m prazo de mais cin co an os.

O Projeto Cooperar financia pequenos em-preen dimen tos, cu jo prin cipal objetivo é gerar emprego, renda e infra-estrutura para comunida-des pobres, através do estabelecimento de convê-nios realizados diretamente com associações e en-tidades representativas dessas comunidades. Além disso, financia projetos de eletrificação rural, cons-trução de acessos, barragens, cisternas, aquisição de máqu in as ben eficiadoras de arroz e milh o, processadores de frutas e leite, criação de caprinos, dessalinizadores, construção de passagens molha-das, sistemas de abastecimento d’água completos e singelos, melh oria h abitacional, crech es, priva-das e armazéns.

Para a efetivação dos convênios e concessão de recu rsos, o Ban co Mu n dial con sidera fu n da-men tal o en volvida-men to das comu n idades locais

“na identificação, no planejamento, na execução e n a operação de seu s in vestimen tos”, o qu e se tra-duz nos esforços de criar e fortalecer o capital

soci-al.6 Esses prin cípios estão ratificados n u m

“Ma-nual de Operações”, uma exigência do BIRD para a assin atu ra do Con trato de Empréstimo (BIRD/ Governo da Paraíba, 1998, p.5), que definiu regras e procedimentos para a execução do projeto.

Assim, a participação das comunidades cons-titui o elemento decisivo para a implementação dos objetivos do Projeto Cooperar. São considerados “princípios estratégicos”, nos termos do Manual de Operações do empréstimo, a “descentralização, a participação comunitária, a transparência, a legiti-midade das deman das e a su sten tabilidade dos investimentos conquistados pelos beneficiários.” (Governo da Paraíba, 2001, p.13). O objetivo é en-volver as comunidades nos investimentos até a sua completa au ton omização fren te às organizações

externas, ou seja, o Estado em su as diversas in

s-tâncias de governo.

A execu ção do Projeto Cooperar se in icia com a sua divulgação para as comunidades. Esta-belecido esse contato inicial e identificado o inte-resse por parte da comu n idade, é in iciada a fase de assessoramen to e apoio, qu e é fu n ção da Un i-dade Técnica (corpo técnico indicado pelo Gover-no do Estado) que administra o Projeto na Paraíba. A exigência mais importante para a apresentação de projetos é que as comunidades estejam organi-zadas em associações comunitárias. Só assim, elas estarão aptas para a proposição de Subprojetos

Com unitários “produ tivos e sociais”, destin ados

à geração de infra-estrutura e de pequenos investi-mentos, que serão financiados quando aprovados por uma das três instâncias de decisão do Projeto Cooperar: o Program a de Apoio Com unitário (PAC), que financia subprojetos encaminhados pelas as-sociações diretamente à Unidade Técnica; o

Fun-do Municipal de Apoio Com unitário (FUMAC), que

financia subprojetos encaminhados pelas associa-ções a u m Con selh o Mu n icipal qu e admin istra o

6 “Habilid ad e d as p essoas em con segu ir ben efícios m ed

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Fundo e que deve ter, na sua composição, 80% de representantes do ben eficiários e 20% de repre-sentantes do poder público (o FUMAC defin e a ordem de prioridades baseadas n os critérios de maior carência das respectivas comunidades, e os projetos aprovados nessa instância são encaminha-dos à Unidade Técnica do Projeto Cooperar para a efetivação dos convênios); por fim, um Fundo

Mu-nicipal de Apoio Com unitário Piloto (FUMAC-P),

que é uma experiência-piloto de descentralização total na execução do Projeto Cooperar, e cujos Con-selhos Municipais escolhidos têm autonomia para gerir os recu rsos e coorden ar a execu ção dos subprojetos, a partir de um orçamento anual elabo-rado pelo próprio Conselho Municipal a partir de u m orçam en to p reviam en te ap rovad o p ara o FUMAC-P. O dado relevante dessa instância é que não existe a necessidade de aprovação da Unidade Técnica do Projeto Cooperar, cabendo a esta apenas o repasse dos recursos definidos no subprojeto (Go-verno da Paraíba,2001, p.14-16).

Outro elemento central dessa estratégia é o financiamento de ações no âmbito do que é chamado de desenvolvim ento institucional. O objetivo é d esen volver m ecan ism os qu e ap erfeiçoem e con solid em as exp eriên cias d e p articip ação comunitária e mesmo de “modernização e reforma do Estado”, principalmente através de “assistência técnica” de “consultorias”. Sob o argu men to de racion alização do u so dos recu rsos destin ados a atender mais diretamente às populações pobres da Paraíba, o Projeto Cooperar objetiva estabelecer uma articulação direta com a população rural, sem a mediação dos diversos níveis do Estado (municipal, estadual e nacional). Por enquanto, essas instâncias são ap en as rep assad oras d os recu rsos, sob a rigorosa supervisão do Banco Mundial. É o BIRD, através dos seu s técn icos, qu em determ in a os critérios d e avaliação e con d u z, d e m an eira autônoma, a partir das estratégias do banco, o d esen volvim en to d o Projeto Cooperar, com a completa anuência das administrações estaduais. É o qu e demon stra a an álise qu e faremos a segu ir das avaliações realizadas pelo Banco Mundial sobre o Projeto Cooperar.

O DESEMPENHO DO PROJETO COOPERAR NA AVALIAÇÃO DO BANCO MUNDIAL

O Banco Mundial procura exercer um rigo-roso controle sobre os governos estaduais quanto à execução dos projetos de desenvolvimento por ele financiados. No caso do Projeto Cooperar, essas exigências estão previstas nos seguintes termos:

...[o Govern o da Paraíba deve] preparar, sob ter-mos de referência satisfatórios ao Banco, e forne-cer, n u ma data 24 meses posterior à data efetiva ou qu an do os gastos da Con ta de Empréstimo atin girem 50% do mon tan te do Empréstimo, o qu e primeiro ocorrer, u m relatório con ten do os resultados das atividades de avaliação desempe-nhadas [...] sobre o avanço conseguido na execu-ção do Projeto du ran te o período preceden te à data do relatório, e estabelecen do as medidas recomendadas para assegurar uma execução efi-cien te do mesmo e os meios para atin gir os seu s objetivos du ran te o período segu in te a tal data (BIRD/Govern o da Paraíba, 1998, p.9).

Diversas missões do Banco Mundial visita-ram com regularidade a Paraíba para “supervisio-n ar” a execu ção do Projeto Cooperar diretame“supervisio-nte nas comunidades. Mas não foi só isso. Como cons-ta n os docu men tos produ zidos pelos técn icos do Ban co Mu n d ial qu e registram essas visitas, in titu lados “Aju da Memória”, essas missões se reuniram, também, com os técnicos do Projeto; em, pelo men os, du as ocasiões, foram realizadas reu -n iões com o Secretário de Pla-n ejame-n to e com o próprio Governador da Paraíba (Banco Mundial, 2002-2004, p.3). A partir de março de 2002, as visitas das missões torn aram-se mais con stan tes. Nessas ocasiões, os técn icos do BIRD fizeram al-gumas “recomendações” sobre a utilização dos re-cu rsos e u ma au torização para redirecion amen to de um volume maior de recursos para projetos de eletrificação rural, questão que, meses depois, será objeto de questionamento pelo Banco.

Em maio de 2002, devido à existên cia de um vultoso volume de recursos ainda não utiliza-dos, foi feita u ma recomen dação para se promo-ver, com a “m áxim a u rgên cia”, u m a profu n da reorientação na forma de execução do Projeto

Coo-perar, sem a qu al n ão estava assegu rada “a con

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to” (Ban co Mu n dial, 2002-2004, p.7). Essa “reco-mendação” foi feita diretamente ao governador da Paraíba na época, Roberto Paulino. O principal problema apontado, nessa oportunidade, devia-se à utilização dos recursos, especificamente no que diz respeito à baixa liberação dos recursos via ins-tân cias do FUMAC, cu jos projetos, como vimos, eram encaminhados pelas associações a um Con-selh o Mu nicipal e, após aprovados, deveriam ser encaminhados à Unidade Técnica para execução. De acordo com o con trato de empréstimo BIRD/ Governo da Paraíba (1998, p.16), esse tipo de mo-dalidade de financiamento contava com recursos equ ivalen tes a 75% dos valores proven ien tes do Banco Mundial, o que representava US$ 33,2 mi-lhões, e mais os 20% da contrapartida do Governo da Paraíba e comunidades, o que acrescentava algo em torn o de US$ 6,6 milh ões. Até o fim de maio de 2002, faltando um ano para a conclusão do re-ferido Con trato de Empréstimo, apen as US$ 13 milh ões h aviam sido liberados, restan do US$ 27 milhões para serem utilizados. Por outro lado, até aqu ela data, qu ase todos os recu rsos (US$ 22,78 milhões) destinados ao financiamento de projetos encaminhados pelas associações comunitárias di-retamente à Unidade Técnica do Projeto Cooperar, que era indicada pelo governador, haviam sido li-berados, havendo ainda novos projetos que ainda não tinham fundos assegurados.

O problema identificado pela missão do Ban-co Mundial tem a ver Ban-com a sua estratégia, que obje-tiva restringir cada vez mais a ingerência dos gover-nos sobre as comunidades beneficiadas. Na reunião de maio de 2002, entre os técnicos do BIRD e o go-vern ad or Roberto Pau lin o, foi acord ad a u m a realocação de US$ 8 milhões para a categoria PAC, visando a atender às novas liberações, ocasião em que os técnicos deixaram claro que essa seria a “últi-ma” realocação que o BIRD autorizaria (Banco Mun-dial, 2002-2004, p.7), o que indica que houve outras realocações, não identificadas nos registros, já que, originalmente, a categoria PAC tinha fundos corres-pondentes a 17,64 milhões, sendo US$ 14,7 do Ban-co Mundial (BIRD/Governo da Paraíba, 1998, p.16). Pelo acordo, só haveria novas liberações via FUMAC.

Pelas análises e recomendações da missão do BIRD, fica evidente que os problemas identifica-dos têm origem em práticas do Governo do Estado, que desconsideraram as estratégias do banco, ques-tão que é explicitada pela exigência feita pelo Banco Mundial para que sejam respeitadas as “decisões tomadas pelos Conselhos em relação à ordem de prioridade do atendimento das demandas comuni-tárias”, bem como a “absoluta prioridade à libera-ção dos recursos do FUMAC”. Além disso, o Ban-co Mundial passou a exigir a ampliação de Conse-lhos instalados e o estabelecimento de um orçamento indicativo para eles, além de uma “ampla e intensi-va divulgação do Manual de Operação”.

Entre as várias recomendações, uma chama especial atenção: o imediato encerramento da, até então, única experiência piloto do FUMAC-P, ins-talado na cidade de Araruna, que já compromete-ra, até aquela data, a quase totalidade dos recursos a ele destin ados, cerca de US$ 700 mil (Ban co Mu n dial, 2002-2004, p.10). Lem brem os qu e o FUMAC-P é uma experiência que visa a dar com-pleta autonomia aos Conselhos Comunitários, sem a necessidade de aprovação e acompanhamento da Unidade Técnica. Cabe lembrar um detalh e que, n esse caso, é de su ma importân cia: Araru n a é a cidade natal e reduto eleitoral do ex-governador José Maranhão, que governou a Paraíba de 1995 a abril de 2002 e deixara o posto há pouco tempo, e em cu jo govern o foi assin ado o con trato de em-préstimo que deu origem à nova versão do Projeto

Cooperar. Eis u m belo exemplo de con flito en tre poder global e poder local.

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mentos. A missão do banco viu, nesse descompasso entre a demanda (41%) e o atendimento (65%), um d irecion am en to orien tad o p elas p riorid ad es estabelecidas não pelas comunidades, mas pelo Go-verno do Estado (Banco Mundial, 2002-2004, p.4).

Nas avaliações seguintes, realizadas em agos-to, setembro e novembro de 2002, as missões do BIRD constataram que as recomendações feitas em maio estavam sendo cumpridas, tendo sido ampli-ado o número de convênios via FUMAC, com a ampliação do número de experiências de autono-mia gerencial e financeira via FUMAC-P, que pas-sou de um para 17, com 18 subprojetos com finan-ciamentos liberados. A experiência de Araruna já havia sido cancelada em maio. Além disso, consta-tou-se a ampliação do financiamento de subprojetos produtivos e sociais, que obtiveram 153 aprovações, mais de 50% do total de projetos (299).

Em junho de 2004, já no novo governo elei-to em 2002, foi realizada uma supervisão que teve como objetivo avaliar o desempenho geral do

Pro-jeto Cooperar, já que o contrato de empréstimo se

encerrara, e o novo governo pleiteava uma renova-ção. Os números dessa avaliação são os seguintes: 3.200 subprojetos financiados, 27% além da meta estabelecida em 1998, beneficiando 113 mil famí-lias, nos 222 municípios do estado, através de 2.600 associações e 220 Con selh os do FUMAC. Dos 3.200 su bprojetos, 1.400 foram de eletrificação ru ral, 1.180 de abastecimen to de águ a (in clu ídas 224 cisternas domiciliares), 226 melhorias sanitá-rias (Ban co Mu n dial, 2002-2004, p.1-6). Mesmo com os problemas verificados (e corrigidos), os téc-n icos do BIRD cotéc-n sideraram qu e a execu ção da estratégia não fora comprometida. O con trato foi renovado por mais 5 anos.

CONCLUSÃO

Nos últimos anos, a categoria “pobreza” ga-nhou status de centralidade no discurso das agên-cias in tern acion ais. Isso pode ser observado n os relatórios anuais sobre desenvolvimento produzi-dos pelo Ban co Mu n dial, e se con cretiza com a

abertura de créditos para países “em desenvolvi-mento”, destinados a financiar políticas de comba-te à pobreza. Como já chamamos a acomba-tenção, foi o

Relatório sobre o desenvolvim ento m undial, de 1990

(Banco Mundial, 1990), que estabeleceu o marco dessa nova estratégia. Nesse sentido, 1990 é o ano-base de uma ação que deve durar 25 anos e de onde se parte para se alcançar os “Objetivos do milênio”, traçados pelo ONU. Entre esses objetivos, o comba-te à pobreza figura em primeiro lugar.7 Tanto que as

metas da ONU representam, segundo o represen-tante do PNUD e coordenador da ONU no Brasil,

Carlos Lopes, um inédito “consenso internacional

perante a luta contra a pobreza” (PNUD, 2006). Neste artigo, analisamos o Projeto Cooperar, que compõe uma política de combate à pobreza for-malmente da iniciativa de um estado nordestino, a Paraíba. Tal Projeto é um exemplar de um amplo programa de combate à pobreza no Nordeste, finan-ciado pelo Banco Mundial, o Northeast Rural Poverty

Alleviation Program – Programa de Alívio da

Pobre-za Rural no Nordeste. Detentor dos recursos para empréstimos a esses estados, o Banco Mundial de-termina não apenas o sentido estratégico das políti-cas de desen volvimen to, como a aceitação e a legitimação dos seus conceitos e análises sobre a realidade brasileira e nordestina. O caso das políti-cas de combate à pobreza exprime mais um capítu-lo no turvo enredo do consenso gestado (pecapítu-lo alto, como sempre) a respeito das alternativas no campo dos debates sobre desenvolvimento econômico e social. E isso não pode deixar de ser visto como perda de soberania do Estado brasileiro, visto ago-ra, no caso aqui analisado, sob o ângulo de um dos entes federativos prisioneiros de uma armadilha que eles próprios (os estados nordestinos) ajudam a manter, reproduzindo-a ao aceitarem as formas de controle e orientações estratégicas de agência de fi-nanciamento externas.

Como vimos, a partir de 1995, o n ovo mo-delo ganha a forma que tem nos dias de hoje, evo-luindo para uma quase completa autonomização

7 “Meta 1 - Red u zir p ela m etad e, en tre 1990 e 2015, a

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frente às várias esferas de governo, mantendo ain-da algum vínculo com os governos estaduais, atra-vés da contratação dos empréstimos e do controle qu e eles ain da têm sobre as Un idades Técn icas que implementam os projetos nos municípios. No en tan to, como demon stramos n o caso do Projeto

Cooperar, o governo paraibano não tem

interven-ção algu ma qu an to à con cepinterven-ção e os ch amados delin eamen tos estratégicos, atu an do mu ito mais como um organizador da estrutura administrativa e repassador de recu rsos às comu n idades. Os dois casos aqui apresentados deixam claras essas limitações políticas e constituem evidências níti-das da interferência do Banco Mundial em assun-tos internos do governo paraibano. O primeiro diz respeito à prioridade dada pelo Governo da Paraíba à aprovação e liberação de recursos para projetos de eletrificação rural. Ora, parece-nos óbvio que qualquer iniciativa que deseje promover o “desen-volvimento comunitário”, nos seus vários níveis, deve prover essas comu n idades de u m bem es-sen cial, qu e é o acesso à en ergia elétrica, o qu e lh es permitiria dar “su sten tabilidade” a seu s em-preendimentos, bem como obter uma melhor qua-lidade de vida. Pois bem: como vimos, o Ban co Mundial vetou essa prioridade, defendendo uma maior diversificação das ações, para atender às rei-vin dicações das comu n idades e n ão à estratégia do Govern o do Estado. Trata-se, diria u m liberal, de uma racionalização do uso dos recursos escas-sos, dian te das ilimitadas n ecessidades dessas comu n idades. Como n ão h á recu rsos para tu do, que as comunidades façam suas próprias escolhas. O nítido direcionamento estabelecido pelo gover-no paraibagover-no na aprovação e liberação de recursos para projetos de eletrificação rural constituiu in-terferência indevida, e o Banco Mundial forçou a su sp en são d o p roced im en to, com a d evid a anuência do Governo da Paraíba.

Além disso, parece claro que, com essa ação, o Ban co Mu n dial procu ra man ter coerên cia com as referên cias teóricas, políticas e ideológicas estabelecidas. A atitude descrita acima valida a pedra de toque conceitual dos elaboradores dessa estratégia: o capital social, qu e, n a defin ição de

Putnan, um pouco mais ampla que a do BIRD, diz respeito a “características da organ ização social, como confiança, normas e sistemas, que contribu-am para aumentar a eficiência da sociedade, facili-tan d o as ações coord en ad as” (Pu tn am , 1996, p.177). Na retórica, o que o Banco Mundial prova-velmente deseja é uma mudança cultural no inte-rior dessas comu n idades, qu e lh es permita u ma autonomização frente ao Estado e aos grupos polí-ticos locais, em bu sca da su sten tabilidade do de-senvolvimento comunitário, uma cultura cujo ponto de partida seja uma espécie de acum ulação prim

i-tiva de capital social, que o Banco Mundial

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destin o desses in divídu os.

James Wolfen soh n , presiden te do Ban co Mundial entre 1995 e 2005, procurou definir com mais precisão o papel da participação social n o desenvolvimento:

Participação realmen te é importan te – n ão ape-n as como iape-n stru meape-n to para melh orar a eficácia do desen volvimen to como temos apreen dido a partir de estu dos recen tes, mas também como o fator-ch ave para garan tir a su sten tabilidade e alavancagem a longo prazo. Nunca devemos nos esquecer que cabe ao governo e aos povos decidi-rem qu ais devem ser as prioridades. Nu n ca vemos n os esqu ecer qu e n ão podemos e n ão de-vemos impor o desen volvimen to “por decreto’, vin do de cima ou vin do de fora. (Wolfen soh n , apu d Garrison , 2000, p.59)

Apesar da referên cia ao govern o, as ações que o Banco Mundial procura promover cada vez mais limitam a autonomia desses governos (obvia-mente, não se trata de todos os governos) para cri-ar e implementcri-ar suas próprias estratégias. Já que essas estratégias, em outros tempos, eram, por prin-cípio, produ to de estu dos e an álises qu e precedi-am uma ação global por parte do Estado, o desen-volvimento comunitário, ao mesmo tempo em que estimula a organ ização e participação social das comunidades pobres, fragmenta a ação do Estado no território. Configura-se, na prática, uma oposi-ção entre os objetivos das comunidades, necessa-riamente localizados, e os do Estado, em geral arti-culados dentro do território.

Três qu estões podem ser in terpostas para fin alizar essa d iscu ssão. A p rim eira é se a alavancagem dessa nova cultura pode ser realiza-da apenas pela disponibilização de recursos e for-ça política extern a às comu n idades locais. A se-gu n da é se o Estado-n ação se torn ou dispen sável n os papéis tradicion ais de organ izar econ omica-men te e socialomica-men te o território. E, por fim, mes-mo considerando que a opção do Banco Mundial por priorizar a organização das comu n idades lo-cais possa parecer mais democrática, cabe a ele não apenas fazer essa escolha, como implementá-la.

(Recebido para pu blicação em dezembro de 2006) (Aceito em jan eiro de 2008)

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