rev bras reumatol.2014;54(6):486–489
REVISTA
BRASILEIRA
DE
REUMATOLOGIA
www . r e u m a t o l o g i a . c o m . b r
Relato
de
caso
Neurite
óptica
em
paciente
com
artrite
idiopática
juvenil
Daniela
M.R.
Lourenc¸o
a,
Izabel
M.
Buscatti
a,
Benito
Lourenc¸o
b,
Fernanda
C.
Monti
c,
José
Albino
Paz
ce
Clovis
A.
Silva
a,d,∗aUnidadedeReumatologiaPediátrica,DepartamentodePediatria,FaculdadedeMedicinadaUniversidadeSãoPaulo,SãoPaulo,SP,
Brasil
bUnidadedoAdolescente,DepartamentodePediatria,FaculdadedeMedicinadaUniversidadeSãoPaulo,SãoPaulo,SP,Brasil
cUnidadedeNeurologiaPediátrica,DepartamentodeNeurologia,FaculdadedeMedicinadaUniversidadeSãoPaulo,SãoPaulo,SP,Brasil
dDivisãodeReumatologia,FaculdadedeMedicinadaUniversidadeSãoPaulo,SãoPaulo,SP,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem17deoutubrode2013 Aceitoem28dejaneirode2014 On-lineem15deagostode2014
Palavras-chave: Neuriteóptica
Artriteidiopáticajuvenil Anticorpoantiaquaporina4
r
e
s
u
m
o
Aneuriteóptica(NO)raramenteérelatadaempacientescomartriteidiopáticajuvenil(AIJ), especialmentenaquelescombloqueiodefatordenecrosetumoral-alfa.Noentanto,atéonde sesabe,aprevalênciadeNOempacientescomAIJaindanãofoiestudada. Acompanharam--se5.793pacientesnoHospitalUniversitáriodestainstituic¸ão.Destes,630(11%)tinhamAIJ, eapenasum(0,15%)apresentavaNO.OpacientecomNO,de6anosdeidadeedosexo mas-culino,foidiagnosticadocomAIJoligoarticularestendida.Foramintroduzidosnaproxeno emetotrexato,posteriormentesubstituídosporleflunomida.Aos11anosdeidade,elefoi diagnosticadocommeningiteasséptica,seguidadeconvulsãomotoraparcialcomevoluc¸ão parageneralizac¸ãosecundária.Aressonânciamagnéticadoencéfaloeo eletroencefalo-gramaevidenciaramdesorganizac¸ãodifusadaatividadeelétricadoencéfalo.Alefluomida foisuspensa.Após7dias,opacienteapresentoudorocularaguda,baixaacuidadevisualpara cores,visãoturva,fotofobia,hiperemiaeamauroseprogressivanoolhodireito.Noexamede fundodeolho,foidetectadoedemadepapilaunilateralsemexsudatosretinianos.A resso-nânciamagnéticadeórbitasugeriuneuropatiaópticaàdireita.Oanticorpoantiaquaporina4 (anti-AQP4)foinegativo.Opacientefoisubmetidoapulsoterapiacommetilprednisolonapor cincodias,seguidadeprednisona,apresentandomelhoraclínicaelaboratorial.Emsuma, foiobservadabaixaprevalênciadeNOempacientescomAIJ.Aausênciadoanticorpo antia-quaporina4earessonânciamagnéticanormaldoencéfalonãoexcluemapossibilidadede doenc¸adesmielinizanteassociadaaestaartritecrônica.Logo,éimportantequesejafeito umacompanhamentorigoroso.
©2014ElsevierEditoraLtda.Todososdireitosreservados.
∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:clovisaasilva@gmail.com(C.A.Silva). http://dx.doi.org/10.1016/j.rbr.2014.01.011
rev bras reumatol.2014;54(6):486–489
487
Optic
neuritis
in
juvenile
idiopathic
arthritis
patient
Keywords: Opticneuritis
Juvenileidiopathicarthritis Anti-aquaporin4antibody
a
b
s
t
r
a
c
t
Opticneuritis(ON)wasrarelyreportedinjuvenileidiopathicarthritis(JIA)patients, particu-larlyinthoseunderanti-tumornecrosisfactoralphablockage.However,toourknowledge, theprevalenceofONinJIApopulationhasnotbeenstudied.Therefore,5,793patientswere followedupatourUniversityHospitaland630(11%)hadJIA.Onepatient(0.15%)hadONand wasreportedherein.A6-year-oldmalewasdiagnosedwithextendedoligoarticularJIA, andreceivednaproxenandmethotrexatesubsequentlyreplacedbyleflunomide.At11years old,hewasdiagnosedwithasepticmeningitis,followedbyapartialmotorseizurewith secondarygeneralization.Brainmagneticresonanceimaging(MRI)and electroencepha-logramshoweddiffusedisorganizationofthebrainelectricactivityandleflunomidewas suspended.Sevendayslater,thepatient presentedacuteocular pain,lossofacuityfor color,blurredvision,photophobia,rednessandshortprogressivevisuallossintheright eye.Afundoscopicexamdetectedunilateralpapilledemawithoutretinalexudates. Orbi-talMRIsuggestedrightON.Theanti-aquaporin4(anti-AQP4)antibodywasnegative.Pulse therapywithmethylprednisolonewasadministeredforfivedays,andsubsequentlywith prednisone,hehadclinicalandlaboratoryimprovement.Inconclusion,alowprevalenceof ONwasobservedinourJIApopulation.Theabsenceofanti-AQP4antibodyandthenormal brainMRIdonotexcludethepossibilityofdemyelinatingdiseaseassociatedwithchronic arthritis.Therefore,rigorousfollowupisrequired.
©2014ElsevierEditoraLtda.Allrightsreserved.
Introduc¸ão
Aneuriteóptica(ON)caracteriza-seporperdavisualagudae inflamac¸ãodonervoóptico.Asmanifestac¸õesclínicasmais recorrentes desta doenc¸a são a perda repentina da visão, a perturbac¸ão da visão de cores, e a dor periorbitária e retro-orbitária,principalmenteduranteamovimentac¸ãodos olhos.1Estaanomaliavisualpodeestarassociadaainfecc¸ões, vacinas,fármacos edoenc¸as autoimunes,especialmente a esclerosemúltipla(EM)eaneuromieliteóptica(NMO).2,3
Aneuriteóptica(NO)raramenteérelatadaempacientes comartrite idiopáticajuvenil (AIJ), especialmentenaqueles combloqueiodefatordenecrosetumoral-alfa(TNF-␣).3–6No entanto,atéondesesabe,aprevalênciadeNOempacientes comAIJaindanãofoiestudada.
No período de janeiro de 1983 a julho de 2013, foram acompanhados5.793pacientesnaUnidadedeReumatologia PediátricadoInstitutodaCrianc¸adaFaculdadedeMedicina daUniversidadedeSãoPaulo.Destes,630(11%)preenchiam oscritériosdeclassificac¸ãodaInternationalLeagueof Associ-ationsforRheumatism(ILAR)paraAIJ.7 Apenasum(0,15%), descrito neste estudo, apresentou perda visual aguda em decorrênciadaNOduranteocursodadoenc¸a.
Relato
de
caso
Opacientede6anosdeidade, dosexomasculino,foi diag-nosticado com AIJ oligoarticular estendida em razão de umaartritecrônica dojoelho esquerdo,comevoluc¸ãopara punhos e tornozelos. Exames laboratoriais iniciais revela-ram hemoglobina 12,9g/dL, hematócrito 38,1%, leucócitos
17.000mm3 (neutrófilos 73%, linfócitos 23%, eosinófilos
0%emonócitos4%),plaquetas401.000mm3, velocidadede
hemossedimentac¸ão(VHS)de30mm/1h, proteína c-reativa (PCR)98,4mg/dL(faixanormal5,0),fatorreumatoidee anti-corpoantinuclearnegativos. Foramintroduzidos naproxeno (20mg/kg/dia) e metotrexato (0,5mg/kg/semana), posterior-mentesubstituídosporleflunomida(20mg/dia)emrazãoda intolerânciagástrica. Aos11anosde idade,o pacientenão apresentava artrite nem limitac¸ões e vinha sendo tratado com leflunomida (20mg/dia). Neste momento, o paciente apresentou cefaleia evômito, semfebre.Depois de quatro dias,manifestouconvulsãomotoraparcialafetandoobrac¸o direito, comgeneralizac¸ãosecundária.Exameslaboratoriais evidenciaram líquido cerebrospinal (LCS) levemente turvo, 127células/mm2(linfócitos32%,monócitos19%,plasmócitos
1%,neutrófilos43%,eosinófilos2%,basófilos1%emacrófagos 2%),hemácias0/mm2,proteína61mg/dL,glicose58mg/dLe
488
rev bras reumatol.2014;54(6):486–489em T2 associado a realce dos segmentos intra-orbitário, intracaniculare cisternal donervo óptico direito, os quais sugeriamNOà direita.Exames imunológicos evidenciaram anticorposantinuclearesFAN1:160(padrãopontilhadofino), anti-DNAdeduplahélice,anti-Sm,anti-RNP,IgGe anticardi-olipinaIgMnegativos,autoanticorposanti-Roeanti-La.Pelo método da imunofluorescência indireta, o anticorpo antia-quaporina4(anti-AQP4)foinegativo.Opacientefoisubmetido a pulsoterapia com metilprednisolona (1,0g/dia) por cinco dias, seguida de prednisona (60mg/dia). Após tratamento comprednisonapor30dias,osexamesclínicos,laboratoriais edefundodeolhoforamnormais.Atualmente,asdosesde corticosteroidesestãosendogradualmentereduzidas.
Discussão
ANOcom perda reversíveldavisãoempacientes com AIJ foidescritaapenasumaveznestes30anosconsecutivosde atendimentodesteservic¸odereumatologiapediátrica.
Esta doenc¸a oftálmica ocorre predominantemente em pacientesjovens,8sempredominânciadegênero.9–11O diag-nóstico é baseado no quadro clínico secundário ao dano do nervo óptico, 9–11 que resulta em perda repentina da visão, deficiência da visão de cores e dor periorbitária à movimentac¸ãodoolho. Foi observadoedema depapila no examedefundodeolhoemumterc¸odospacientes,1 resul-tantedapapilite,perineuriteouneurorretinite.Nopaciente estudado, a presenc¸a de um disco inchado sem exsudato emestrelamacularsugerepapiliteassociadaaneurite retro-bulbar. Curiosamente, a neurite retrobulbar e a papilite normalmenteestãorelacionadascomaEM,enquantoa peri-neuriteeaneurorretiniteestãomaiscomumenteassociadas aetiologiasinfecciosasouinflamatórias.
Aressonânciamagnéticadeórbitanãoénecessáriapara confirmar o diagnóstico. Por outro lado, ela é requerida paraexcluiroutrasdoenc¸asquepossammimetizarumaNO, comoaslesõesorbitaiscompressivasouinflamatórias.12,13É importanteressaltarquequase50%dospacientescom NO isoladadesenvolvem EM emum períodode 15 anos. Con-sequentemente,aressonânciamagnéticadoencéfalosefaz necessáriaparadetectarosprimeirossintomasdelesões cere-braisdesmielinizanteseparaacompanhardepertoaevoluc¸ão dadoenc¸a.12,14
Ademais,nossopacienteapresentouanticorpoanti-AQP4 negativo.Este marcador autoimune relacionadocom o sis-temanervosocentraltemespecificidadealtaparaoespectro dediagnósticodeNMO.15Noentanto,foidetectada sensibi-lidadede53%pelométododeimunofluorescênciaindireta.16 Dezporcentodospacientes soronegativosqueapresentam NOrecorrentedesenvolverão NMO dentrode cincoanos.14 Portanto,édesumaimportânciaqueopacienteestudadoseja submetidoaumacompanhamentorigoroso.
EmpacientescomAIJ,aneuriteópticaéraramente rela-tada,estandogeralmenteassociadaainibidoresdoTNF-␣,4 com tratamento com durac¸ão médiade 8 meses.3,6 Além disso,estaanomaliaoculartambémfoidescritaem pacien-tesadultoscomartriteinflamatória.17 Aetiologiada NOdo pacienteestudadonãoéclara,estandopossivelmente relaci-onadacomaautoimunidade.Atéondesesabe,nãohárelato
decasosdeNOemquetenhasidoutilizadotratamentocom leflunomida.
Ametilprednisolonaintravenosaéumaopc¸ãoparao tra-tamento da NO, conforme indicado neste estudo.19 Uma revisão recente,que incluiu ensaios clínicosrandomizados com pacientesadultos,evidenciourecuperac¸ãosemelhante daacuidadevisualnormalempacientestratadoscom corti-costeróidesintravenososouorais.18
Emsuma,foiobservadabaixaprevalênciadeNOem paci-entescom AIJ.Aausência doanticorpo antiaquaporina4e a ressonância magnética normaldo encéfalonão excluem apossibilidade dedoenc¸adesmielinizante associadaaesta artritecrônica.Logo,éimportantequesejafeitoum acompa-nhamentorigoroso.
Financiamento
EsteestudofoifinanciadopelaFundac¸ãodeAmparoà Pes-quisadoEstadodeSãoPaulo(FAPESP-bolsas2008/58238-4 paraCASe2011/12471-2paraCAS),peloConselhoNacional doDesenvolvimento CientíficoeTecnológico(CNPQ–bolsa 302724/2011-7paraCAS),pelaFedericoFoundationparaCAS epeloNúcleo deApoioà Pesquisa«SaúdedaCrianc¸a edo Adolescente»daUSP(NAP-CriAd).
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
r
e
f
e
r
ê
n
c
i
a
s
1.SteffenH.Opticnerveneuritis.Ophthalmologe. 2013;110:783–9.
2.CardosoLMCD,ZachariasLC,MonteiroMLR.Neuropatia ópticaautoimune:relatodecaso.ArqBrasOftalmol. 2006;69:593–5.
3.SimsekI,ErdemH,PayS,SobaciG,DincA.Opticneuritis occurringwithanti-tumornecrosisfator␣therapy.Ann RheumDis.2007;66:1255–8.
4.TristanoAG.Neurologicaladverseeventsassociated withanti-tumornecrosisfactor␣treatment.JNeurol. 2010;257:1421–31.
5.TranTH,MileaD,CassouxN,BodaghiB,BourgeoisP,LeHoang P.Opticneuritisassociatedwithinfliximab.JFrOphtalmol. 2005;28:201–4.
6.TauberT,TuretzJ,BarashJ,AvniI,MoradY.Opticneuritis associatedwithetanercepttherapyforjuvenilearthritis. JAAPOS.2006;10:26–9.
7.PettyRE,SouthwoodTR,MannersP,BaumJ,GlassDN, GoldenbergJ,etal.Revisionoftheproposedclassification criteriaforjuvenileidiopathicarthritis:Durban,1997. JRheumatol.1998;25:1991–4.
8.Pedro-EgbeCN,FiebaiB,EjimaduCS.Visualoutcome followingopticneuritis:a5-yearreview.NigerJClinPract. 2012;15:311–4.
9.MoralesDS,SiatkowskiRM,HowardCW,WarmanR.Optic neuritisinchildren.JPediatrOphthalmolStrabismus. 2000;37:254–9.
rev bras reumatol.2014;54(6):486–489
489
11.StübgenJP.Aliteraturereviewonopticneuritisfollowing vaccinationagainstvirusinfections.AutoimmunRev. 2013;12:990–7.
12.McKinneyAM,LohmanBD,SarikayaB,BensonM,BensonMT, LeeMS.Accuracyofroutinefat-suppressedFLAIRand diffusion-weightedimagesindetectingclinicallyevident acuteopticneuritis.ActaRadiologica.2013(inpress). 13.HickmanSJ,DaltonCM,MillerDH,PlantGT.Management
ofacuteopticneuritis.Lancet.2002;360:1953–62. 14.deSezeJ.Atypicalformsofopticneuritis.RevNeurol.
2012;168:697–701.
15.McKeonA,LennonVA,LotzeT,TenenbaumS,NessJM,Rensel M,etal.CNSaquaporin-4autoimmunityinchildren. Neurology.2008;71:93–100.
16.TillemaJM,McKeonA.ThespectrumofNeuromyelitisOptica (NMO)inchildhood.JournalofChildNeurology.2012;27: 1437–47.
17.MohanN,EdwardsET,CuppsTR,OliverioPJ,SandbergG, CraytonH,etal.Demyelinationoccurringduringanti-tumor necrosisfactoralphatherapyforinflammatoryarthritides. ArthritisRheum.2001;44:2862–9.
18.GalRL,VedulaSS,BeckR.Corticosteroidsfortreatingoptic neuritis.CochraneDatabaseSystRev.2012;
18:4.