MARCELO MILETO MOSTARDEIRO
USO DE POLIMIXINA EM PACIENTES
SUBMETIDOS A TRANSPLANTE: AVALIAÇÃO DE
EFICÁCIA E NEFROTOXICIDADE.
Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina para obtenção do Título de Mestre em Ciências.
MARCELO MILETO MOSTARDEIRO
USO DE POLIMIXINA EM PACIENTES
SUBMETIDOS A TRANSPLANTE: AVALIAÇÃO DE
EFICÁCIA E NEFROTOXICIDADE.
Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina para obtenção do Título de Mestre em Ciências.
Orientador:
Prof. Dr. Luis Fernando Aranha Camargo
Co-orientador:
Dr. Alexandre Marra
Mostardeiro, Marcelo Mileto
Uso de polimixina em pacientes submetidos a transplante: Avaliação Uso de polimixina em pacientes submetidos a transplante: Avaliação de eficácia e nefrotoxicidade. / Marcelo Mileto Mostardeiro -- São Paulo, 2009
viii, 53 f.
Tese (Mestrado) – Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias.
Título em inglês: Use of parenteral polymyxins in transplanted patients: Evaluation of efficacy and nephrotoxicity.
iii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE MEDICINA
DISCIPLINA DE DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
Chefe do Departamento:
Prof. Dr. Angelo Amato Vicenzo de Paola
iv
MARCELO MILETO MOSTARDEIRO
USO DE POLIMIXINA EM PACIENTES
SUBMETIDOS A TRANSPLANTE: AVALIAÇÃO DE
EFICÁCIA E NEFROTOXICIDADE
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Carlos P. Pereira
Prof. Dr. Marcelino de Souza Durão Junior
Prof. Dr. Renato Grinbaum
Profa. Dra. Luci Corrêa
v
vi
AGRADECIMENTOS
Ao Deus de todas as coisas, Senhor dos senhores, rei dos reis, Nosso Senhor Jesus Cristo que morreu na cruz para nos salvar. A Ele recorri em muitos momentos, e sem Ele não teria chegado até aqui.
A minha esposa Mariceli que muito me apoiou em todos os momentos, pela sua compreensão e companheirismo.
Aos meus filhos Felipe e Gabriela que fazem a minha vida mais colorida e alegre.
Ao Prof. Dr. Luis Fernando Aranha Camargo gostaria de agradecer não somente pelo privilégio de sua orientação nesta tese, mas pela confiança em mim depositada de que sería capaz de realizar esse trabalho. Pela sua disponibilidade e proximidade.
Ao Dr. Alexandre Marra pela análise estatística que realizou, pela sua disponibilidade.
Ao Prof. Dr. Renato Grinbaun, com quem aprendi sobre controle de infecção hospitalar, gostaria de agradecer pelos comentários como participante da banca examinadora, mas também como grande incentivador do tema polimixina na preceptoria da residência médica.
Ao Prof. Dr. Carlos Pires Pereira com quem muito aprendi sobre antimicrobianos, pelos seus comentários na banca examinadora e por gentilmente ter aceito o convite.
A Profa. Dra. Luci Corrêa por gentilmente ter aceito o convite para a banca examinadora e pelo convívio sempre tão agradável.
vii
SUMÁRIO
Listas . . . vi
Resumo . . . viii
1. INTRODUÇÃO . . . 01
1.1. Características do antimicrobiano . . . 01
1.2. Uso da polimixina no contexto epidemiológico atual . . . 02
1.3. Eficácia . . . 04
1.4. Toxicidade geral . . . 05
1.5. Nefrotoxicidade . . . 06
1.6. Polimixina em transplante . . . 10
1.7. Transplante: Maior susceptibilidade para nefrotoxicidade . . . 11
1.8. Justificativa do estudo . . . 11
2. OBJETIVOS . . . 13
3. MATERIAL E MÉTODOS . . . 14
3.1. Local do estudo . . . 14
3.2. Desenho do estudo . . . 14
3.3. Critérios de inclusão . . . 14
3.4. Coleta de dados . . . 15
3.5. Método microbiológico . . . 20
3.6. Metodologia estatística . . . 20
4. RESULTADOS . . . 22
5. DISCUSSÃO . . . 35
6. CONCLUSÃO . . . 45
viii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Características demográficas relacionadas aos transplantes de órgãos sólidos dos 92 pacientes submetidos a tratamento com polimixina . . . 24
Tabela 2: Dados da polimixina B utilizada em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos . . . 25
Tabela 3: Suspeita clínica que levou ao início do tratamento com polimixina em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos . . . 25
Tabela 4: Agente etiológico que motivou a introdução da polimixina em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos . . . 26
Tabela 5: Local de isolamento do patógeno que motivou início da polimixina em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos . . . 26
Tabela 6: Perfil de sensibilidade dos agentes etiológicos que motivou a introdução da polimixina em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos . . . 27
Tabela 7: Dados de evolução de 92 receptores submetidos a transplantes de órgãos sólidos e tratamento com polimixina . . . 27
Tabela 8: Evolução do enxerto de 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos e submetidos a tratamento com polimixina . . . 28
Tabela 9: Dados de nefrotoxicidade e da evolução da função renal em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos . . . 28
Tabela 10: Análise univariada dos fatores de risco (variáveis contínuas) para nefrotoxicidade pelo critério 1 em 92 pacientes submetidos a transplantes de órgãos sólidos . . . 30
Tabela 11: Análise univariada dos fatores de risco (variáveis categóricas) para nefrotoxicidade pelo critério 1 em 92 pacientes submetidos a transplantes de órgãos sólidos . . . 31
Tabela 12: Análise univariada e multivariada do fator de risco (variável contínua) pelo critério 1 de nefrotoxicidade de 92 pacientes submetidos a transplantes de órgãos sólidos. . . 32
Tabela 13: Análise univariada e multivariada dos fatores de risco (variáveis categóricas) pelo critério 1 de nefrotoxicidade de 92 pacientes submetidos a transplantes de órgãos sólidos . . . 32
Tabela 14: Análise univariada dos fatores de risco para gravidade do grupo de pacientes com ITU em comparação ao grupo com outras infecções de 92 transplantes de órgãos sólidos. . . 33
ix
LISTA DE ABREVIAÇÕES
CIVD: Coagulação intravascular disseminada
CLSI: Clinical and Laboratory Standards Institute
IRC: Infecção relacionada a cateter
ISC: Infecção de sítio cirúrgico
ITU: Infecção do trato urinário
PAVM: Pneumonia associada a ventilação mecânica
PNA: Pielonefrite aguda
MYSTIC: Meropenem Yearly Susceptibility Test Information Collection.
SOFA: Sepsis-related Organ Failure Assessment
x
RESUMO
Introdução: As polimixinas são antimicrobianos antigos, e que caíram em desuso por muitos anos pelos relatos de toxicidade, principalmente nefrotoxicidade e neurotoxicidade. O surgimento de bactérias gram negativas multirresistentes em especial
P aeruginosa e A baumanii em todo o mundo é uma realidade e temos observado seu crescimento em inquéritos epidemiológicos internacionais a partir dos anos 90. Não há estudos que demonstrem a taxa de disfunção renal nos pacientes transplantados pelo uso da polimixina, porém sabe-se que a função renal contribui de forma estatisticamente significante para a sobrevida dos receptores a longo prazo. Métodos: Foram levantados retrospectivamente os prontuários de todos os pacientes transplantados de órgãos sólidos, e que utilizaram polimixinas, durante o período janeiro 2001 a dezembro 2007 em 2 hospitais de ensino na cidade de São Paulo, Brasil. O objetivo principal do estudo foi definir o percentual de nefrotoxicidade apresentado pelos pacientes. Com o objetivo de avaliar essa variável escolhemos 2 definições de toxicidade renal (critério 1 e critério 2) e as aplicamos em todos os pacientes estudados com o objetivo de compará-las entre si e com a literatura. Critério 1 foi definido como creatinina sérica > 2 mg/dl após introdução da polimixina em pacientes com disfunção renal aguda,ou aumento de 50% da creatinina sérica em relação aos valores pré-polimixina naqueles com disfunção renal prévia. Associa-se à definição em qualquer das 2 situações acima a diminuição do clearance de creatinina estimado pela metodologia de Cockcroft & Gault em 50%, ou evolução para terapia dialítica. Critério 2 foi definido como qualquer aumento de creatinina sérica.
INTRODUÇÃO
1
1. INTRODUÇÃO
1.1. Características do antimicrobiano
As polimixinas foram descobertas no final dos anos 40, sendo descritas
polimixinas de A a E. As únicas que apresentam aplicação terapêutica são a
polimixina B descoberta em 1947, isolada a partir do Bacillus polymxa, e a
polimixina E (colistina) em 1950, isolada a partir do Bacillus colistinus (1). Sua
estrutura química é composta por um decapeptídeo atachado a 5 grupos amino
carregados negativamente, são anfifáticos, distribuindo-se bem em meio aquoso e
não aquoso (2).
Seu mecanismo de ação não está completamente esclarecido. A
polimixina se liga à membrana citoplasmática externa da bactéria, não
necessitando entrar em contado com estruturas internas da mesma, levando a
alterações de permeabilidade e morte celular. Elas agem como verdadeiros
detergentes da membrana citoplasmática bacteriana, sendo antagonizadas por
cátions como cálcio e magnésio (3).
Outro efeito importante é a ligação com o lipídio A na membrana
lipopolissacarídica da bactéria conferindo proteção contra a ação de endotoxinas,
reduzindo os fenômenos relacionados à sua liberação, incluindo leucopenia,
choque e CIVD. No entanto, este efeito é claro em estudos animais e não parece
ter importância no tratamento de infecções clínicas, uma vez que a administração
de polimixina devería preceder a liberação de endotoxinas (4).
Em altas concentrações é bactericida, o espectro de ação é
semelhante, em especial nas duas polimixinas mais utilizadas, a polimixina B e a
polimixina E. Ambas possuem excelente atividade sobre diversos bacilos
INTRODUÇÃO
2 aeruginosa, Acinetobacter spp, Klebsiella spp e E coli, todas as espécies de
Enterobacter, Salmonella, Shigella, Pasteurella, Brucella, e Bordetella. Algumas
enterobactérias são naturalmente resistentes à sua ação, como Proteus spp,
Flavobacterium spp, S maltophilia, B cepacea, Edwardsiella spp, Providencia spp,
e a maioria das Serratia spp. Também são resistentes os cocos gram-positivos,
anaeróbios e Neisseria spp (1).
A absorção oral da polimixina é baixa. Seu pico sérico é de 8 mg/l,
sendo que após sete dias, por acúmulo, o pico pode chegar a 15 mg/l. A excreção
é 60% renal, e o destino dos 40% restantes da droga não é conhecido, sendo
não-biliar. A meia vida da droga é de aproximadamente 6h e de 2 a 3 dias em
pacientes anúricos. Sua ligação protéica é de 50%, o restante fica firmemente
aderido à membrana de lipolissacárides dos tecidos. Sua distribuição tecidual é
extensa, mas as concentrações em líquido cefalorraquidiano, sinovial e pulmão
são baixas. Outros parâmetros de farmacocinética tais como volume de
distribuição e área sobre a curva não foram estudados adequadamente (1, 5).
1.2. O uso da polimixina no contexto epidemiológico atual
O uso indiscriminado de antimicrobianos associado à capacidade dos
patógenos de desenvolver mecanismos de resistência à ação dos mesmos vem
sendo amplamente documentado. Dentro deste contexto é de especial
preocupação o A baumanii e P aeruginosa pela gravidade das infecções que
produzem, e pela rápida disseminação de resistência (6).
O programa de vigilância de resistência SENTRY durante o período
2001-2004 analisou 8.705 isolados clínicos de P aeruginosa e 2.621 de A
baumanii de diversos sítios de infecção coletados em várias partes do mundo. A
INTRODUÇÃO
3 MIC90 2mg/L). Destes verificou-se que 3,3% das amostras de P aeruginosa e
3,2% dos A baumanii eram multirresistentes. Por outro lado a taxa de resistência
à polimixina B foi de 2,9% na região Asia-Pacífico e de 1,1% na Europa, America
Latina e America do Nortepara a P aeruginosa e para o A baumanii a resistência
foi de 2,7% na Europa, 1,7% na America do Norte e America Latina (7). O programa de vigilância MYSTIC coletando amostras clínicas durante o ano 2007
em países europeus verificou que dos 166 isolados de Acinetobacter spp apenas
74,1% eram sensíveis ao meropenem e 78,9% ao imipenem. Em relação aos 728
isolados de P aeruginosa o programa de vigilância verificou sensibilidade ao
meropenem em apenas 79,1%, e 55,5% ao imipenem (8). O referido programa de
vigilância de resistência durante o ano de 2005 coletou amostras clínicas de 11
centros médicos nos Estados Unidos da América, e verificou que 85,6% dos
espécimes Acinetobacter spp eram sensíveis ao meropenem e 92% ao imipenem,
ao passo que para P aeruginosa a sensibilidade ao meropenem era de 87,6%
para o meropenem e de 84,4% para o imipenem (9). O programa de vigilância
SENTRY durante o período 1997 a 1999 coletou 3.728 amostras clínicas de
diversos sítios em 12 hospitais brasileiros de 4 estados diferentes. A P aeruginosa
foi o terceiro patógeno mais freqüente presente em 13,3% dos isolados e o
Acinetobacter spp em sétimo lugar com 6,8%. O mais preocupante foi a alta
resistência ao imipenem verificada para a P aeruginosa (susceptibilidade 69,8%)
e Acinetobacter spp (susceptibilidade 88,1%) (10).
Esses dados nos remetem à grave situação da resistência bacteriana
em todo o mundo em relação a esses 2 patógenos. Alguns estudos relatam
sucesso no tratamento de infecções por A baumanii multirresistente com
ampicilina-sulbactam, mesmo em pacientes graves, porém são séries de casos
cuja informação precisa ser validada (11,12). Em relação a P aeruginosa
multirresistente não existe opção terapêutica segura fora das polimixinas.
INTRODUÇÃO
4 patógenos e estudos clínicos em pacientes com infecções da
comunidade demonstrando atividade não relevante (13, 14). Portanto, no momento,
ainda não dispomos de nenhuma outra opção terapêutica eficaz para essas
infecções em pacientes graves, que não seja a polimixina, nem antimicrobianos
em desenvolvimento pela indústria para esse tipo de paciente.
1.3. Eficácia
A polimixina pode ser indicada para diversas infecções. Os melhores
resultados terapêuticos da droga foram obtidos no tratamento da infecção urinária
e da bacteremia sem foco aparente. Existem relatos de cura de pneumonia
causada por P. aeruginosa com monoterapia com polimixina (15). Linden e cols (16)
estudaram 23 pacientes críticos com infecções causadas por P aeruginosa
multirresistente, sendo que 18 tinham o diagnóstico de pneumonia. Resposta
favorável foi observada em 10 pacientes . Já Garnacho-Montero e cols (17)
compararam a resposta terapêutica da polimixina com o imipenem em PAVM
causada por A baumanii. Nos dois grupos houve resposta favorável em 57% dos
pacientes. Estes achados podem ser contrapostos a alguns estudos como o de
Levin e cols (18), que analisaram infecções causadas tanto por P aeruginosa como
por A. baumanii. Os autores observaram que em casos de pneumonia a resposta
foi de apenas 25%. Não se sabe se a pneumonia deve ser tratada com
monoterapia com polimixina ou em associação com outro antimicrobiano.
Esta aparente dissociação entre sua elevada potência in vitro e seu
desempenho clínico aquém do esperado pode ser explicada pelo uso em
pacientes críticos que têm um risco de morte elevado por sua condição clínica de
base. Devido ao desempenho decepcionante em infecções do trato respiratório
INTRODUÇÃO
5 polimixina aerossolizada já foi utilizada tanto para prevenção de colonização em
pacientes com fibrose cística, como no tratamento de infecções clínicas.
Hamer (19) relatou a associação entre o uso aerossolisado da colistina e
antimicrobianos parenterais no tratamento de três pacientes com infecções
respiratórias causadas por bacilos multirresistentes. Pereira e col (20) relataram
série de 19 pacientes (14 pneumonias e 5 traqueobronquites), que em sua
maioria já haviam falhado na terapia com polimixina B endovenosa, e que foram
submetidos a novo curso do antimicrobiano inalatório, sendo que aqueles com
pneumonia também utilizaram polimixina B endovenosa. Houve cura em 10
pacientes (53%), melhora clínica em 8 (42%) e 1 falha. No entanto, a polimixina
em aerossol pode causar broncoconstrição, e deterioração da função respiratória,
e deve ser utilizada em casos selecionados.
Outra alternativa é o uso combinado com outros antimicrobianos. Há
sinergismo in vitro com rifampicina (16), sulfametoxazol-trimetoprim e tetraciclina.
Existem relatos de casos de combinações de diversos antimicrobianos com a
polimixina. No entanto, não existe uma definição clara do papel da combinação de
antimicrobianos no tratamento de infecções causadas por microrganismos
multirresistentes (1).
1.4. Toxicidade geral
A polimixina possui a peculiaridade de sua ligação tecidual. Ela é
distribuída nos tecidos, mas ao contrário de outros antibióticos, não apresenta
concentração livre no fluido intersticial de diversos órgãos, inclusive o pulmão (1, 21). A polimixina tem cinco grupos amino livres que se ligam a proteínas no sangue
e aos fosfolípides das membranas celulares (21-23). O resultado desta forte ligação
INTRODUÇÃO
6 livre e ativa. A polimixina B apresenta menor proporção de ligação tecidual que a
colistina.
A polimixina é bastante tóxica, sendo um dos seus efeitos colaterais
mais temidos o bloqueio neuromuscular, semelhante ao dos aminoglicosídeos,
que ocorre com a infusão rápida da droga, podendo levar a parada respiratória.
Outros efeitos neuromusculares descritos são a diplopia, disfagia, disfonia,
parestesia perioral, neuropatia periférica, arreflexia, ataxia, instabilidade
vasomotora e confusão. Todos são dose-dependentes. A taxa de neurotoxicidade
nos estudos varia de 7% a 27% (24). Reações alérgicas são raras, sendo descrito
um caso de anafilaxia por uso de polimixina intranasal e outro caso de exantema
por aplicação tópica (25). Possui efeito residual pela sua alta afinidade tecidual,
podendo apresentar ação tóxica por até 5 dias após sua suspensão.
1.5. Nefrotoxicidade
Temos a convicção da importância que os bacilos gram negativos
desempenham nos dias de hoje, não só pelos níveis de resistência bacteriana
alarmantes observados em todo o mundo, mas também pela falta de novos
antimicrobianos disponíveis capazes de combater esses patógenos
multirresistentes.
A polimixina configura-se como última opção terapêutica disponível no
momento, daí a grande importância em se realizar estudos clínicos para
esclarecer questões como sua nefrotoxicidade. Trabalhos recentes sugerem que
o dano renal, mesmo em pacientes portadores de insuficiência renal crônica, não
ocorre em patamares tão elevados como outrora descritos, e seu efeito
INTRODUÇÃO
7 A insuficiência renal aguda pelo uso da polimixina é dose dependente,
e cumulativa. São descritos necrose tubular aguda, albuminúria e cilindrúria. Em
geral ela surge após o sétimo dia de uso, e é reversível, embora muitas vezes
possa levar à diálise ou óbito. Pode ocorrer também alteração eletrolítica como
hiponatremia, hipocloremia e hipocalemia (26). Em estudos antigos, que datam da década de 60 e início dos anos 70, havia uma grande preocupação em relação à
nefrotoxicidade (27). Estudo com 288 pacientes mostrou nefrotoxicidade 20,2%, e
relacionou o uso da polimixina a óbito em 13 pacientes (4,5%). Valores normais
de creatinina e uréia foram considerados até 1,5mg/dl e 25mg/d, respectivamente,
e alteração significativa da função renal foi definida como aumento de 100% em
um desses parâmetros, se o paciente tinha função renal normal pré-colistina, ou de 25%, se já possuía alteração renal prévia ao antimicrobiano (28). Outro estudo,
realizado em 1965, analisou pacientes com insuficiência renal aguda e insuficiência renal crônica pré-existente. Avaliou a função renal fazendo
seguimento do sedimento urinário, proteinúria, uréia e creatinina plasmáticas,
volume urinário de 24h e biópsia renal. O valor de normalidade para creatinina foi
considerado entre 0,7 a 1,4 mg/dl, porém não descreve quais os critérios de
toxicidade renal. Demonstrou nefrotoxicidade de 36%, embora tenha amostra de
apenas 25 casos (29). Outros estudos utilizando pacientes com infecção por
bactérias gram negativas cuja apresentação clínica foi pneumonia, ITU e
sepsis (30-32) com respectivamente 8, 23 e 48 pacientes demonstraram piora da
função renal em seus casos: No 1º houve queda de 50% no clearence creatinina
e aumento da creatinina sérica durante o uso de colistina, o 2º demonstrou
nefrotoxicidade em 26,1%, e o 3º houve aumento prolongado dos níveis de uréia
sanguínea em 10,5% somente nos que já apresentavam disfunção renal
pré-colistina. Neste último nefrotoxicidade foi baseada nos níveis de uréia plasmática,
sendo que os autores relatam aumento médio da uréia de 50 mg/dl (variando 42 a
61 mg/dl), porém não citam valor a partir do qual é considerado disfunção renal.
INTRODUÇÃO
8 ministrada de forma intramuscular. Devemos lembrar, porém, que existiram na mesma época vários relatos de casos de superdosagem de colistina, levando
desde insuficiência renal aguda reversível, até a morte em criança de 4 anos por
oligoanúria, complicações neurológicas e insuficiência respiratória aguda (33-35).
Como pode-se perceber os estudos de nefrotoxicidade da época apresentavam
em sua maioria número reduzido de pacientes e conseqüentemente necessidade
de novos trabalhos com amostragem maior.
Nunca duvidou-se da eficácia das polimixinas em relação a alguns
gram negativos especialmente P aeruginosa, Acinetobacter baumanii, e Klebsiella
pneumoniae. Contudo, na época, existiam outros antimicrobianos sensíveis a
esses patógenos com menor potencial de nefrotoxicidade, por esse motivo houve
um abandono do uso das polimixinas. Hoje temos patógenos gram negativos
resistentes a maioria dos antimicrobianos disponíveis, não temos perspectiva de
nenhuma nova classe de antibiótico contra esses patógenos, daí o grande
interesse novamente pelas polimixinas.
Os novos estudos não têm corroborado os mesmos índices de
nefrotoxicidade dos antigos. Estudo clínico realizado por Levin e col (18) em 60
pacientes críticos demonstrou disfunção renal aguda em 27% e piora da função
renal em pacientes renais crônicos em 58%, porém toxicidade renal foi definida
como qualquer aumento de creatinina sérica antes do início da polimixina. O
critério adotado tem alta sensibilidade para detecção de disfunção renal, sendo
uma exceção em relação à maioria dos outros autores na literatura. Dois estudos
realizados em pacientes internados em UTI, utilizando colistina, avaliaram
disfunção renal: O 1º mostrou nefrotoxicidade de 14,3%, cuja definição de
disfunção renal foi creatinina plasmática maior que 1,0 mg/dl (36). O 2º demonstrou
nefrotoxicidade de 18,6% considerando função renal normal creatinina plasmática
menor 1,2 mg/dl, e disfunção renal aguda como aumento de 2 mg/dl em pacientes
INTRODUÇÃO
9 como duplicação do valor de creatinina sérica, em relação aos valores anteriores
ao início da colistina, em pacientes com história de insuficiência renal prévia (37).
Estudo comparando o uso de colistina e imipenem/cilastatina para tratamento de
PAVM por A baumanii a nefrotoxicidade foi de 24%, e 42% respectivamente.
Neste estudo falência renal foi definida como aumento dos níveis de creatinina
plasmática maior que 2 mg/dl, ou redução do clearance de creatinina em 50% em
relação ao valor antes da colistina, ou necessidade de terapia dialítica. Naqueles
pacientes com disfunção renal preexistente falência renal foi definida como
aumento de 50% dos níveis de creatinina plasmática, ou redução em 50% no
valor do clearance de creatinina calculado, em relação àqueles valores antes do
início da colistina, ou necessidade de diálise (17). Falagas e col avaliando 19
cursos de colistina intravenosa nas doses preconizadas por período prolongado
(mais de 4 semanas) verificou nefrotoxicidade em 14,3% dos pacientes com um
aumento médio da creatinina sérica de 0,25 mg/dl, que retornou ao normal ao
final do tratamento. Função renal normal foi definida como creatina sérica menor
ou igual a 1,3 mg/dl, e disfunção renal foi considerada quando houve piora em
50% do valor da creatinina sérica antes do inicio da colistina, e creatinina sérica
maior que 1,3 mg/dl, ou necessidade de diálise (38). Da mesma forma que a
colistina, a polimixina B também mostra dados de estudos recentes sobre
nefrotoxicidade, que não corroboram os de estudos antigos. Sobieeszczyk e
col (39) demonstraram nefrotoxicidade de 10% na terapia combinada com
polimixina B no tratamento de pneumonia por gram negativo multirresistente.
Nefrotoxicidade foi definida como duplicar o valor da creatinina sérica, em relação
aos valores pré-polimixina B, durante terapia com o antimicrobiano. Ouderkirk e
col (40) relataram falência renal aguda em 14% dos pacientes no tratamento de
infecção de patógeno gram negativo multirresistente em amostra de 60 casos.
Neste estudo, falência renal foi considerada duplicação do valor da creatinina
sérica, e valores desta determinação maior que 2,0 mg/dl em relação ao 1º dia de
INTRODUÇÃO
10 Como pode-se perceber existe grande variabilidade entre as definições
de nefrotoxicidade nos estudos, não existe uma definição de consenso entre os
autores, o que leva a determinação de taxas de toxicidade renal diferentes,
mesmo entre os estudos recentes. Desta realidade surge a necessidade de
utilizar mais de uma definição de disfunção renal no mesmo estudo com o objetivo
de compará-las entre si.
1.6. Polimixina em transplante
Existe pouca informação a esse respeito, apenas 2 estudos descrevem
pacientes transplantados que receberam polimixina. Linden e col (16) realizaram
estudo descritivo com 23 pacientes em unidade de terapia intensiva dos quais 20
(87%) eram receptores de órgãos sólidos e 3 (13%) tinham sido submetidos a
cirurgia abdominal. Esses pacientes receberam colistina como último recurso
terapêutico por apresentarem infecção por P aeruginosa multirresistente. Foi
observada resposta clínica favorável em 14 pacientes (61%). O outro estudo (18)
descreveu amostra de 60 pacientes dos quais apenas 7 (12%) eram
transplantados (medula óssea, rim, fígado), e que tinham infecção por A baumanii
ou P aeruginosa multirresistentes. Portanto foram tratados com colistina como
última opção terapêutica, mostrando boa evolução clínica em 35 pacientes (58%).
No tocante a nefrotoxicidade em pacientes transplantados encontramos
INTRODUÇÃO
11 1.7. Transplante: Maior susceptibilidade para nefrotoxicidade
Os pacientes transplantados renais evoluem durante a vida útil do seu
enxerto entidade clínica denominada nefropatia crônica. Esta por sua vez é o
resultado de um conjunto de fatores que são tempo-dependentes e mediados por
injúria imunológica e não imunológica. Nas fases mais precoces após o
transplante são mais freqüentes os danos tubulointersticiais relacionados ao
processo de isquemia e reperfusão, necrose tubular aguda, rejeição aguda, e
nefrotoxicidade mediada por uma classe de imunossupressores denominados de
inibidores de calcineurina. As principais drogas dessa classe são a ciclosporina e
o tacrolimus. Todo esse processo patológico sobrepõe-se às lesões renais
pré-existentes do doador. Mais tardiamente na história natural do transplante as
lesões renais ocorrem por ação dos inibidores de calcineurina, que levam à injúria
microvascular e glomerular. Além desse mecanismo, a hipertensão arterial
sistêmica contribui para a nefropatia crônica do enxerto, assim como a hiperplasia
vascular da íntima, glomerulopatia do transplante, e infecção pelo
poliomavírus (41). Estudo de Mengel e col (42) mostra aumento de 13 vezes a razão
de chances do transplantado renal adquirir nefropatia por poliomavírus pelo uso
de altas doses do tacrolimus e micofenolato mofetil.
1.8. Justificativa do estudo
Por toda a problemática envolvendo bactérias multirresistentes em todo
o mundo, em especial P aeruginosa e A baumanii, aliado ao fato que não existe
antimicrobiano em desenvolvimento capaz de erradicar esses patógenos, temos
que aceitar o fato de que o uso da polimixina é inevitável.
O problema da multirresistencia ocorre também nos pacientes
INTRODUÇÃO
12 causa de morte é ICS (43-46). Rede nacional de vigilância envolvendo 16 centros
transplantadores na Espanha seguiu prospectivamente pacientes transplantados
de órgãos sólidos e medula óssea durante o período julho 2003 a abril 2005, que
apresentaram 730 episódios de ICS. Relataram taxa de multirresistencia
(sensibilidade somente a colistina) de 9,7% entre bacilos gram negativos não
fermentadores de glicose, e que estes pacientes apresentavam maior mortalidade
quando comparados com os não multirresistentes (mortalidade 44%; p 0,015) (47).
Centro espanhol único seguiu prospectivamente pacientes submetidos a
transplantes órgãos sólidos durante período de 3 anos (julho 2003 a julho 2006)
relatando 97 episódios de infecção por bactérias multirresistentes em sítios de
infecção diferentes em 58 pacientes. P aeruginosa foi o 2º agente etiológico mais
freqüente (17% dos isolados), e A baumanii foi o 6º patógeno mais encontrado
(2% dos isolados). Bacilos gram negativos não fermentadores de glicose
multirresistentes estavam associados a maior mortalidade (11%) (48). Em centro
de referência para transplante pulmonar na Austrália os autores descrevem série
retrospectiva de casos entre 1989 e 2000 de 54 pacientes submetidos a
transplante pulmonar por fibrose cística, dos quais 30 apresentaram pelo menos
uma bactéria multirresistente isolada em secreção pulmonar (escarro ou lavado
broncoalveolar). Pseudomonas aeruginosa multirresistente esteve presente em
cerca de 70% dos isolados, porém esse grupo de pacientes não estava associado
a maior mortalidade (49).
De especial interesse é o potencial de nefrotoxicidade da droga.
Estudos do final da década de 60 e anos 70 atribuem alta nefrotoxocidade à
polimixina, porém trabalhos recentes mostram taxa de toxicidade renal inferior,
sugerindo que o seu uso é seguro. Quando nos deparamos com o universo de
pacientes transplantados a escassez de estudos é ainda maior, por este motivo
OBJETIVOS
13
2. OBJETIVOS
2.1. Principal
O objetivo principal deste estudo é avaliar o percentual de
nefrotoxicidade nos pacientes que utilizaram a polimixina em transplante
funcionante de órgãos sólidos.
2.2. Secundários
Descrever o contexto clínico-epidemiológico do uso da polimixina.
Descrever o perfil do uso de polimixina.
Avaliar a sobrevida dos pacientes.
Avaliar fatores de risco para nefrotoxicidade.
Quantificar a evolução para diálise pelo antimicrobiano.
MATERIAL E MÉTODOS
14
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1. Local do estudo
O estudo foi realizado em 2 hospitais: Hospital São Paulo e Hospital do
Rim e Hipertensão. O primeiro é um hospital-escola de 700 leitos, ligado a
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) com atendimento somente ao
SUS. O Hospital do Rim e Hipertensão da Fundação Osvaldo Ramos, órgão
suplementar da Universidade Federal de São Paulo, 89 leitos, 70% dos quais
pertencem ao SUS.
3.2. Desenho do estudo
Foram selecionados e realizado levantamento retrospectivo em
prontuário dos pacientes transplantados de órgãos sólidos funcionantes, que
utilizaram polimixinas nesses 2 hospitais durante o período janeiro 2001 a
dezembro de 2007. Esses pacientes foram localizados através da ficha de
antimicrobianos controlados, assim como levantamento do consumo de
polimixinas nas respectivas farmácias.
3.3. Critérios de inclusão
Idade maior ou igual a 18 anos, ser portador de transplante de órgão
sólido funcionante que por ocasião de sua evolução clínica estiveram em uso de
MATERIAL E MÉTODOS
15 3.4. Coleta de dados
Dados demográficos e da internação do paciente:
Sexo.
Idade.
Peso (kg).
Setor de internação.
Tempo de internação (dias).
Tempo de permanência em unidade de terapia intensiva (UTI).
Utilização de droga vasoativa em UTI.
Apresentação clinica em UTI.
Numero de disfunções orgânicas em UTI.
Uso de ventilação mecânica.
Escore de SOFA (50) no primeiro dia de uso da polimixina na UTI.
Dados relacionados ao transplante:
Etiologia da insuficiência do órgão transplantado.
Tipo de transplante.
Tempo de transplante.
Idade do doador.
MATERIAL E MÉTODOS
16 Indução ou não após o transplante.
Episódios de rejeição após o transplante.
Realização de enxertectomia.
Tempo em meses após transplante que utilizou polimixina.
Dados relacionados a polimixina:
Tempo de utilização.
Dose de utilização.
Tempo de infusão.
Efeitos colaterais.
Dados relacionados ao uso de outras drogas utilizadas durante a
internação:
Outras drogas nefrotóxicas utilizadas até 15 dias antes e/ou durante
a polimixina.
Outros antimicrobianos utilizados até 15 dias antes da polimixina.
Se houve terapia combinada com a polimixina.
Se houve descalonamento dos antimicrobianos por ocasião do
MATERIAL E MÉTODOS
17 Dados relacionados à função renal:
Creatinina sérica basal (Será definida como a creatinina sérica antes
do início da polimixina).
Uréia sérica basal (Será definida como a uréia sérica antes do início
da polimixina).
Creatinina sérica no primeiro, segundo e terceiro meses após a
polimixina.
Evolução da creatinina sérica durante a utilização da polimixina.
Evolução de uréia sérica durante a utilização da polimixina.
Dados da infecção:
Topografia da infecção.
− Pneumonia.
− Pneumonia associada a ventilação mecânica.
− Infecção sítio cirúrgico.
− Infecção de corrente sanguínea.
− Infecção relacionada a cateter.
− Infecção trato urinário.
MATERIAL E MÉTODOS
18 Tanto a indicação da polimixina como o diagnóstico ou sítio de infecção
que motivaram a introdução do antimicrobiano foram de responsabilidade do
médico assistente.
Agente etiológico que levou ao início da polimixina.
Local de isolamento do patógeno que levou ao início da polimixina.
Definições mais importantes:
Cura microbiológica – Definida como ausência de crescimento do
microrganismo inicialmente isolado que motivou a introdução de
polimixina.
Cura ou melhora clínica – Definida como resolução total ou parcial,
respectivamente, dos sinais e sintomas da infecção ao final do
tratamento com polimixina.
Bacteria multirresistente – Toda bactéria resistente a
carbapenêmicos.
Óbito – Será considerado o óbito por qualquer causa após 30 dias
do início do tratamento com polimixina e a taxa total de mortalidade
hospitalar após o uso de polimixina B.
Perda do enxerto renal – Necessidade de retorno a terapia renal
substitutiva crônica (hemodiálise ou diálise peritoneal).
Nefrotoxicidade – As taxas de nefrotoxicidade serão calculadas e
MATERIAL E MÉTODOS
19
Critério 1(Garnacho-Montero J e col. Clin Infect Dis 2003; 36:1111-8):
Em pacientes com função renal previamente normal (creatinina
sérica ≤ 1,2 mg/dl) toxicidade renal foi definida como:
o Creatinina sérica > 2 mg/dl ou
o Diminuição do clearance de creatinina calculado pela
metodologia de Cockcroft & Gault em 50% em relação a
creatinina sérica antes da introdução do referido
antimicrobiano ou
o Deterioração da função renal que resultou em terapia
dialítica (hemodiálise intermitente ou hemofiltração
veno-venosa contínua).
Em pacientes com disfunção renal prévia toxicidade renal foi
definida como:
o Aumento de 50% da creatinina sérica após introdução da
polimixina ou
o Diminuição do clearance de creatinina calculado pela
metodologia de Cockcroft & Gault em 50% em relação ao
início da introdução do referido antimicrobiano ou
o Deterioração da função renal que resultou em terapia
dialítica (hemodiálise intermitente ou hemofiltração
MATERIAL E MÉTODOS
20
Critério 2 (Levin AS e col. Clin Infect Dis 1999; 28:1008-11)
Toxicidade renal foi definida como qualquer aumento de creatinina
sérica.
Devido a não uniformidade na definição de nefrotoxicidade dos estudos recentes, optou-se por selecionar dois critérios diferentes com a intenção de compará-los quanto ao percentual de disfunção renal. Para a análise dos fatores de risco para nefrotoxicidade utilizaremos somente o critério 1.
Tempo para desenvolvimento de nefrotoxicidade é o tempo entre o
início do uso da polimixina e desenvolvimento de toxicidade renal pelo
critério 1.
Parada respiratória, confusão mental, parestesia perioral e ataxia
serão considerados para este estudo durante o período de utilização da
polimixina até 5 dias do seu término.
Hiperpigmentação da pele e exantema serão considerados para esse
estudo durante o período de utilização da polimixina até 5 dias do seu
término.
3.5. Método microbiológico
Perfil de resistência dos isolados foi realizado por disco difusão e
microdiluição em caldo segundo normatização do CLSI.
3.6. Metodologia estatística
Para avaliação de fatores de risco para nefrotoxicidade, comparamos
MATERIAL E MÉTODOS
21 qualquer momento no curso do tratamento, utilizando o critério 1 apresentado em
materiais e métodos.
As variáveis foram apresentadas de forma descritiva em tabelas
contendo freqüências absolutas e relativas. A análise univariada dos fatores de
riscos representados por variáveis categóricas nominais foi efetuada utilizando o
teste Qui-quadrado de Pearson (X2) ou o Teste Exato de Fisher (TEF) quando a suposição para aplicar X2não fosse satisfeita. Para as variáveis continuas com distribuição normal foi realizado o teste t de Student. Para as variáveis continuas
que não apresentavam distribuição normal foi realizado o teste de Mann-Whitney.
A análise multivariada foi aplicada utilizando-se o modelo de regressão
logística não-condicional múltipla com procedimento de seleção de variáveis tipo “stepwise”, com o objetivo de identificar fatores de risco independentes. O procedimento “stepwise” consiste em iniciar a análise computacional somente com uma constante, sem nenhuma das variáveis de interesse. A cada passo,
após acrescentar uma nova variável, retira-se do modelo aquela cuja contribuição
parcial não foi considerada suficientemente significativa. Variáveis contidas no
modelo, em um determinado passo, não necessariamente permaneceram até o
final do processo.
Quando verificada colinearidade entre as variáveis, somente uma,
aquela considerada de maior relevância clínica para associação com a
nefrotoxicidade pelos critérios 1 ou 2 foi incluída na análise multivariada.
Todas as probabilidades de significância apresentadas foram do tipo
bilateral e valores menores que 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. A razão de chances (“odds ratios”) e os seus respectivos intervalos de confiança de 95% foram estimados. A análise estatística dos dados foi
efetuada através do software SPSS versão 16.0 (Statistical Package for the Social
RESULTADOS
22
4. RESULTADOS
Foi realizado o levantamento retrospectivo de 94 pacientes submetidos
a transplantes de órgãos sólidos e que utilizaram polimixinas (polimixina B e E),
porém 2 pacientes foram excluídos por terem realizado procedimento dialítico em
intervalo menor que 72 horas entre a introdução do antimicrobiano em estudo e o
início da diálise. Portanto entraram efetivamente no estudo 92 pacientes.
Participaram deste levantamento transplantados de rim, rim/pâncreas, fígado e
coração. A maioria dos pacientes recebeu enxerto de rim (83,7%), e destes,
70,7% recebeu órgão de doadores falecidos. A idade média dos receptores foi de
47 ± 14,4 anos (20 - 72 anos), sendo 57 pacientes (62%) do sexo masculino e 35
(38%) do sexo feminino, que tiveram um tempo médio de permanência hospitalar
de 75,1 dias (3 - 889 dias). Demais dados demográficos relacionados aos
receptores e doadores de órgãos sólidos encontram-se na tabela 1. Foi
considerado apenas o primeiro curso de polimixina dos 92 pacientes
transplantados de órgãos sólidos, sendo que houve 90 cursos de polimixina B e 2
cursos de polimixina E (colistina). O tempo médio de utilização da polimixina B foi
de 16,6 dias (3 - 46 dias). Para fins de análise estatística foram considerados
somente os cursos de polimixina B. Demais dados relacionados ao uso da
polimixina B encontram-se na tabela 2.
Das 92 infecções 83,7% tiveram comprovação microbiológica, o
principal diagnóstico foi ITU (41,3%), seguido de ISC (17,4%), e pneumonia
(16,3%). P aeruginosa foi o agente etiológico mais freqüente, presente em 76,1%
dos isolados. Incidência dos demais sítios de infecção, agentes etiológicos
isolados, local de isolamento e perfil de sensibilidade das culturas disponíveis
encontram-se nas tabelas 3, 4, 5, e 6, respectivamente. Houve cura
microbiológica em 25 pacientes avaliáveis (100%), cura clínica em 71/92
RESULTADOS
23 Demais dados de evolução dos receptores de órgãos sólidos encontram-se na
tabela 7.
Quarenta e quatro pacientes (47,8%) apresentaram nefrotoxicidade por
algum dos dois critérios adotados, 30 pacientes (32,6%) pelo critério 1 e 44
pacientes (47,8%) pelo critério 2. O tempo médio para o aparecimento da
disfunção renal foi de 11 dias (3 - 24 dias), sendo que no 9º, 16º e a partir do 29º
dia de uso da polimixina a taxa de nefrotoxicidade foi de 25%, 40% e 51% em
análise de sobrevida livre de disfunção renal, demonstrado na figura 1. Cinco
pacientes (5,4%) evoluíram para perda do enxerto, demais dados de evolução do
enxerto, assim como outras informações sobre nefrotoxicidade encontram-se nas
RESULTADOS
24
Tabela 1: Características demográficas relacionadas aos transplantes de órgãos sólidos dos 92 pacientes submetidos a tratamento com polimixina.
Variáveis N %
Idade do receptor (anos) 47 (20-72)
Dias de internação 75,1 (3-889)
Sexo (M/F) 57 / 35 62 / 38
Unidade de internação
Enfermaria 77 83,7
Unidade de Terapia Intensiva 15 16,3
Idade do doador (anos) 42 (4-71)
Centro transplantador
Hospital do Rim e Hipertensão 71 77,2
Hospital São Paulo 21 22,8
Tipo de transplante Rim Rim-Pâncreas Fígado Coração 77 6 8 1 83,7 6,5 8,7 1,1 Tipo de doador de transplante renal
Falecido HLA I HLA II HLA III 65 4 16 7 70,7 4,3 17,4 7,6 Imunossupressão na introdução polimixina 79 85,9
Prednisona 69 75
Hidrocortisona 2 2,2
Dexametasona 1 1,1
Tacrolimus 27 29,3
Micofenolato mofetil 32 34,8
Azatioprina 10 10,9
Ciclosporina 27 29,3
RESULTADOS
25
Tabela 2: Dados da polimixina B utilizada em 90 pacientes transplantados de órgãos sólidos.
Variável N %
Efeitos colaterais – Exantema 1 1,1
Média da dose total diária utilizada (UI)* 922.282,6 (150.000 - 2.000.000)
Média dos dias de utilização 16,6 (3 – 46)
Tempo de infusão > 12 h
< 12 h
20 70
22,2 77,8 Média do tempo em meses após transplante que
utilizou polimixina 21,2 (1 – 134)
* Unidades internacionais
Tabela 3: Suspeita clínica que levou ao início do tratamento com polimixina em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos.
Tipo de infecção N %
Pneumonia 15 16,3
Infecção corrente sanguínea primária 5 5,4
Colonização de cateter central 5 5,4
Infecção de sítio cirúrgico 16 17,4
Infecção intrabdominal 2 2,2
ITU 38 41,3
Sem foco infeccioso identificado 8 8,7
Infecção de partes moles 2 2,2
Hemocultura positiva do doador 1 1,1
RESULTADOS
26
Tabela 4: Agente etiológico que motivou a introdução da polimixina em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos
Agente etiológico N %
P aeruginosa 70 76,1
A baumanii 5 5,4
K pneumoniae 1 1,1
Enterobacter sp 1 1,1
Não isolado 15 16,3
Total 92 100
Tabela 5: Local de isolamento do patógeno que motivou início da polimixina em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos.
Local de isolamento N %
Aspirado traqueal 5 5,4
Lavado broncoalveolar 7 7,6
Secreção pleurodese 1 1,1
Hemocultura 6 6,5
Ponta de cateter 5 5,4
Cultura secreção intraoperatória 4 4,3
Swab beira de leito 9 9,8
Urocultura 29 31,5
Urocultura sonda vesical demora 8 8,7
Secreção uretral 1 1,1
Cultura secreção dreno 1 1,1
Líquido peritoneal 1 1,1
Não isolado 15 16,3
RESULTADOS
27
Tabela 6: Perfil de sensibilidade dos agentes etiológicos que motivou a introdução da polimixina em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos.
Antimicrobiano *S/T %
Polimixina 44/44 100
Merepenem 4/72 5,5
Imipenem 4/72 5,5
Piperacilina/tazobactan 21/72 29,2
Ampicilina/sulbactan 4/72 5,5
Aztreonam 2/72 2,8
Ceftazidima 1/72 1,4
Norfloxacina 1/72 1,4
Amicacina 10/72 13,9
Gentamicina 6/72 8,3
S: número de vezes que o antimicrobiano foi sensível. T: número de vezes que o antimicrobiano foi testado. Obs: Estão disponíveis os resultados de 72 culturas.
Tabela 7: Dados de evolução de 92 receptores submetidos a transplantes de órgãos sólidos e tratamento com polimixina.
Variáveis N %
Mortalidade hospitalar 21 22,8
Óbito até 30 dias após início da polimixina 6 6,5
Cura microbiológica 25* 100,0
Cura clínica 71 77,2
RESULTADOS
28
Figura 1: Sobrevida livre de nefrotoxicidade de 92 pacientes submetidos a transplante de orgãos sólidos e tratamento com polimixina.
0 5 10 15 20 25 30 35 40
dias de uso de polimixina 0,0
0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
taxa de
pacient
es livre de
nefrot
oxicidad
e
RESULTADOS
29
Tabela 8: Evolução do enxerto de 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos e submetidos a tratamento com polimixina.
Variáveis N %
Indução 53 57,6
Metilprednisolona 29 31,5
Thymoglogulina 20 21,7
OKT3 3 5,7
Rituximab 1 1,1
Rejeição aguda nos transplantes de rim/rim-pâncreas 21 22,8 Disfunção crônica nos transplantes de rim 4 4,3
Perda do enxerto nos transplantes de rim 5 5,4
Pielonefrite aguda 1 1,1
Rejeição aguda 1 1,1
Disfunção crônica 3 3,3
Enxertectomia no transplante de rim 1 1,1
Rejeição aguda nos transplantes de fígado 4 4,3 Rejeição crônica nos transplantes de fígado 1 1,1
Tabela 9: Dados de nefrotoxicidade e da evolução da função renal em 92 pacientes transplantados de órgãos sólidos.
Variável N %
Média da creatinina antes da polimixina 2,22 (0,7 – 9,6)
Nefrotoxicidade 44 47,8
Critério 1 30 32,6
Critério 2 44 47,8
Dias para nefrotoxicidade * 11 (3 – 24)*
Hemodiálise durante o tratamento 15 16,3
RESULTADOS
30 A partir dos dados relacionados aos transplantes de órgãos sólidos,
das informações referentes à infecção de seus receptores e dos dados de
utilização da polimixina foi realizada análise univariada (tabelas 10 e 11) e
multivariada (tabela 12 e 13) pelo critério 1 de nefrotoxicidade. Na utilização de
drogas nefrotóxicas até 15 dias antes e/ou durante a polimixina o uso específico
de vancomicina associou-se estatisticamente com desenvolvimento de disfunção
renal pelo critério 1 na análise univariada [p 0,03; OR 2,81; IC 95% (1,05 – 7,55)].
Essa associação não se repetiu na análise multivariada. A análise univariada dos
sítios de infecção dos receptores de órgãos sólidos demonstrou associação
estatisticamente significante entre ITU e proteção para nefrotoxicidade pelo
critério 1 [p 0,03; OR 0,20; IC 95% (0,06 – 0,60)]. Na análise multivariada a ITU
voltou a apresentar significância estatística como fator protetor para
nefrotoxicidade pelo mesmo critério [p 0,02; OR 0,24; IC 95% (0,07 – 0,86)].
Quando analisamos somente o grupo de pacientes que apresentaram ITU e os
comparamos com os que apresentaram outras infecções, verificamos que o
primeiro grupo apresentou taxa de internação em UTI menor [Grupo ITU 7,9% x
outras infecções 59,3%; p < 0,001; OR 0,05; IC 95% (0,01 – 0,21)], assim como
taxa de utilização de vancomicina menor [Grupo ITU 31,6% x outras infecções
77,8%; p < 0,001; OR 0,13; IC 95% (0,05 – 0,33)] e essas variáveis foram
estatisticamente significantes na analise univariada. Demais variáveis avaliadas
em relação ao grupo de pacientes que apresentaram ITU e que desenvolveram
outras infecções encontram-se na tabela 14 e 15. Nos demais sítios de infecção
não se verificou associação significante com disfunção renal. Pacientes que
apresentaram uma média de dias de utilização da polimixina B maior estiveram
associados estatisticamente na análise univariada com disfunção renal pelo
critério 1 (p 0,034; média de dias de polimixina de quem apresentou
nefrotoxicidae = 19,4 x média de dias de polimixina de quem não apresentou
RESULTADOS
31 na análise multivariada para o critério 1 [p 0,032; OR 1,067; IC 95% (1,006 –
1,131)].
Tabela 10: Análise univariada dos fatores de risco (variáveis contínuas) para nefrotoxicidade pelo critério 1 em 92 pacientes submetidos a transplantes de órgãos sólidos.
Variável Média da variável (presença de nefrotox)
Média da variável
(ausência de nefrotox) p
Média de idade do receptor 45,9 46,8 0,77
Média de idade do doador 44,6 41,0 0,24
Média de creatinina antes
da polimixina 2,07 2,28 0,54
Dose média diária de
polimixina (UI)* 880.357 940.625 0,53
Tempo médio de utilização
de polimixina (dias) 19,4 15,3 0,03
Escore de SOFA 8,6 8,2 0,84
RESULTADOS
32
Tabela 11: Análise univariada dos fatores de risco (variáveis categóricas) para nefrotoxicidade pelo critério 1 em 92 pacientes submetidos a transplantes de órgãos sólidos.
Variável nefrotoxicidade Presença de N (%)
Ausência de nefrotoxicidade
N (%)
p (OR; IC 95%)*
Internação em UTI 13 (46,4) 22 (34,4) (1,65;0,67-4,08)0,27
Doador falecido 19 (67,9) 46 (71,9) (0,82;0,31-2,16)0,69
Utilização de droga
nefrotóxica 15 dias antes e/ou
durante a polimixina 27 (96,4) 57 (89,1)
0,42 (3,31;0,38-28,3)
Ciclosporina 8 (28,6) 18 (28,1) (1,02;0,38-2,73)0,96
Tacrolimus 9 (32,1) 19 (29,7) 0,81
(1,12;0,43-2,92)
Vancomcina 21 (75) 33 (51,6) 0,03
(2,81;1,05-7,55)
Anfotericina B 7 (10,9) 7 (25) 0,11
(2,71;0,85-8,66)
Ganciclovir 5 (19,7) 11 (17,2) 1,00
(1,04;0,32-3,35) Realização de indução 16 (57,1) 31 (48,4) (1,41;0,58-3,47)0,44
Presença de rejeição anterior 10 (10,9) 18 (19,6) (1,42;0,55-3,65)0,46
Sítio de infecção
Infecção do trato urinário 5 (17,9) 33 (51,6) (0,20;0,06-060)0,03
Infecção do sítio cirúrgico 8 (28,6) 8 (12,5) 0,07
(2,80;0,92-8,45)
Pneumonia 5 (17,9) 10 (15,6) (1,17;0,36-3,81)0,76
Tempo de infusão de
polimixina < 12h 20 (71,4) 50 (80,6)
0,33 (1,66;0,59-4,68) Nefrotoxicidade por tipo de
transplante
Rim 21 (75) 56 (87,5) (0,42;0,13-1,32)0,21
Rim/pâncreas 2 (7,1) 4 (6,3) (1,15;0,19-6,69)1,00
Hepático 5 (17,9) 3 (4,7) 0,053
(4,42;0,97-20,0)
Presença de choque 6 (21,4) 5 (7,8) 0,08
RESULTADOS
33
Tabela 12: Análise univariada e multivariada do fator de risco (variável contínua) pelo critério 1 de nefrotoxicidade de 92 pacientes submetidos a transplantes de órgãos sólidos.
Variável
Análise univariada multivariada Análise
Média da variável presença nefrotox
Média da variável ausência nefrotox p p OR;IC 95%* Tempo médio utilização da polimixina (dias)
19,4 15,3 0,034 0,032
1,06;1,00-1,13
* OR = odds ratio, IC = intervalo de confiança.
Tabela 13: Análise univariada e multivariada dos fatores de risco (variáveis categóricas) para nefrotoxicidade pelo critério 1 de 92 pacientes submetidos a transplantes de órgãos sólidos.
Variável Análise univariada Análise multivariada Presença de nefrotoxicidade N (%) Ausência de nefrotoxicidade N (%) p p OR;IC 95%*
Vancomicina 21 (22,8) 33 (35,9) 0,03
2,81;1,05-7,55
0,74 1,21;0,37-3,89 Infecção do
trato urinário 5 (5,4) 33 (35,9)
0,03 0,20;0,06-0,60
RESULTADOS
34
Tabela 14: Análise univariada dos fatores de risco para gravidade (variáveis categóricas) do grupo de pacientes com ITU em comparação ao grupo com outras infecções de 92 transplantes de órgãos sólidos.
Variável Análise univariada ITU N (%) Outras infecções N (%) p OR; IC 95%*
Uso drogas nefrotóxicas
Vancomicina 12 (31,6) 42 (77,8) < 0,001
0,13; (0,05 – 0,33)
Anfotericina B 3 (7,9) 11 (20,4) 0,10
0,33 ; (0,08 – 1,29)
Ganciclovir 6 (15,8) 10 (18,5) 0,73
0,82; (0,27 – 2,50)
CSA 14 (36,8) 13 (31,7) 0,63
1,25; (0,49 – 3,18)
FK 15 (39,5) 12 (29,3) 0,33
1,57 (0,61 – 4,01)
Internação em UTI 3 (7,9) 32 (59,3) < 0,001
0,05; (0,01 – 0,21) * OR = odds ratio, IC = intervalo de confiança.
Tabela 15: Análise univariada dos fatores de risco para gravidade (variáveis contínuas) e dados de utilização da polimixina do grupo de pacientes com ITU em comparação ao grupo com outras infecções de 92 transplantes de órgãos sólidos.
Variável
Análise univariada
Media da variável ITU
Média da variável Outras infecções
p
SOFA 6,0 8,6 0,37
Internação hospitalar (dias) 38 54 0,11
Utilização da polimixina (dias) 38 54 0,99
DISCUSSÃO
35
5. DISCUSSÃO
As polimixinas são antimicrobianos descobertos no final da década de
40, e disponíveis comercialmente a partir do início dos anos 60. É um
decapeptídeo anfifático ligado a 5 grupos amino, que tem a característica de
ligar-se fortemente aos tecidos. As principais polimixinas de uso clínico são a
polimixina B e a polimixina E, que possuem ação contra bactérias gram negativas
fermentadoras e não fermentadoras de glicose em especial P aeruginosa, A
baumanii, K pneumoniae e E coli. Durante os anos 60 seu uso começou a ser
restringido pelos relatos de casos de graves efeitos colaterais como toxicidade
renal e neurotoxicidade, principalmente insuficiência renal aguda e insuficiência
respiratória aguda por bloqueio neuromuscular, levando a óbito. Como na ocasião
existiam outras opções terapêuticas menos tóxicas o seu uso foi abandonado.
Sua utilização foi retomada durante a década de 90 pela rápida disseminação de
resistência em todo o mundo das bactérias gram-negativas não fermentadoras de
glicose em especial P aeruginosa e A baumanii. Um número crescente de estudos
vem sugerindo que a toxicidade, em especial e nefrotoxicidade, não ocorre em
patamar tão elevado como descrito inicialmente e que sua utilização é segura. Por
outro lado não existe, por parte da indústria, desenvolvimento de novos
antimicrobianos capazes de fazer frente a essa demanda, portanto temos que
aceitar que a utilização da polimixina é inevitável, cabendo-nos o papel de saber
administrá-la de forma a produzir menor dano possível ao paciente.
Existe uma absoluta escassez de informação da utilização da
polimixina em transplantes, porém sabe-se que a disfunção renal em
transplantados é um fator de risco e pode estar relacionada a sobrevida a longo
prazo. Estudo prospectivo conduzido em 69.321 pacientes submetidos a
transplantes de órgãos sólidos não renais durante período de 36 meses
DISCUSSÃO
36 crônica, cuja análise multivariada mostrou ser fator de risco para morte (p 0,001;
risco relativo 4,55), (51). Até onde pudemos verificar na literatura médica existem 2
estudos descritivos que utilizaram pacientes transplantados de órgãos sólidos em
suas séries. Linden e col (16) descreveu 23 pacientes críticos dos quais 20 eram
transplantados de órgãos sólidos e relatou taxa de cura de 61%. Levin e col (18)
descreveu série de 60 pacientes dos quais apenas 7 (12%) eram transplantados
de orgãos sólidos e medula óssea com taxa de sucesso terapêutico global 58%.
Como temos pouca informação na literatura compararemos os dados obtidos
neste estudo com dados de ensaios clínicos de pacientes críticos que utilizaram
polimixina.
As principais indicações para o uso da polimixina em UTI são
pneumonia nosocomial/PAVM, bacteremia, meningites, infecções do trato
urinário, infecções de pele e partes moles. Assim como os agentes etiológicos
mais prevalentes neste ambiente que necessitam da utilização das polimixinas
são Acinetobacter sp, P aeruginosa, Klebsiella sp e Enterobacter sp
multirresistentes (52). Michalopoulos e col (37) em série retrospectiva de casos
relataram 43 pacientes criticamente enfermos dos quais 21 (48,8%) por PAVM, 11
(25,6%) por bacteremia, 3 (7%) por PAVM e bacteremia, 3 (7%) por PAVM e IRC,
2 (4,7%) por PAVM e ISC, 2 (4,7%) por PAVM e ITU e 1 paciente (2,3%) por
sinusite, todas causadas por P aeruginosa e A baumanii multirresistentes. Kallel e
col (53) avaliaram prospectivamente 78 pacientes críticos também todos infectados
por P aeruginosa e A baumanii, cujos sítios de infecção foram pneumonia
(78,2%), ICS primária (11,5%), ITU (7,7%), e meningite (2,6%). Percebemos que
a principal indicação para o uso das polimixinas em pacientes críticos é a
PAVM/pneumonia nosocomial, porém não foi o que observamos em nosso
estudo, onde o principal sítio de infecção foi ITU (41,3%), seguido por ISC
(17,4%), pneumonia (16,3%), infecção sem foco identificado (8,7%), ICS primária
DISCUSSÃO
37 diferença provavelmente ocorreu pela característica dos pacientes estudados. Em
pacientes transplantados de rim a ITU está presente em cerca de 30% dos
receptores até 3 meses após o transplante (54). Portanto nossa amostra, cujos
pacientes são transplantados de rim ou rim/pâncreas em 90,2% dos casos, possui
uma prevalência de ITU superior a da literatura. Com relação aos agentes
etiológicos este estudo apresenta um perfil epidemiológico semelhante ao dos
pacientes críticos, porém sobressaindo-se a infecção por P aeruginosa (76,1%),
em relação aos outros agentes etiológicos [A baumanii (5,4%) e K pneumoniae
(1,1%) e Enterobacter sp (1,1%)]. Provavelmente isso tenha ocorrido pelo perfil
epidemiológico particular dos hospitais onde os pacientes estavam internados.
Estudo de Michalopoulos e col (37) demonstrou em sua série de 43
pessoas internadas em UTI cura clínica de 30 pacientes (69,8%), e cura
microbiológica em 29 pacientes (67,4%). Garnacho-Montero e col (17) estudando
coorte de 35 pacientes que utilizaram colistina ou imipenem para tratamento de
PAVM por A baumanii relataram cura clínica em 57% com ambos
antimicrobianos. Estudo clínico de Kallel e col (53) relata resposta clínica favorável
em 60 dos 78 pacientes do estudo (76,9%), e não menciona cura microbiológica.
Em nosso estudo obtivemos cura clínica em 71 pacientes (77,2%), portanto mais alta que a da literatura quando comparada com os estudos de UTI, e cura
microbiológica em 25 pacientes (100%), também acima da mencionada na
literatura. Obtivemos um alto índice de cura clínica e microbiológica, porém
diferentemente dos estudos com pacientes críticos, o principal sítio de infecção
em nossa série foi ITU (41,3%). Além disso, a maioria desses pacientes não eram
críticos, e os que foram internados em UTI apresentaram uma média de escore
de SOFA 8,4, portanto difícil a comparação entre essas 2 populações. Apesar
disso podemos perceber que a utilização da polimixina para esse sítio de infecção
foi eficaz, demonstrando concentração urinária do antimicrobiano. Por outro lado