PREVALÊNCIA D A INFECÇÃO CHAGASICA N A POPULAÇÃO HUM ANA
D ETER M IN ADA PELO TESTE DE IM UNOFLUORESCÊNCIA IN D IR ETA
EM 24 MUNICÍPIOS DO ESTADO DO P IA U I'*
Fernando Gomes Correia—Lima**, Paulo Zábulon de Figueiredo**, e José
Nathan Portela Nunes**
São apresentados os resultados de um in q u érito epidem iológico sobre Doença de Chagas no Piauí, utilizando-se o teste de im unofluorescência in d ire ta do sangue c o lh id o em papel de filtr o em amostras representativas da população de 24 m u n icíp io s compreendidos em 5 microregiões naturais. Foram estudadas 6.1 8 6 amostras com um índice geral de positividade\de 4,47%, variando nos diver -sos m u n icíp io s de 0,88% a 11,00%.
A doença de Chagas co n stitu i, p or sua vasta distribu ição geográfica e altos índices de prevalência e m orbid ad e.p o r não te r tratam ento específico eficaz e pela com plexidade de sua profilaxia, um dos maiores problemas de Saúde Pública do nosso país, haja vista, inclusive, ter o M inistério da Saúde colocado a Moléstia de Chagas entre as endemias de ordem p rio ritá ria na atuação governamental.
Desde a sua descoberta por Carlos Chagas em 1909, são numerosos os inquéritos epidemiológicos realizados no Brasil. No N o r deste deve-se a A rtu r Neiva e Belizário Penna, em viagem realizada pelo N orte da Bahia, Per nambuco, P iauí e Goiás, em 1916, a referência a pessoas doentes do "m a l do engasgo" e "ve xame no coração", expressões populares que, se, na época, estes autores não ligaram às ma nifestações clínicas da doença, hoje são elas reconhecidas com o sinais de megaesôfago e cardiopatia chagásicos15 .
Em estados lim ítro fe s ao nosso exis tem trabalhos de levantam ento epidem iológico com resultados que evidenciam a gravidade do problem a de Chagas.
Na Bahia verificou-se c o n s titu ir a m o léstia im p orta nte problem a urbano devido à dom icialização do Panstrongilus megistus na ci dade de Salvador. De 1948 a 1952 o In s titu to de Saúde Pública local realizou 2.208 reações de G uerreiro e Machado com 3 1,3 3 % de resul
tados positivos e 1.122 xenodiagnósticos com 17,4 % positivos (Leal Costa, em 195 5 18). Leite e cols, em 1965, exam inando 2.516
crianças de 10 a 12 anos de idade no m uni c íp io de Feira de Santana verificaram 8,3 % es tarem infectadas pelo Trypanosom a c ru z i18.
Em Pernambuco, Marques16 encon tro u na zona Agreste 13,4 % de reações de
G uerreiro Machado positivas. Lucena, em
195915 , num to ta l de 2.858 reações praticadas entre moradores da zona Litoral-M ata, do A- greste e do Sertão encontrou 14,9 % positivas.
No Ceará, A lencar e cols2 , em inqué rito levado a e fe ito entre 283 pessoas na re gião do C ariri e 188 na de B a tu rité , encontra ram respectivamente 106 e 23 pacientes com positiv idades- para o teste de fixação de com plem ento. Estes autores ainda descreveram d i ferentes espécies de animais naturalm ente in fectados1 ' 2> 3.
Em Goiás, onde o T riatom a infestans é intensamente disseminado, Rassi e C arneiro18 reuniram 106 casos de cardiopatia crônica cha- gásica e 506 casos de megaesôfago chagásico.
Ligado a Estados onde já é evidente o problem a de Chagas, o P iauí não poderia es tar fo ra do c o n te xto da endemia. Embora já houvesse sido assinalada em literatura a exis tência de tria to m ín e o s transmissores da Molés tia de Chagas14 apenas recentemente fo i fe ito um estudo de sua d istribuição, quando fo i evi denciado um grau im p orta nte de infecção na tu ra l1 1. Da mesma maneira, apenas no ano passado fo ra m relatados os prim eiros casos autóctones da Doença de Chagas no Piauí,
'T r a b a lh o realizado p e lo D e p a rta m e n to de M ed icin a C o m u n itá ria d o C e n tro de Ciências de Saúde da U n ive r sidade Federal d o P ia u í.
* * Professores d o D e p a rta m e n to de M ed icin a C o m u n itá ria d o C e n tro de Ciências de Saúde da U niversidade Fede ral d o P ia u í.
18
Rev. Soc. Bras. Med. Trop.
Vol. X - N?1
clínica, sorologicamente e parasitologicam ente com provados1" . Hoje, entretanto, a casuística eleva se a uma centena de casos.
Estes dados já justifica ria m a realização deste trabalho, que representa uma contribu ição às autoridades sanitárias do país para o conhe cim ento da real e atual situação da Doença de Chagas no Piauí.
M A T E R IA L E M ÉTODOS
Foram estudados 24 m un icíp io s com preendidos em 5 microregiões naturais situadas em zonas de agreste e caatinga. Para cada m u n icíp io fo i escolhida uma amostra representa tiva do universo populacional, utilizando-se a técnica de amostragem aleatória sistemática pa
ra os d o m icílio s, ta n to na zona urbana quanto na zona rural. A amostra de sangue era retira da por. punção dig ital e colhida em papel de
filtr o que era acondicionado em saco plástico e m antido a tem peratura de geladeira até o encam inham ento ao lab oratório para posterior teste de im unofluorescência.
RESULTADOS
Os quadros
I, II, III, IV, V
eVI
e aFigura I
m ostram a prevalência da infecçãochagásica e sua d istribuição pelos m un icíp ios nas microregiões estudadas. O quadro
VII
es tuda a distribuição da infecção segundo o sexo e o quadroVIII
e aFigura II
m ostram a dis tribu içã o pelas faixas etárias.Q U A D R O I
D O E N Ç A DE C H A G A S . ÍN D IC E D E P O S IT IV ID A D E N O T E S T E O E IM U N O F L U O R E S C Ê N C IA P O R M IC R O R E G IÀ O E S T A D O D O P I A U Í - 19 75
M IC R O R E G IÃ O
N Ú M E R O DE E X A M IN A D O S
R E A Ç Õ E S P O S IT IV A S
N Ú M E R O A B S O L U T O P E R C E N T A G E M 4 9 - Valença d o P iau í 1.1 9 9 37 3.0 8
5 0 — F lo ria n o 52 3 21 4.01
5 ) — Bam ões A g ríco la s * 3 3 6 8 13 3 3.9 4 5 3 — M é d io G urg uéia 927 73 7.87 54 - A H o j P iauí e C anindé 169 14 8 ,2 8
T O T A L 6 .1 8 6 27 8 4 .4 9
O U A D R O M
D O E N Ç A OE C H A G A S . ÍN D IC E OE P O S IT IV ID A D E N O TE S TE DE IM U N O F L U O R E S C Ê N C IA PO R M IC R O R E G lA o E S T A 0 0 D O P I A U Í - 19 75
M U N IC ÍP IO S
N Ú M E R O DE E X A M IN A D O S
R E A Ç Õ E S P O S IT IV A S
N Ú M E R O A B S O L U T O P E R C E N T A G E M M ic ro Reqião de Vale nça do Piau i (49)
V a le r a 4 4 8 4 1 12
A ro a /e s 9 8 1 1.02
Eiwfoão Veto so 24 2 t 1 4 .5 4
InhumâS 183 o 3 .2 7
N ovo Or iente 7 8 3 3.8 4
P im ente iras 7 9 1 1,2t.
São Féfix 71 1 t,4 0
Jan.—Fev. 1976
Rev. Soc. Bras. Med. Trop.
21
QU
ADRO III
DOENÇA Oi CHAPAS. KHCt DE POSITIVIOADi NO TtSTE PC IMUNOfLUORtBClNCIA POR MKROREQlAO
SSTAOO DO PIAUÍ - ISVt
MUWC»»OE
NÚMERO
DE
DWWIIADW
REAÇÓCS POSITIVAS
NÚMERO ABSOLUTO
PfRCENTAQEM
MkroFtefíio tf» Ptorimo
(801
Amonio Atanaida
62
3
4.S3
Jwwwnh*
158
4
2.S2
UndnSala»
112
•
M4
EK
muMvtim
90
4
4.44
Whra» Pwwu
101
2
1JB
TOTAL
523
21
4.01
QUADRO IV
DOENÇA DE CHAGAS. ftKMCE DC POSlTIVIDADE HO TEfTE DE IMUNOFLUORESCÊNCIA POR MJCRORCQI AO
ESTADO DO PtAUf - 1876
MUMCfrtOt
NÚMERO
DE
EXAMINADOS
REAÇÕES POSITIVAS
NÚMERO ABSOLUTO
PERCENTAOBfl
Micro RagÜo dot Mxte
Agrícolas Hiuiw (61)
Dom Expedito Lopw
446
11
2.47
Ipiranga
306
4
1.29
Hainòpolit
226
2
OM
Jaicòt
416
9
2.16
<Mrm
600
67
11,00
Pico»
1.229
31
2JB
Santo Inédo do Piauí
134
9
«.71
TOTAL
3J6B
133
3,94
OUADRO V
DOENÇA DE CHAOAfcftOlCE DE POSfTIVKMOE NO TESTE DE MUNOFUMMCBC<MCIA POR MKNOREOlAO
ESTADO 00 PIAUÍ - Wl
NÚMERO
reaçO
espositivasEXAMINADOS
NÚMERO ABBOLUTO
PERCENTAMN
Mero RafÜo do Médto
Gurpiéia (63)
Bom Jaua
630
61
MB
Crteino Caatro
120
12
10,00
Palmafra
100
6
6.68
Santa Luz
71
4
6jS3
22
Bev. Soc. Bras. Med. Trop.
Vol. X - N 9 1
Q UA D R O VI
DO ENÇA DE CHAGAS. ÍNDICE DE POSITIVID ADE NO TESTE DE IM UNOFLUO RESCÊNCIA POR M ICR OR EG IÀO
ESTADO DO P IA U f - 1 *78
MUNtCÚMOS
NÚ M ER O REAÇÕES POSITIV AS
EXAM INADO S NÚM ER O ABSOLU TO PER CENTAGEM
M icro Reglio de A lto s - Piauí e Canindé (54)
Campinas do Piauí 169 14 8.28
T O T A L 160 14 8.28
Q U A D R O V II
DOENÇA DE CHAGAS. IfcDICE DE PO S ITIV ID AD E NO TESTE DE IM UNOFLUORESCÊNCIA SEGUNDO O SEXO
ESTADO DO P IA U f - 1S7S
MICRO RE GIÃO HOMENS MULH ERES % DE POSITIVOS
exam. pos. exam. pos. homent. mulharw
Valença do Piauí (49) 480 12 719 25 2,50 3,47
Floriano (50) 169 6 354 15 3.55 4.23
Baixoes Agrícolas (51) 1.263 34 2.105 99 2,69 4,70
M W io Gurguéia (53) 337 23 590 50 6,82 8.47
Altos P ia u í« Canindé (54) 78 5 91 9 6,41 9.88
T O T A L 2.327 BO 3.859 198 3,43 5,13
ignorada I D A D E S E M A N O S
Q U A D R O
V III
DOENÇA DE CHAGAS. ÍNDICE DE POSITIVIDADE NO TESTE DE IMUNOFLUORESCÊNCIA SEGUNDO A IDADE
ESTADO DO P IA U f- 1975
M icro Região
G r u p o s E t á r i o s
0 - 9 1 0 - 19 2 0 - -2 9 30 - 39 40 - 49 5 0 - 59 60 -- 6 9 7 0 --mais ignoradaidade T O T A L
exam pos exam pos exam pos exam pos exam pos exam pos exam pos exam pos exam pos exam pos
Valença do Piauí (49) 296 2 406 9 141 6 118 2 96 3 62 7 4 3
1 26 6 11 1 1199 37
Floriano (50) 36 0 177 2 99 3 71 1 57 3 42 6 28 6 11 0 2 0 523 21
Baixões Agrícolas (51) 995 5 871 16 482 28 387 21 246 19 177 23 103 17 58 3 49 1 3368 133
M édio Gurguéia (53) 143 2 256 5 182 4 118 6 87 7 53 19 47 17 19 9 22 4 927 73
A lto s P iauí e Canindé (54) 42 1 53 2 28 4 20 3 11 0 10 2 3 2 2 0 0 0 169 14
T o t a l 1512 10 1763 34 932 45 714 33 497 32 344 57 224 43 116 18 84 6 6186 278
% de Positivos - 0,7 - 1,9 - 4,8 - 4,6 6,4 - 16,6 - 19,2 15,5 7,1 4,5
Ja
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24
Rev. Soc. Bras. Med. Trop.
Vol. X - N 9 1
DISCUSSÃO
R atificam os, inicialm ente, a grande im portância do teste de im unofluorescência in direta do sangue colh ido em papel de filtr o pa ra inquéritos sorológicos extensos ta n to pela fa cilidade de utilização com o pela sua grande sen sibilidade e especificidade4' 5' 6' 7' 12' 17-21' 22^ 3 , sendo, inclusive, teste recomendado, em 1975, pelo grupo de peritos do CNPq19.
Os resultados obtidos neste trabalho m ostram um acentuado aum ento das taxas de infecção ao nos deslocarmos para os m un icíp ios do Sul do Estado o que é concorde com os da dos dos levantam entos tria to m m ic o s efetua dos1 1 e que são corroborados pela coincidência entre os m unicípios de m aior prevalência e ò número de doentes diagnosticados.
Na análise por m un icíp io s verificam os a m aior prevalência da infecção no M u n icíp io de Oeiras (M icroregião dos Baixões AgKcolas Piauienses) com 11 % de exames positivos e o menor índice em Itainópoles, com 0,88 % de positividade.
Nos trabalhos realizados com referên cia à epidem iologia da Doença de Chagas são co ntrad itó rios os dados referentes ao a trib u to sexo. Alguns autores m ostram um p re do m ín io marcante da infecção no sexo m asculino20 e outros caracterizam um p re d o m ín io do sexo fe m in in o 9 . Pessoa, p or o u tro lado, não encon trou diferença entre os sexos.18
A análise dos nossos resultados mos trou um p re d o m ín io da infecção no sexo fe m i nino, o que poderia ser explicado pelo m aior com parecim ento dos ind ivíd uo s deste sexo em faixas etárias mais altas, já que o hom em em idade p rodutiva se ausenta do lar para o traba lho e, mesmo com repasses sucessivos, não se consegue a to ta lidade das amostras.
A distribu ição etária caracteriza um p re d o m ín io nas faixas etárias mais altas que as ante riorm ente descritas8' 9>1 3 dem onstrando, à prim eira vista, para alguns m un icíp ios, um qua dro de infecção controlada.
Associando-se os resultados do inqué rito aos dados já existentes sobre distribu ição dos tria to m ín e o s e as taxas de infecção pelo T. cruzi dos mesmos11, chegamos à conclusão de que a m icroregião do M édio Gurguéia e os e os m un icíp io s de Oeiras, Santo Inácio, Cam pinas e Landri Sales constituem fo co im p o rta n te da Doença de Chagas no P iauí e que os outros m un icíp ios trabalhados, mercê o p ote n cial de redom iciliação dos tria to m ín e o s ali exis tentes e as baixas condições sócio-econômicas da população, poderão v ir a constitui? focos da disseminação da enferm idade.
A G R A D E C IM E N T O S
Agradecemos aos doutorandos de 1973 e 1974 da UFPI pela inestimável colaboração prestada na coleta do m aterial apresentado.
S U M M A R Y
The authors present the results o f an epidem iological survey on Chagas' Disease in Piauí, Brazil, using in d ire c t fluorescent test w ith representative samples o f filte r paper b lo o d sm e a rs fro m the p o p u la tio n o f 24 m unicipalities o f 5 natural regions.
6,1 8 6 samples presented a positive rate o f 4.47%, ranging fro m 0,88% to 11.00% in the various m unicipalities.
R E FE R Ê N C IA S B IB L IO G R Á F IC A S
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J
an.—
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Rev. Soc. Bras. Med. Trop.
25
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