VI VENDO NO MÉTODO CANGURU A TRÍ ADE MÃE-FI LHO-FAMÍ LI A
1Laise Conceição Caet ano2 Carm en Gracinda Silvan Scochi3 Margaret h Angelo4
Caet ano LC, Scochi CGS, Angelo M. Viv endo no m ét odo cangur u a t r íade m ãe- filho- fam ília. Rev Lat ino- am Enferm agem 2005 j ulho- agost o; 13( 4) : 562- 8.
Est e est udo t em com o foco a v iv ência da fam ília no m ét odo cangur u ( MC) , com os obj et iv os de com preender o funcionam ento da dinâm ica fam iliar e apreender as transform ações fam iliares pela perm anência no m ét odo. Ut ilizou- se com o Referencial Teórico o I nt eracionism o Sim bólico e o Referencial Met odológico a Grounded Teory. Dos dados em ergiram os fenôm enos: t endo evolução e desfecho não esperados na gest ação, fase em que os pais experienciam a evolução de um a gravidez e sofrem diante da sua interrupção prem atura; depar ando com a pr em at ur idade do filho, m om ent o em que os pais ent r am no m undo da pr em at ur idade, const at ando a necessidade de agir pela sua sobrevivência; e vivendo a decisão e a experiência j unt o do filho, período que revela a possibilidade, ou não, de perm anecer no MC no hospit al. A part ir desses fenôm enos foi possível chegar à cat egoria cent ral pesando riscos e benefícios ent re est ar com o filho no canguru ou com a fam ília.
DESCRI TORES: m ét odo m ãe canguru; fam ília; prem at uro
LI VI NG THE MOTHER-CHI LD-FAMI LY TRI AD I N THE KANGAROO METHOD
This st udy focuses on t he experience of fam ilies in t he Kangaroo Mot her Met hod ( KM) and aim s t o underst and t he funct ioning of t he fam ily dynam ics and t o apprehend t he fam ily t ransform at ions as a result of t heir experience in t he m et hod. The st udy used Sym bolic I nt eract ionism as a t heoret ical and Grounded Theory as a m et hodological r efer ence fr am ew or k. Dat a r ev ealed t he follow ing phenom ena: hav ing an unex pect ed evolution and outcom e of pregnancy, which is a phase in which the parents go through a pregnancy and suffer due t o it s prem at ure int errupt ion; coping wit h t he prem at urit y of t he child, in which t he parent s get int o t he world of prem at urit y and face t he need t o act for t he child’s survival; and living wit h t he decision and t he experience t oget her wit h t he child, which reveals t he possibilit y of st aying in hospit al in t he KM or not . These phenom ena led t o t he cent ral cat egory: weighing t he risks and benefit s bet ween st aying wit h t he child in t he kangaroo m et hod or wit h t he fam ily.
DESCRI PTORS: kangaroo m ot her m et hod; fam ily; prem at ure
VI VI ENDO EN EL MÉTODO CANGURU LA TRÍ ADE MADRE-HI JO-FAMI LI A
Este estudio tiene com o tem a principal la vivencia de la fam ilia en el Método Madre Canguro ( MC) , con obj et o de com prender el funcionam ient o de la dinám ica fam iliar y aprehender las t ransform aciones fam iliares por la perm anencia en el m ét odo. Se ut ilizó com o Referencial Teórico el I nt eraccionism o Sim bólico y com o Referencial Metodológico, la Teoría Fundam entada en los Datos. De los datos surgieron los fenóm enos: evolución y desenlace no esper ados del em bar azo, fase en la que los padr es v iv encian el em bar azo y sufr en por la gestación interrum pida; deparándose con la prem aturidad del hij o, m om ento en el que los padres entran en el m undo de los nacim ient os pr em at ur os, const at ando la necesidad de act uar por la sobr ev ida de su hij o; y viviendo la decisión y la experiencia delant e del hij o, período que revela la posibilidad o no de perm anecer en el MC en el hospit al. A part ir de est os fenóm enos fue posible llegar a la cat egoría cent ral: pesando riesgos y beneficios ent re quedarse con el hij o en el m ét odo canguro o con la fam ilia.
DESCRI PTORES: m ét odo m adre canguro; fam ilia; prem at uro
1 Trabalho ex t raído da t ese de dout orado; 2 Pr ofessor Assist ent e da Escola de Enfer m agem da Univer sidade Federal de Minas Gerais, e- m ail:
laise13@yahoo.com .br; 3 Professor Associado da Escola de Enferm agem de Ribeirão Pret o, da Universidade de São Paulo, Cent ro Colaborador da OMS para
I NTRODUÇÃO
O
m ét odo cangur u ( MC) é um a est r at égia de assistência a bebê de baixo peso ao nascer, criada na Colôm bia, em 1979, para rem ediar as deficiências de infra- est rut ura no seu sist em a público de saúde. No Brasil, a im plant ação ocorreu no início da década de 90, com o for m a de pr om ov er um cont at o m ais pr ecoce ent r e m ãe e filho, um a alt er nat iv a par a a o t i m i za çã o d o s l e i t o s n e o n a t a i s, m u i t a s v e ze s escassos em diversas regiões do país e, ainda, com o possibilidade de alta hospitalar precoce. Em 2000, ao lançar o Pr ogr am a de Hum anização do Pr é- Nat al e Nascim ent o, o Minist ério da Saúde inst it uiu norm as para a im plant ação do m ét odo pela Port aria nº 693, de 5 de j ulho de 2000( 1).Desde a sua prim eira descrição, em 1983, o m é t o d o t e m si d o e x t e n si v a m e n t e e st u d a d o , m ost rando que é seguro para os bebês, em t erm os fisiológicos, além de ofer ecer benefícios em t er m os de pr ev alên cia e du r ação de aleit am en t o m at er n o bem com o a r edução do per íodo de hospit alização. Est udos sobre as bases t eóricas dessa t ecnologia de cuidado m ostraram tam bém que, em bora ela respeite as realidades locais e as diferenças culturais e sociais, é necessár io am pliar os enfoques da assist ência e t am bém de pesquisas, cont em plando a dim ensão da fam ília nesse processo( 2- 4).
O m étodo m ostrou, ainda, a possibilidade de a m ãe e de outros fam iliares atuarem de form a direta e int egral no at endim ent o das necessidades do filho, porém , a sua condição, ou sej a, a prem aturidade com seus riscos e conseqüências, faz com que o foco da a ssi st ê n ci a se j a v o l t a d o p a r a o p r e m a t u r o . A abor dagem da m ãe e dem ais m em br os f am iliar es o co r r e se m p r e e m f u n çã o d o b e b ê , e l e s sã o con sid er ad os, n a m aior ia d as v ezes, p ar a cu id ar, a t e n d e r su a s n e ce ssi d a d e s e p r o p i ci a r o se u cr escim ent o e desenv olv im ent o.
O f a t o d e o MC ser u m a est r a t ég i a q u e contem pla a tendência de hum anização e integralidade do cuidado sinaliza que a assistência deve ser dirigida não só ao bebê, m as t am bém à sua fam ília, e para i sso sã o n e ce ssá r i o s r e f e r e n ci a i s t e ó r i co s q u e perm itam ter acesso à fam ília que participa do m étodo, bem com o deve haver subsídios à prática assistencial t endo com o foco de at enção a fam ília e o bebê em um m esm o cont ext o, considerando a experiência de t o d o s o s se u s m e m b r o s n e ssa m e t o d o l o g i a d e assist ência.
As co n si d er a çõ es a ssi n a l a d a s l ev a r a m à realização do est udo sobre a experiência da fam ília no MC nas fases que envolvem a presença da m ãe e de seu filho no cont ext o hospit alar com os seguint es obj etivos: identificar o significado, para a m ãe e para a fam ília, da experiência de vivenciar a perm anência no MC; com pr eender o funcionam ent o da dinâm ica fam iliar decorrente da perm anência da m ãe e do filho p r em at u r o n o MC e ap r een d er as t r an sf or m ações fam iliar es pr ovenient es da per m anência do binôm io m ãe- filho no MC.
O PERCURSO METODOLÓGI CO
Para com preender o significado e a vivência no MC para a fam ília, realizou- se pesquisa qualitativa so b o p a r a d i g m a i n t e r p r e t a t i v o , t e n d o co m o m et odologia a Teor ia Fundam ent ada nos Dados. Os suj eit os for am a m ãe e o pai de bebê pr em at ur o, part icipant es do m ét odo no cont ext o hospit alar. Após análise e aprovação do Com itê de Ética, o estudo foi r ealizado nas enfer m ar ias m ãe- cangur u do Hospit al das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Obt endo os dados
Após t om arem conhecim ent o da propost a de e st u d o e d e p o i s d a a ssi n a t u r a d o t e r m o d e consent im ent o, ent revist ou- se 18 fam ílias, ut ilizando pergunt as abert as, part indo inicialm ent e da seguint e questão norteadora: com o está sendo para a senhora e sua fam ília est ar no m ét odo cangur u par a cuidar d o f i l h o p r em at u r o ? To d as as en t r ev i st as f o r a m gravadas e, de acordo com a m et odologia ut ilizada, após a análise dos prim eiros dados provenient es da quest ão nor t eador a, nov os quest ionam ent os for am surgindo e novas pergunt as foram feit as.
Analisando os dados
Pela Teoria Fundam ent ada nos Dados( 5- 6), a
seg u i n t e, n a co d i f i ca çã o t eó r i ca , f o i ef et u a d a a com par ação en t r e as cat egor ias. A com par ação e r eor g an ização em ag r u p am en t os p ossib ilit ar am a f o r m a çã o d e ca t e g o r i a s a b r a n g e n t e s. O est abelecim ent o de novas conexões perm it iu form ar as idéias, trazer o novo e o original sobre o fenôm eno e com por a h ist ór ia n ov am en t e após a qu ebr a ou separ ação dos dados cr u s. A com posição da n ov a h ist ór ia p or m eio d e n ov as id éias com b in ad as e i n t e g r a d a s p o d e se r f e i t a p o r d e zo i t o t i p o s d e codificação t eórica( 6). No est udo, para a codificação
t eórica, foi ut ilizado o prim eiro t ipo denom inado de “ Se i s Cs” q u e se e n ca i x a n o m o d e l o d e ca u sa , conseqüência e condição. Na últim a etapa da análise, os dados foram t rabalhados na busca do fenôm eno cent r al, que é aquele que const it ui o elo ent r e as cat egor ias e m ost r a o fenôm eno em pr ofundidade, r epr esent ando a sit uação obser v ada e v iv ida pelos ser es env olv idos.
Apr esent ando os dados
Pelo pr ocesso de análise, a ex per iência da f a m íl i a n o MC é i d e n t i f i ca d a p o r ca t e g o r i a s, apresent adas em negrit o, e suas conexões t eóricas, que m ost ram que o processo vivido é com post o por t r ês fenôm enos:
- TENDO EVOLUÇÃO E DESFECHO NÃO ESPERADOS NA GESTAÇÃO
- DEPARANDO COM A PREMATURI DADE DO FI LHO - VI VENDO A DECI SÃO E A EXPERI ÊNCI A JUNTO DO FI LHO
Te n d o e v o l u çã o e d e sf e ch o n ã o e sp e r a d o s n a gest ação
A experiência da fam ília no m ét odo canguru i n i ci a - se co m o su r g i m e n t o d a g r a v i d e z q u e , a pr incípio, se m ost r a com o um fat o nor m al par a os ca sa i s q u e d e se j a m t e r f i l h o s ( d e s e j a n d o a gr a v ide z ). O diagnóst ico posit ivo é a possibilidade real de at ender ao desej o de t er o prim eiro filho ou t e r m a i s u m a p ó s o u t r a s e x p e r i ê n ci a s co m a m at er nidade. Nessa fase, casais que não desej am t e r f i l h o se su r p r e e n d e m co m u m a g r a v i d e z inesperada, m anifestam a não- aceitação do fato, bem com o as preocupações quant o à condição de vida da fam ília no fut uro com a chegada de m ais um bebê.
[ ...] m as no com eço foi difícil, eu fiquei preocupada
porque tipo assim m inha casa é pequena, são quatro côm odos só,
preocupada com a condição financeira E13.
A gravidez de início foi surpresa porque a gente nem
im aginava que ela estava grávida E11.
A gravidez foi esperada m esm o, tudo m uito tranqüilo
E5.
O t r an scor r er ou a ev olu ção d a g r av id ez ev id en cia d u as t r aj et ór ias d ist in t as p ar a o casal, p r i n ci p a l m en t e p a r a m ã e. Esp e r a n d o p o r u m a
gravidez norm al m ostra que no im aginário dos pais
essa gestação irá resultar no nascim ento de um filho de par t o n or m al. Eles n ão esper am por u m par t o pr em at u r o.
Eu só t ive infecção urinária... t udo foi norm al, nada
forçado( m arido) . Eu não sent i nenhum a sensação que ia ser
prem aturo E5.
No p r o ce sso v i v i d o , a f a m íl i a e n f r e n t a t a m b é m u m a g r a v i d e z d e r i sco , co m o r e v e l a a ca t e g o r i a v i v e n d o o s t r a n s t o r n o s d e u m a g r a v i d e z co m p l i ca d a. A ex p er iên cia d o casal é identificada pelos transtornos causados à vida fam iliar p ar a t en t ar m an t er a g est ação , b em co m o p el a con st an t e v iv ên cia e in t er ação com a equ ipe qu e adverte sobre a possibilidade da perda do filho antes e/ ou após o nascim ent o.
Na evolução da gravidez, um fat o é com um aos p ais: a su a in t er r u p ção p r em at u r a. T e n d o a g r a v id e z in t e r r o m p id a in e sp e r a d a m e n t e é u m m om ent o de t ensão, pois a ocorrência de um part o p r e m a t u r o o s l e v a a e n t r a r n o m u n d o d a p r em at u r id ad e com su as car act er íst icas, r iscos e con seqü ên cias.
Ap ó s o n a sci m e n t o p r e m a t u r o , o s p a i s ident ificam a condição do filho e o significado dessa co n d i çã o p a r a su a v i d a p o r m ei o d o s co n cei t o s encont r ados no pr óxim o fenôm eno.
Deparando com a prem at uridade do filho
capacidade de cuidar do bebê. O im pact o sobr e os pais é grande e os leva a questionar os m otivos que possibilit aram o nascim ent o prem at uro.
Não é com o os out ros que pode cuidar com m ais
facilidade. Qualquer coisinha é preocupante aí... é m ais com plicado
um pouquinho E2.
El a p eso u 6 9 0 g , m u i t o p eq u en i n i n h a , m e d eu
desespero, eu falei assim : m inha filha não vai sobreviver E8.
Só que depois que ela nasceu eu fiquei com m edo dela
sobr eviver e ficar com pr oblem as, pr oblem a m ent al, esses
negócios assim ... E13.
A experiência no dia- a- dia perm it e const at ar a co n d i çã o f r á g i l d o f i l h o ( ce r t i f i ca n d o - s e d a
fragilidade do filho) o que prenuncia a necessidade
de ação; a fam ília, nesse m om ent o, é sensibilizada p el a n ecessi d ad e d o p r em at u r o , o q u e a l ev a a procurar m eios que possam favorecer a recuperação e so b r e v i v ê n ci a d e l e . Esse si g n i f i ca d o é a i n d a confir m ado pela cat egor ia p r ior iz a n d o a v id a d o f i l h o. Ne sse co n t e x t o , o s p a i s v ã o f i c a n d o d i sp o st o s a a g i r e a f i ca r p e r t o d o f i l h o e o colocam com o prioridade na vida.
E veio a vontade natural de estar com ela, de proteger
ela, fazer todo o possível e, se possível, fazer o im possível tam bém .
Assim dá o m áxim o da gente pra poder tê- la com a gente. Olha
m esm o vendo ela tão pequena, tão frágil, com o eu disse do fio de
esperança, nós investim os nisso. A gente investiu naquilo que a
gente queria E10.
A vida girou em torno disso a m inha principalm ente,
tudo pra nenê e pra N ( esposa) E8.
Eu não pensei em outra coisa, eu pensei m esm o nela,
ela está necessitada, eu tenho que vir m esm o, aí eu fiquei de um a
vez E6.
A d e ci sã o d e o p t a r p e l o m é t o d o e a e x p e r i ê n ci a j u n t o d o f i l h o e st ã o n a r e l a çã o d e cat egorias que com põem o próxim o fenôm eno.
Vivendo a decisão e a experiência j unt o do filho
A i n t e r a çã o co m e q u i p e d e a ssi st ê n ci a n eon at al e a in d icação d a eq u ip e p ar a o Mét od o Canguru t razem a confirm ação das necessidades do filho e t am bém sinaliza a necessidade de os pais se adequarem à situação. A indicação do Método Canguru ( MC) é a for m a que a fam ília encont r a par a est ar pert o e acom panhar a sua evolução, m as a t om ada de decisão pelo MC não ocorre sem passar por um dilem a: a fam ília, pr incipalm ent e a m ãe, sent e- se dividida, pois de um lado está o prem aturo e de outro, a vida fam iliar.
Eu fiquei dividida um tem po, m as ao m esm o tem po em
que eu estava aqui, eu pensava: a A ( outra filha) j á está grande,
já está forte e a E (bebê) que está aqui dentro, ela precisa m ais de
m im E1.
Eu ficava dividida, eu ficava lá em casa, eu ficava
pensando aqui. Ficava aqui pensando lá em casa com minha filha....
com as duas e tudo....então eu ficava dividida E16.
A fragilidade do filho e o desej o de estar perto e de investir no que queriam têm peso na tom ada de decisão pelo MC e, em decorrência disso, apresentam -se d a n d o p r io r id a d e a o f ilh o p a r a o ca n g u r u. Ele é o único m ot ivo que leva a fam ília a opt ar pelo m ét od o, d eix an d o a v id a n o am b ien t e f am iliar e ex t r af am iliar. A op ção p or essa f or m a d e cu id ar, por ém , não deix a a fam ília liv r e de sit uações que f acilit am ou d if icu lt am a su a escolh a. A f am ília, pr incipalm ent e a m ãe, t em de v iv er su bm e t e n do-se a o co t i d i a n o d o ca n g u r u. A m ãe p assa p or dificuldades no m anej o e na am am entação do filho e a fam ília t em a vida t ransform ada.
As t ransform ações na vida fam iliar ocorrem d e sd e a g e st a çã o , q u a n d o f a m i l i a r e s v ê e m a s condições de saúde m at erna e os riscos para o fet o. I sso m udou a rotina do m eu esposo e do m eu filho, as
coisas com eçaram a m udar de rum o porque todo m undo ficou
desnorteado. Ele ( m arido) teve que sofrer, chorar né... teve que
ser m ais participativo com o filho E11.
A exper iência no cangur u m ost r a a int ensa in t er f er ên cia n as r elações f am iliar es. A separ ação en t r e o casal t r az algu n s descon f or t os da r elação conj ugal, conform e nos revelou a categoria havendo
cobrança ent re o casal. A fam ília sofre a separação
ent re seus m em bros, principalm ent e os out ros filhos, e ainda se vê diante de m udança de papéis, um a vez que o pai, esposo ou com panheir o passa a cuidar sozinho dos filhos e a execut ar t arefas dom ést icas.
A fam ília fica esparram ada e ele (filho) sente falta dela.
Pergunta pela m ãe e quando ela liga lá em casa, tem hora que ele
não deixa a gente conversar no telefone E9.
Minha vida é trabalho, casa, arrumar a casa, fazer almoço
e j anta... tratar dos m eus pássaros que eu gosto m uito né... E3. A luta pelo filho prem aturo no MC é tam bém perm eada por condições que facilit am a vivência da fam ília. Os conceitos oriundos das categorias vivendo
o canguru com o filho e fam ília, com part ilhando
co n se q ü ê n ci a s d a p r e m a t u r i d a d e , co m a s int er fer ências pr esent es no pr ocesso de assist ência e na própria dinâm ica que a fam ília vive no m ét odo. Ficou evident e a int eração ent re as m ães cangurus, e n t r e e l a s e su a s f a m íl i a s e co m a e q u i p e d e assist ência, t endo ainda a possibilidade de aprender a cuidar do filho e estar j unto dele.
O m eu m arido vinha tam bém todos os dias aqui depois
que largava o serviço, né, às seis horas, ele vinha pra cá e ficava
com igo aqui até às oito, oito e m eia, nove horas da noite, então ele
m e apoiou o tem po todo E1.
A gente estava com disponibilidade para a nenê, m as
sem pre com carinho um com o out ro e nunca esquecendo um do
outro. O m ais im portante ainda é a força que um passava para o
outro m esm o eu e a N ( esposa) chateado a gente sem pre... tem
em pensam ento que tudo vai dar certo E10.
Na t r aj et ór ia j u n t o do f ilh o pr em at u r o n o hospit al, encont ram - se fam ílias com im possibilidade d e est ar n o can g u r u . A cat eg o r i a e n co n t r a n d o im pe dim e nt os pa r a e st a r com o filho revela que out ro filho na fam ília é fat or de grande int erferência n a v i d a d a s f a m íl i a s p a r a e st a r j u n t o d o f i l h o prem at uro. Mot ivos ligados à saúde m at erna após o part o, à assist ência a out ros m em bros fam iliares e à necessidade de t rabalho são fat ores que im pedem a part icipação da fam ília no canguru.
Eu t enho m uit os m ot ivos: eu t enho que ir em bora,
m inhas filhas, as outras, estão precisando de m im ... eu estou
com vontade de ir em bora para casa, eu tenho o m eu trabalho, eu
não posso perdê-lo porque é m eu sustento e eu trabalho por conta
própria. O m eu esposo tam bém precisa de m im , ele precisa m ais
do que as m eninas E15.
Diant e da im possibilidade de assum ir o filho no canguru, o casal ainda faz tentativas para conciliar as d u as d em an d as e p assa a p r oced er t e n t a n d o c r i a r s u a p r ó p r i a e s t r a t é g i a. Pr o cu r a f a ze r adapt ações e rearranj os na dinâm ica fam iliar, porém , não consegue conciliar casa e hospit al. Não poder part icipar do MC t raz conseqüências, com o revela a ca t e g o r i a f i c a n d o c o m o c o r a ç ã o p a r t i d o. A fam ília, pr incipalm ent e a m ãe, t em inicialm ent e de conv iv er com a decisão difícil de deix ar o filho no hospital e o pai não pode tam bém estar presente j unto do filho, um a v ez que pr ocur a assum ir t ar efas no dom icílio par a qu e a m ãe possa ir ao h ospit al. O sofrim ento está expresso nos sentim entos de culpa e de preocupação: a m ãe quest iona se o filho vai ficar b em d en t r o d a in cu b ad or a, se v ai d esen v olv er e ganhar peso da m esm a form a com o no canguru.
O que m e passou pela m inha cabeça é se ia continuar
ganhando peso sabe, se ela ia ficar tranqüila a m esm a coisa
m esm o dent ro da incubadora E13.
A Dra. P. conversou com igo m uito tem po sobre isso
né... que a hora que tivesse que ir para o canguru eu podia vir e
acom panhar eles. Eu expliquei que até um a sem ana até que daria
para ficar m ais que isso não daria por causa dos m eninos lá em
casa. Porque o m eu m enino é m uito difícil, ninguém fica com ele,
só o m eu pai tom a conta dele e o m eu pai não podia ficar com ele.
Então é... agora daria, porque agora m eu pai pode ficar com o
m enino m as m esm o assim tem o m eu m arido que não anda, ele
fica na cadeira de rodas [ ...] E14.
Eu queria ficar m ais próxim o, m as eu...eu tinha que ver
as m inhas condições porque eu não podia pegar infecção e a R
( bebê) ia ficar bem cuidada, m as a m ãe quer ficar perto do filho
E15.
A r e p e r cu ssã o p a r a a f a m íl i a d a n ã o -part icipação no MC est á nos conceit os da cat egoria se n t in do o pe so e con se qü ê n cia da fr a gilida de fam iliar. A m ãe sente insegurança e m edo de cuidar sozin h a d o f ilh o em casa, t em d ú v id as q u an t o à criança, que para ela é um bebê especial. Ao avaliar a decisão t om ada, os pais afirm am que não t inham out ra opção, não podiam ficar no MC, um a vez que f or a d o h osp it al h av ia p essoas q u e n ecessit av am tam bém de atenção, além de terem de atender outras n ecessi d a d es, co m o g a r a n t i r a m a n u t en çã o e o sust ent o do sist em a fam iliar.
É m uito difícil, difícil m esm o a situação que vivi, m ais
foi a possível de fazer, não tinha outra condição para m im e a
fam ília. Eu avalio que a decisão de não vir para o canguru foi a
decisão possível de fazer, m as ela pesou m uito... E13.
... vi que não podia m as ao m esm o tem po eles ( filhos
gêm eos) precisavam né, m as vi que no hospital pelo m enos estão
bem cuidados, tem m uita gente... e lá em casa quem ia ficar? E14.
A cat egoria cent ral
Pe sa n do r iscos e be n e fícios e n t r e e st a r c o m o f i l h o n o c a n g u r u o u c o m a f a m í l i a ( cat egoria cent ral) evidencia que os pais ficam ent re dois pólos – o filho e as necessidades fam iliares. A f am ília t en t a at en d er os d ois lad os, m as é d if ícil atender à dupla dem anda. O fenôm eno 3 m ostra que é n e ce ssá r i o a t e n d e r o f i l h o p r e m a t u r o , m a s é necessário tam bém cuidar dos outros fam iliares e até agir para a m anutenção e o sustento dos m esm os. O m om ent o vivido leva a fam ília a ut ilizar r ecur sos e enfrentar lim itações que nem sem pre estão ao alcance de t odas as fam ílias.
DI SCUSSÃO
Pelos conceit os oriundos dos fenôm enos que co m p õ em a ex p er i ên ci a em est u d o , f o i p o ssív el ident ificar que o MC é um a fase que os pais passam pela longa t r aj et ór ia que env olv e o nascim ent o de u m f i l h o p r e m a t u r o . An t e s d e co n si d e r a r a possibilidade de est arem no canguru, vivem fases de co n st r u çã o d e si g n i f i ca d o s m e d i a n t e si t u a çõ e s diferent es do norm alm ent e esperado. A ut ilização da Teoria Fundam ent ada nos Dados possibilit ou explorar e identificar aspectos ligados à fam ília que extrapolam a fase vivida no m ét odo, m as que t êm significados im p or t an t es e d et er m in an t es p ar a a p ar t icip ação nessa est rat égia de assist ência.
Co n si d e r a n d o q u e a f a m íl i a a g e p e l o s significados const r uídos int er acionalm ent e, o v iv ido an t es e ap ós o n ascim en t o p r em at u r o d et er m in a sim bolicam ente o que os pais devem enfrentar dentro do hospit al.
A p r e m a t u r i d a d e , co m se u s r i sco s e conseqüências, t em um significado im por t ant e par a os pais, e em respost a a essa condição colocam - se d i sp o n ív e i s p a r a a g i r se g u i n d o e a ce i t a n d o a s n ecessidades qu e a assist ên cia im põe. A sit u ação f r ágil do pr em at u r o, qu e sim bolicam en t e in dica a presença de riscos para a sua sobrevivência, para o seu crescim ento e desenvolvim ento, sinalizou aos pais a necessidade de est ar j unt o dele, de cuidar dele e de acom panhar a sua evolução pelo m étodo canguru. Par a m ant er as condições que env olv em a v ida f am iliar, a f am ília dev e apr esen t ar u m est ilo si n cr o n i za d o d e a çõ e s, d e m o d o a p e r m i t i r a m an u t en ção d os v ín cu los, r esp on sab ilizar - se p elo cu id ad o d e seu s m em b r os, at en d er às d em an d as n e ce ssá r i a s à o r g a n i za çã o d o si st e m a f a m i l i a r
inst it uído, m ant er- se na força de t rabalho e assum ir, ainda, a assist ência específica do filho prem at uro. O e st i l o si n cr o n i za d o f a m i l i a r t e m su a o r i g e m n a sensibilidade m at erna e pat erna em relação ao que est ão v iv endo e t am bém na int er ação e sat isfação na relação m arital ( 7- 9).
Assu m i r o f i l h o n o MC r e p r e se n t a u m a decisão con scien t e da fam ília, qu e t am bém aceit a v iv er e passar pelas conseqüências dessa decisão. Est ar n o MC im p lica alt er ar p ap éis e p assar p ela separação ent re os fam iliares. A repercussão não é so m en t e em o ci o n a l , m a s t a m b ém em r el a çã o à condição de vida das fam ílias, um a vez que int erfere na situação financeira e no cuidado entre os m em bros fam iliar es. As m ães t êm de deix ar o seu t r abalho, t êm m enos t em po para os out ros m em bros, sent em dificuldades para cuidar dos out ros filhos ou conciliar o cuidado, queix am - se de cansaço bem com o t êm dificuldades para ir ao hospit al( 10). Nest e est udo, os
conceitos obtidos pelos dados m ostram que, além das con dições an t er ior m en t e assin aladas, qu e cau sam im pact o na fam ília pelo fat o de est ar com filho no can g u r u , a saú d e d a m ãe ap ós o p ar t o t am b ém im pediu até m esm o a fam ília de participar do m étodo. Apesar de t er consciência das necessidades d o p r e m a t u r o , a f a m íl i a t e m l i m i t a çõ e s p a r a e m p r e e n d e r d u a s j o r n a d a s e m a n i f e st a r u m sin cr on ism o d e ações n a d ir eção d o f ilh o. Dessa form a, os pais, principalm ente a m ãe, não têm com o at endê- lo de acordo com a m et odologia canguru.
A chegada de um nov o m em br o na fam ília t r az m od if icações q u e lev am a m ãe e o p ai a se a p r o x i m a r e m m a i s d o a m b i e n t e d o m é st i co , sobrecarregado com a m aior com plexidade de tarefas e de relacionam ent os ( 11). A condição que envolve os
pais no nascim ent o de um filho pr em at ur o é m ais com plexa, pois se t rat a de um a criança de risco que n e ce ssi t a se a d a p t a r p a r a v i v e r, e x i g i n d o , paralelam ente, um envolvim ento bastante intenso por parte dos seus fam iliares. É necessário desem penhar, ao m esm o t em po, t ar efas m ais am plas de at enção ao filho, at uando fora do am bient e dom ést ico, o que exige esforço e disponibilidade dos pais.
CONSI DERAÇÕES FI NAI S
Estudar a fam ília no m étodo canguru perm itiu aprofundar a ext ensão e o significado da experiência v iv ida pela f am ília n o con t ex t o do can gu r u in t r a-hospit alar, possibilit ando am pliar o foco da at enção que, na m aioria das vezes, est á sobre o bebê e sua m ãe.
As r e l a çõ e s d e co n ce i t o s e n co n t r a d o s per m it em apr esent ar as seguint es im plicações par a a t ríade m ãe- bebê- fam ília no canguru hospit alar: - o MC é um m om ento vivido pela fam ília na traj etória e m p r e e n d i d a a p a r t i r d a g e st a çã o e d o p a r t o pr em at u r o;
- o MC apresent a- se com o est rat égia que possibilit a à m ãe e f am ília est ar em p r óx im as p ar a t am b ém cuidar do filho prem aturo, m as não ocorre sem trazer co n f l i t o p ar a a f am íl i a, n ão só p el o n a sci m en t o prem aturo, m as tam bém pela necessidade de atender às dem andas decorrentes da condição de ter um bebê frágil e da própria fam ília;
- a n ecessid ad e d e en f r en t ar d em an d as q u e n ão est ej am usualm ent e no cont ext o fam iliar pode levar
a f a m íl i a , p r i n ci p a l m e n t e a m ã e , a co n st a t a r im possibilidade de part icipar do MC;
- p ar t icip ar d o MC ex ig e t r an sf or m ações n a v id a fam iliar ;
- a im p ossib ilid ad e m at er n a d e est ar n o can g u r u sinaliza lim it ações da fam ília par a at ender à dupla dem anda criada pelo nascim ent o do filho prem at uro e pela necessidade de at enção à fam ília.
Os con ceit os en con t r ad os n a ex p er iên cia vivida pela fam ília na at enção ao filho, por m eio da part icipação ou não no MC, t am bém leva a dest acar os seguint es pont os que devem ser cont em plados na prát ica clínica:
- am pliar o foco de at enção t r azendo o pr em at ur o para o cont ext o de sua fam ília;
- t om ar a f am ília do bebê com o u m a u n idade de cuidado, considerando suas restrições e seus recursos cont ex t uais;
- assist ir o bebê prem at uro e sua fam ília ut ilizando n ov as f or m as ou p r og r am as d e assi st ên ci a p ar a aqueles que não podem par t icipar da m et odologia canguru no hospit al.
REFERÊNCI AS BI BLI OGRÁFI CAS
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