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Governo: substantivo feminino? Gênero e políticas públicas em governos subnacionais

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Academic year: 2017

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1200201110edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

1111111111111111111111111111111111111111nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

GOVERNO: SUBSTANTIVO FEMININO?

GÊNERO E POUTICAS PÚBLICAS EM GOVERNOS SUBNACIONAIS

. Banca ExaminadorazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Prota. Ora. Orientadora Marta Ferreira Santos Farah Prota. Ora Ana Alice Alcântara Costa

(2)

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO

LUIS FUJIWARAnmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

GOVERNO: SUBSTANTIVO

FE'MININO?

GÊNERO E POLíTICAS PÚBLICAS EM GOVERNOS SUBNACIONAISyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Dissertação apresentada ao Curso de

Pós-Graduação em Administração Pública e

Governo da FGV/EAESP

Área de Concentração:

Reforma do EstadoedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe Políticas de Governo ~ F u n d a ç . i o G e l u l i oV a r g a s .CBA

" ' - F G V Escola de Administração F G V de Empresas de São Pauto

Biblioteca

Orientadora:

Prota. Ora. Marta Ferreira Santos Farah

SÃO PAULO

(3)

~E:;co'a de Administração deedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA L - . ': n 'p · ~ - % d!! S : l o Paulo

- ICBA. ~ qde Chamada 3 $ .2

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FUJIWARA, Luis. Governo: substantivo feminino? Gênero e Políticas Públicas em Governos Subnacionais. São Paulo: EAESP/FGV, 2002. 139p. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da EAESP/FGV, Área de Concentração: Reforma do Estado e Políticas de Governo).

Resumo: Esta dissertação analisa como se deu a incorporação do enfoque de gênero em políticas públicas, de governos subnacionais, direcionadas para mulheres. Foram pesquisados vinte e sete programas oriundos do Banco de Dados do Programa Gestão Pública e Cidadania. Como conclusão aponta-se que a maioria dos programas efetiva seu potencial transformador em se tratando da promoção da igualdade de gênero.

(4)

SumáriozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

1. Introdução. 01

2. Gênero e políticas públicas: algumas premissas teóricas 07 2.1 . Origens do conceito de gênero ···."··· 07

2.2. O conceito de Gênero segundo Scott 12

2.3. Gênero e Poder ou GêneroedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé Poder? 14

2.4. O Conceito de Políticas Públicas 19

3. Dos estudos sobre a mulher para os estudos de gênero 35

4. Mudanças na relação Estado - Sociedade no

Brasil e a incorporação de gênero por políticas públicas:

a influência protagonizada por movimentos sociais e ONGs 49

5. Inovações recentes em governos subnacionais

brasileiros: caracterizando iniciativas com foco em gênero 58 5.1. Ações de governos subnacionais brasileiros com foco em gênero... 60 5.2. O Programa Gestão pública

e Cidadania: ouvindo as vozes da realidade 61

5.3. Políticas públicas de governos

subnacionais brasileiros sob uma perspectiva de gênero · 66 5.4. Alterações no conteúdo das ações com foco em gênero 73 5.5. Alterações no formato das ações com foco em gênero ··· 85

6. Gênero e políticas Públicas em governos subnacionais 94

7. À guisa de conclusão 117

8. Bibliografia 120

(5)

Lista de Gráficos, tabelas quadrosedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe ilustraçõeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Gráficos

G r á f i c o 1 .

Crescimento do número de prefeitas no Brasil, nas últimas três décadas 3 7

G r á f i c o 2 .

Quantidade de mulheres para cada grupo de cem homens que estudam (Brasil - 1 9 9 5 ) 44

G r á f i c o 3 .

A concentração das iniciativas inscritas se dá nas regiões Sudeste e Sul 6 5

G r á f i c o 4 .

Distribuição percentual de iniciativas com foco na mulher ( 1 9 9 6 - 2 0 0 1 ) 6 7

G r á f i c o 5 .

A maior parte das parcerias estabelecidas envolve outros

órgãos e esferas de governo, e também instituições da sociedade civil... 86

G r á f i c o 6 .

Mais da metade das iniciativas possuem mais do que onze entidades parceira 9 0

G r á f i c o 7 .

A maioria dos programas avaliados promove a inclusão em relação a gênero ,1 1 5

Tabelas

Tabela 1.

Evolução de Movimentos de Mulheres e do Feminismo no Brasil após 1 9 6 0 5 5

Tabela 2.

Critérios de seleção do Programa Gestão Pública e Cidadania , 6 3

Tabela 3.

Iniciativas selecionadas com foco em gênero 68

Tabela 4.

Público beneficiário potencial das iniciativas com

foco em gênero (segmentos populacionais específicos 7 2

Tabela 5.

Tipos de cooperação conforme a natureza da instituição 89

Tabela 6.

Análise da incorporação de gênero nos programas pesquisados 9 5

Tabela 7.

Matriz analítica de gênero 1 1 3

(6)

QuadroszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Quadro 1.

Alterações de conteúdo em iniciativas com

foco em gênero na área de violência contra a mulher 76

Quadro 2.

Alterações de conteúdo em

iniciativas com foco em gênero na área de saúde 80

Quadro 3.

Novos conteúdos observados em iniciativas

com foco em gênero na área de novas formas de gestão 81

Quadro 4.

Novos conteúdos observados em iniciativas

com foco em gênero na área de criança e adolescente 82

Quadro 5.

Novos conteúdos observados em iniciativas

com foco em gênero na área de geração de emprego e renda 84

Quadro 6.

Novos conteúdos observados em iniciativas

com foco em gênero na área de Terceira Idade 84

Ilustrações

Diagrama 1.

(7)

1. IntroduçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

No começo do Século XX, o município de São Paulo tinha cerca de 250 mil habitantes. O processo de urbanização da cidade estava em seu início: o transporte público de passageiros ocorria em "bondes-a-burro", sendo instalados os primeiros serviços de água e esgoto, e de iluminação a gás.

O prefeito de São Paulo no começo do Século XX era Antonio da Silva Prado, famoso empresário e herdeiro de uma das famílias mais ricas do Brasil, com investimentos em Casas Bancárias, Estradas de Ferro, empreendimentos comerciais, agrícolas e industriais. Prado era também um político consagrado, já havia ocupado diversos cargos públicos de destaque: fora vereador de São Paulo, deputado pela Província e Ministro de Estado por duas vezes, ainda na época do

Império.

O início do Século XX foi marcado por rápidas mudanças que se processavam no cotidiano dos paulistanos. Devido ao rápido processo de urbanização em curso naquela época, a população da cidade praticamente decuplicou em aproximadamente trinta anos.

O grande desafio de Antonio da Silva Prado enquanto prefeito de São Paulo era promover a modernização do aparato público municipal, uma vez que a provisão de serviços públicos não havia acompanhado, na mesma velocidade, o crescimento populacional.

Sua gestão foi marcada pelo aumento da oferta de eletricidade, pela implantação de um novo sistema de transportes que utilizava bondes elétricos e pela reurbanização da cidade, com destaque para a instalação da iluminação elétrica nas ruas, além da reforma do Jardim da Luz e da construção do Teatro Municipal.

(8)

Naquela época, a vida das mulheres paulistanas era bem diferente do que se

pode observar hoje em dia. Dizia-se na época:yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"uma mulher edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé bastante

instruída, quando lê corretamente suas orações e sabe escrever a receita da goibada" (MATURIDADE: 2000, pg. 1).

Dona Veridiana Prado, mãe do prefeito, não se adequava ao padrão descrito acima, escandalizando seus conterrâneos "com uma vida plena de atividades intelectuais e atitudes que a lançaram na história como uma das pioneiras do feminismo no Brasi!' (MATURIDADE: 2000, pg. 1).

Foi uma das primeiras mulheres da alta sociedade paulistana a separar-se do marido e assumir a chefia da família. Sua residência virou ponto de encontro da intelectualidade paulistana, que se reunia para animados saraus onde se discutiam política e cultura.

Por todas estas atividades, consideradas inadequadas para os padrões da época, Dona Veridiana começou a sofrer ameaças de morte, mas não se intimidou, "continuou com suas atitudes de desafios, como a de andar sozinha pelas ruas, quase até a sua morte em 1909,aos 83 anos" (MATURIDADE: 2000, pg. 1).

Na época de Dona Veridiana, a luta pela igualdade entre homens e mulheres estava somente começando e se baseava, principalmente, na obtenção de direitos civis como o acesso ao voto e ao ensino superior, até então restritos aos homens. A emancipação das mulheres era preconizada em jornais politizados como "O

Quinze de Novembro do Sexo Feminino" que defendia mais espaço para a mulher na sociedade brasileira em textos como o publicado em 1889: "uma vez mais nós [mulheres] exigimos direitos iguais, liberdade de ação, e autonomia em nossosCBA

l e r e s " (MILLER: 1991, pg. 69).

1 " ...once more we [women] ask equal rights, freedom of ection, and autonomy in the nome".

(9)

o

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcomeço da existência de uma maior consciência feminina, entretanto, não promoveu mudanças pragmáticas no cotidiano de vida das mulheres paulistanas do início do século XX:yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"mulheres casadas não tinham controle sobre suas próprias vidas e não possuíam direitos legais sobre o destino de suas crianças.'

Esforços individuais para a publicação de jornais, a fundação de escolas para

educar uma nova geração de mulheres e influência política não se traduziram em uma legislação direcionada para a promoção de uma mudança na condiçãoCBA

t e m l n i n e " (MILLER: 1991, pg, 71),

Durante o longo percurso entre o início do século XX e o começo do século XXI muita coisa mudou. Em 2001, São Paulo é a maior metrópole da América do Sul. Quem governa São Paulo exerce algum tipo de influência direta sobre a vida de 9,9 milhões de habitantes e gerencia um dos maiores orçamentos de nosso país: 7,9 bilhões de reais de receita em 2001.

Atualmente São Paulo é governada por uma feminista, Marta Suplicy, que foi eleita com 58% dos votos válidos no segundo turno, percentual que representa a escolha de 3,2 milhões de pessoas.

Assim como Antonio Prado, Marta Suplicy é filha de uma das famílias mais tradicionais da cidade e possui também uma carreira política de sucesso: foi deputada federal com destacado desempenho e chega agora ao governo de uma das maiores cidade do mundo. Formada em Psicologia pela PUC de São Paulo, Marta Suplicy cursou pós-graduação na Universidade de Michigan, possui vários livros publicados e trabalhou durante muito tempo na televisão brasileira.

Em 1901, era impensável para qualquer cidadão paulistano imaginar que um dia a cidade seria governada por uma mulher. Somente em 1932, mais de três décadas

2 a Manied women had no control over their own live and possesed no legal right over the destinies

oft n e i r chitdren. Individual efforts to publish jouma/s, start schoo/s to educate anew generation of

wornen, and influence politicians did not trans/ate into legis/ation designed to change the women's

situetion". Tradução livre do autor.

(10)

depois, é que as mulheres começariam a participar do sufrágio universal. Ainda hoje é clara a sub-representação feminina na esfera política, em especial nos cargos majoritários do Executivo. Nas eleições municipais de 2000, por exemplo, foram eleitas 317 prefeitas, o que corresponde a somente 5,7% do total de gestores municipais eleitos.

Os cem anos transcorridos da eleição de Antonio Prado para a de Marta Suplicy foram de muitas alterações, e neste caso é bastante representativo, do ponto de vista simbólico, o fato de uma mulher ser a prefeita de São Paulo no início do século XXI. O que se pode inferir é que foram grandes as alterações ocorridas na sociedade brasileira, uma vez que somente a partir destas mudanças seria possível a eleição de uma feminista para o cargo mais importante da cidade de São Paulo.

Dentre as profundas transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas durante este século, incluem-se as relativas ao lugar da mulher na sociedade e ao crescimento de sua participação no mercado de trabalho e na arena política.

A partir dos anos 80, com o processo de abertura política, movimentos sociais organizados puderam colocar suas demandas para negociação na arena política. Com isso, diversos movimentos organizados de mulheres e de feministas começaram a influir no processo de formulação e implementação de políticas públicas, o que levou ao surgimento de várias iniciativas de governo cujo público beneficiário era majoritariamente feminino. Estas ações estatais inseridas no cotidiano de milhões de mulheres que habitam o território brasileiro acabaram produzindo resultados concretos, conseqüências e impactos sociais.

Esta dissertação, apresentada como trabalho de conclusão do Curso de Mestrado em Administração Pública e Governo, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, tem como tema políticas públicas com " .

(11)

acesso a oportunidades, serviços e poder, observadas no relacionamento de homens e mulheres, originam-se no campo cultural.

Neste trabalho analisam-se o conteúdo substantivo e o processo de implementação de vinte e sete programas, projetos e atividades de Estados e municípios brasileiros presentes no banco de dados do Programa Gestão Pública e Cidadania, que se caracterizam por possuir foco em gênero. Objetiva-se verificar o quanto e como tais ações estatais incorporam o enfoque de gêf1ero _

potencialmente promotor da igualdade de gênero entre homens e mulheres.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA'> (1

Estuda-se a hipótese de que as políticas públicas implementadas em governos subnacionais brasileiros, em sua maioria, ainda não colaboram para a promoção da efetiva igualdade de gênero entre homens e mulheres, contribuindo em muitos casos para reproduzir o atualyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAstatus quo de fazeres e saberes imbricados no tecido social brasileiro que se caracteriza pela instituição de relações desiguais de poder entre os sexos.

A justificativa para a escolha deste tema se baseia em dois pontos principais: a recente incorporação de políticas públicas direcionadas para mulheres por governos subnacionais brasileiros e a pequena produção de estudos e análises de políticas públicas feita a partir de um enfoque de gênero. No estudo de políticas públicas, como aponta Epstein, "sociólogos em geral têm negligenciado as análises sobre como o longo braço do Estado é capaz de construir distinções de

gênero" (1988, pg. 118). Também tem sido negligenciada a análise sobre a incorporação da questão de gênero por políticas públicas.

Esta dissertação está organizada em sete capítulos. O primeiro consiste nesta introdução que apresenta de forma sucinta o tema deste trabalho e sua justificativa.

No segundo capítulo, procura-se construir um arcabouço teórico que possibilite a realização da análise de programas, projetos e atividades governamentais a partir

(12)

de um enfoque de gênero. Para isso, este capítulo está dividido em duas partes principais: a primeira trata do conceito de gênero, a segunda do conceito de políticas públicas. Um terceiro capítulo trará a reconstituição do estado da arte sobre políticas públicas e gênero.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

quarto capítulo tratará do aumento da mobilização feminina ocorrida no período

de redemocratização do país e das conseqüências que estas mobilizações tiveram em termos da formulação de políticas públicas pelo Estado brasileiro.

No quinto capítulo, inicia-se o desenvolvimento da parte empírica desta pesquisa com a elaboração da análise, sob uma ótica de gênero, de programas, projetos ou atividades implementadas por governos subnacionais brasileiros. Nesta parte do trabalho é feita a caracterização das iniciativas selecionadas.

(13)

2. Gênero e políticas públicas: algumas premissas teóricas

2: 1. Origens do conceito de Gênero

Esta parte do trabalho tratará da definição de dois conceitos fundamentais para o

desenvolvimento desta dissertação de mestrado: gênero e políticas públicas.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

conceito de gênero foi cunhado em meados da década de 70 como uma estratégia de feministas européias e americanas para sair do gueto acadêmico no qual, até então, estas pesquisadoras e professoras estavam aprisionadas. Na academia, o feminismo era visto como algo desprovido de virtude científica, uma vez que, antes de tudo, consistia em um posicionamento político ou ideológico.

Uma das primeiras autoras a trabalhar o conceito de gênero foi Ann Oakley no ano de 1972. Em seu livroyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"Sex, Genderand Society", Oakley defende a tese de que o termo sexo deve ser utilizado para designar atributos físicos de homens e mulheres, os quais são determinados por nossas características biológicas (OAKLEY: 1972). Gênero, por sua vez, refere-se às qualidades e características de homens e mulheres (ou do masculino e do feminino) que são culturalmente apropriadas pelos indivíduos durante o processo de socialização.

De maneira simplificada, pode-se afirmar, conforme notado por Machado (1996), que sexo destaca uma implicação biológica, enquanto que gênero destaca uma implicação social e cultural de diferenciação entre o papel desempenhado por homens e mulheres em nossa sociedade.

Cabe aqui destacar que este trabalho não assume o cultural e o biológico como elementos antagônicos, uma vez que características biológicas e sociais não podem ser plenamente isoladas. Dessa forma, reconhecer que as relações de gênero são culturalmente construídas, não significa negar a influência do sexo na formação da identidade de gênero. A carga genética de uma pessoa, bem como

(14)

seu desenvolvimento hormonal, podem influenciar parcialmente a formação da identidade de gênero de um determinado individuo".

Neste trabalho, utiliza-se o conceito de gênero elaborado pela historiadora

americana Joan Scott. Em seu trabalhoyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"Gênero: uma categoria útil para a análise histórica", Scott apresenta inicialmente o contexto histórico de surgimento do

conceito de gênero, para depois construir sua formulação teórica (SCOTT: 1995).

Scott mostra que as abordagens utilizadas pelas feministas na análise de gênero podem ser resumidas em três posições teóricas.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA':4 primeira, um esforço

inteiramente feminista que tenta explicar as origens do patriarcado. A segunda se situa no seio de uma tradição marxista e procura um compromisso com as críticas feministas. A terceira, fundamentalmente dividida entre o pós-estruturalismo francês e as teorias anglo-americanas das relações de objeto, inspira-se nas várias escolas de psicanálise para explicar a produção e a reprodução da identidade de gênero do sujeito" (SCOTT: 1995, pg. 4).

Na abordagem do patriarcado, os estudos, desenvolvidos sobretudo na década de 70, eram focados na subordinação da mulher. A dominação da mulher pelos homens tem sua origem explicada por diversas escolas acadêmicas. Mary O'Brien, define " a dominação masculina como um efeito do desejo dos homens de transcender a sua alienação dos meios de reprodução da espécie" (O'BRIEN apud SCOTT: 1995, pg. 4). Para Firestone, a reprodução era uma "armadilha amarga" para as mulheres e sua libertação "viria das transformações na tecnologia de reprodução, que no futuro poderia eliminar a necessidade do corpo das mulheres

como agente da reprodução da espécie" (FIRESTONE apud SCOTT: 1995, pg. 4). Uma outra corrente de pensamento encontrava as respostas para a sociedade

3 A relação entre genes, fisiologia, hormônios e gênero é amplamente estudada, havendo diversas

pesquisas que comprovam a influência dos determinantes biológicos nas características

socioculturais de um indivíduo. O que não significa que a biologia é o único ou maior elemento

constitutivo da identidade de gênero. Um dos trabalhos mais interessantes a esse respeito é o de

(15)

patriarcal na sexualidade, que segundo Mackinnom, éyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"pere o feminismo o que o

trabalhoedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé para o marxismo: o que nos pertence mais e, no entanto, nos é mais

alienado" (MACKINNOM apud SCOTI: 1995, pg. 5). Para esta autora, a "reificação sexual é o processo primário da sujeição das mulheres. Ela alia o ato à

palavra, a construção à expressão, apercepção à efetivação e o mito à realidade.

Ohomem come a mulher: sujeito, verbo, objeto"(idem, pg. 5).

Em sua análise, Scott (1995) afirma que a construção teórica da escola do

patriarcado apresenta dois grandes problemas. Primeiro, as teorias não explicam o que é que a desigualdade de gênero tem a ver com as demais desigualdades sociais existentes. Segundo, independentemente da dominação masculina ser exercida por intermédio do labor reprodutivo ou da sexualidade, a análise desta escola acaba se baseando em diferenças reprodutivas, ou seja, em características físicas e sexuais, não contemplando qualquer tipo de construção sociocultural.

A escola de pensamento das feministas marxistas, que também se constituiu nos anos 70, produziu seus trabalhos buscando encontrar, conforme o materialismo dialético, uma explicação "material" para as diferenças de gênero. Heidi Hartmann, por exemplo, "insiste sobre a necessidade de considerar o patriarcado e o

capitalismo como dois sistemas separados, mas em interação. Porém, na medida em que desenvolve a sua argumentação, a causalidade econômica se torna prioritária e o patriarcado está sempre se desenvolvendo e mudando como uma função das relações de produção" (HARTMANN apud SCOTI: 1995, pg. 5).

Ainda dentro da escola marxista, porém em contraponto à concepção de

Hartmann, foi tomando força a idéia de que "os sistemas econômicos não determinam diretamente asrelações de gênero e que, de fato, a subordinação das mulheres é anterior ao capitalismo e continua sob o socialismo" (SCOTI: 1995,

pg. 6). Assim, as teóricas marxistas começaram a buscar um novo modelo, no

pode ser citado Robert Nadeau, "S/he brain: science, sexual politics, andCBAt n e myths of feminism"

(NADEAU: 1996).

(16)

qual os sistemas econômicos e de gênero continuassem a interagir, porém, sem

nenhum tipo de relação de causalidade. Para Kelly, ambos sistemasyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"operavam

simultaneamente para reproduzir as estruturas socioeconômicasedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe de dominação masculina de uma ordem social particular' (KELLY apud SCOTT: 1995, pg. 6). O

modelo teórico de Kelly introduziu a idéia de uma "realidade social baseada no sexo". Sua construção teórica priorizava a análise social em detrimento das determinações biológicas e sexuais, mas mesmo assim "o uso que ela fazia do

social era concebido em termos de relações econômicas de produção" (SCOTT: 1995, pg. 6), o que acabava por aproximar a construção teórica de Kelly daquela produzida por Hartmann.

Nos EUA, por sua vez, as feministas marxistas exploraram a questão da

sexualidade. Benjamin incorpora em sua análise "os elementos eróticos e

fantasmáticos da vida humana" (BENJAMIM apud SCOTT: 1995, pg. 6). O que começa a surgir é um entendimento de que há uma "necessidade de estudar a estruturação psíquica da identidade de gênero. Se às vezes está dito que a 'ideologia de gênero' 'reflete' as estruturas econômicas e sociais, também há o reconhecimento crucial da necessidade de se compreender a complexa 'ligação'

entrea sociedade e uma estrutura psíquica persistente" (SCOTT: 1995, pg. 6).

As teóricas marxistas americanas avançaram na construção do conceito de gênero ao incluir em suas discussões análises sobre a ideologia, a cultura e a psicologia. Mas "oproblema com o qual elas se defrontam é o inverso daquele que a teoria do patriarcado coloca. Pois no interior do marxismo, o conceito de

gênero foi por muito tempo tratado como subproduto de estruturas econômicas

mutantes; ogênero não tem tido oseu próprio estatuto de análise" (SCOTT: 1995, pg.6).

(17)

entre a escola anglo-americana que trabalha com as teorias das relações objetais e a escola francesa centrada no pós-estruturalismo das teorias da linguagem.

Ambas escolas baseiam seu trabalho no processo de formação da identidade do sujeito. Existe toda uma ênfase analítica nas primeiras etapas do desenvolvimento da criança, período fundamental para a formulação da identidade de gênero. A

diferença que se coloca entre uma escola e outraedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé que asyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"teóricas das relações objetais colocam a ênfase sobre a influência da experiência concreta (a criança

vê, ouve, tem relações com as pessoas que cuidam dela e, em particular, naturalmente, com seus pais), ao passo que os pós-estruturalistas sublinham o papel central da linguagem na comunicação, interpretação e representação de

gênero (para os pós-estruturalistas, linguagem não designa unicamente as palavras, mas os sistemas de significação, as ordens simbólicas que antecedem o domínio da palavra propriamente dita, da leitura e da escrita)" (SCOTI: 1995, pg. 6).

Scott aponta alguns problemas na construção teórica formulada pelas escolas de psicanálise. No caso das escolas anglo-americanas toda a teorização se concentra na análise de inter-relações familiares, ocorridas entre a criança e seus pais. "Essa interpretação limita o conceito de gênero à esfera da família e à experiência doméstica" (SCOTI: 1995, pg. 7), alijando o indivíduo da interação com os demais sistemas sociais, econômicos, políticos ou de poder. Em relação às teóricas da escola francesa e seu foco de análise na linguagem, o problema identificado por Scott diz respeito à "fixação exclusiva sobre questões relativas ao sujeito individual e a tendência a reificar como a dimensão principal do gênero, o antagonismo subjetivamente produzido entre homens e mulheres" (SCOTI: 1995, pg. 8), o que torna o processo de formulação da identidade de gênero, em última instância, "uma oposição invariável e monótona entre homens e mulheres" (RILEY apud SCOTI: 1995, pg. 9).

(18)

Nenhuma destas escolas teóricas poderia isoladamente fornecer subsídios para o entendimento concreto da complexa interação social entre homens e mulheres na sociedade contemporânea. A interação dos diversos elementos de análise anteriormente formulados trouxe contribuições significativas para o atual

entendimento do conceito de gênero, conforme notado por Scott:yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"para fazer surgiredcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o sentido [de gênero] temos que tratar do sujeito individual tanto quanto da

organização social e articular a natureza de suas inter-relações, pois ambos têm uma importância crucial para compreender como funciona gênero" ( 1 9 9 5 , pg. 1 0 ) .

2 . 2 .nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAO conceito de Gênero segundo S c o t t

Scott define gênero como um conceito "utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. O seu uso rejeita explicitamente as explicações biológicas, como

aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de

subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma força muscular superior. O Gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as 'construções sociais': a criação inteiramente social da idéias sobre os papéis próprios aos homens e àsmulheres" ( S C O T I : 1 9 9 5 , pg. 3 ) .

Na formulação de seu conceito de gênero, Scott afirma que o "núcleo essencial da definição baseia-se na conexão integral entre duas proposições: o gênero é um

elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder"

( S C O T I : 1 9 9 5 , pg. 1 1 ) .

A primeira proposição diz respeito à relação existente entre quatro aspectos

(19)

Santa Maria, acabamos por absorver inconscientemente padrões estereotipados

de comportamento para o que seria o "papel social adequado" para as mulheresedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

e

para os homens.

o

segundo aspecto constitutivo das relações sociais são os conceitos normativos, os quais estão expressosyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"nes doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas [que], tipicamente, tomam a forma de uma oposição binária que afirma, de modo categórico, inequívoco, o sentido de homem e mulher, de masculino e feminino" ( S e O T I : 1 9 9 5 , pg. 1 1 ) .

Outro aspecto constitutivo se refere à busca de um arranjo político e institucional que promova a desconstrução da oposição binária que define o que é

comportar-se como mulher ou como homem em nossa sociedade. Por meio descomportar-se arranjo comportar-se reproduz o entendimento de que os sexos masculino e feminino são antagônicos, opostos, elementos que se contrapõem, o que leva a atribuição de valores diversos e específicos para o que é masculino e o que é feminino.

O último aspecto constitutivo das relações de gênero é a formação da identidade

subjetiva de gênero. Neste caso é importante "exeminer as maneiras como as identidades de gênero são realmente construídas e relacionar seus achados com

toda uma série de atividades, organizações sociais e representações culturais historicamente situadas" ( S e O T I : 1 9 9 5 , pg. 1 2 ) .

Para Scott estes quatro aspectos não podem ser entendidos de maneira isolada. Nenhum pode operar sem os demais, mas, ao mesmo tempo, eles não operam simultaneamente ou como se um fosse simplesmente reflexo do outro.

Na segunda proposição, ScoU assume que: "o gênero é uma forma primeira de

significar relações de poder. Seria melhor dizer que o gênero é um campo primeiro

no seio do qual ou por meio do qual o poder é articulado. O gênero não é o único

campo, mas ele parece ter constituído um meio persistente e recorrente de tomar

(20)

eficazedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAa significação de poder no Ocidente, nas tradições judaica-cristã, bem como islâmica"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(SCOTT: 1995, pg. 12).

A proposta de Scott é que a primeira proposição dê conta de entender e explicitar

como se dá, no indivíduo, a construção de todo um entendimento consciente e inconsciente da significância do masculino e feminino em nossa sociedade. Já com sua segunda proposição, Scott busca um olhar mais amplo, mais plural sobre os desdobramentos que este entendimento produz na sociedade.

2 .3 .nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAGênero e Poder ou Gênero é Poder?

"O sociólogo francês Pierre Bordieu escreveu sobre as maneiras como a 'divisão do mundo' fundada em referência às 'diferenças biológicas, particularmente àquelas que se referem à divisão do trabalho de procriação e de reprodução', opera como 'a mais fundamentada das ilusões coletivas'. Estabelecido como um

conjunto objetivo de referências, o conceito de gênero estrutura a percepção e a organização simbólica de toda a vida social. Na medida em que essas referências estabelecem distribuições de poder (um controle ou um acesso diferencial aos

recursos materiais e simbólicos), o gênero encontra-se doravante implicado na

construção do poderem si" (BORDIEU apud SCOTT: 1995, pg. 12).

Esta questão da articulação entre gênero e poder é fundamental neste trabalho.

Com o conceito de gênero busca-se utilizar uma ferramenta significativa para a promoção da igualdade4 e, para isso, deve-se trabalhar questões que se inserem na problemática da distribuição do poder.

4 Gênero é utilizado neste trabalho como uma categoria de análise. Éo conceito que dará a esta

dissertação de mestrado um foco específico. Este conceito consiste em uma "importante

ferramenta para a promoção da participação feminina (e masculina) em [políticas] de

desenvolvimento. [A utilização do conceito de gênero] pode identificar desníveis na distribuição de

recursos e poder, ajudar a identificar possíveis meios para fortalecer o papel desempenhado pelas

mulheres em processos de tomada de decisão epromover oempowerment das mulheres" (IADB:

(21)

Geralmente os estudos e pesquisas sobre o tema poder, em seu sentido clássico, não incorporam gênero como uma categoria analítica. Isso ocorre porque as mulheresyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"não ocupam posições sociais poderosas. Mas elas também não são

consideradas em estudos de estratificação social, embora sejam certamente parte

do sistema; além disso, são também negligenciadas em estudos do mundo

profissionaledcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA5 " (EPSTEIN: 1988, pg. 110). A ausência da perspectiva de gênero em

pesquisas tem entre suas diversas origens o entendimento, ainda hoje corrente, de que as esferas pública e privada são antagônicas e dissociadas, cabendo aos homens ocupar o espaço público (político e social) e às mulheres o espaço privado (doméstico e familiar).

A articulação do conceito de gênero com a idéia de poder não é, portanto, algo simples e sintético. Neste trabalho utilizaremos o conceito de poder formulado por Foucault. Para este autor, o poder manifesta-se de forma dinâmica, renegando o entendimento clássico de poder como algo monolítico e repressivo. Para Foucault, o poder "flui por meio de uma rede de códigos disciplinares e instituições. Normas

e padrões são reproduzidos e disseminados por intermédio de escolas, da

medicina, de leis, prisões, religiões e até mesmo por meio de manifestações

artísticas; e em sua circulação e reprodução eles (padrões e normas) determinam

de forma incisiva o formato das relações sociais, criando posições subjetives"'.

(FOUCAUL T apud BERGER, WALLlS e WATSON: 1995, pg. 5).

Uma destas posições subjetivas é justamente o entendimento culturalmente construído do que é ser homem (masculino) ou mulher (feminino) em nossa sociedade. Este entendimento reafirma e reproduz a "segregação bimodal entre

5 " . . . did notCBAn o t a powerful positions. But they were not considered in studies of social stratification

either, in which they were surely part of the system, and were neglected in other studies of

occupational world ...nTradução livre do autor.

6 " . . . flows through a network of disciplinary codes and institutions. Norms and standards are

replicated and disseminated through scnools, medicine, laws, prisions, religion, even art; and in

their circulation and reinforcement they acfively determine social relations and create subject

positions ...nTradução livre do autor.

(22)

homens e mulheres [que] tem promovidoedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAa opressão feminina desde tempos ancestrais"?zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(ROTHBLATT: 1995: pg. 13).

A partir do momento de seu nascimento, um ser humano recebe um rótulo, uma classificação como homem ou mulher, conforme sua configuração sexual externa. Neste instante a "genitália sela nosso destino, uma vez que somos iniciados em construções culturais distintas relacionadas à criação de meninos ou meninas"

(HIGHWATER apud MORRIS: 1997, pg. 62).

Na verdade, conforme notado por Simone de Beauvoir, ninguém nasce homem ou mulher, a adoção de uma atitude masculina ou feminina é parte de um processo de escolhas culturais; "nós nos tornamos homens ou mulheres ao longo de nossas vidas" (BEAUVOIR: 1952). O rótulo que recebemos no momento de nosso nascimento, de acordo com nossa estrutura sexual externa, é somente o ponto de partida desse processo.

O poder, no entendimento de Foucault, manifesta-se durante todo o processo de formação da identidade de gênero (FOUCAUL T apud BERGER, WALLlS e WATSON: 1995). Principalmente a partir da primeira infância, começa a ser construída nossa identidade de gênero. A biologia desempenha um papel importante nesta construção, mas na realidade, a distinção valorativa que observamos em relação a segmentos sociais em situação de risco, como por exemplo, negros, índios, mulheres e adolescentes, não se origina a partir de características fisiológicas, mas do conjunto de leis e costumes, socialmente originados, que há séculos regem nossa sociedade. Trata-se dos códigos disciplinares e instituições conceituados por Foucault, que estão imbricados no tecido social e se refletem em nosso inconsciente".CBA

7 ''The bimodal segregation ofpeople into men and women has oppressed women from time of the

ancients". Tradução livre do autor.

8 Segundo Jung nosso inconsciente seria formado por duas partes distintas. No inconsciente

(23)

Desde seu nascimento, homens e mulheres recebem informações codificadas sobre qual é o comportamento padrão adequado para homens e mulheres. Em

muitos casos isso ocorre de maneira inconsciente. Na Bíblia está escrito que "oyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Senhor Deus fez cair um sonopesado sobre o homem, e este adormeceu; tomou-lhe, então, uma das costelas, e fechou-lhe a carne

em

seu lugar; e da costela que o Senhor Deus lhe tomara, formou a mulher e a trouxe ao homem" (Gênesis 2, 21). Essa passagem traz implícita um juízo de valor: a mulher corresponde a parte do corpo do homem; além disso, conforme o texto, a mulher foi feita para o

homem". Isso, mesmo que não seja explicitado de forma clara, induz homens e mulheres a atribuírem valores subjetivos a uma pessoa com base em sua anatomia sexual.

Nos livros de história pode-se encontrar exemplos semelhantes. Conforme notado por Miller (1991), no período imediatamente posterior ao descobrimento do Brasil destaca-se somente uma personagem: o homem branco, europeu, sempre montado em seu cavalo, portando armas de fogo e adentrando um território ainda

"virgem". "As poucas mulheres que aparecem são índias, lindas, morenas,

subliminannente escondido, reprimido, esquecido, sentido ou pensado. Já o inconsciente coletivo

seria uma her.ança de nossos ancestrais relacionada a reações típicas da espécie humana

construídas a partir de elementos de origem social como, por exemplo, etnia, classe social e

origem histórica. O inconsciente coletivo é regido por padrões e símbolos presentes na história

universal da humanidade, que assim constituem uma simbologia eterna, com alta carga de

energia, que por isso exerce grande influência no processo pelo qual moldamos nossa identidade

individual e conseqüentemente de gênero (JUNG: 1970). Estes símbolos chamados de

"arquétipos" correspondem, de certa forma, aos códigos disciplinares pensados por Foucault

(FOUCAUL Tapud BERGER, WALLlS e WATSON: 1995). .edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

9 O sexo de um determinado indivíduo é determinado pela combinação de dois cromossomos, um

patemo e um materno, o da mãe é obrigatoriamente um cromossomo X, o do pai pode ser X ou Y.

Se a combinação resultante for XX o indivíduo será uma mulher, se for XY será um homem. O

cromossomo Y possui um gene (f DF) que estimula a produção hormonal, fazendo com que a

estrutura de órgãos sexuais, que até a sexta semana de gestação é idêntica, se desenvolva

formando o aparelho sexual masculino. Este fato deixa claro que a lógica natural de

desenvolvimento de um ser humano, a partir do estágio fetal, o levaria a se tomar uma mulher

(sem incidência hormonal), por isso alguns autores afirmam, em oposição ao que está escrito na

Bíblia, que o"padrão primordial do desenvolvimento humano foi desenhado para acriação de Eva,

não de Adão" (MONEY apud MORRIS: 1997, pg. 11).

(24)

indolentes,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo fruto de um Novo Éden10" (MILLER: 1991, pg. 23). Dessa forma, a imagem do conquistador da América possui uma conotação sexual, "uma imagem literal e metafórica de umCBAe s t u p r o ' " (op. cit. pg. 23). O conquistador europeu

adentrandoedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà força o território brasileiro, ainda virgem e inexplorado.

No senso comum, os exemplos acima citados acabam levando a um entendimento de que a humanidade está dividida em dois sexos antagônicos, cada um deles com seu próprio padrão de comportamento e escala valorativa. Por isso, são populares e comuns frases do tipo: "homem não chora" ou "isso não é assunto de mulher". Essas frases são também manifestações de poder legitimadas pela "verdade" disseminada pelos códigos disciplinares e pelas instituições.

No seio da família, por exemplo, a atribuição de tarefas diferenciadas para meninas e meninos faz com que as crianças reconheçam como algo natural e legítimo a divisão sexual do trabalho. O entendimento de que a mulher é a "rainha do lar" obriga mulheres de todo o planeta a cumprir, ás vezes, uma tripla jornada de trabalho. Já os homens, quando desempenham "tarefas em casa, ficam responsáveis por atividades simbolicamente marcadas como 'exteriores' ao domínio da casa" (HEILBORN: 1995, pg. 11), como por exemplo, limpar o quintal ou lavar o carro.

A forma como se constituem as relações sociais anteriormente descritas1 2 gerou

uma série de padrões e símbolos que exercem grande influência no processo pelo qual moldamos nossa personalidade e nossa identidade de gênero. Estes padrões e símbolos, também presentes na estrutura de Estado, acabam, em muitos casos,

1 0 "The visible woman in these accounts is the Indian woman, beautiful, dark, supine, the fruit ofthe

new Eden". Tradução livre do autor.

1 1 "The literal and metaphoric imagery is ofrape". Tradução livre do autor.

1 2 Os exemplos citados acima se referem a relações sociais existentes entre indivíduos na religião,

na escola, e na família. Poderiam ser citados inúmeros exemplos de situações similares ocorridas

em outros campos de relacionamento humano, como as artes, partidos políticos, sistemas

(25)

por reproduzir e legitimar a condição subalterna a que são submetida às mulheres em nossa sociedade.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

2 .4 .nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAO Conceito de Políticas Públicas

Políticas públicas, conforme o conceito de Elisa Pereira Reis (1989), são as traduções técnico-racionais das escolhas políticas de uma sociedade operacionalizadas por meio do Estado. A sociedade brasileira nos períodos de eleição para cargos executivos opta por um candidato. Este candidato democraticamente eleito, independentemente de seu espectro ideológico ou partidário, traduzirá suas crenças políticas em ações supostamente técnico-racionais. Dessa forma, qualquer ação promovida pelo Estado se configura como

uma política pública.

Não pode ser esquecido, entretanto, o fato de que a atuação do Estado é complexa. Órgãos legisladores e a burocracia estatal construíram ao longo dos anos um arcabouço jurídico institucional que orienta, limita e modela o processo de formulação e implementação de políticas públicas em nosso país.

No nível subnacional de governo, que será focalizado neste trabalho, as Leis Orgânicas municipais e as Constituições estaduais, assim como os orçamentos e planos plurianuais estaduais e municipais, são exemplos de instrumentos que cumprem o papel acima descrito, funcionando como parâmetro para a formulação e a implementação de políticas públicas.

Além dos limites legais e institucionais acima citados, o processo de formulação e implementação de uma política pública é diretamente influenciado por fatores que fogem ao controle de Estados e municípios: por exemplo, crises econômicas, agências internacionais, a mídia, processos políticos partidários e demandas colocadas por atores sociais oriundos da sociedade civil organizada.

(26)

Por isso, "ayxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAquestão de como as políticas públicas são feitas, e especificamente

até que ponto elas seguem um processo previsíveledcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe racional tem sido objeto de amplo debate13" (KLUGMAN: 2000, pg. 96) no campo da administração pública

(GRINDLE e THOMAS: 1991, PORTER: 1995 apud KLUGMAN: 2000). Inicialmente prevalecia entre pesquisadores e stakeholders a idéia de que o processo de formulação e implementação de uma política pública era algo racional e linear, onde eventos logicamente ordenados ocorriam de forma coordenada (KLUGMAN: 2000). Esse modelo assumia de forma clara que, em última instância, um indivíduo racional, com toda informação possível em suas mãos, e sem nenhum tipo de conflito de interesses, ou influência externa, utilizaria esta informação para formular e depois implementar uma política pública.

Como alternativa a essa visão racional e linear, começou a ser construído um novo modelo de formulação e implementação de políticas públicas, caracterizado por seu caráter incrementai ou difuso (FINCH: 1986 apud KLUGMAN: 2000). Em contraponto ao modelo anteriormente citado, esta nova construção teórica reconhece que a formulação e a implementação de uma política pública depende de uma"rede de forças que interagem, envolvendo múltiplas fontes de informação, relações complexas de poder, e a mudança de arranjosCBAt n s t i t u c i o n e i s ' " (PORTER:

1995 apud KLUGMAN: 2000, pg. 96). Este modelo é, portanto, passível de influências diversas, em especial em relação a contextos políticos, econômicos, sociais e culturais.

Dessa forma, fica claro que ao promover o desenho e a execução de uma política pública, um governante formula um arranjo que contempla, ao mesmo tempo, suas possibilidades legais e institucionais de ação, seu projeto político-ideológico e as diversas influências externas. No Diagrama 1 podemos observar como

1 3 "The question of how policies are made, and specifícal/y to what extent they fol/ow a rational and

(27)

interagem as diversas variáveis que influenciam o processo de formulação e implementação de uma política pública.

Diagrama 1. Processo de Formulação e Implementação de uma Política Pública

População (eleitores)

Escolha política e ideológica (governante)

Arranjo Jurídico Arranjo Institucional

Políticas Públicas

Contexto Econômico

Contexto Histórico e Sócio-cultural

Sociedade Civil

Organizada

Agências Internacionais

Mídia

Esta representação do modelo difuso ou incrementai nos mostra as diversas influências que uma pol ítica pública sofre desde seu planejamento e formulação até sua execução. Em tese, toda ação de governo é uma intervenção na realidade social que deve ser regida pelo interesse público. Porém, conforme o diagrama acima demonstra, há uma rede de interações que se forma a partir da relação bidirecional das mais diversas variáveis. Esta rede, por sua vez, influencia direta e indiretamente o desenho das políticas públicas.

As influências sofridas pelo modelo incrementai fazem parte do jogo político, e

estão inseridas em um ambiente democrático, de complexidade sempre crescente.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

1 4 " . • .yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAweb ofinteracting forces, involving multiple sources of information, complex power relation,

and changing institutionel arrangements ... "Tradução livre do autor.

(28)

Trata-se eminentemente de um jogo de poder, onde também se manifestam as relações de gênero.

Isso acontece porque, conforme notado por Foucault, o poder flui em todas as direções e por todos os caminhos, determinando de forma incisiva, durante sua circulação e reprodução, o formato das relações sociais, criando assim, posições subliminares que influem diretamente no processo de determinação da identidade de gênero.

Por ser umyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAlo cus privilegiado de manifestação de poder, as políticas públicas se constituem como potencialmente transformadoras das relações de gênero, que são também, relações de poder. A verdade é que "políticas públicas podem ser instrumentos na mudança das relações de gênero, podem contribuir para que as

relações de gênero sejam mais eqüitativas" (MACHADO: 1996, pg. 26).

Isso ocorre porque "toda ação implementada pela esfera pública causa um impacto diferenciado tanto sobreedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAa esfera privada quanto sobre o cotidiano de homens e mulheres. É nesse sentido, que as decisões tomadas na esfera pública são cruciais na construção das relações de gênero e na manutenção ou alteração

dos papéis produtivos e reprodutivos desempenhados por homens e mulheres"

(COSTA: 1997a, pg. 49).

Políticas públicas podem, portanto, promover mudanças nas relações de gênero, tornando-as mais igualitárias ou desiguais. Tal processo se dá por intermédio dos quatro aspectos constitutivos das relações sociais identificados por Scott (1995).

(29)

Para um melhor entendimento desta questão, utiliza-se como exemplo a presença de estereótipos sexuais em políticas públicas. Estereótipos, conforme o conceito de Wrightsman sãoyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"concepções rígidas e simplificadas acerca de um grupo de indivíduos, por meio das quais todos os indivíduos do grupo são rotulados com base nas chamadas características do grupo1S"(WRIGHSTMAN apud BASOW: 1980, pg. 3). Trata-se de generalizações físicas e comportamentais imbricadas no tecido social, que são aprendidas durante o processo de socialização do indivíduo, em especial durante a primeira infância, período este que influencia de maneira

marcante o processo de formação de nossa identidade.

Os estereótipos sexuais, por extensão, são definidos por Basow como "o conjunto de entendimentos simplificadosedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe rígidos que sustentam que homens e mulheres, em virtude de seu sexo, possuem uniformemente, características e traços

psicológicosCBAc i s t i n t o s ' " (BASOW: 1980, pg. 5).

Uma política pública, por exemplo, quando reproduz estereótipos sexuais, tal

como o da mulher como "rainha do lar', sustenta e reproduz as desigualdades de gênero. Isso pode ser claramente percebido em programas de microcrédito direcionados para mulheres. Este tipo de política geralmente está atrelado à

cessão de crédito e à oferta de cursos de capacitação profissional. Os quais

significam, via de regra, a profissionalização de atividades domésticas: corte e costura, fabricação de doces e salgados, etc. Assim é reforçado o estereótipo da mulher enquanto "rainha do lar', o que subliminarmente reforça a divisão da sociedade em esferas masculinas (pública e política) e femininas (privada e

doméstica).

1 5 " ... areJativeJy rigid and oversimplified conception of a group of people in which a((individuais in

t n e group are labeled with lhe so-caJled group characteristics ... ".Tradução livre do autor.

1 6 U ••• as the rigidly held and oversimplified beliefs that males and females, by virtue of tneir sex,

possess distinct psycological traits and characteristics ... ".Tradução livre do autor.

(30)

Outro aspecto constitutivo das relações sociais de gênero são os conceitos normativos. Por meio de seu poder coercitivo, o Estado exerce grande influência

na formação da identidade de gênero. Isso ocorre pelayxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"imposição de controles

sociais de vários tipos: sanções leves e informais e as mais rigorosas punições formais estão codificadas em arranjos legais e são impostas por meio de um sistema criminal de justiça"edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1 7 (EPSTEIN: 1988, pg. 118).

Um típico exemplo deste caso é o código civil brasileiro. Em sua versão de 1916, tal Código instituía em seu Artigo 60 que mulheres casadas, durante a vigência do casamento, eram juridicamente consideradas incapazes do exercício de certos atos, como por exemplo, decidir se iam ou não trabalhar e onde iriam morar, decisões estas facultadas ao marido. Mesmo em uma versão mais moderna, de 1962, quando da alteração da situação acima citada, pode-se perceber ainda a presença de desigualdades de gênero institucionalizadas enquanto legislação. No Código de 1962, no Artigo 2330 consta que a chefia da sociedade conjugal cabe

ao marido, o qual a exerce com a "colaboração" da mulher.

Outro exemplo interessante pode ser notado no Direito Criminal. Nesta área jurídica havia, até recentemente, dois elementos que demonstravam claramente a existência e a reprodução de desigualdades de gênero. O primeiro elemento é a existência do adultério enquanto crime, o qual somente era previsto nos casos de relacionamento extraconjungal da mulher, nunca do homem. Além disso, e de maneira complementar, existia o instrumento jurídico do Crime de Honra, o qual servia para a defesa de homicidas que assassinavam suas esposas flagradas em

situação de adultério.

Ainda· que atualmente não mais existam tais desequilíbrios legais, a influência exercida por estes artigos do Direito Criminal na identidade de gênero ainda se

1 7 " • •.imposítion of social controls of various kinds, ranging from mild informal sanctions to the most

rigorous formal punishments codified in a body of law and imposed through a criminal justiceCBA

(31)

mantém imbricada no tecido social brasileiro, promovendo a sobrevida e a reprodução de relações de poder desiguais entre os sexos. Dessa forma, pode-se perceber como o Estado, por meio de seu arranjo jurídico e institucional, pode influenciar a formação da identidade de gênero de um indivíduo, ainda que de

forma indireta, tênue e subliminar.

o

terceiro aspecto constitutivo das relações sociais de gênero trata da existência

de um arranjo político e institucional que define, por meio de estímulos e penalidades, o que é comportar-se como homem ou como mulher em nossa

sociedade.

As escolhas por comportamentos que moldam nossa identidade são em última

instância escolhas individuais, mas osyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"indivíduos tendem afazer escolhas a partir

de alternativas socialmente estruturadas em modelos de comportamento padronizados, com impactos posteriores na estrutura socia/1s" (EPSTEIN: 1988, pg.99).

Pode-se notar este fato em relação a algumas práticas decorrentes de determinados programas governamentais. Por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) remunera um determinado médico conforme o procedimento cirúrgico adotado. A remuneração para o parto cirúrgico é maior do que para o parto natural. Dessa forma, médicos da rede pública de saúde tendem a adotar o parto cirúrgico em detrimento do natural. Assim, mulheres oriundas de estamentos populares em situação de parto são induzidas, ainda que tenham a decisão final, a realizar partos cirúrgicos. Como resultado, o Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é o país com o maior percentual de partos cirúrgicos do

mundo.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

1 8 "IndividuaIs tend to makeCBAc n o i c e s trom among social/y structured altematives in pattemed ways,

wíth further consequences for social structure". Tradução livre do autor.

(32)

Finalmente, como último aspecto constitutivo das relações de gênero, coloca-se a identidade subjetiva de gênero. Neste caso, podemos utilizar o exemplo da cultura

organizacional do Estado. Esta se manifesta das mais variadas formas, sendoyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

"composta fundamentalmente por uma configuração particular de 'regras',

representaçãoedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe resistência, dentro das quais as relações de gênero estão inseridas e manifestas" (MILLS apud COSTA: 1997b, pg. 70). Governos de todos os níveis federativos "alocam dinheiro, status e poder; possuem objetivos, significados, recursos, limites de ação e sistemas de controle" (HANSOT e TY ACK apud EPSTEIN: 1988, pg. 100). Em todas essas atividades se manifesta, ainda que de forma indireta e tênue, a cultura organizacional.

A cultura organizacional de uma instituição como o Estado se coloca de maneira transversal em todas as atividades de governo, sustentando e reproduzindo valores, princípios e práticas normativas que carregam em si distinções valorativas de gênero que produzem e reproduzem, no cotidiano organizacional, significados para o que é ser masculino e o que é ser feminino.

"Instituições possuem regras explícitas gerenciando relações de gênero e também

culturas organizacionais nas quais muitas práticas de gênero estão implícitas, as quais são freqüentemente as mais poderosasCBA1 9 n (EPSTEIN: 1988, pg. 100). Este fato explica porque em muitas Secretarias estaduais e municipais, nas quais a maioria dos funcionários é na verdade composta por funcionárias, a chefia é ainda

exercida por homens. "Somente algumas pessoas notaram que a maioria dos policymakers são homens brancos de meia idade ou mais velhos2 0" (EPSTEIN:

1988, pg. 119), e isso, certamente, produz reflexos no desenho de atividades estatais, tanto em relação à sua forma, como também ao conteúdo.

1 9 " institutions have explicit rufes goveming gender re/ationships but they a/so neve

organizationa/ cu/tures in which many gender practices are impticit, often tne more powerfu/ for

being taken for granted'. Tradução livre do autor.

2 0 "On/y some have paid attention to the fact that most policymakers are White men of midd/e age

(33)

o

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAprocesso acima descrito é complexo e dinâmico. Nem sempre os elementos

constitutivos das relações sociais de gênero se manifestam claramente nas políticas públicas. O importante neste caso é reconhecer que há uma grande interação entre a problemática das mulheres e o Estado, e que o instrumento

primeiro desta interação são as políticas públicas.

Conforme diversos autores já notaram (FARAH: 1998 e 1999; MACHADO: 1~97, 1998a e 1998b; e SUAREZ, TEODORO e CLEAVER: 2001), está em andamento no Brasil um movimento de incorporação da mulher enquanto público beneficiário específico de políticas públicas. A maior participação da mulher, enquanto beneficiária de iniciativas governamentais, levou, por sua vez, a promoção de "diversasyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAalterações na forma como políticas públicas são feitas, incluindo quais temas serão abordadosCBA2 1 n (CONWAY: 1999 pg. 2). Este fato se relaciona,

diretamente, com as mudanças sociais ocorridas a partir dos anos 80. A maior participação da mulher no mercado de trabalho estimulou, por exemplo, a multiplicação de serviços de creche, uma vez que era impossível para a mulher

trabalhar fora de casa e cuidar dos filhos ao mesmo tempo.

A recíproca também é verdadeira: da mesma forma que o público feminino influencia o desenho de programas, projetos e iniciativas de governo, Umuitas

mudanças ne vida das mulheres são, a o mesmo tempo, resultado direto ou indireto da implantação de políticas públicas2 2

" (CONWAY: 1999, pg. 2). Pode-se

afirmar, por exemplo, que a oferta de serviços públicos de creche facilitou a inserção de milhões de mulheres no mercado de trabalho, em atividades formais

ou informais.

2 1 u •••many of the changes in how public policy is made, including which issues should be the

subject of public policy ... "Tradução livre do autor.

2 2 u ••• many changes in women's Iives are either a direct or an indirect result of public policy. .."

Tradução livre do autor.

(34)

Esta relação bidirecional de influências entre a vida das mulheres e a implantação de políticas públicas demonstra que, apesar de latente, há no Estado um grande potencial transformador das relações de gênero.

Tal potencial é reforçado pela capilaridade e pela permeabilidade do Estado, características estas que possibilitam a interação direta do aparelho estatal com

milhões de mulheres, principalmente no nível subnacional de governo.edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ nos

Estados e prefeituras que se concentra a gestão das políticas públicas de muitas das áreas de governo vinculadas, de alguma forma, às mulheres: violência contra à mulher, saúde, geração de emprego e renda, educação, crianças e adolescentes, moradia e desenvolvimento urbano, etc (FARAH: 1999).

Por meio das atividades desenvolvidas nestas áreas de ação estatal, os governos subnacionais brasileiros estão promovendo verdadeiros ganhos de bem estar para as mulheres de nosso país. Mas políticas públicas focais, direcionadas para segmentos populacionais femininos e específicos, não promovem, por si só,

mudanças significativas no ceme da questão: o atualyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAstatus quo de fazeres e saberes imbricados no tecido social brasileiro que se caracteriza pela instituição

de relações desiguais de poder entre os sexos.

(35)

feminina do mercado de trabalho, o que também faria com que essas iniciativas se

tornassem supérfluas.

Com base no acima exposto, nota-se o potencial transformador que políticas

públicas possuem em relaçãoedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà questão de gênero.

Além disso, a eliminação das desigualdades de gênero é um compromisso do governo federal assumido em Beijing. Como signatário da "Declaração de Beijing"

o governo brasileiro assumiu estar decidido a:yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"adotar as medidas que sejam

necessárias para eliminar todas as formas de discriminação de mulheres e meninas, e suprimir todos os obstáculos à igualdade entre os sexos e ao avanço e

àpromoção da expansão do papel da mulher' (BEIJING: 1995).

Apesar da importância simbólica da participação da delegação brasileira em Beijing, a erradicação das diferenças de gênero representa muito mais do que um acordo diplomático, trata-se de compromisso atribuído ao Estado pela própria sociedade brasileira e que deve, portanto, ser assumido pelos diversos níveis de

governo de nosso país.

Um governo "eleito democraticamente é responsável pelas conseqüências sociais

de suas políticas e ações em qualquer área ou campo de atuação e também pelo seu impacto na condição de vida da população, nos direitos individuais e coletivos

e no exercício pleno da cidadania" (CAMAROTTI e SPINK: 2000, pg. 207). Entre os direitos de cidadania garantidos por nossa Constituição, cabe ao Estado assegurar a inclusão cidadã de segmentos sociais até recentemente

negligenciados pela ação estatal, como, por exemplo, as mulheres.

Finalmente cabe destacar que esta lógica de ação também se aplica a qualquer grupo social em situação de risco."Favorecer grupos excluídos socialmente é , por um lado, uma exigência moral urgente e,por outro, o único meio de chegar a criar

(36)

uma sociedade ondezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo grosso das políticas públicas possa ser dirigido a todos os cidadãos" (SUAREZ, RODRIGUESedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe TEODORO CLEAVER: 2001, pg. 7).

Uma vez reconhecida a existência do potencial transformador que as políticas públicas possuem em se tratando das desigualdades de gênero, e reconhecida a importância desta questão para o efetivo exercício da cidadania, cabe aqui destacar uma outra questão: de que forma políticas públicas podem promover esta mudança?

A resposta para tal questão é múltipla e complexa, envolvendo fatores diversos,

explícitos e implícitos no tecido. social brasileiro. Necessariamente, deve-se discutir a distribuição do poder, uma vez que relações de gênero se constituem inicialmente como relações de poder.

O poder, como visto, é entendido como algo amplo, que "opera desde as relações inter-pessoais até o nível estatal. As instituições e estruturas do Estado são

elementos localizados dentro de certas esferas de poder, cujas concepções se confundem na complexa rede de relações de força. Os indivíduos também estão ligados a esta complexa rede, participando como atores que exercem o poder e como objetos dos jogos de poder, constituídos pelas esferas de poder a que estão

ligados, e que, ao mesmo tempo são configuradas pelos indivíduosCBA2 3 n (WIERINGA apud LEON: 1997).

O fato é que a adoção do enfoque de gênero Uajuda na construção de [políticas públicas] alternativas que além de serem mais eficientes, são também mais

2 3 " . . . el poder opera desde las relaciones interpersonales hasta el nivel estatal. Las i n s t t t u c i o n e s y

estructuras deI estado son elementos localizados dentro de c i e r t e s esferas deI poder, cuyas

concepciones s e confunden en la compleja rede relaciones de fuerza. Los individuos también están

atrapados en esta compleja red, participando como actores que ejercen el poder ycomo objetos de

los juegos de poder, constituidos por las esferas de poder en las que están atrapados, mientras, aI

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