ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL PARA O PORTUGUÊS/BRASIL DO
INSTRUMENTO VULNERABILITY TO ABUSE SCREENING SCALE (VASS)
Rodrigo da Silva Maia
Natal
Rodrigo da Silva Maia
ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL PARA O PORTUGUÊS/BRASIL DO
INSTRUMENTO VULNERABILITY TO ABUSE SCREENING SCALE (VASS)
Dissertação elaborada sobre orientação da
Profa. Dra. Eulália Maria Chaves Maia e
apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Psicologia.
Natal
Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Maia, Rodrigo da Silva.
Adaptação transcultural para o português/Brasil do instrumento vulnerability to abuse screening scale (VASS) / Rodrigo da Silva Maia. – 2014.
110 f.: il. -
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2014.
Orientadora: Profª. Drª. Eulália Maria Chaves Maia.
1. Envelhecimento – Aspectos psicológicos. 2. Idosos – Maus-tratos. 3. Psicometria. I. Maia, Eulália Maria Chaves. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação “ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL PARA O
PORTUGUÊS/BRASIL DO INSTRUMENTO VULNERABILITY TO ABUSE
SCREENING SCALE (VASS)”, elaborada por Rodrigo da Silva Maia, foi considerada aprovada pelos membros da Banca Examinadora e aceita pelo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do
título de MESTRE EM PSICOLOGIA.
Natal, RN, 30 de maio de 2014
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________ Profa. Dra. Eulália Maria Chaves Maia (Presidente da Banca)
___________________________________________
Profa. Dra. Cristina Maria de Souza Brito Dias (Examinadora Externa)
“O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua
À minha família, Silvio (pai), Joni (mãe),
AGRADECIMENTOS
Bom, aqui vão os meus agradecimentos. Adianto que não os apresento em
ordem de importância, mas sim em uma livre associação. Primeiramente, o
agradecimento vai para Deus, que me trouxe ao mundo através de meus pais, Silvio
(pai) e Joni (mãe) e me colocou em uma família que não poderia ser diferente,
ainda mais com a companhia das minhas queridas, ainda que às vezes intragáveis,
irmãs Adrielle e Marcelle. Agradeço a vocês por dividirem o teto comigo, serem
meu núcleo familiar. Sem vocês eu não seria nada.
À família estendida como um todo, por todos os ensinamentos e experiências
com quem tive a oportunidade de compartilhar. Tia Josy, Lucca e Eric, Vovó
Terceira, Vovô Zé, Tia Silvia, Vovó Enide (in memoriam), Tia Silvana, Nathália e Bia, Tia Santa, Tia Sônia (in memoriam) e todos os demais familiares, que contribuíram direta ou indiretamente para a formação do sujeito que hoje sou, meus
agradecimentos.
À minha orientadora e segunda mãe, Profa. Dra. Eulália Maria Chaves Maia,
que como mãe adotiva soube proferir as palavras certas e nos momentos certos, seja para dar aquele “puxão de orelha” ou para incentivar o Rodrigo Bolsista, meu
imenso agradecimento. Pela acolhida, pelo investimento, pela disponibilidade, pelo
carinho e atenção a você eu sou imensamente grato. Aos irmãos tortos, Carol, Anna
Cecília e Fernando também vão o meu agradecimento, por dividir a mãe deles
comigo.
Aos amigos do coração, que prefiro aqui não citar nomes, pois são muitos,
crescimento que vivenciei ao lado de vocês. Aos mais próximos, que vejo no
dia-a-dia, meu muito obrigado. Aos mais distantes, sinto a falta de vocês diária e
incessantemente. A vocês eu agradeço, meu imenso obrigado!
Não poderia deixar de agradecer uma amiga em especial que esteve ao meu
lado durante os últimos anos. Ela não imagina o quanto prezo por sua amizade, sua
companhia, seu sorriso, seu gênio forte, sua perspicácias, enfim, por ela existir.
Agradeço a Lizianne, amiga e secretária do PPGPsi por tudo que já me fez e me
acrescentou. Sua amizade para mim é um pilar que me apoia, independente das
circunstâncias. Queria poder dar-lhe metade do que você me concede.
Aos amigos que compõem e compuseram o grupo de pesquisa Grupo de
Estudo: Psicologia e Saúde (GEPS), em especial a Ádala, Camomila, Liliane,
Lúcia, Priscilla, Luciana Carla, Luciana Revorêdo, Daniella, Maihana, Maria
Aurelina, Welyton, Rômulo, Fernanda, Denise, Hedyanne, Julianne, Rayane, Jarina,
Profa. Dra. Neuciane, Profa. Dra. Maria da Apresentação, Profa. Dra. Izabel Hazin,
Prof. Dr. João Carlos Alchieri e aos demais que posso ter deixado de citar, o meu
muitíssimo obrigado por tudo que dividi e aprendi com vocês.
Aos amigos da UFRN, de trabalho e de instituição, que fizeram ou fazem
dos dias momentos melhores e agradáveis. Meus agradecimentos a vocês: Loló,
Elisa, Wendell, Andressa, Prof. Dr. Adelardo, Larissa, Diana, Vivi, Profa. Dra.
Shirley, Julia, Marcelino, Régina, Cilene, Vilma, Priscilla, Henne, Sarah e todos os
demais, meu obrigado!
A todos e todas da turma do mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da UFRN (PPGPsi/UFRN) de 2012 por estes dois anos de convivência e
ímpar dividir este tempo com vocês. Ao PPGPsi e à UFRN pela acolhida e suporte
ao longo desses sete anos e os muito mais que virão.
À Profa. Dra. Ivone da Silva Salsa, a tia Ivone, e todos os docentes e
discentes que compõem o Departamento de Estatística, pelas contribuições ao
trabalho, meu imenso obrigado.
As Profas. Dras. Tatiana de Lucena Torres e Cristina Maria de Souza Brito
Dias, meu imenso agradecimento, inicialmente, por aceitar participar da defesa
desta dissertação, assim como pelas contribuições desde os Seminários de
Qualificação do Mestrado. Meu muito obrigado!
Por fim, agradeço imensamente a todos os idosos que contribuíram para a
construção do meu interesse sobre o ser idoso, bem como para a elaboração deste
trabalho. Debruçar-me sobre o universo da Psicologia do Envelhecimento e da “Psicogerontologia” foi uma das experiências mais gratificantes para mim. Ouvir as
suas histórias de vida, seus projetos existenciais e de felicidades, suas vitórias,
derrocadas, dificuldades e sucessos ao longo do desenvolver-se(r) fez de mim o que
sou e o que virei a ser, pois o aprendizado que dessas experiências eu pude retirar
SUMÁRIO
Lista de Tabelas... xii
Lista de Siglas... xiii
Resumo... xiv
Abstract... xv
1. Introdução... 16
2. Revisão de literatura... 27
2.1. Envelhecimento humano: aspectos psicossociais associados ao risco de violência... 27
2.2. A violência contra a pessoa idosa: conceitos e literatura científica... 34
2.3. Adaptação transcultural de instrumentos para a população idosa no contexto brasileiro: um breve panorama... 41
3. Objetivos... 48
3.1. Objetivo geral... 48
3.2. Objetivos específicos... 48
4. Método... 49
4.1. Preâmbulo: algumas considerações sobre aspectos metodológicos da pesquisa sobre violência contra idosos... 49
4.2. Desenho do estudo... 50
4.3. Sujeitos... 54
4.4. Local do estudo... 55
4.6. Procedimento de coleta dos dados... 56
4.7. Análise dos dados... 57
4.8. Aspectos éticos... 58
5. Resultados e Discussão... 60
5.1. Equivalência Conceitual e de Itens... 60
5.2. Equivalência Semântica... 61
5.2.1. Equivalência Operacional... 66
5.3. Equivalência de Mensuração... 70
6. Considerações finais... 83
7. Referências bibliográficas... 86
LISTA DE TABELAS
Tabela Página
01 Comparação entre o original em inglês e as retraduções do instrumento Vulnerability to Abuse Screening Scale (VASS) 63
02 Versão síntese da Vulnerability to Abuse Screening Scale
(VASS) 64
03 Versão-síntese submetida ao pré-teste da Vulnerability to Abuse Screening Scale (VASS)
65
04 Itens avaliados inadequados e a justificativa, seguida da sugestão de alteração
69
05 Dados sociodemográficos da população de idosos pesquisados 72
06 Aspectos relacionados à internação, quedas e incapacidades da
população de idosos estudada 73
07 Avaliação da percepção do relacionamento com diferentes
pessoas do seu entorno social 74
08 Confiabilidade: consistência interna da versão brasileira do
instrumento Vulnerability to Abuse Screening Scale (VASS) 76
09 Valores das diferenças significativas entre variáveis estudadas sobre o escore total da Vulnerability to Abuse Screening Scale
(VASS)
77
10 Resultado das correlações significativas entre variáveis sociodemográficas, as subescalas e os itens do instrumento com o escore total da Vulnerability to Abuse Screening Scale (VASS)
79
11 Resultado das correlações entre as subescalas da Vulnerability to Abuse Screening Scale (VASS)
LISTA DE SIGLAS AVD: Atividade de vida diária
CI: intervalo de confiança
HR: Hazard Ratio
INPEA: International Network for the Prevention of Elder Abuse
MEEM: Mini Exame do Estado Mental
OMS: Organização Mundial de Saúde
OR: Odds Ratio
R01: primeira retrotradução
R02: segunda retrotradução
T01: primeira tradução
T02: segunda tradução
TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
RESUMO
Esse trabalho objetivou promover a adaptação transcultural para o Brasil da VASS. Os passos para adaptação transcultural seguirão a proposta de operacionalização alicerçado na apreciação de diferentes tipos de equivalência: a conceitual e de itens, a semântica e a de mensuração. Para alcançar as duas primeiras etapas utilizou-se as técnicas de tradução e retrotradução associada ao procedimento intitulado Painel de Especialistas. Para o pré-teste e verificação de equivalência de mensuração, aplicou-se o questionário com uma população de 30 e 66 idosos, respectivamente. Para as análises dos resultados foi utilizada a estatística descritiva e inferencial, em especial o KR-20, teste T de student, correlação de Pearson e ANOVA univariada, bem como o método kappa de Fleiss para verificação do índice de confiabilidade. Verificou-se que o conceito utilizado para construção do instrumento, bem como seus itens se mostram adequados à investigação do fenômeno. Evidenciou-se boa equivalência semântica entre os itens das retrotraduções e do instrumento original, especialmente quanto aos resultados de T1 – R1. Os juízes optaram pelo uso de 11 itens de T1 à versão-síntese. A equivalência operacional mostrou-se satisfatória. Em geral, os resultados apresentados mostraram-se aceitáveis. Quanto à etapa da equivalência de mensuração, verificou-se que a idade dos participantes variou entre 60 a 84 anos, prevalecendo respondentes idosas (n = 38), representando 57,6% da amostra estudada. O valor do KR-20 para o escore geral do instrumento foi de 0,688 (IC95%: 0,670). Os valores encontrados para as quatro dimensões propostas pelos autores do estudo inicial do instrumento foram 0,528, 0,289, 0,552 e 0,303, respectivamente. Apenas os valores de consistência interna das subescalas Vulnerabilidade e Coerção mostraram-se aproximados aos encontrados no estudo original, a saber, 0,550 e 0,390, respectivamente. Verificou-se que com a retirada dos itens nº 04, nº 06 e nº 10, houve aumento do índice de consistência interna da escala total. Já quanto aos valores da consistência interna das subescalas, percebeu-se que apenas com a retirada dos itens nº 09, referente à escala que dimensiona o Desânimo, e nº 12, item da subescala Coerção, é que houve acréscimo nesses valores.Destaca-se que esses são resultados preliminares, uma vez que após a verificação da adequabilidade e de padrões psicométricos iniciais acerca do uso do instrumento para a população idosa, ainda há de se dar continuidade à etapa concernente à verificação de propriedades psicométricas robustas do instrumento, que indiquem, por exemplo, evidências de fidedignidade em situação de teste-reteste, validade de constructo e de critério, se possível e aplicável. A principal limitação do estudo é a falta de um instrumento padrão-ouro para testar a fidedignidade, sensibilidade e especificidade do instrumento em questão. Apesar desta limitação, a adaptação transcultural e a verificação de propriedades psicométricas preliminares do instrumento de uma medida de autorrelato que afere indicativo de violência doméstica contra o idoso tem sua relevância e foi satisfatória.
ABSTRACT
This work aimed to promote the cultural adaptation to Brazil of VASS. The steps to follow cultural adaptation the proposed grounded operationalizing the assessment of different types of equivalence: conceptual and items, semantics and measurement. To achieve the first two steps we used the technique of translation and back translation associated with the procedure titled Expert Panel. To the pre-test and verification of measurement equivalence, we applied the questionnaire with a population of 30 and 66 participants, respectively. For analysis of the results had been used descriptive and inferential statistics, especially the KR-20, Student's t test, Pearson correlation and univariate ANOVA, and the Fleiss kappa method for checking the reliability index. It was found that the concept used for construction of the instrument and its items are shown appropriate to investigate the phenomenon. Showed good semantic equivalence between the items and the back-translations of the original instrument, especially as to the results of T1 - R1. The judges chose to use the 11-item version of the T1-synthesis. Operational equivalence was satisfactory. In general, the results show as acceptable. As for the equivalent step measurement, it was found that the age of the subjects ranged from 60 to 84 years, whichever older women participants (n = 38), representing 57.6% of the sample. The value of KR-20 for the overall score of the instrument was 0.688 (95% CI: 0.670). The values found for the four dimensions proposed by the authors of the initial study of the instrument were 0.528, 0.289, 0.552 and 0.303, respectively. Only the internal consistency of the subscales Vulnerability and Coercion proved to approximate those found in the original study, namely 0.550 and 0.390, respectively. It appears that with the removal of items n. 04, n. 06 and n. 10, there is an increased level of internal consistency of the total scale. As for the values of the internal consistency of the subscales, we realize that only the removal of items n. 09, referring to the scale that scales Dejection, and n. 12 item subscale of Coercion, there is an increase in these values. It is emphasized that these are preliminary results, since after checking the adequacy and initial psychometric standards on the use of the instrument for the elderly population, yet there continue to step concerning verification of robust psychometric properties of the instrument, showing, for example, evidence of reliability in test-retest situation, construct validity and criterion, if possible and applicable. The major limitation of the study is the lack of a gold standard tool to test the reliability, sensitivity and specificity of the instrument in question. Despite this limitation, the cross-cultural adaptation and verification of preliminary psychometric properties of the instrument of a self-report measure that assesses indicative of domestic violence against the elderly and their relevance has been satisfactory.
1) INTRODUÇÃO:
O envelhecimento da população é um fenômeno vivenciado mundialmente,
sendo recorrentemente concebido como um desafio às ações em Saúde Pública.
Avaliações apontam que, em 2025, a população mundial de idosos dobrará e que
alcançaremos a margem de 1,2 bilhões de pessoas idosas em todo o globo. Estimativas
de crescimento também são previstas para a realidade brasileira, pois avalia-se que essa
população será, em 2020, de 32 milhões de pessoas idosas em nosso País, o que nos
tornará a sexta maior população idosa no mundo nas décadas que estão por vir (Krug,
2002; Lima-Costa & Veras, 2003).
O envelhecimento consiste de um fenômeno evolutivo e natural, que permeia o
ciclo do desenvolvimento humano e tem relação com o aumento da idade e, por
conseguinte, com a expectativa de vida dos indivíduos (Papalia & Olds, 2000). A
expectativa de vida, por sua vez, tem aumentado em decorrência de progressos em
ações, políticas e programas de saúde, em face ao desenvolvimento de novas
tecnologias e em razão de transformações socioeconômicas que se tem vivenciado por
todo o mundo (Brasil, 2006b; Netto, Yuaso & Kitadai, 2005; Schramm et al., 2004). Associado a esse crescente envelhecimento populacional existe, em
contrapartida, a necessidade de garantir oportunidades de saúde, participação e
segurança de modo continuado ao longo da vida. Logo, torna-se premente o
desenvolvimento de políticas públicas voltadas à atenção integral ao idoso, baseadas
nos direitos, necessidades, interesses e habilidades das pessoas mais velhas (OMS,
educação e todos os outros direitos fundamentais prezados pela Constituição Federal de
1988 (Brasil, 1998a; Veras, 2009). No entanto, sabe-se que a atenção integral à pessoa
idosa, visando o seu desenvolvimento e condições de existência plenas, não vem sendo
garantida, especialmente em decorrência de contextos de maus-tratos e violências contra
essa população.
Esse fenômeno também é crescente mundialmente, permeando, de modo
expressivo, as relações interpessoais e intergrupais. Trata-se de uma questão
recorrentemente vivenciada na realidade do nosso país, sendo comumente caracterizada
sob o estereótipo de desvio de conduta e materializada na figura da criminalidade e dos
maus tratos (Oliveira, 2008).
Cotidianamente, é notável a imensa quantidade de pessoas, sejam crianças,
adolescentes, mulheres ou idosos, que tem sido vítima de violência, negligência, maus
tratos ou discriminação. A violência não ocorre em um lugar específico. Com
frequência e gravidade que abrolham exponencialmente, ela permeia os espaços de
convivência social, acontece no âmbito familiar, domiciliar ou em outras instituições
sociais, e os direitos e a cidadania de quem por ela é acometido são cruelmente
desrespeitados (Faleiros, 2004; Gaioli & Rodrigues, 2008).
A violência, enquanto constructo socialmente construído, sistêmico, subjetivo e
deflagrador das contradições sociais, caracteriza-se enquanto multidimensional e
multifacetada, necessitando ser conceituada e compreendida, em sua expressão e
impactos, sobre quem por ela é acometido (Minayo & Souza, 2005). Sendo assim, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) promulgou a classificação que vem sendo
amplamente utilizada pelos serviços de atenção à pessoa idosa (Correia, Leal, Marques,
pessoa idosa pode ser classificada como violência física, psicológica ou emocional –
dentre as quais se inclui a violência verbal –, sexual, econômica ou financeira,
negligência e autonegligência (OMS, 2002).
Ademais, apesar de ser um fenômeno em ascensão, que ganha visibilidade social
e na mídia, ainda se tem encontrado dificuldades no rastreio, na identificação e na
prevenção da violência, se encontrando ainda distante dos serviços de atenção à saúde.
Dentre os motivos que levam à interdição da informação e dificuldade de denúncia, e
que são elencados como principais agentes que geram a subnotificação da violência,
destacam-se o grau de proximidade e/ou parentesco do agressor com a vítima ou as
relações de dependência afetivo-emocional, de cuidado ou financeira, que existem na
relação vítima-agressor, por exemplo (Gaioli & Rodrigues, 2008; Menezes, 2010;
Sanches, Lebrão & Duarte, 2008).
A violência contra o idoso, portanto, é considerada uma problemática delicada,
uma vez que não envolve somente o idoso vítima da violência, envolve também sua
família, os profissionais que dele cuidam e todo o sistema de proteção/garantia dos
direitos da pessoa idosa (Minayo, 2003).
Destarte, de posse dessas informações, o estudo do envelhecimento e da velhice
em situação de vulnerabilidade torna-se ponto imprescindível de atenção das pesquisas
à Psicologia do Envelhecimento. De tal modo, este estudo tem como preocupação, a
tradução e adaptação de um instrumento de aferição de risco de violência contra o
idoso, objetivando ir de encontro à dificuldade apontada pela literatura de se rastrear
e/ou mensurar a ocorrência da violência contra a pessoa idosa. Destaca-se que a
é efetivada, constatando-se o ocorrido através de exames clínicos, que aferem, em
demasia, apenas sinais e indícios físicos de maus-tratos.
Uma vez que é perceptível a insuficiência de instrumentos disponibilizados em
português para a detecção de violência doméstica contra os idosos, parece oportuno e
proeminente disponibilizar versões lusófonas de ferramentas advindas de programas de
investigação consistentes (Paixão Júnior & Reichenheim, 2006). Um dos programas
notadamente reconhecido pela elaboração de um instrumento de rastreio da violência
(Cohen, 2013; Cohen, 2011; Paixão Júnior & Reichenheim, 2006) gerou a Vulnerability to Abuse Screening Scale (VASS), a partir dos estudos desenvolvidos por Schofield, Reynolds, Mishra, Powers e Dobson (2002) e por Schofield e Mishra (2003), na
realidade da Austrália, e que será objeto da proposta aqui estruturada.
O instrumento VASS foi elaborado a partir de modificações do Hwalek-Sengstock Abuse Screening Test Elder, instrumento este que já tem suas propriedades psicométricas preliminares investigadas para a realidade brasileira – da região sudeste –
por Reichenheim, Paixão Júnior e Moraes (2008). A VASS contém doze itens
dicotômicos que, através do autorrelato do idoso, constatam o risco à violência
doméstica. Ou seja, a obtenção dos dados toma como referência a percepção que o idoso
tem sobre situações do cotidiano que pode indicar que o mesmo pode estar sendo vítima
de violência. A pontuação da escala é obtida com o somatório dos valores atribuídos a
cada uma das respostas afirmativas, exceto para os itens 4, 5 e 6, que pontuam em caso
de resposta negativa.
Os itens buscam identificar o fenômeno a partir de quatro domínios, a saber:
Vulnerabilidade (itens nº 01 ao nº 03), Dependência (nº 04 ao nº 06), Desânimo (nº 07
seis classificações da OMS: as violências física, psicológica, financeira e a negligência.
Sendo assim, a VASS trata-se de um instrumento de rastreio breve de abuso contra a
pessoa idosa, que pode ser utilizado em contextos clínicos e domiciliares, objetivando a
constatação do risco de violência.
Os estudos das evidências psicométricas – de validade e precisão – foram
examinadas em um processo de pesquisa longitudinal (Schofield & Mishra, 2003). Os
achados psicométricos do instrumento em questão se mostraram satisfatórios e
adequados para sua adaptabilidade a outros contextos culturais (Paixão Júnior &
Reichenheim, 2006). A primeira pesquisa, empreendido por Schofield, Reynolds,
Mishra, Powers e Dobson (2002), com 12.340 idosas australianas com idades entre 70 a
75 anos, apresentou índices de consistência interna moderados, com o alfa de Cronbach
de 0.71, referente ao escore total da escala, e valores que variaram de 0.39 a 0.55 entre
os escores referentes aos quatro domínios aferidos pelo instrumento.
Já o segundo estudo (Schofield & Mishra, 2003), realizado com uma amostra de
10.421 idosas australianas com idades entre 73 a 78 anos, explicita os resultados
oriundos da segunda etapa da pesquisa. Os dados demonstram índices de consistência
interna moderados e bons, com os valores do alfa de Cronbach variando de 0.31 a 0.74
entre os escores referentes aos quatro domínios aferidos pelo instrumento e valor de
0.77 referente ao escore total da escala.
Os autores ainda verificaram resultados estatísticos, de correlações, análises
univariadas e regressão múltipla, significativas (p < 0.005) entre o escore total e de cada
um dos domínios do instrumento com variáveis como Saúde Física e Mental, Estresse,
Eventos da Vida relacionada à Saúde/Doença, Satisfação com a Vida, Suporte Social,
relacionamento conjugal, multigeracionalidade do lar, arranjos econômicos, necessidade
de cuidador, dentre outras. Esses achados, ainda que preliminares, já puderam indicar
validade conceitual, de conteúdo e de critério, do tipo discriminante, da Vulnerability to Abuse Screening Scale (VASS) (Schofield & Mishra, 2004; Schofield & Mishra, 2003; Schofield, Reynolds, Mishra, Powers & Dobson, 2002).
Vale destacar que Streiner e Norman (1995) assinalam que resultados de
consistência interna da magnitude dos encontrados nos estudos supracitados, que
demonstram consistência interna de moderada a boa, são comuns em se tratando de
instrumentos de rastreio breve. Segundo os autores, valores maiores que os obtidos no
estudo em questão poderiam ser encontrados apenas se o instrumento contasse com um
número maior de itens.
Em um estudo prospectivo realizado por Schofield, Powers e Loxton (2013), que
objetivava verificar se a ocorrência de violência era preditor de mortalidade e
incapacidade funcional, verificou-se associação entre a mortalidade e duas dimensões
do instrumento, a saber, Coerção (Hazard Ratio (HR) = 1.21, 95% de intervalo de
confiança (CI) = 1.06–1.40) e Desânimo (HR = 1.12, 95% CI = 1.03–1.23). Já a
incapacidade funcional mostrou associação com os domínios Vulnerabilidade (HR =
1.25, 95% CI = 1.06–1.49) e Desânimo (HR = 1.55, 95% CI = 1.38–1.73). Os achados
em questão evidenciaram a relação esperada entre violência e mortalidade e destacou a
associação daquela com a incapacidade. Segundo os autores, estes dados trazem
evidências do impacto da violência contra o idoso e podem subsidiar políticas de
prevenção e combate à violência de modo consistente.
Vale salientar que, segundo os autores dos estudos iniciais, o instrumento,
teria o potencial de auxiliar no desenvolvimento, operacionalização e consolidação de
ações e políticas públicas concretas, na prevenção, triagem e na intervenção frente ao
fenômeno da violência (Schofield, Reynolds, Mishra, Powers & Dobson, 2002;
Schofield & Mishra, 2003). Os achados obtidos na pesquisa supracitada vieram a
sustentar o que foi assinalado pelos estudos rudimentares do instrumento (Schofield,
Powers & Loxton, 2013).
Outras investigações internacionais buscaram aferir a violência contra o idoso e
sua relação com variáveis utilizando a VASS para mensurar o fenômeno. Destaca-se a
pesquisa empreendida por Dong e Simon (2008; 2010a; 2010b). Os pesquisadores em
questão desenvolveram um estudo em Nanjing (China), com um total de 412 indivíduos
com 60 anos ou mais. A primeira investigação tinha por objetivo verificar a associação
entre apoio social e o risco de violência contra idosos, partindo da hipótese de que alto
apoio social está associado a um menor risco de violência. O estudo constatou uma
prevalência de indicativo de violência em 35,2% (n=145) dos participantes.
Os resultados indicaram menor risco de ser vítimas de maus tratos entre os
idosos que contavam com bom apoio social, observando-se que para cada ponto
positivo no instrumento de aferição do apoio social, averiguou-se 6% de menos risco de
o idoso ser vítima de violência (OR = 0,94, 95% CI = 0,91 - 0,97). Maior apoio social
fora também associado com um risco 59% menor para o idoso ser vítima de maus tratos
(OR = 0,41, 95% CI = 0,19 - 0,90). Os autores concluíram que maior apoio social pode
ser um fator de proteção contra violência e maus tratos nesta população e intervenções
que incentivem o desenvolvimento de uma rede de apoio social com qualidade pode
Em um segundo estudo (Dong & Simon, 2010a) foram realizadas diferenciações
do apoio social e ser vítima de maus tratos e violência diante do gênero. Participaram do
mesmo uma amostra de 141 mulheres e 270 homens da cidade de Nanjing (China),
dentre os quais 59 (40,7%) e 86 (59,3%), respectivamente, pontuaram valores que
apontavam uma possível situação de violência e/ou maus tratos.
A investigação destacou que valores baixos na avaliação do apoio social foram
associados com uma significativa chance de o participante ser vítima de violência, quer
seja mulher (OR = 5,39, 95% CI = 1,95-14,85) ou homem (OR = 5,35, 95% CI =
2,18-13,15). Os autores verificaram ainda que índices mais baixos de percepção de apoio
social foram associados à maior chance de violência e maus tratos em idosas mulheres
(OR = 1,71, 95% CI = 1,29-2,27) e em idosos homens (OR = 1,53, 95% CI =
1,23-1,90). No entanto, estas associações não foram estatisticamente significantes quanto aos
escores do apoio social para atividades instrumentais de vida diária (Dong & Simon,
2010a).
Um terceiro estudo publicado pelos mesmos pesquisadores com a população de
412 idosos de Nanjing (China) verificou a ocorrência de relações entre maus tratos
contra o idoso e o comprometimento físico relacionado à execução de atividades básicas
e instrumentais de vida diária (Dong & Simon, 2010b). Grosso modo, o estudo destacou
que o comprometimento na execução de atividades básicas da vida diária mostrou-se
associado ao aumento do risco de o idoso ser vítima de violência (OR = 1,63, 95% CI
1,02, 2,60), independente da idade e do gênero do idoso.
No que tange às atividades instrumentais de vida diária especialmente em se
tratando de prejuízos relacionados a preparar a própria refeição (OR=2.22, 95% CI 1.29,
com um aumento do risco de o idoso sofrer maus tratos, independente da idade e do
gênero do idoso. Quando o modelo estudado fora ajustado por outras variáveis como
nível educacional, status matrimonial, número de fílhos, condições médico-sanitárias,
depressão, solidão e suporte social, por exemplo, as associações deixaram de ser
significativas, o que demonstra que o comprometimento da função física, relacionado à
execução de atividades da vida diária não se mostraram independentemente associadas
com um risco de aumento da violência contra o idoso (Dong & Simon, 2010b).
Dong, Beck e Simon (2010) aferiram ainda a associação de risco de ser vítima
de violência com depressão e apoio social nessa mesma população. Os autores
verificaram ainda que alta sintomatologia de depressão foi associada a 447% maior
risco de violência entre os idosos homens (OR = 4,47, 95% CI = 1,52-13,13) e 854% de
aumento de risco para maus tratos entre as mulheres (OR = 8,54, CI 95% = 2,85-25,57).
Depois de examinar o efeito de maior apoio social sobre a depressão, este não se
mostrou associada com aumento do risco de violência contra os idosos homens.
Entretanto, entre as mulheres, a depressão permaneceu como um fator de risco
significativo para a ocorrência de ser vítima de violência. Em suma, a depressão pode
ser um fator de risco para o idoso vir a ser vítima de violência e/ou maus tratos, para
homens e mulheres. Contudo, apoio social mais elevado pode, em geral, funcionar
como fator de proteção maior em homens do que nas idosas (Dong, Beck & Simon,
2010).
Esses dados indicam que o fenômeno é multifacetado e pode estar relacionado
com diversos aspectos do envelhecimento humano. Urge, portanto, a necessidade de um
olhar implicado na aferição de situações de violência contra o idoso, uma vez que se
A realização do projeto aqui empreendido reflete a legislação atual que institui a
necessidade de notificação de casos de violência doméstica, intrafamiliar e demais
modalidades deste fenômeno, especialmente quando constatada por profissionais de
setores de assistência, como a saúde ou a assistência social (Saliba, Garbin, Garbin &
Dossi, 2007). Acredita-se que o instrumento em questão, quando adaptado para nossa
realidade, poderá auxiliar nessa prerrogativa e, como consequência, se refletirá na
melhoria da saúde dessa população, uma vez que o rastreio auxilia na prevenção e
combate do fenômeno, além de promover discussões, no sentido de desenvolver ações
que visem o bem-estar, a saúde e a qualidade de vida do idoso.
Prontamente, devem ser proporcionadas estratégias de aferição de contextos de
risco, como o instrumento que aqui se pretende validar, para os profissionais de saúde e
proteção básica, e em especial, aos Agentes Comunitários de Saúde e profissionais dos
Centros de Referência da Assistência Social, que estão íntima e cotidianamente em
contato com a população vulnerável. Diante disto, a seguir, apresentaremos os capítulos
teóricos desta dissertação, que darão rumo ao tema do seguinte modo:
1.1) Envelhecimento humano: aspectos psicossociais associados ao risco da violência
1.2) A violência contra a pessoa idosa: conceitos e literatura científica
1.3) Adaptação transcultural de instrumentos para a população idosa no contexto brasileiro: um breve panorama
Vale destacar que os capítulos foram objeto de revisões de literatura que
subsidiaram a construção desta dissertação, i.e., em aspectos metodológicos, tais como a
questionário sociodemográfico utilizado durante as entrevistas, a escolha pelo plano de
2) REVISÃO DE LITERATURA:
2.1)Envelhecimento humano: aspectos psicossociais associados ao risco de violência
Envelhecer é um processo evolutivo natural que faz parte do desenvolvimento
humano, perpassando toda vida do indivíduo. Esse fenômeno é permeado por alterações
físicas, psicológicas e sociais (Armstrong, 2011; Fontaine, 2010). Segundo Neri (2001),
dentre as incontáveis definições para o envelhecimento, destacam-se como recorrente
nestas que: o envelhecimento caracteriza-se por um conjunto de modificações do
organismo depois de atingida a maturidade sexual e que implicam na diminuição
gradual da plasticidade cognitiva e comportamental, no aumento da vulnerabilidade e
maior propensão/aproximação com a morte.
Por outro lado, há de se considerar que este é um período em que o idoso está
suscetível também a ganhos, a adaptações e flexibilidades, como propõe o Paradigma
Lifespan proposto por Paul B. Baltes (Baltes, 1987). Nesta perspectiva, é valido ressaltar que o envelhecimento sintetiza o desenvolvimento ontogenético e filogenético.
Isto é, trata-se de um processo permeado pela dinâmica de interações dos
aspectos genético-biológicos, socioculturais e psicológicos. Igualmente, trata-se de
considerar que não há apenas perdas na velhice, mas sim ganhos e perdas que são
influenciadas pelo processo que é o ciclo vital, que vão depender da história genética,
dos acessos à condições de existência plena, tais como educação e lazer, por exemplo,
literatura considera alguns aspectos negativos (perdas) do envelhecimento que
comumente tem sido relacionado a contextos e/ou situações de violência contra idosos.
O aumento quantitativo de idosos está acontecendo em todo o globo. Nos países
desenvolvidos, esse processo tem ocorrido de forma gradual, desde meados da década
de 60 e início dos anos 70, o que proporcionou uma melhor estruturação dos sistemas
assistenciais para o idoso, seja este decorrente de uma reestruturação da família ou de
natureza filantrópica e/ou pública (OMS, 2005). Por outro lado, em países em
desenvolvimento, esse movimento tem ocorrido de modo substancialmente rápido e os
dispositivos dos sistemas assistenciais para o idoso não conseguem acompanhar esse
processo.
Trata-se, portanto, de um paradoxo, uma vez que o envelhecimento populacional
é percebido como um progresso da sociedade contemporânea, em razão de avanços
tecnocientíficos, da disponibilização de maior acesso aos serviços sociossanitários, da
queda das taxas de mortalidade e fecundidade, aumento da expectativa de vida, entre
outros fatores. Por outro lado, os serviços sociossanitários, de saúde, assistência social,
dentre outros, nesses países, ainda não estão prontos para lidar com a pessoa idosa em
sua plenitude. Isso se dá uma vez que o avanço é acompanhado por desafios, tais como
os custos da aposentadoria, da epidemia de agravos crônicos não transmissíveis, com
suas sequelas e complicações, a demanda por cuidados de longa duração, entre outros.
(Duarte, Lebrão & Lima, 2005; Minayo, 2003; Veras, 2009).
Frente a toda essa problemática surge a necessidade de um maior investimento
político-social e das pesquisas dirigidas às pessoas idosas. Isso se faz emergente uma
visibilidade social dessa população e na expressão de suas necessidades frente aos
sistemas e serviços sócio-assistenciais do Estado. Além disso, essas transformações
repercutem também nas relações interpessoais e familiares.
Diante da visibilidade que o envelhecer tem tomado na contemporaneidade,
cresce o número de estudos que buscam compreender o processo do envelhecimento
humano em suas dimensões físicas, sociais e psicológicas (Davim, Torres, Dantas &
Lima, 2004; Neri, 2009). Historicamente, a velhice era vislumbrada enquanto uma etapa
do ciclo vital em que se vivencia um estado de estagnação e finalização, declínio e
perdas, de desamparo e temor à morte, sem possibilidade de crescimento, participação e
envolvimento subjetivo e objetivo nos mais variados âmbitos da vida cotidiana, sendo
as perdas condição sine qua non a este processo (Stuart-Hamilton, 2002).
Estudos mostraram que as influências de fatores biopsicossocias agem na vida
do idoso e de seu entorno social, e podem protegê-lo ou tornar drásticas as situações de
risco vivenciadas, bem como podem mobilizá-lo para a adaptação e superação dessas
experiências, ou ainda fazê-lo ser capaz de apreender novos conhecimentos e compensar
perdas possíveis. Aqueles, para lidar com toda a confluência de riscos, desafios e
possibilidades concernentes à velhice, necessitam se utilizar do apoio social e familiar,
de atributos da sua personalidade, do estilo de vida, de experiências individuais e de sua
satisfação com a vida, para que a partir daí, possam reunir mecanismos essenciais
objetivando o envelhecimento bem sucedido (Couto, Koller & Novo, 2006; Khoury &
Günther, 2006; Lebrão & Duarte, 2003; Lima, Silva & Galhardoni, 2008).
Contudo, é notória a presença de mudanças que podem acarretar impacto ao
mudanças biológicas, que reverberam no perfil de saúde e qualidade de vida dos idosos
e causa, por sua vez, impacto nas relações que o idoso estabelece. Do ponto de vista
físico e biológico, podem ser destacadas algumas mudanças significativas, como o
aparecimento de manchas senis (manchas escurecidas na pele), a pele torna-se flácida, o
corpo se fragiliza, ocorre o encurvamento postural, consequentemente a diminuição da
estatura devido a modificações na coluna vertebral, a produção de novas células
diminui, os órgãos internos atrofiam-se, reduzindo o funcionamento fisiológico, o
metabolismo fica mais lento, dentre outras, que demonstram o aumento da fragilidade
biológica da pessoa idosa (Zimerman, 2000).
Este momento da existência humana é permeado, portanto, por uma maior
propensão aos agravos agudos e crônicos à saúde, uma vez que, fisiologicamente, o
idoso tem um aumento substancial na suscetibilidade às doenças em razão desse
aumento da fragilidade biológica. É comum, neste período, o acometimento por
múltiplos agravos crônicos, como hipertensão, diabetes, doenças neurodegenerativas,
entre outros, que causam limitações e longos tratamentos de saúde, o que representa, por
sua vez, desgaste e sofrimento para o idoso e seus familiares (Maia, Duarte, Lebrão &
Santos, 2006; Menéndez et al., 2005). Sendo assim, torna-se comum, neste período da vida, o aumento da dependência de cuidado (Farias & Santos, 2012; Parahyba & Veras,
2008).
Por conseguinte, cresce a inclinação à perda da autonomia – que se trata da
capacidade de autogerir-se, fazer suas próprias escolhas e tomar decisões – e da
capacidade funcional – que diz respeito à manutenção das habilidades físicas e mentais
necessidade, muitas vezes, de rearranjo familiar para lidar com essas fragilidades e
adoecimentos da pessoa idosa (Karsch, 2003; Nardi & Oliveira, 2009; Neumann &
Dias, 2011). Também demanda do entorno social/familiar do idoso uma maior
disponibilidade para o cuidado, podendo gerar sobrecarga para quem cuida e, por fim, a
relação ali estabelecida vir a ser um contexto de risco e vulnerabilidade para o ente
idoso, podendo desenvolver-se, em decorrência deste contexto, situações de conflitos,
violências e maus tratos.
No que tange ainda às mudanças que ocorrem na velhice, destacam-se também
as alterações nos âmbitos cognitivo e afetivo-emocional e o impacto destas nas relações
intergeracionais. A literatura aponta que o declínio da capacidade cognitiva faz parte do
envelhecimento normal e reflete alterações em mecanismos fisiológicos
(Charchat-Fichman, Caramelli, Sameshima & Nitrini, 2005; Fontaine, 2010; Parente & Wagner,
2006).
O idoso, com o passar dos anos, pode ter a tendência a apresentar lapsos de
memórias, de atenção e nas funções executivas e pode vir a desenvolver, também,
comprometimentos cognitivos leves e/ou moderados, podendo estes se agravarem e
culminarem no desenvolvimento de patologias neurodegenerativas graves, como a
Doença de Alzheimer e/ou o Mal de Parkinson, por exemplo. Elas se caracterizam, em
suma, pela degeneração gradativa de funções cerebrais e motoras, ocasionando
mudanças acentuadas na memória, linguagem, expressão e comportamentos, bem como
na personalidade. Essas alterações cognitivas demandam a presença intermitente de um
cuidador familiar ou profissional para o idoso, o qual possa assegurar condições
(Bandeira, Gonçalves & Pawlowski, 2006; Cattani & Girardon-Perlini, 2006; Silveira,
Caldas & Carneiro, 2006).
Quando, diante das mudanças afetivo-emocionais, o envelhecimento humano
caracteriza-se enquanto um processo de mudanças, que pode conduzir o sujeito à
vivência de sentimentos negativos, tais como: sensação de inutilidade, falta de
autonomia, falta de controle sobre o meio e sobre si mesmo, baixa autoestima,
interpretações negativas do cotidiano, dentre outros. Este também é um período
permeado pela hipervalorização do passado, ruminação mental, além de ser um período
da vida em que podem ocorrer a vivência inevitável de luto e perdas de âmbito pessoal e
significativas, sejam de amigos e/ou cônjuges. Entretanto, vale salientar que também se
vivenciam sentimentos positivos, tais como sensação de sabedoria, bem estar subjetivo
e sentimento de autoeficácia, no que diz respeito ao cumprimento de suas metas e
projetos existenciais. (Almeida & Maia, 2010; Patrício, Hoshino & Ribeiro, 2006).
Todos esses elementos negativos podem acarretar uma baixa qualidade de vida,
um baixo repertório de habilidades sociais, que podem, consequentemente, dirigir o
idoso a episódios de sofrimento psíquico, ideação suicida, depressão e/ou
autonegligência. Discute-se que a depressão e o envelhecimento estão imbricados, por
exemplo, uma vez que esse fenômeno pode ser visualizado tendo em vista que há altas
taxas de prevalência desse adoecimento nessa parcela populacional, sendo este um dos
envelhecimento e depressão, tratando-se de relações não-homogêneas e não-lineares
(Batistoni, Neri & Cupertino, 2010).
Diante dessas características negativas que permeiam o envelhecer, os serviços e
sistemas de saúde, bem como os profissionais, devem estar atentos às situações de risco
e violação de direitos da população idosa. Isso se faz necessário tendo em vista que
diante do impacto de todas as mudanças no perfil sócio-epidemiológico, físico,
psicológico e cognitivo pelas quais passa a pessoa idosa no âmbito familiar pode se
desencadear episódios de violência doméstica intergeracional. Vale salientar que na
velhice há a vivência de diversos aspectos saudáveis, construtivos e positivos (Neri &
Yassuda, 2004; Stuart-Hamilton, 2002; Baltes, 1987).
De acordo com o IBGE (2010) é incontestável o acréscimo da população idosa
em relação à população geral. Além disto, os lares brasileiros têm se caracterizado por
serem do tipo multigeracional, tendo em sua constituição a presença de um membro
idoso que, rotineiramente, contribui substancialmente para os sustentos no lar.
Percebe-se que as alterações que podem Percebe-ser verificadas nas pirâmides etárias mundial e brasileira
estão acarretando consequências sociais, culturais, econômicas, políticas e
epidemiológicas, consequências estas que o país ainda se encontra despreparado para
enfrentá-las.
Segundo Neri (2006), atualmente no nosso país, cerca de 44,3% de idosos com
idade superior a 65 anos residem com famílias nucleares (pais e filhos), 43,9% com
famílias estendidas/compostas (pais, filhos(as), genros e/ou noras e netos(as)), 11,8%
com famílias unipessoais. Isso é um fato interessante, uma vez que residir com duas ou
e é imprescindível para filhos e netos de idosos, especialmente quando se trata de
rearranjos econômicos (Santos & Dias, 2008).
Além disso, Pinto et al. (2006) destacam que quanto maior for a mutigeracionalidade do lar, melhor pode ser a afetividade e a assistência que esse idoso
ganha. Por outro lado, outros estudos indicam que há uma suspeição que essa
configuração multigeracional da família associada com a baixa situação socioeconômica
pode vir a representar risco a violência e maus tratos (Moraes, Apratto Júnior &
Reichenheim, 2008; Souza, Freitas & Queiroz, 2007; Macedo, Paim, Silva & Costa,
2001). Essas contradições teóricas lançam luz sobre a importância de se pensar na
qualidade dos relacionamentos interpessoais, bem como a promoção de espaços de
convivência para a pessoa idosa.
Por fim, a literatura e as pesquisas sobre o envelhecimento devem sempre
considerar as idiossincrasias desta etapa do desenvolvimento (Paschoal, 2005). Isso se
faz claro, uma vez que os idosos podem apresentar ou não todas essas características
acima elencadas. Não se pretende desconsiderar diferenças individuais, negar a velhice
e/ou negligenciar as competências, habilidades e necessidades dessa população em
detrimento de suas perdas, mas sim, lançar luz impacto do envelhecimento sobre o
entorno social/familiar e, outrossim, sobre os desfechos desse fenômeno para essa
família, que podem desencadear episódios de violência doméstica contra a pessoa idosa.
2.2) A violência contra a pessoa idosa: conceitos e literatura científica
De acordo com Oliveira (2008), a violência é uma questão corriqueiramente
compreendido sob o estereótipo do desvio de conduta e corporificado na dualidade:
criminalidade e maus-tratos. A primeira, de acordo com Peixoto, Lima e Durante
(2008), já vem sendo legalmente combatida por ações de prevenção ao crime e
promoção de segurança pública. Contudo, a violência, especificamente contra a pessoa
idosa, ainda têm encontrado barreiras à sua compreensão e seu combate, em razão, por
exemplo, da interdição da informação, medo da represália após a denúncia, grau de
proximidade do agressor, entre outras (Sanches, Lebrão & Duarte, 2008).
Conforme explicita a Organização Mundial de Saúde (2002), a violência
define-se por qualquer ação ou omissão, que pode define-ser tanto intencional como involuntário
contra outrem, que pode lhe causar impacto de modo que venha a desrespeitar sua
integridade física, psicológica e/ou social. A violência – ou abuso e maus tratos, que a
literatura costuma indicar como sinônimos (Sanches, Lebrão & Duarte, 2008) – contra
os idosos é compreendida por esta instituição em dimensões, sendo elas: física, verbal,
psicológica ou emocional, sexual, econômica ou financeira, negligência e
autonegligência (OMS, 2002).
Em termos de legislação e conceituação, no Brasil, em 2003, ao implementar-se
a lei nº 17.741, que objetivava instituir o Estatuto do Idoso, foram elucidadas diretrizes
de atenção ao idoso em sua plenitude que proporcionem o envelhecimento próspero
(Teixeira & Neri, 2008; Brasil, 2004), e, para tanto, medidas de proteção, bem como
punições aos que infrinjam os direitos da pessoa idosa, buscando combater, assim, a
violência contra estes.
A lei em questão fundamenta-se também na proposição da Organização Mundial
de Saúde para pensar a quebra de direito da pessoa idosa, acrescentando que a violência
que são devidas, que ocorrem numa relação em que haja expectativa de confiança,
colocando em jogo que há a quebra de um vínculo na relação ali estabelecida.
Contudo, existem outras propostas que definem a violência contra o idoso, como
por exemplo, a do International Network for the Prevention of Elder Abuse (INPEA),
que isenta em sua definição as dimensões sexual e econômica/financeira,
compreendendo-as como possíveis subdimensões de constructos maiores (Schofield &
Mishra, 2003; Tatara et al., 1998). Também podemos destacar, como explicita Uchoa
(2003), que há conceitos que ampliam a proposição anteriormente apresentada, como
em um seminário sobre abuso contra idoso na África do Sul, no qual foram
acrescentadas, para além da classificação indicada pela OMS, temas como abuso de
sistemas provenientes de instituições de saúde e acolhimento para idoso, e acusações de
bruxarias, estigma e/ou ostracismo.
Outros teóricos, como Zolotow (2005), acrescentam ainda conceitos como o de
violência implícita, que se caracteriza por impedir o idoso de participar de determinadas
atividades e situações, mesmo este tendo plenas condições comportamentais, cognitivas
e emocionais de experienciá-las, fato atribuído ao fenômeno infantilização do idoso, o
que acaba por gerar privação de direito a autonomia, participação e tomada de decisão.
Há ainda aqueles, como Meza (2006) e Silva, Oliveira, Joventino e Moraes (2008), que
acrescentaram, após estudos com idosos, referências a um tipo de violência definida
como violência estrutural (urbana e institucional), exemplificada na acessibilidade
prejudicada ao transporte público, à dificuldade do direito de ir e vir pelas péssimas
condições de trânsito nas calçadas e ruas e demais descasos e desrespeitos ao direito
Diante dessas diferentes concepções, pode-se perceber que a definição de
violência contra o idoso é multideterminada por fatores objetivos/materiais, bem como
por elementos histórico-culturais e imateriais, seja por relações de gênero, pelos
diferentes modos de subjetivação, raça, crença, dentre outros.
Destaca-se ainda que já existe produção científica na área de investigação da
violência contra o idoso, sendo possível observar que a literatura debruça-se sobre esse
fenômeno a partir da identificação de três grandes dimensões de análise. Sendo estas:
estudos que apresentam contextos e relatos da ocorrência de episódios de violência
contra o idoso, estudos que discorrem sobre a representação social da violência contra o
idoso e, em terceiro, estudos do tipo análise documental, revisão de literatura e
pesquisas sobre adaptação de instrumentos rastreadores acerca da violência contra o
idoso (Maia et al., 2010).
No que tange a primeira dimensão de estudos, observa-se que os trabalhos
trazem informações sobre contextos e episódios de violência contra idosos, nos quais os
autores se utilizam de diversos procedimentos metodológicos para obtenção dos dados,
seja através de entrevistas, relatos etnográficos, ou até mesmo a partir de dados
documentais, como o Sistema de Informação Hospitalar, disponibilizado pelo
Ministério da Saúde (Gawryszewski, Jorge & Koizumi, 2004). Os resultados dos
estudos mostram que pode ser identificado um perfil do agressor do idoso.
Os artigos são específicos ao afirmar que a violência doméstica implica em uma
relação de poder, comumente, cometida por familiares (Gaioli & Rodrigues, 2008;
Debert & Oliveira, 2007; Melo, Cunha & Falbo Neto, 2006), destacando-se os filhos,
netos e genros/noras entre os principais agressores. Ocorre quando há uma relação de
Melo Filho,2012; Moraes, Apratto Jr. & Reichenheim, 2008; Ribeiro, Souza, Atie,
Souza & Schilithz, 2008; Meira, Gonçalves & Xavier, 2007) e que há interdição da
informação, o que demonstra, por sua vez, que habitualmente os idosos não denunciam
o abuso.
Dentre os tipos de violência a que o idoso é submetido, percebe-se que os
estudos identificam a prevalência de violência física e psicológica, essa especialmente
caracterizada por ameaças e coerção (Correia, Leal, Marques, Salgado & Melo, 2012;
Gaioli & Rodrigues, 2008; Moraes, Apratto Jr. & Reichenheim, 2008; Melo, Cunha &
Falbo Neto, 2006).
Os estudos explicitam ainda que verificada a existência de uma possível situação
de violência, é dever do profissional de saúde notificar o ocorrido para que o caso seja
apurado, contudo, destacam que não existem muitas ferramentas que auxiliem essa
verificação, bem como ainda são escassas as redes de proteção ao idoso que é vítima de
violência (Oliveira, Gomes, Amaral & Santos, 2012; Souza, Ribeiro, Atie, Souza &
Marques, 2008; Saliba, Garbin, Garbin & Dossi, 2007).
Indica-se ainda que na contemporaneidade ocorre uma ineficácia do Estado na
elaboração de estratégias de prevenção e combate à violência. Acrescenta-se ainda que
há de se levar em conta a inclusão e implantação de uma atenção ao fenômeno da
violência de modo consistente no âmbito da Política Nacional do Idoso e especialmente
na Política Nacional e Saúde da Pessoa Idosa (Brasil, 1998b; 2006a), uma vez que a
Saúde assume papel imprescindível em ações de prevenção à violência. Esta instituição
do Estado pode atuar como dispositivo de cuidado ao familiar, auxiliando-o na
da necessidade da vivência saudável a quem ele disponibiliza cuidado, combatendo,
indiretamente, o ato da violência contra a pessoa idosa (Galheigos, 2008).
Quanto à segunda dimensão de estudos, percebe-se que os trabalhos discursam
sobre a representação que a sociedade tem do fenômeno da violência contra o idoso.
Quando se questiona sobre o que é a violência contra o idoso, percebe-se que há uma
associação a questão da violência como referindo-se ao ato físico, rotineiramente
relacionado ao bater, e aos psicológicos, comumente associados ao gritar, à falta de
respeito por parte do familiar, dentre outros (Wanderbroocke & Moré, 2012a; Araújo &
Lobo Filho, 2009; Kullok & Santos, 2009; Leite, Hildebrandt & Santos, 2008; Silva,
Oliveira, Joventino & Moraes, 2008).
Quando a representação é questionada a outros grupos sociais, como familiares
ou profissionais de saúde, o conteúdo é recorrentemente relacionado a temas já
apontados, como maus tratos de natureza física, psicológica e/ou negligência, sendo este
fenômeno comumente atribuído à rotina corrida e acelerada do dia a dia a qual as
pessoas estão inseridas, que alicerça práticas coercitivas e abusivas, física, psicológica e
moral (Wanderbroocke & Moré, 2012a; Wanderbroocke & Moré, 2012b; Kullok &
Santos, 2009; Leite, Hildebrandt & Santos, 2008).
Todavia, destaca-se que essa justificativa não abona o desrespeito ao idoso
realizado em âmbito intrafamiliar e doméstico ou mesmo no institucional, refletindo a
necessidade de revisão das práticas voltadas a atenção e acolhimento ao idoso vítima de
violência no contexto da saúde (Ribeiro, Souza & Valadares, 2012; Santos, Souza,
Ribeiro, Souza & Lima, 2010).
Por fim, o terceiro conglomerado de estudos discorre sobre instrumentos de
bibliográficas e de literatura. Identifica-se que, em se tratando de instrumentos de
rastreamento da violência contra o idoso, os trabalhos trazem conteúdos acerca da
existência de instrumentos, do tipo escalares, que avaliam, rastreiam e tentam predizer
aspectos da ocorrência/prevalência da violência contra o idoso, que utilizam técnicas de
autorrelato ou da ótica de outros relatores (Reichenheim, Paixão Júnior & Moraes,
2008; Paixão Júnior, Reichenheim, Moraes, Coutinho & Veras, 2007; Paixão Júnior &
Reichenheim, 2006).
De acordo com Paixão Júnior e Reichenheim (2006), sinaliza-se que
instrumentos desta natureza produzidos na realidade brasileira ou adaptados de uma
cultura para a do país em questão são escassos, destacando a necessidade de
operacionalização da criação ou adaptação destes. A literatura mostra que já existem
protocolos adaptados que mostram equivalência conceitual e de itens, semântica e de
mensuração, especialmente visualizada por bons índices de consistência interna,
fidedignidade e validade à realidade brasileira (Reichenheim, Paixão Júnior & Moraes,
2008; Paixão Júnior, Reichenheim, Moraes, Coutinho & Veras, 2007).
Com relação ao segundo subtema, referente à análise documental e às revisões
bibliográficas de literatura, vê-se que os trabalhos trazem visibilidade à questão da
violência e indicam a necessidade de maior produção sobre a temática. Estes estudos
indicam ainda a existência de mecanismos de denúncia, contudo, a identificação e
verificação da veracidade do ato de violência, bem como ações a favor das pessoas
desta faixa etária que sofrem alguma forma de violência, são escassas (Nogueira, Freitas
& Almeida, 2011; Espíndola & Blay, 2007; Santos, Silva, Carvalho & Menezes, 2007;
Os dados dessas produções científicas e de documentos oficiais exemplificam a
materialização da violência contra o idoso sob a ótica pela qual o problema tem sido
analisado, habitualmente da perspectiva sociocultural (Santos, Silva, Carvalho &
Menezes, 2007). No entanto, outros estudos vão elencar que esse problema envolve
outros fatores, dentre os quais, o modo como a sociedade olha para a velhice, o
envelhecimento e para o idoso (Poli Neto & Caponi, 2007; Alcântara, 2001).
Pode-se perceber que os achados literários indicam que o fenômeno da violência
contra o idoso já se encontram materializadas e engessadas na lógica social,
caracterizando-se por uma epidemia. Se trata, portanto, de uma temática atual, que tem
fatores potencialmente associados, mas ineficazmente aferidos, havendo a necessidade
da formulação ou adaptação de estratégias, ferramentas e/ou instrumentais que deem
conta de apreender a prevalência do fenômeno no conglomerado populacional em
questão (Abath, Leal & Melo Filho,2012; Queiroz, Lemos & Ramos, 2010).
2.3) Adaptação transcultural de instrumentos para a população idosa no contexto brasileiro: um breve panorama
A ciência contemporânea tem aproximado interesses na elaboração de trabalhos
entre vários centros de estudos em distintos países, dentre eles destaca-se a adaptação
transcultural, cross-cultural adaptation, no termo em inglês. Essa modalidade de trabalhos promove o intercâmbio cultural de instrumentos e/ou métodos de uma
realidade cultural para outra, buscando seguir uma série de cuidados e severidades,
garantindo que os aspectos de mensuração do instrumento sejam fidedignos e não
Atualmente, a adaptação transcultural de instrumento se apresenta como uma
tendência cada vez mais presente nos estudos fomentados pela Psicologia, bem como
em outras áreas de saber, como na Saúde Coletiva, Enfermagem, Fisioterapia,
Gerontologia, por exemplo.
A adaptação transcultural consiste, em suma, de um procedimento metodológico
no qual se busca adequar um determinado instrumento para uso em outro país e/ou
cultura. Para tanto, são realizadas investigações para averiguar a equivalência do
instrumento original com uma versão adaptada, a saber: a equivalência conceitual e de
itens, a equivalência semântica, a equivalência operacional e a equivalência de
mensuração (Gjersing, Caplehorn & Clausen, 2010; Reichenheim & Moraes, 2007;
Beaton, Bombardier, Guillemin & Ferraz, 2000; Herdman, Fox-Rushby & Badia, 1998;
Guillemin, Bombardier & Beaton, 1993).
A equivalência conceitual e de itens refere-se, basicamente, a uma exploração, a
luz de uma revisão da literatura, da relevância e pertinência dos domínios abarcados
pelo instrumento original para a apreensão do fenômeno no contexto em que se pretende
adaptá-lo. Nesse ínterim, devem ser avaliadas as pertinências do instrumento de modo
geral e de cada um dos itens para a mensuração do fenômeno (Reichenheim & Moraes,
2007; Herdman, Fox-Rushby & Badia, 1998). A discussão deve ser feita com auxílio de
um grupo de especialistas na área de conhecimento do instrumento (Maia, Duarte,
Secoli, Santos & Lebrão, 2012).
Já a segunda etapa, referente à equivalência semântica, diz respeito ao
procedimento de manutenção do sentido dos conceitos essenciais provenientes do
instrumento original para a versão adaptada, de modo a causar efeitos de resposta na
exprime na necessidade de traduções e retro-traduções do instrumento, buscando obter
essa equivalência (Beaton, Bombardier, Guillemin & Ferraz, 2000; Herdman,
Fox-Rushby & Badia, 1998; Guillemin, Bombardier & Beaton, 1993).
Inicialmente, providencia-se a tradução do instrumento original para a língua da
cultura-destino. Para essa etapa, sugerem-se que sejam elaboradas duas ou mais versões
do instrumento traduzido, obtidas de modo independente e cego, com auxílio de
profissionais tradutores fluentes na língua original do instrumento, para que se tenham
opções variadas das sentenças quando diante da construção da primeira versão síntese.
Obtidas as versões traduzidas, indica-se a retro-tradução, ou seja, a tradução da primeira
versão adaptada para o idioma da cultura de origem do instrumento. Nesta etapa é
sugerida também a elaboração de duas versões do instrumento, de forma paralela,
independente e cega, para que se tenham opções variadas quando empreendida a análise
semântica.
Nessa etapa de equivalência semântica, o grupo de especialistas será convidado
a participar novamente para que seja avaliada a equivalência do instrumento original
com a retro-tradução, sob a ótica de alguns aspectos: o referencial denotativo dos termos
constituintes – o que indica uma análise de equivalência idiomática –, e o referencial
conotativo de cada item do instrumento, indicando uma análise da equivalência cultural
(Reichenheim & Moraes, 2007).
Ou seja, no primeiro aspecto, será analisada se há correspondência literal entre
cada uma das palavras no original com a respectiva tradução. Por isso, idiomática, uma
vez que é feita a comparação entre os termos e expressões dos itens da escala original
com a escala adaptada, buscando manter a correspondência literal e de sentido do