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Desenvolvimento é bom. com democracia é ainda melhor

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Academic year: 2017

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rofessora e coordenadora de Relações Internacionais da

Es-cola de Direito de São Paulo da FGV, Maria Lúcia Pádua Lima é graduada em Administração pela EAESP e doutora em Economia pela Unicamp, com pesquisa sobre mer-cados financeiros internacionais (mesmo direcionamento de seu pós-doutorado no Georgetown University Law Cen-ter). Especialista em temas relacionados com à OMC (Organização Mundial do Comércio), G20 e desenvolvimento econômico, ela recebeu a reportagem de

Getulio para falar sobre o atual momento econômico brasileiro e o lugar que o país ocupa no cenário mundial.

As últimas rodadas da OMC não chega-ram a acordos. A organização corre risco de ficar meio extemporânea?

Maria Lúcia Pádua Lima Não é o

caso, não. Em 2001 foi lançada uma ro-dada de negociação multilateral impor-tante, a rodada de Doha. A proposta era ambiciosa porque atenderia a uma de-manda da agricultura por parte dos paí-ses em desenvolvimento. E o Brasil teve papel importantíssimo no lançamento dessa rodada, orquestrando os interesses desses países. Algo que não é fácil, pois há muita rivalidade entre os países ditos em desenvolvimento. China, Índia, Áfri-ca do Sul ou mesmo a Rússia (que não

faz parte da OMC) são mais rivais que parceiros, competem entre si. E o Brasil foi capaz de alinhavar interesses comuns e fazer com que, desde a saída, a agricul-tura fosse um tópico essencial na rodada de negociações. Ou tinha agricultura pra valer e se resolviam problemas do comércio de bens agrícolas ou não ha-via a rodada. Essa foi a contribuição, e ao levantar a bandeira da agricultura o Brasil saiu de imediato como líder dos países em desenvolvimento.

Isso foi ainda na época do ministro Celso Laffer?

Pádua Lima Ele foi o ministro das

Relações Exteriores que conduziu esse processo. Outro ponto importantíssimo na rodada de Doha de que também par-ticipamos foi a discussão da propriedade intelectual. Foram aceitas as negociações realizadas antes na rodada do Uruguai, mas o Brasil conseguiu introduzir na discussão em Doha condições especiais para o direito de propriedade intelectu-al nos casos relacionados com a saúde pública. Isso estava ligado à questão da aids, embora não exclusivamente, e com patentes de remédios que lidassem com doenças endêmicas. A posição do Brasil foi interessante, conseguindo introduzir essa brecha para discutir no âmbito da OMC a propriedade intelectual. O Bra-sil fez uma campanha inteligente, que

foi a de convencer que honrava as pa-tentes, sim, por ser importante para a in-dústria farmacêutica desenvolver novos produtos, mas que havia limite. Quando se trata da saúde pública, os interesses das empresas não podem ficar acima dos da sociedade. O Brasil liderou a cam-panha, pois tinha na época um progra-ma fantástico, reconhecido pela ONU, voltado para o atendimento de pessoas infectadas pelo HIV.

Época do José Serra no Ministério da Saúde.

Pádua Lima Sim, ele fez campanha

publicitária nos principais países desen-volvidos para sensibilizar a sociedade civil, de modo que esses grupos pressio-nassem seus governos. Quando o Brasil apresentou a discussão das patentes, ela teve de ser incluída na agenda. Dá para perceber esse protagonismo crescen-te no tocancrescen-te à economia, sobretudo no âmbito da OMC, que depois foi se expandindo. Hoje somos um player

im-portante, que não fica restrito à America Latina, pois nosso âmbito é o mundo. Isso sem ufanismo, mas é essa a posição do país – e esse protagonismo cresce des-de a rodada des-de Doha. No governo Lula, o ministro das Relações Exteriores, Cel-so Amorim, conduziu as negociações, sob meu ponto de vista, de modo muito adequado. Elas avançaram até certo

Por Carlos Costa Foto Gustavo Scatena

dEsEnVolVIMEnto é BoM.

CoM dEMoCraCIa é aInda MElHor

para a professora de relações Internacionais, além das vantagens de recursos naturais

abundantes, agricultura forte, indústria desenvolvida e boa gestão, o país tem a garantia

de uma democracia consolidada

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ponto, mas foram suspensas por não se conseguir acordo (e se chegou muito perto). Óbvio que na hora em que se desenrolar o nó da agricultura os demais temas serão resolvidos. A última rodada foi suspensa pelo impasse e havia a es-perança de que fosse retomada quando eleito o novo presidente dos EUA. Mas isso coincidiu com a crise financeira global: Barack Obama foi eleito em no-vembro de 2008, a crise em sua forma mais aguda começara em setembro, por-tanto o novo governo americano ficou e continua envolvido em questões de sua economia e na superação da crise. E as negociações da OMC continuam em compasso de espera.

Além do comércio, como estamos?

Pádua Lima Quando a crise

finan-ceira global se iniciou no centro do sis-tema, ou seja, no mercado americano, o Brasil ocupava a presidência do G20 financeiro, composto pelos ministros da Fazenda e presidentes

de Bancos Centrais dos 20 países com maiores economias e expres-são global. O Brasil faz parte desse grupo, des-dobramento do G20 da OMC. O protagonismo se ampliou quando,

estourada a crise, o ministro Guido Mantega, presidindo o G20 financeiro, apontou que as questões relacionadas com a crise financeira não poderiam ser discutidas apenas entre os países do G7, que não seriam suficientes para dar conta da magnitude do problema. Houve uma série de desdobramentos, reunião em Washington, outra em São Paulo, novamente Washington. O fato é que o G20 passou a ser fundamental na rediscussão do sistema financeiro in-ternacional, com mudanças no próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) – e nisso o Brasil teve e tem papel rele-vante. Esse protagonismo se consolida, mas ainda é preciso equacionar a agen-da do comércio e avançar com as ne-gociações em Doha. Outra importante participação do Brasil é no desenho da nova arquitetura das instituições finan-ceiras globais. Agora em junho haverá a reunião do G20 para avançar nas novas regras para o sistema financeiro, incluin-do eventuais modificações no FMI.

Como foi aquela campanha que o Serra fez no exterior?

Pádua Lima A campanha mostrava

o que o Brasil realizara em relação ao controle da aids. Só relembrando: quan-do se começou a discutir a questão da aids, nos meados dos anos 80, pouco se sabia sobre o tema e as previsões eram de catástrofe total para o Brasil. O que se ouvia era: o país tem um sistema de saú-de precário (estamos falando saú-de 1988), temos uma maneira de nos relacionar muito aberta e mais frouxa [risos]. E

daí se concluía que haveria aqui uma mortandade terrível, como se vê na Áfri-ca. Mas no final da década de 90, dez anos depois, o Brasil era apontado como exemplo de país que havia lidado muito bem com a questão da epidemia, contro-lando a transmissão e cuidando das pes-soas infectadas e das mulheres afetadas que tiveram filhos. Foi uma propaganda baseada na realidade: lidamos bem com a questão da aids, governo distribuindo

o coquetel para a população infectada. Esse foi o principal argumento para que-brar algumas patentes, permitindo que se que produzissem remédios. Essa não é uma discussão encerrada, mas o discurso é: respeitamos as patentes, estamos dis-postos a pagar os royalties para a indús-tria farmacêutica, só que há limites a essa remuneração – e eles devem ser dados pela condição de atender à população.

A partir desse patamar protagônico, como vê a atuação da política externa do go-verno atual com as visitas a Fidel Castro?

Pádua Lima Isso é um ruído. Eu

falava dos pontos positivos da política externa do governo que se encerra este ano. Os pontos positivos foram o modo como foi conduzida a rodada de Doha, lançada no governo anterior. A condu-ção da crise financeira global e a parti-cipação no G20. Já a aproximação com governos autoritários cria um ruído e fica uma posição um pouco esquizofrê-nica. De um lado, o Brasil quer

coope-rar e colabocoope-rar, assumindo seu papel no cenário internacional, mas demonstra afinidade com governos autoritários. Isso é percebido de modo muito nega-tivo e é contraditório. Certamente a po-lítica externa do próximo governo terá de tomar algumas definições. Ou se alia definitivamente a governos autoritários (espero que isso não ocorra) ou irá re-forçar os aspectos positivos da política que conduzimos até agora.

Que futuro se mostra para o país neste momento virtuoso, iniciado em 1994, com o Plano Real?

Pádua Lima Se me permite a

cor-reção, é um momento que teve sua arrancada em 1985, quando o país se re-democratiza. A redemocratização foi o grande avanço dos últimos 30 anos, pois a democracia é elemento essencial para esse desenvolvimento. Pode-se contra-ar-gumentar: “Mas a China se desenvolve e não tem democracia”. É um tipo de

pro-cesso de desenvolvimen-to que traz contradições e problemas futuros. O primeiro grande passo que o Brasil deu foi o da redemocratização; o segundo foi conseguir estabilizar o nível geral de preços e a inflação, outra grande conquista da sociedade. Tivemos também uma série de reformas importantes, como a questão da respon-sabilidade fiscal. Fomos avançando e conseguimos consolidar a democracia com a eleição de Luiz Inácio da Silva, em 2002. A sociedade brasileira mostrou o seguinte: a maioria escolheu o candi-dato que desejou e isso foi respeitado, mesmo que essa escolha tivesse causado enorme turbulência nos mercados. Mas a sociedade mostrou que nossa democra-cia está consolidada. A grande conquista, em primeiro lugar, é a democracia, em segundo a estabilidade, depois as regras que levam a uma gestão mais eficiente, ainda que tenhamos sérios problemas.

Olhando para a frente, o que se pode esperar?

Pádua Lima O melhor possível.

Po-demos e devemos ser otimistas em re-lação ao Brasil. Mas esse otimismo não deve impedir que sejamos críticos e pen-sar em tudo que ainda há para fazer. É

uma sociedade com muitos avanços, mas que ainda precisa consolidar o desenvol-vimento, ou seja, pensar mais claramen-te a estratégia que está sendo desenhada.

Ser pensada em um plano de metas?

Pádua Lima Isso está ocorrendo,

mas de modo não tão orgânico, e pre-cisa ser consolidado com outro aspecto importante, que é a melhor distribuição de renda. Tivemos avanços, nos últimos anos, de uma distribuição intrassálarios. Isso terá de ser expandido e consolidado, mas parte do resgate ocorrido se deve a políticas assistencialistas que precisam ser aprimoradas, dando condições para que essa parcela da população possa de fato prosperar e não ficar dependente das benesses do Estado. O assistencialis-mo pode se justificar e tem razão de ser, mas precisa ser complementado, dando meios de ascensão, oferecendo oportu-nidades para que as pessoas encontrem saídas e a sociedade evolua como um todo. Não podemos criar bolsões de mi-seráveis sustentados pelo Estado. Esse me parece o grande desafio: aprimorar o assistencialismo e não ficar apenas nele. Ainda temos outros desafios enor-mes, como a segurança pública. É um problema que o país precisa enfrentar de modo inteligente, de forma que uma parcela mínima da sociedade não torne a vida de todos um inferno ou uma tra-gédia. A violência nas grandes cidades é um problema muito sério.

O país está se adequando para ser um

player mais agressivo no mercado global?

Pádua Lima À medida que

fortale-cemos nossa economia, e o mercado doméstico é importante para isso, cria-mos condições melhores de participar desse mercado. O Brasil tem e está de-senvolvendo uma capacidade gerencial importante e se fala pouco disso. Nosso país incorpora no mercado de trabalho parcelas da população mais bem for-mada e capacitada, tornando-se uma economia que se fortalece também do ponto de vista competitivo no âmbito global. Claro, há outros elementos, como a política monetária cambial e variáveis econômicas, mas o país está numa trajetória de desenvolvimento, num ciclo virtuoso. O crescimento tem este efeito fantástico: quando a econo-mia cresce exige mais capacitação das

pessoas, gerando mão de obra mais qua-lificada e como consequência ganhan-do melhores salários. Nesse contexto é possível reduzir a carga tributária, que por sua vez dará lugar a mais crescimen-to – tudo conspirando a favor. O Brasil vive essa situação.

Em que outros setores o país será pro-tagônico?

Pádua Lima Do ponto de vista de

inserção internacional, há participação garantida na questão ambiental, pelo fato de termos tecnologia avançadíssi-ma de energia renovável, o que implica num desenvolvimento ainda maior do que já temos hoje, o do bicombustível. O Brasil domina essa tecnologia, como a dos carros com motor flex, desenvol-vida aqui pelas montadoras. Além disso, temos liderança na questão ambiental. Na agricultura não tem para ninguém e é bom que seja assim, pois produtivi-dade como a nossa só se consegue com gestão e tecnologia de qualidade. Nossa agricultura não é a rudimentar do sécu-lo XIX. Temos excelentes oportunida-des de inserção internacional.

A descoberta do pré-sal nos coloca em outro patamar?

Pádua Lima Sem dúvida. É bom

lembrar que grande parte da tecno-logia de exploração de petróleo em águas profundas foi desenvolvida aqui pela própria Petrobras em parceria com instituições brasileiras. Não teríamos descoberto essas reservas se não tivés-semos investido em desenvolvimento e pesquisa de exploração de petróleo em águas profundas. Isso nos dá mais uma vantagem. Já ouvi analistas dizerem que “ser autossuficiente em petróleo é ruim, basta olhar o que acorre com países nes-sa condição”. É o mesmo que eu dizer que é muito ruim ser homem, jovem, bonito, inteligente e rico [risos].

Por que homem?

Pádua Lima Ser homem é

impor-tante, pois a sociedade é patriarcal; ser jovem evidentemente é outro atributo. Ser bonito, pois a beleza atrai. Ser in-teligente e ainda por cima rico, precisa mais? [risos]. É como se eu olhasse para

o Brasil e perguntasse como é possível um país que junta tantas condições fa-voráveis? Isso vai ser um horror! [risos].

Não necessariamente, se houver uma estratégia de desenvolvimento. Temos recursos naturais em abundância, agri-cultura formidável, indústria desenvolvi-da, com um parque industrial totalmen-te montado. E não totalmen-temos o problema da superpopulação. Já imaginou nossa vantagem em relação a países como a China ou a Índia? Temos 200 milhões, eles têm um mais de 1 bilhão. Temos um território fantástico, uma população adequada, além de capacidade gerencial e uma democracia consolidada, e, volto a insistir, democracia é fator importan-tíssimo, pois dá maior estabilidade. A sociedade chinesa é baseada na repres-são, é autoritária. Regimes autoritários se esfacelam de uma hora para outra, às vezes quando menos se espera. Regimes democráticos são mais estáveis. Temos democracia e espera-se que ela conti-nue. É o desejo da sociedade.

Independentemente de quem ganhe as eleições deste ano, o panorama continu-ará o mesmo?

Pádua Lima Em termos. Como

olho a política externa brasileira, creio que se a candidata do PT ganhar po-derá se reforçar essa simbiose de parte do governo com regimes autoritários. E essa aproximação, esse encantamen-to por regimes auencantamen-toritários é extrema-mente negativo para o Brasil, para nossa imagem no exterior. Apoiar um regime ditatorial como o do Irã é complicado do ponto de vista internacional. É um regime que inflige uma série de sofri-mentos à população, é belicoso. Não existe nada de paz nessa aliança.

E a alternativa do PSDB?

Pádua Lima Do ponto de vista de

política externa significaria, principal-mente, ressaltar todos os nossos pontos positivos – como uma participação mais ativa e construtiva em organismos mul-tilaterais e na reengenharia do sistema financeiro internacional. Isso já existe, mas reforçaria o protagonismo. O atual governo teve boa participação na crise, mas da política externa o que realmente desagrada é a afinidade com governos autoritários. O episódio de Cuba foi la-mentável, foi deprimente ver o papel que o Brasil, e o próprio presidente fez, pois não combina com a valorização da democracia que vivemos.

o modo como conduziu a rodada de

doha e a atuação na crise financeira,

ao reivindicar a participação do g20,

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