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Tratamentos químicos aplicados à biodeterioração de acervos documentais na cidade do Rio de Janeiro

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Academic year: 2017

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TRATAMENTOS QUÍMICOS APLICADOS À BIODETERIORAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

ALMEIDA, Thais Helena de.

Conservadora-restauradora, Especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, (UFRJ, 1989) e Mestre em Cultura e Identidade, (UFV, 2005).

Laboratório de Restauração, Biblioteca Nacional.

Endereço: Av. Rio Branco, 219 – Rio de Janeiro – RJ. CEP 22040-008. E-mail: thaisalmeida@bn.br – Fone 21 2220-1517.

BOJANOSKI, Silvana.

Conservadora-restauradora, Especialista em Conservação de Obras em Papel (UFPr, 1999) e Mestre em História (UEM, 2007).

Centro de Conservação e Encadernação, Biblioteca Nacional.

Endereço: Av. Rio Branco, 219 – Rio de Janeiro – RJ. CEP 22040-008. E-mail: sbojanoski@bn.br – Fone: 21 2220-1906

RESUMO

Um dos grandes desafios a ser enfrentado pelos profissionais da área de conservação e restauração está relacionado ao dano causado por agentes biológicos como fungos e insetos bibliófagos em acervos culturais. Para enfrentar este importante fator de biodeterioração vários materiais e métodos, incluindo produtos químicos tóxicos, foram utilizados ao longo do tempo. O objetivo deste trabalho é, a partir de uma pesquisa bibliográfica e de aplicação de um questionário em algumas instituições, verificar quais os produtos químicos foram indicados para tratar a biodeterioração de acervos documentais e bibliográficos a partir dos anos 40, identificando-se os problemas decorrentes do seu uso.

Palavras-chave: políticas de preservação – biodeterioração – acervos documentais – produtos químicos.

ABSTRACT

One of the major challenges to be faced by professionals in the area of conservation and restoration is related to damage caused by biological agents such as mould and insects in cultural collections. To deal with this important factor of biodeterioration, including toxic chemicals, various materials and methods have been used over the time.

The objective of this work is to make an inventory of chemicals used for the treatment of biodegradation of archival and library materials from the 40s, through a bibliographic research and an application of a questionnaire in institutions of the Rio de Janeiro, and thus identify the problems that arise from their use.

Key-Words: preservation policies – biodeterioration – archival and library materials – chemical products.

Introdução

No processo de amadurecimento do reconhecimento profissional do conservador-restaurador considera-se necessário aprofundar discussões sobre sua atuação e responsabilidade na sociedade em um sentido mais amplo. Diante dos novos rumos que a sociedade está tomando, as questões ecológicas e, especialmente, a responsabilidade do que cada um pode fazer para melhorar a qualidade de vida dos seres humanos, são pontos a serem pensados. Nesse contexto cabe analisar o impacto de ações voltadas para a preservação de bens culturais que possam, por exemplo, trazer problemas para a saúde dos indivíduos, acelerar de alguma forma a degradação dos acervos e, mais ainda, afetar o meio ambiente.

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agentes biológicos como fungos e insetos bibliófagos. Para enfrentar este importante fator de biodeterioração, vários materiais e métodos, incluindo produtos químicos tóxicos, foram utilizados ao longo do tempo. Nos últimos anos, porém, pesquisas indicaram que o uso indiscriminado desses produtos tem eficácia limitada, pois podem propiciar a resistência e tolerância dos agentes biológicos aos inseticidas e pesticidas, envolvem riscos de contaminação dos seres humanos, animais e meio ambiente e ocasionam alterações físico-químicas que aceleram os processos de degradação dos materiais. Diante deste quadro, a partir dos anos 90, os profissionais da área da conservação vêm aperfeiçoando e utilizando novas técnicas de controle e desinfestação, tais como o controle integrado de pragas, congelamento e uso de gases inertes, dando um novo enfoque ao tratamento de acervos.

Considerando que o uso indiscriminado de praguicidas resultou na contaminação de muitos acervos e possivelmente em problemas de saúde para as pessoas que com eles trabalham, o objetivo deste estudo é, a partir de uma pesquisa bibliográfica e de aplicação de um questionário em algumas instituições, verificar quais produtos químicos foram indicados para tratar a biodeterioração de acervos documentais e bibliográficos a partir dos anos 40, identificando-se os problemas decorrentes do seu uso. Também se buscou averiguar quais tratamentos de controle biológico as instituições entrevistadas estão utilizando atualmente.

Para tanto foi definido um universo de instituições onde foi proposto um questionário com questões sobre os tratamentos aplicados no controle de pragas. Esse questionário foi respondido por pessoas diretamente responsáveis pela guarda dos acervos. Ao final, as respostas foram tabuladas, possibilitando uma análise da situação encontrada nas instituições.

Para a realização deste estudo foram selecionadas treze instituições localizadas na cidade do Rio de Janeiro. Buscando definir um universo representativo, foram utilizados alguns critérios: todas são instituições públicas que custodiam acervos arquivísticos e bibliográficos expressivos. Também se buscou selecionar tanto instituições que possuem setores e equipes de conservadores-restauradores atuantes, assim como instituições que não contam com esses profissionais nos seus quadros. Apesar de abranger um universo bastante reduzido e restrito a uma região do Brasil, considerou-se que os dados identificados nos questionários são válidos para levantar a discussão sobre o uso de produtos químicos em acervos documentais.1

Paralelamente realizou-se uma pesquisa na internet e nas publicações da área de conservação e restauração de acervos bibliográficos e documentais. Foram consultados anais institucionais e de congressos 2, artigos e textos, cadernos técnicos, manuais, desde a década de 40 até o momento, permitindo traçar uma linha histórica dos tratamentos utilizados no controle da biodeterioração de acervos nesse período. Também foram pesquisadas as legislações referentes ao emprego e autorização de produtos químicos domissanitários. Ainda que não tenha sido feito um levantamento bibliográfico exaustivo, as obras consultadas possibilitaram identificar os procedimentos e produtos utilizados ao longo do tempo no controle de pragas em acervos.

O contexto do uso e controle de praguicidas

Muitos dos produtos químicos aplicados em acervos são os mesmos utilizados no controle de pragas na agricultura ou no combate a epidemias causadas por insetos vetores de doenças. Diante disso é preciso inicialmente entender o processo de desenvolvimento, comercialização e regulamentação desses produtos.

A partir de 1940, com a evolução da ciência e a descoberta de novos inseticidas, houve uma revolução na metodologia de controle de pragas na agricultura e nas áreas urbanas. A descoberta dos compostos orgânicos sintéticos possibilitou a geração de imensa gama de produtos, classificados como organoclorados, clorofosforados, organofosforados, carbamatos, piretróides, dinitro compostos, cloronitrofenol, etc. (SUCEN, 2008).

O lançamento do DDT (Dicloro-Difenil Tricloroetano), no final dos anos 40, a princípio mostrou-se eficaz no controle de insetos nos centros urbanos, na agricultura e como suporte dos programas de combate e controle de insetos vetores de doenças. No entanto, o DDT, um organoclorado com elevado poder residual e moderadamente tóxico, não é biodegradável, sendo acumulativo nos tecidos de animais por anos. Também se mostrou carcinogênico em cobaias (FIOCRUZ, 2008).

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configurando resistência ao produto. Diante da constatação da sua persistência no meio ambiente e acúmulo nos organismos, muitos países criaram legislações restritivas ao uso dos organoclorados.

Os Organofosforados, produzidos também na década de 40, vieram substituir os organoclorados. Apesar de serem biodegradáveis e permanecerem por muito pouco tempo no ambiente, seu grau de toxidade, que varia do extremamente tóxico ao de baixa toxidade, sendo responsável por grande número de casos de intoxicações e mortes no país. Outro grupo importante é o dos carbamatos, que chegaram ao mercado por volta de 1950. Seus derivados atuam como inseticidas, nematicidas e fungicidas. Os piretróides foram comercializados a partir de 1976, substituindo os orgafosforados. Os piretróides têm sido bastante empregados na área da saúde e na agricultura devido à sua alta eficiência, sendo necessária menor quantidade de produto ativo, resultando em menor contaminação nas aplicações. Em geral é seguro para mamíferos e não se registrou acúmulo de resíduos no ambiente. (SUCEN, 2008).

Na década de 70 já se percebia uma preocupação com as questões ambientais. A Conferência de Estocolmo sobre o meio ambiente, em 1972, foi um marco decisivo para a consolidação destas discussões. A partir de então se passou a estudar métodos de aplicação mais apropriados e uma política de uso racional dos praguicidas que respeitasse o meio ambiente. Os praguicidas urbanos tinham então que atender a maiores exigências quanto à segurança e persistência no ambiente. (SUCEN, 2008).

Segundo CALAZANS (2004) o planeta foi inundado por DDT e BHC, tanto na agricultura como em campanhas de saúde pública. Ainda hoje esses produtos se encontram amplamente distribuídos pelo meio ambiente e são facilmente encontrados como contaminantes de alimentos. Em relação ao tempo de desativação dos produtos orgânicos, alguns são capazes de permanecer ativos por 30 anos, resultando na contaminação do meio ambiente e no desequilíbrio biológico. Denominados POP`s – Poluentes Orgânicos Persistentes – são produtos químicos com alta tóxidade, persistindo intactos e movendo-se por longas distâncias através do meio ambiente.3

Preocupados com o comércio, manuseio, distribuição, utilização, armazenamento e formulação de produtos químicos, na década de 70, órgãos internacionais adotaram medidas de controle destas questões. De acordo com Calazans (2004), em 1976 o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA instalou o registro Internacional de químicos potencialmente tóxicos, para a troca de informações sobre produtos químicos. Em 1985 a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO (Food and Agricultures Organization of the United Nation) adotou o Código Internacional de Conduta sobre Distribuição e Utilização de Pesticidas. “As Diretrizes de Londres”, em 1987, tratou de produtos químicos no Comércio Internacional que foi base para a criação do Prior Informed Consent (PIC), envolvendo regras internacionais entre países exportadores e importadores sobre a comunicação prévia quando qualquer transação for estabelecida, objetivando a exportação de produtos perigosos que estejam proibidos ou severamente restritos no mercado interno. Convenções como a da Basiléia sobre Movimentos Trans-fronteiriços de Resíduos Perigosos e de Depósito Final, em 1992, a Convenção do PIC, a Convenção do POP – com o objetivo de reduzir ou eliminar emissões e descargas de poluentes orgânicos persistentes no meio ambiente, de 2001, demonstram, segundo Calazans (2004), a preocupação internacional em relação à utilização de produtos químicos como agentes poluentes.

No panorama nacional, apesar das preocupações de organismos internacionais em controlar esses produtos, o Brasil incrementou na década de 70 programas de desenvolvimento que incluíam a implantação de fábricas para a produção de agrotóxicos e, já na década de 80, praticamente triplicou o uso de defensivos agrícolas. (GONÇALVES, 2004).

Com a criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, em 1981, o Brasil iniciou sua Política Nacional do Meio Ambiente. É de 1998 a Lei de Crimes Ambientais que classifica como crime a produção, processamento, embalagem, importação, exportação, comercialização, fornecimento, transporte, armazenamento, guarda, depósito ou uso de produtos ou substâncias tóxicas, perigosas ou nocivas à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com exigências estabelecidas em Lei (CALAZANS, 2004).

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seguir, constam na bibliografia pesquisada da área de conservação e restauração e também são citados nas entrevistas realizadas com as instituições.

O Brasil tem, desde então, participado ativamente de convenções internacionais para a proteção do meio ambiente, mas segundo Calazans (2004), não as ratificou nem as internalizou. Produtos químicos utilizados no controle de pragas em acervos identificados na pesquisa bibliográfica

Na primeira etapa do estudo, para identificar quais os produtos químicos utilizados no controle de pragas em bibliotecas e arquivos ao longo do tempo, considerou-se uma lista de produtos relacionados no “Banco de dados: materiais empregados em conservação-restauração de bens culturais”. Essa obra resultou do levantamento, organizado por Sérgio Burgi, Marylka Mendes e Antonio Carlos N. Baptista em 1990, dos produtos químicos utilizados na área de conservação e restauração. No capítulo sobre inseticidas, rodenticidas e fungicidas constam, dentre outros produtos, os seguintes organoclorados: BHC, paradiclorobenzeno, pentaclorofenol (pó da china).4 Essa obra é uma referência importante porque identifica que, na década de 90, os profissionais da área de conservação e restauração ainda continuavam utilizando produtos organoclorados que já haviam sido legalmente proibidos pela Portaria n°329 de 02 de setembro de 1985.

O contexto de uso intensivo de pesticidas se reflete na literatura da área de conservação e restauração. Desde os anos de 1940 até meados da década de 1980, são encontradas em várias obras recomendações de uso de vários pesticidas organoclorados.

A referência ao uso do DDT foi encontrada em várias obras. (CASTRO, 1969; GUARNIERI, 1980; MORAES, 2005; MOTA, 1971; FLIEDER, 1983)

CASTRO (1969), por exemplo, recomenda utilizar DDT até mesmo nos materiais utilizados na encadernação, como as colas e fios de cânhamo. Esse autor recomenda pulverizar periodicamente nas estantes o NEOCID, um derivado do DDT, para tornar os livros imunes aos insetos. Esse autor descreve como aplicar o pesticida nos livros:

Nos livros antigos, suspeitos de contaminação, pulveriza-se o NEOCID entre o dorso e o falso-dorso. Abrindo-se o livro ao centro, totalmente, o couro do dorso se afasta, permitindo a introdução do pó. Pondo-se o livro de pé e abrindo-se as folhas à maneira de fole de acordeon, pulveriza-se com o aparelho pulverizador de pó; fecha-se o livro conservando entre as folhas o pó que haja penetrado. Qualquer que seja o inseto atacante, o pó exterminará. CASTRO (1969, p. 176)

Na obra “O Bibliófilo Aprendiz”, Rubens Borba de Moraes, que atuou em importantes bibliotecas brasileiras na década de 40, recomenda no texto “Bicho, mofo e outras calamidades” o uso do DDT em pó nas obras e o líquido nas estantes. De acordo com esse autor: “Caso encontre um bicho, retire e isole imediatamente o volume, desinfete todos os que estão pertos, desinfete a prateleira, desinfete tudo com abundância de DDT. Só coloque o doente no lugar depois de alguns meses e fique vigiando toda a estante em perigo.” (MORAES, 2005, p. 97)

Referências sobre o uso de pentaclorofenol também foram encontradas em CORUJEIRA (1973), COBRA (2003) e MOTTA (1971). Uma solução de pentaclorofenol com álcool etílico, também conhecido como pó da china, foi indicada por Edson Motta na obra “O Papel – problemas de conservação e restauração” para limpeza e desinfecção de estantes e também como prevenção contra insetos. Esse autor afirma ainda:

Inseticida e, simultaneamente, fungicida é o PENTACLOROFENOL. A forma molhável, que é também solúvel em álcool absoluto, pode ser aplicada em solução de 2%, diretamente sobre o livro, com pincel ou algodão, juntos às costuras e entre os cadernos que compõe o volume. O PENTACLOROFENOL protege ainda as lombadas de couro contra o desenvolvimento de fungos. (MOTTA, 1971, p.76)

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no cérebro e de outros tipos de cânceres, além de ocasionar alterações nos cromossomos e afetar o sistema reprodutivo. (HENGEMIHLE, 2008).

Na literatura brasileira, referência sobre o uso do óxido de etileno aparece em BECK (1985) e nos Anais da Biblioteca Nacional (1991) onde se registra que na década de 1980 pensou-se em utilizar o óxido de etileno associado ao gás freon, mas não chegou a concretizar-se tal prática. Sabe-se que nessa época houve a proposta de compra de uma câmara denominada Mallet para tratamento do acervo da Biblioteca Nacional e do Arquivo Nacional. A proposta era realizar nesse equipamento fumigações com brometo de metila para erradicar insetos e a desinfecção e esterilização de contaminações fúngicas com o óxido de etileno. (MALLET, 1984) No entanto esse equipamento não chegou a ser efetivamente utilizado.

Também a partir dos anos 1980 aparece na literatura a recomendação da fosfina (ou gastoxin ou phostoxi). (BECK, 1985; LUCCAS, 1995) A fosfina é um fumigante vendido na forma de pastilhas, largamente utilizado na agricultura e em produtos armazenados. FLORÃO et all (2008) ressalta sua alta toxicidade e registra os óbitos ocorridos nas mais diferentes situações, salientando o desvio de seu uso para finalidades suicidas. BECK (1985) afirma que durante vários anos o Arquivo Nacional contratou os serviços de desinfestação periódica do acervo, mediante o uso de pastilhas de fosfeto alumínio (fostoxin) em ambientes lacrados. No entanto, segundo essa autora, em 1981 especialistas da área consideraram esse método obsoleto porque se verificou que a fosfina deixava resíduos tóxicos e agressivos para o papel.

Outro produto bastante citado na literatura é o timol (MOTA, 1971; DUVIVIER, s.d.; COBRA, 2003; SILVA Filho, 2008; LUCCAS et all, 1995) Trata-se de cristais incolores, muito solúvel em álcool e utilizado como fungicida.5 De acordo com informações de BURGI et all (1990), o timol é capaz de causar vômito, diarréia e depressão cardíaca. Pode também ocasionar manchas em determinados tipos de papeis.

OGDEN (2001) alerta sobre os problemas decorrentes dos tratamentos realizados com fumigações e afirma:

Até recentemente, a fumigação foi um método comum de sustar o crescimento dos fungos, mas hoje já não é mais recomendada. A fumigação é perigosa para as pessoas e alguns objetos, e não garante que estes fiquem permanentemente livres do mofo. Há uma década, os materiais mofados eram expostos a vapores de óxido de etileno em câmaras especiais de vácuo. Entre outros produtos químicos usados estavam vapores de cristais de timol, ortofenil fenol e aldeído fórmico. O timol era empregado por muitos conservadores e curadores de acervo devido a facilidade de seu uso em câmaras de fabricação doméstica. Mas hoje sabemos que todos estes produtos químicos podem ser prejudiciais às pessoas e objetos. O oxido de etileno, por exemplo, é extremamente tóxico aos seres humanos, mesmo em pequenas quantidades, e pode ser retido pelo material após o tratamento. O timol, que é assimilado por inalação ou contato com a pele, pode acarretar danos imediatos ou a longo prazo para a saúde. (OGDEN, 2001, p. 21)

A partir dos anos 90 observam-se mudanças no cenário de controle de pragas em museus, bibliotecas e arquivos com a divulgação de propostas de tratamentos alternativos utilizando o congelamento, gases inertes ou CO2. (FREITAS, 1994; GONÇALVES, 2008; OGDEN, 2001, PRICE, 2001; SCHÄEFER, 2008; SILVA, 1994;). O desenvolvimento e adoção desses novos tratamentos na área de conservação de acervos, em um primeiro momento resultam da constatação de que a aplicação de produtos químicos não resolvia efetivamente a ação das pragas em acervos, além de colocar em riscos a saúde das pessoas. Contudo, a busca de tratamentos alternativos também reflete um contexto mais amplo de preocupações com à preservação do meio ambiente, devendo-se ainda considerar as restrições de uso de produtos agrotóxicos impostas pela legislação desde os anos 80.

Análise dos dados do questionário aplicado nas instituições

Os dados obtidos nos questionários aplicados nas instituições confirmam o uso de vários produtos que foram citados ou recomendados na literatura da área de conservação e restauração e também apontam para a mudança de procedimentos nas últimas décadas.

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instituições que possuem setor de conservação-restauração implantado e um corpo técnico atuante. Por outro lado, no questionário, a maioria das instituições afirmou que adotam ações relacionadas com a conservação preventiva. Todas realizam o controle de alimentos nos ambientes; 84,6% fazem manutenção, vistoria e limpeza do ambiente; 61,53% fazem controle de rotas de entrada de pragas e monitoramento do acervo.

Outra pergunta, questionando sobre qual o tratamento físico-químico atualmente aplicado no controle de pragas, aponta para o não uso de produtos químicos diretamente no acervo. Em relação ao tratamento específico do acervo, uma instituição (7,7%) apontou o uso do congelamento e três (23%) utilizam ou estão implantando o tratamento com atmosfera anoxia ou CO2. A fumigação em câmara de gás, ainda utilizando o timol, foi apontada por uma única instituição.

Um grande número de instituições (69,23%) afirma realizar somente a desinfestação do ambiente, ação realizada por uma empresa comercial contratada. No entanto, na questão sobre quais os produtos químicos utilizados no presente ou no passado, das instituições que disseram realizar a desinfestação do ambiente, somente uma declarou acompanhar a aplicação e saber quais os produtos utilizados pela empresa contratada. Ou seja, no universo de instituições entrevistadas, os técnicos diretamente responsáveis pelo acervo não têm conhecimento ou controle de quais produtos químicos estão sendo aplicados nos ambientes de acervo.

Em relação à aplicação no ambiente de guarda, foi citado o uso dos seguintes produtos químicos: querosene nas estantes, naftalina, gel inseticida (sem identificar o produto), fosfina, K-Otrine, piretróides micro-encapsulados (para baratas), iscas granuladas (para ratos), iscas para cupim.

Sobre os produtos químicos aplicados ao longo do tempo diretamente nos acervo, os entrevistados indicaram os seguintes: BHC (ou Lindane) e DDT (inseticidas organoclorados), timol (fungicida), vapona (inseticida organofosforado), ortofenilfenol e preventol (fungicidas), lysoform (formoldeído fungicida).

Dentre esses produtos químicos citados, conforme já foram apontado anteriormente, os mais preocupantes em termos de toxidade e efeitos perniciosos para a saúde humana e meio ambiente são os organoclorados. Se agruparmos as respostas para BHC e DDT e incluirmos resposta indicando o uso de um “pó branco” não identificado, encontraremos respostas indicando o uso até os anos 80 desse tipo de produto, em 46% das instituições. Duas instituições relataram que, mesmo não havendo notícias de aplicação desses produtos nos seus acervos, em algum momento receberam e incorporaram acervos contaminados em locais anteriores.

Conclusão

A pesquisa bibliográfica mostrou que em décadas anteriores foram aplicados no controle da biodeterioração em acervos documentais vários produtos químicos desenvolvidos para o controle e eliminação de pragas na área da agricultura e no combate de epidemias provocadas por insetos vetores de doenças.

Contudo não foi encontrado na literatura brasileira da área de conservação e restauração estudo específico sobre a utilização desses produtos em acervos documentais, bem como informações quanto a toxidade, periculosidade e riscos para a saúde dos seres humanos e efeitos colaterais nocivos para o acervo. O único trabalho encontrado que apontou essas questões foi o “Banco de Dados” elaborado por BURGI et all (1990).

Constatou-se no estudo que a ausência de algumas discussões é preocupante. Tanto as respostas dos questionários como a bibliografia consultada indicam que os profissionais da área de conservação e restauração desconhecem a legislação brasileira que regula o uso dos produtos que foram ou ainda estão sendo utilizados em acervos. Inclusive foi identificada publicação recente recomendando a utilização de produtos químicos legalmente proibidos. Também falta conhecimento e controle, por parte dos responsáveis dos acervos, sobre os produtos utilizados quando da contratação de empresas para realizar desinfestações do ambiente.

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vários artigos que discutem os riscos existentes no trabalho dos profissionais conservadores-restauradores.

Por outro lado, constatou-se uma significativa e positiva mudança em anos recentes com a redução da aplicação de produtos químicos diretamente sobre os acervos e a busca de procedimentos alternativos, menos agressivos ao ser humano, ao meio ambiente e também aos acervos.

NOTAS

1) As instituições onde o questionário foi aplicado são as seguintes: Academia Brasileira de Letras (Biblioteca Lúcio de Mendonça), Arquivo Nacional, Arquivo Público da Cidade do Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, Biblioteca Pública Estadual, Fundação Casa de Rui Barbosa, Fundação Oswaldo Cruz (Biblioteca de Obras Raras), Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (Biblioteca), Museu de Astronomia e Ciências Afins, Museu de Belas Artes, Museu Histórico Nacional (Laboratório de Restauração de Papel e Biblioteca), Real Gabinete Português.

2) Foram consultados os Anais do Congresso da ABRACOR no período de 1988 a 2002. Também foram realizadas pesquisas com palavras-chave nos Anais da Biblioteca Nacional no período de 1940 a 2001, disponíveis no endereço eletrônico <http://objdigital.bn.br/acervo_digital/anais/anais.htm>

3) A lista de POPs, conhecida como “dúzia suja”, inclui os seguintes inseticidas: DDT, aldrin, dieldrin, clordano, endrin, heptacloro, mirex, toxafeno. (CALAZANS, 2004)

4) No banco de dados ainda constam os produtos: o baygon (ou propoxur), da família dos carbamatos, a vapona (ou diclorvós), da família dos organofosforados. E ainda, ácido bórico, brometo de metila, cumacloro, K-Otrine, ortofenilfenol, óxido de etileno, fosfina e timol. (BURGI et all, 1990)

5) Em GUARNIERI (1980) o timol aparece associado com cloreto de mercúrio ou com o cloreto de mercúrio mais éter e benzina, conhecida como fórmula de Hetherington.

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Referências

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