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WITTGENSTEIN E A NOÇÃO DE EXPANSÃO INFINITA

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Academic year: 2021

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(1)André da Silva Porto. WITTGENSTEIN E A NOÇÃO DE EXPANSÃO INFINITA. Dissertação apresentada ao departamento de Filosofia da PUC-RJ como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Filosofia. Professor Orientador: Luiz Carlos Pereira.. Centro de Teologia e Ciências Humanas Departamento de Filosofia Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,. janeiro de 1996.

(2) WITTGENSTEIN E A NOÇÃO DE EXPANSÃO INFINITA. DISSERTAÇÃO DE MESTRADO. Departamento de Filosofia Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, janeiro de 1996.

(3) RESUMO. O objetivo básico desta dissertação é o de tornar mais claras as concepções de Wittgenstein sobre o problema da infinitude na matemática, especialmente em relação à noção de expansões decimais infinitas. Nossa estratégia foi a de explorarmos as abordagens mais detalhadas que o filósofo nos oferece sobre dois casos particulares de infinitudes, o caso do cálculo do valor de Pi e o caso das dízimas periódicas. Imaginamos que, desta maneira, focalizando estas discussões mais específicas, mais próximas da atividade do matemático, poderíamos evitar uma forma de tratamento excessivamente geral e inconclusiva destas questões..

(4) Abstract. The main goal of this dissertation is to clarify Wittgenstein's conceptions concerning the problem of mathematical infinity, specially regarding the notion of infinite decimal expansions. Our strategy was to explore the more detailed treatment offered by the philosopher about two particular cases of infinity, namely the case of the calculation of Pi's value and the case of the periodic decimal fractions. We imagine that thus, stressing these rather specific discussions, closer to the mathematicians activities, we would be able to avoid an excessively general and inconclusive handling of those questions..

(5) Sumário da dissertação. 2. Sumário. CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 2 - O PROBLEMA DA INFINITUDE EM WITTGENSTEIN. 4. 11. 1.1 O grande vilão da Filosofia de Wittgenstein. 12. 1.2 As duas áreas de preocupação de Wittgenstein. 16. 1.3 A solução proposta por Wittgenstein. 24. 1.4 Regras matemáticas e proposições empíricas. 31. 1.5 O núcleo da proposta do filósofo. 34. CAPÍTULO 3 - O CÁLCULO DE PI DE ARQUIMEDES. 39. 1.1 Qual o feito de Arquimedes?. 41. 1.2 Dois tipos de círculos: ideais e empíricos. 45. 1.3 A sugestão da "medida exata". 48. 1.4 O método de Arquimedes para o cálculo de Pi. 49. 1.5 Dois sentidos. 54. para "medição", dois sentidos para "aproximação". 1.6 A contribuição de Arquimedes, segundo Wittgenstein. 60. 1.7 A infinitude do cálculo de Arquimedes. 63. CAPÍTULO 4 - O CASO DAS DÍZIMAS PERIÓDICAS. 65.

(6) Sumário da dissertação. 3. 1.1 Primeiros confrontos com o caso de 1:3. 72. 1.2 "A máquina simbolizando sua própria ação". 75. 1.3 Processo, experimento e cálculo. 80. 1.4 As regras da operação de divisão. 84. 1.5 A situação após o critério da recursão, segundo Wittgenstein. 91. 1.6 A sugestão de Wittgenstein. 92. 1.7 Críticas a sugestão de Wittgenstein. 97. CAPÍTULO 5 - CONSIDERAÇÕES. FINAIS. 1.1 Uma rápida visita ao argumento das continuações não-standard. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 105 114. 124.

(7) Introdução. 4. Acontece com igual freqüência que aqueles que são atingidos pela fascinação [de seus escritos] permanecem depois prisioneiros do jargão de Wittgenstein e reformulam suas idéias de tal maneira que acaba não havendo nenhum aumento de nossa capacidade de avaliação crítica.. 1. Desde seu retorno à atividade filosófica em 1929, até quase a sua morte, Wittgenstein acalentou um projeto editorial que deveria ser a culminância de vários anos de extenuantes pesquisas. Durante este período, o formato do que Wittgenstein costumava chamar de "seu livro" permaneceu surpreendentemente inalterado. Suas investigações dividiríam-se naturalmente em duas metades, dois temas específicos da filosofia que representavam as áreas que constantemente desafiavam os esforços de entendimento filosófico do autor. Estamos nos referindo às investigações de Wittgenstein sobre a filosofia da mente e sobre a filosofia da matemática. Já nos Philosophical Remarks de 1930, a primeira tentativa por parte do autor de dar corpo às suas inquietações filosóficas em forma de um texto acabado, encontramos uma clara divisão entre as primeiras nove seções, dedicadas a conceitos como os de "expectativa", "visão", "dor", e as doze seções seguintes, dedicadas a temas da filosofia da matemática.. 1. Frascolla, P. Wittgenstein's Philosophy of Mathematics pg. vii..

(8) Introdução. 5. A divisão em duas partes se torna explícita na segunda tentativa do filósofo de produzir "seu livro", a Philosophical Grammar, de 1933. Na primeira parte, novamente encontramos discussões de conceitos como "cor", "processos mentais" e "expectativa", agora misturados com discussões mais gerais sobre linguagem, em uma combinação que se aproxima mais do conteúdo das Investigações Filosóficas. Na segunda parte, que também ocupa aproximadamente a metade do volume, encontramos sete seções didaticamente separadas em vários temas de filosofia da matemática, tais como "Inferência lógica", "Prova matemática" e "Infinitude em matemática".. A última tentativa por parte de Wittgenstein de reunir seus esforços filosóficos em forma de livro, as Investigações Filosóficas, permaneceu inacabada. Segundo os editores daquela obra, tal qual foi publicada em 1953, dois anos depois da morte de Wittgenstein, o material que compreende sua segunda parte deveria ser inserido e substituir certos trechos da primeira parte do volume. (PI, pg. iv) No entanto, poderíamos dizer que o texto final das Investigações filosóficas é de certa maneira incompleto também por outra razão. Segundo nos informam Baker & Hacker, em seu segundo volume de comentários analíticos sobre as Investigações2, era intenção de Wittgenstein, até mais ou menos o final de 1943, incluir em seu livro, além da primeira parte dedicada a considerações gerais sobre linguagem e a análise de conceitos psicológicos, toda uma segunda parte dedicada à filosofia da matemática. Ainda hoje encontramos um resquício desta intenção no último parágrafo do volume publicado em 1953. Wittgenstein afirma que: É possível uma investigação em conexão com a matemática que é inteiramente análoga a nossa investigação sobre psicologia. Seria tão pouco uma 2. Baker & Hacker,. Wittgenstein: Rules, Grammar and Necessity, pg. 3-4.

(9) Introdução. 6. investigação matemática quanto a outra é psicológica. Ela não conteria cálculos, assim não seria logística, por exemplo. Talvez merecesse o nome de uma investigação dos "fundamentos da matemática". (PI, pg. 232). Boa parte das notas elaboradas por Wittgenstein que deveriam ter constituído a segunda parte das Investigações Filosóficas acabou sendo publicada, também postumamente em 1956, sob o título de Remarks on the Foundations of Mathematics.. Apesar de a filosofia da matemática sempre ter representado para Wittgenstein uma das duas áreas privilegiadas de seu interesse, estes esforços permanecem ainda hoje largamente ignorados e incompreendidos.. Com freqüência, mesmo para filósofos que. reconhecem o valor da obra filosófica de Wittgenstein, os escritos do autor sobre matemática são rapidamente deixados de lado, como se se tratassem de uma parte menor, sem importância, no interior de sua obra. Tudo se passa como se pudéssemos desconsiderar metade do pensamento do autor, descartando-a como apenas um engano, sem nem mesmo nos preocuparmos com os possíveis reflexos desta metade, "comprometida", sobre a outra metade, "sadia", da obra de Wittgenstein.. A presente dissertação versa sobre o conceito de infinito na filosofia matemática de Wittgenstein, tal como ele aparece, por exemplo, nas noções de número irracional e em expansões decimais infinitas, como as dízimas periódicas. Não abordaremos as opiniões do filósofo sobre temas mais característicos da matemática moderna, como números transfinitos e o argumento da diagonal de Cantor. É nossa convicção de que existe aí um importante campo de pesquisa a ser explorado, não só esclarecendo como ficaria o argumento da diagonal do ponto de vista de Wittgenstein (não nos parece que o filósofo jamais tenha.

(10) Introdução. 7. chegado a uma conclusão final sobre o assunto3) como embrenhando-se em projetos mais ambiciosos. Este projetos. envolveriam temas ainda mais recentes da matemática, com os. quais Wittgenstein teve um contato apenas passageiro. Assim, por exemplo, poderia se tentar ver as estranhas opiniões do filósofo sobre o teorema de Gödel como imersas em uma visão mais ampla da moderna teoria da computabilidade aos olhos da filosofia da matemática de Wittgenstein. Mesmo nesta dissertação procuramos chamar a atenção. para as relações entre. a discussão do filósofo sobre as dízimas periódicas, e o conhecido problema da parada da teoria da computabilidade. Nenhum destes vôos mais ambiciosos serão possíveis, no entanto, enquanto não atingirmos. uma maior clareza sobre certas questões básicas a respeito da. filosofia da matemática daquele autor. A presente dissertação é um pequeno esforço neste sentido.. O parágrafo acima torna explícita um objetivo que norteará todo o nosso trabalho: o de procrurarmos tornar mais claras e definidas as propostas do filósofo nesta área e assim tentarmos romper um certo isolamento a que está relegada a filosofia da matemática de Wittgenstein. A recente publicação por Pasquale Frascolla de seu livro Wittgenstein's Philosophy of Mathematics nos parece um importantíssimo passo nesta direção. De uma forma mais geral, trabalhos como o ensaio de Saul Kripke Wittgenstein on Rules and Private Language já haviam contribuído muito para esta reavaliação da metade matemática da obra de Wittgenstein. Pensamos que Kripke foi um dos maiores responsáveis por deslocar o foco central do debate sobre a filosofia de Wittgenstein, da discussão de conceitos como "jogos de linguagem" e "semelhança de família", mais próximos da chamada "filosofia da linguagem 3. Ver RFM, prefácio, pg. 30.

(11) Introdução. 8. ordinária", para um debate sobre regras e suas implementações, debate este muito mais afim aos temas da filosofia da matemática de Wittgenstein.. Há, no entanto, uma questão interpretativa muito geral a respeito da filosofia de Wittgenstein que acaba, no nosso entender, conspirando contra o fim deste isolamento. Na epígrafe que abre a presente introdução, Frascolla fala da importância de nos distanciarmos do "jargão de Wittgenstein" como forma de aumentarmos nossa capacidade de compreensão e avaliação crítica das teses do filósofo. A dificuldade é muito conhecida de todo leitor de Wittgenstein. A filósofa britânica Alice Ambrose, que assistiu a vários cursos ministrados pelo filósofo durante o período de 1932 até 1935 (tomando notas que resultaram, mais tarde, em um volume que nos oferece um dos melhores acessos ao pensamento de Wittgenstein) queixava-se de que: O que era obscuro era seu uso de exemplos pitorescos, em si mesmos facilmente compreensíveis, mas dos quais nos escapava o sentido em que eram apresentados. Era como ouvir uma parábola sem poder extrair a moral.. 4. Extrair a moral, dizer. exatamente onde Wittgenstein quis chegar são desafios constantes, mesmo para aqueles que já foram cativados pelos escritos do autor.. Há filósofos, no entanto, que crêem ver aí mais do que apenas uma dificuldade a ser superada em nossas tentativas por dominarmos o pensamento do autor. Juliet Floyd, em seu artigo sobre a primeira seção dos. Remarks on the Foundations of Mathematics, argumenta. que as investigações de Wittgenstein não podem ser separadas do estilo dialético, não linear, encontrado em muitas passagens do filósofo. Ela afirma: O tom e a maneira em que as 4. Alice Ambrose, Ludwig Wittgenstein: a portrait. 1972. pg. 16.

(12) Introdução. 9. próprias considerações de Wittgenstein emergem - que tantos de seus leitores acham frustrantes e tortuosas - é interna às alegações que estão sendo feitas.. 5. Estaríamos assim. reivindicando algo de inefável para a mensagem central da filosofia de Wittgenstein. O que o autor teria procurado dizer seria impossível de ser dito de forma clara e direta.. 5. 144. Juliet Floyd, Wittgenstein on 2, 2, 2,...: The opening remarks on the foudations of mathematics. pg..

(13) Introdução. 10. Estas alegações de uma indefinição permanente e inerente às teses e argumentações de Wittgenstein combinam-se muito mal com certas afirmações muito fortes que o autor. faz. sobre temas como o nosso próprio foco de interesse: a infinitude em matemática. Como defendermos teses como a de que o caráter denotativo em matemática seria apenas aparente, fruto talvez de confusões conceituais? Como defendermos teses tão não-intuitivas como esta baseados em argumentos que nunca se esclarecem e jamais poderão ser completamente esclarecidos?. Imaginemos alguém interessado em filosofia e matemática que procure, de boa vontade, aproximar-se dos escritos do filósofo e encontre as conhecidas dificuldades para se localizar em meio ao que, inicialmente, se parece com um emaranhado de afirmações suspeitas e exemplos obscuros. Que incentivo melhor poderíamos dar para tal pessoa abandonar seu projeto de leitura do que concedermos que os argumentos que deveriam dar apoio a teses muitas vezes improváveis e até mesmo absurdas, jamais se tornarão completamente transparentes?. Existem, é claro, conhecidas passagens onde o próprio Wittgenstein argumenta que a dificuldade, por ele encontrada, de ordenar seus pensamentos. de um assunto para o outro,. em uma ordem natural provinha da própria natureza das investigações (PI, pg. v). Mas devemos sempre ter em mente que tais passagens foram escritas pelo mesmo filósofo que afirmou que. a clareza que estamos buscando é de fato a completa clareza. E isto. simplesmente significa que os problemas filosóficos deveriam desaparecer completamente (PI,. 133, pg. 51).. O mesmo filósofo que escolheu, para o de seu primeiro livro, o Tractatus.

(14) Introdução. 11. Logico-Philosophicus, o moto de Kürnberger: ...e tudo que um homem sabe, o que quer que não seja mero rumor ou ruído que ele tenha ouvido, Assim,. pode ser dito em três palavras.. devemos interpretar citações como o parágrafo 128 das Investigações. filosóficas: Se se tentasse propor teses em filosofia, nunca seria possível debatê-las, porque todos concordariam com elas (PI, 128, pg. 50) como declarações, por parte do filósofo, da impossibilidade de se recortar teses filosóficas determinadas e claras, ou devemos interpretá-las como expressões da dificuldade que o filósofo sentia em atingir o padrão de clareza intelectual por ele almejado? Se por um lado o autor parece as vezes querer se desvencilhar de qualquer formulação mais definida e direta para suas posições filosóficas, como em trechos do tipo Ocasionalmente produziremos novas interpretações, não para sugerir que sejam corretas, mas para mostrar que as antigas são igualmente arbitrárias (LFM, palestra I, pg.14),. por outro lado, em outras passagens ele compara suas contribuições. filosóficas à precisão de um cálculo matemático.. Minha dificuldade é completamente. parecida com a de um homem que está inventando um novo cálculo (digamos, o cálculo diferencial) e está procurando um simbolismo. (RPP, volume I, 134, pg 28). O filósofo volta à esta mesma idéia em uma anotação mais ou menos da mesma época (1946):. Meu feito é. muito semelhante ao de um matemático que descobrira um cálculo. (Ob. pg.92). Nossa opinião é que precisaríamos de um argumento extremamente claro para podermos defender, ao mesmo tempo, a correção dos argumentos de Wittgenstein e a permanência de um certo caráter obscuro à sua volta. Como traçar, em qualquer filosofia, uma fronteira convincente entre falta de clareza e falha argumentativa? De qualquer forma, continuaremos a adotar a atitude sugerida por Frascolla e tomaremos qualquer obscuridade.

(15) Introdução. 12. em nossos argumentos (é verdade que elas sempre teimam em reaparecer) como um desafio a ser vencido e não como um resíduo necessário e inextirpável..

(16) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 11. Parece obscurantismo dizer-se que um cálculo não é um experimento. E da mesma forma a afirmação de que matemática não trata de sinais,ou que a dor não é uma forma de. comportamento. Mas apenas porque as pessoas. acreditam que estamos afirmando a existência de um intangível, i. e., um objeto nebuloso lado a lado com o que todos podemos ter acesso. Quando estamos somente apontando modos diferentes de emprego das palavras. (RFM, parte III,. 76, pg. 202). O que eu sempre pareço fazer é - enfatizar a distinção entre determinação de um sentido e aplicação de um sentido. (RFM III, pg. 169, pr 37). O tema de nossa dissertação é o problema da infinitude na filosofia da matemática de Wittgenstein. No entanto, não vamos entrar diretamente nas discussões sobre o sentido que devemos atribuir a números como Pi ou 1/3, números que estão associados a expansões infinitas, as conhecidas expansões de 3,1416... e de 0,333.... Não vamos nos lançar de imediato no novelo de problemas que envolvem estas noções, antigas polêmicas sobre que tipo de existência teriam estas expansões infinitas. Deixaremos para depois, para a segunda metade de nosso capítulo, até mesmo a apresentação das concepções gerais da filosofia da matemática que Wittgenstein nos oferece como solução para podermos lidar com o problema mais específico da infinitude.. Ainda que, como dissemos, os problemas da filosofia da matemática e dos estados de consciência, tenham continuamente ocupado um lugar central no seu pensamento ,.

(17) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 12. Wittgenstein não é um filósofo especializado em questões da matemática, nem em questões da teoria da mente. Seus problemas não começam nem terminam nestas duas áreas. O filósofo parece estar lutando contra algo de muito geral, algo que estaria sempre a espreita. Constantemente ele antevê, em formulações e afirmações as mais triviais, possibilidades de confusões terríveis em nosso horizonte, perigos que só ele. vislumbra. A imagem da. filosofia de Wittgenstein que consideramos mais adequada é aquela em que as suas duas áreas "especializadas - a filosofia da matemática e a filosofia da mente - aparecem. como. duas zonas privilegiadas de teste de sua filosofia, em permanente desafio aos esforços de esclarecimento do autor. Assim, nosso primeiro passo será tentarmos encontrar um caminho que nos leve, ainda que de maneira rápida e beirando a superficialidade, deste núcleo central de preocupações até nosso desafio, a infinitude. Neste caminho levantaremos muitas questões para as quais não ofereceremos (nem tentaremos oferecer) respostas. Nosso intuito será apenas oferecermos uma sugestão de mapa geral da obra de Wittgenstein e aí localizarmos o problema. Tentaremos argumentar em favor do caráter estratégico que a infinitude desempenha neste universo de questões.. O grande vilão da Filosofia de Wittgenstein. Existe uma espécie de "grande vilão" na filosofia de Wittgenstein. Trata-se de uma posição que a toda a hora figura como alvo de ataques do filósofo e que, em nosso entender, nunca desaparece do pano de fundo de suas discussões, como algo. enganador, falacioso:. algo a ser evitado. Esta tese tão nefasta aos olhos de Wittgenstein é na verdade uma concepção extremamente comum, aparentemente inofensiva e mesmo trivial, da maneira como a nossa linguagem funciona. Como uma primeira aproximação, poderíamos indicar tal.

(18) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 13. concepção como aquela que considera que usamos nossa linguagem fundamentalmente para exprimirmos nossas idéias. Ou seja, elaborando um pouco mais, a concepção que diz que, quando ouvimos uma frase de alguém, certos processos mentais são desencadeados, e seria o desencadeamento destes processos mentais a função principal da linguagem. Simetricamente, quando falamos, procuraríamos "escolher as palavras" que melhor exprimissem o que queremos dizer, ou seja, as palavras com maior chance de desencadear no outro idéias iguais (ou semelhantes) àquelas que tínhamos em nossas mentes.. Talvez seja desnecessário enfatizarmos indicamos acima,. que a concepção de linguagem que. tão perniciosa aos olhos de Wittgenstein, parece inicialmente bastante. plausível. Eu digo alguma coisa. Outra pessoa entende. Ela entende porque algo se passa em sua mente, um processo qualquer, que poderíamos chamar de compreensão, que estabelece este entendimento. Se tudo funcionar a contento, o processo mental, a idéia que o outro vai ter em sua mente, será muito parecida com a idéia que tivemos ao falar. Assim, digamos que eu acabe de me lembrar que a porta do elevador de meu prédio está com defeito e alerto minhas visitas dizendo: "Cuidado! a porta do elevador está quebrada". Aqui, aparentemente, ocorreu-nos uma idéia, uma lembrança do perigo da porta do elevador e nos utilizamos, com bons resultados, das palavras "Cuidado! a porta do elevador está quebrada" para exprimí-la. E podemos ter uma avaliação da efetividade de nossa escolha quando as visitas resolvem usar a escada evitando o elevador.. O importante para Wittgenstein aqui é a separação entre, de um lado, a ocorrência mental, a idéia do perigo que decidimos expressar, e de outro, as palavras que escolhemos para exprimir tal idéia. Mais do que isto, de certa forma, o papel fundamental estaria.

(19) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 14. reservado às idéias. Esta concepção de linguagem, por exemplo, nos forneceria. uma. explicação geral para o que seria fundamental na aprendizagem da linguagem: adquirir-se as idéias correspondentes. De nada adiantaria repetirmos frases esparsas, o que determinaria o real domínio de uma expressão lingüística qualquer seria a posse da idéia correspondente. Por outro lado, teríamos também um critério para julgarmos a efetividade de qualquer comunicação lingüística: a comparação das idéias entre falante e ouvinte. Em um ato lingüístico, quanto mais a idéia gerada na mente de quem escuta for parecida com idéia de quem falou, mais bem sucedida será a comunicação. Quase poderíamos imaginar um caminho mais curto que deixasse de lado o veículo - nossas palavras - e atingisse diretamente a mente de nossos ouvintes, produzindo-lhes as idéias correspondentes.. A todo momento, na obra madura de Wittgenstein,. nos deparamos com alguma. referência, sempre em tom crítico, à esta concepção da linguagem. Em seu Livro Azul, por exemplo, encontramos: Parece haver certos processos mentais definidos conectados com a ação da linguagem, processos apenas através dos quais a linguagem pode funcionar. Refiro-me aos processos de compreensão e significação. Os signos de nossa linguagem parecem mortos sem estes processos mentais; e talvez pareça que a única função dos signos seja a de induzir estes processos. (Bl.B, pg. 2) Nos comentários feito pelo filósofo durante o ditado do Livro Azul (o chamado "Yellow Book") voltamos a encontrar esta mesma concepção de linguagem, como sempre, apresentada não como uma solução, mas como objeto de múltiplas indagações: ...a visão de que o pensamento, ou algum processo na mente, acompanha as palavras. Agora, será este suposto processo algo amorfo, um estado tendo duração, enquanto a sentença é dita, escrita ou ouvida? Talvez seja algo articulado, de forma que entender uma frase consista em uma série de interpretações, uma para cada.

(20) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 15. palavra. Este processo seria traduzível a partir da frase, de forma que poderíamos derivar a frase do processo e o processo da frase. (AWL, pg. 54.). Wittgenstein chama a atenção para algo que começa a soar estranho naquela concepção de linguagem: esta série de interpretações, traduções e versões. Interpretar uma frase, entender seu significado, seria, segundo esta concepção, análogo a traduzir uma linguagem externa para uma interna. Quando falamos, traduziríamos primeiro em linguagem externa o que gostaríamos de dizer. Esta linguagem externa venceria, por sua vez, o fosso que nos separa da mente de nosso ouvinte e lá, mais uma vez, seria retraduzida em idioma mental. Um dos méritos da concepção de linguagem como expressão era o de fornecer uma explicação simples do processo de aprendizado de uma língua: aprender uma língua seria descobrir quais palavras expressam que idéias. Mas, exatamente aí, começam a surgir problemas. Todo ato lingüístico passa a se assemelhar excessivamente com falar-se uma língua estrangeira. Na famosa passagem sobre um trecho das confissões de Santo Agostinho, Wittgenstein comenta: Santo Agostinho descreve o aprendizado de uma linguagem humana como se a criança viesse a um país estranho e não entendesse a língua do país; ou seja, como se ela já tivesse uma língua, apenas não aquela. Ou ainda: como se a criança já pudesse pensar, apenas não falar. E "pensar" seria aqui algo como "falar consigo mesmo". (PI,. 32,. pg. 16).. No caso de nossa própria língua, esta linguagem mental que imaginamos se torna excessivamente dependente do que falamos. Há algo de artificial na explicação toda. Pois não poderíamos recontar a situação já mencionada, do elevador quebrado, falando de nossa idéia como sendo, simplesmente, "Há perigo com a porta do elevador pois ela está quebrada" e.

(21) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 16. que, para exprimirmos tal pensamento, escolhemos, entre todas as palavras, exatamente as seguintes: "Há"-"perigo"-"com"-"a"-"porta"-"do"-"elevador"-"pois"-"ela"-"está"-"quebrada"? Qual o sentido de se afirmar que alguém que diz, por exemplo, que "a madeira é dura" teria, em realidade, uma combinação interna, em sua mente, de duas idéias, a idéia de "madeira", e a de "dureza"? Se, por um lado, as idéias parecem o principal e as palavras, meros veículos, por outro, nosso acesso às idéias parece irremediavelmente atado. a linguagem, pelo menos. no caso dos outros.. As duas áreas de preocupação de Wittgenstein. Como dissemos, na concepção de linguagem de que estamos tratando, as idéias desempenhariam o papel principal, pois seria a identidade entre elas que determinaria o sucesso de um processo de aprendizagem e de uma tentativa de comunicação. Mas dependeríamos das palavras para termos "acesso" a estes entes fundamentais. As tais idéias muitas vezes se aproximariam excessivamente de meros reflexos internos invisíveis que teimaríamos em imaginar como paralelos a cada frase do tipo "a madeira é dura".. Se a teoria ideacional da linguagem é artificial para frases mais comuns como a que nos informa sobre o perigo com a porta do elevador, há, no entanto, exemplos em que esta concepção de linguagem soa não somente convincente mas mesmo inevitável. Estes exemplos seriam provenientes de duas grandes zonas da linguagem humana em que a batalha de Wittgenstein dá a impressão de estar irremediavelmente perdida, dois "fronts" onde a separação entre uso lingüístico e idéia aparenta ser inescapável. Nestas zonas de nossa linguagem se afiguraria clara a existência de "uma idéia por detrás das palavras" por uma.

(22) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 17. razão simples mas muito importante: nestas situações estaríamos dispostos a reconhecer a existência de algo que permaneceria sempre inexpresso e inexprimível,. para além do. alcance de nossa linguagem. Assim, nestes casos, estamos inclinados a dizer que algo teria que estar por trás de nossas palavras, algo além do simples ato de comunicação, idéia a ser expressa,. porque a. transcenderia de muito o poder de expressão de nossas palavras. A. convicção na existência desta parte inexprimível deste tipo de ato lingüístico estaria por trás de nossa certeza acerca da existência de algo com um sentido definido para além da linguagem. Todo o esforço de Wittgenstein se volta assim para terrenos onde sua batalha parece perdida já de início.. As situações lingüísticas a que estamos nos referindo são, é claro, os dois campos de interesse de Wittgenstein já mencionados na introdução: os estados de consciência e certas entidades matemáticas. Tomemos em primeiro lugar as afirmações sobre ocorrências mentais, como uma dor, por exemplo. Como imaginar que uma frase "tão pouco articulada" como "Me dói!" pudesse exprimir completa e totalmente a vivência interna que muitas vezes está por trás de uma tal afirmação? É bem verdade que Wittgenstein nos permitiria aqui qualquer esforço de comunicação, lançarmos mão de qualquer recurso para podermos ser compreendidos por nosso interlocutor. A toda hora o filósofo nos imagina tentando atingir nosso ouvinte com desenhos, gestos e, certamente no caso da dor,. espetadelas, beliscões,. etc. O que preocupa Wittgenstein é que mesmo lançando mão de todo este arsenal, ainda assim,. parece haver espaço de dúvida sobre a efetividade de nossa comunicação. Nossa. impressão é de que jamais poderemos ter certeza acerca da completa identidade de nossa própria dor com o idéia que a outra pessoa esteja dela fazendo..

(23) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 18. Mesmo que o outro, naquele instante, também sofra uma dor, como ter certeza de que sua dor é igual à nossa? A coisa essencial sobre a experiência privada não é realmente que cada pessoa possua seu próprio exemplar, mas que ninguém saiba se outra pessoa tenha este ou outra coisa. A suposição seria possível - apesar de não verificável - que uma parte da humanidade tivesse uma sensação de vermelho e a outra parte, outra. PI, 272, pg. 95 O importante é: a impossibilidade de transpormos o fosso que nos separa das outras pessoas, a eterna margem de dúvida, que nunca desaparece completamente, sobre a efetividade de nossos esforços de comunicação, abriria espaço para que duvidássemos sistematicamente da identidade. entre nosso uso da palavra "dor" e o de outras pessoas. Assim, nossa. linguagem estaria permanentemente assombrada, pelo menos no caso das expressões que se referem a estados internos de consciência, pelo espectro de um curioso tipo de engano, de confusão, de erro. Nossa confiança na existência de uma idéia - de uma sensação, no caso da dor - "por trás de nossas palavras", como que abriria espaço para a existência de um constante engano na conexão entre as palavras e as idéias por elas denotadas.. Tudo se passa como se, de repente, estivéssemos em um quarto de um prédio. A sala está toda mobiliada, são cadeiras, poltronas, escrivaninhas. Estas são as nossas idéias, as nossas sensações.. Pela janela podemos ver, do outro lado da rua, no prédio em frente, uma. pessoa na janela. E é para esta pessoa, tão longe a ponto de não adiantar gritarmos, que tentamos contar algo. Recorremos então a gestos, em um esforço por descrevermos a mobília que está na sala em que nos encontramos. E para isto procuramos escolher os gestos que exprimam da melhor forma os móveis que vemos no interior da sala. O fundamental aqui, mais uma vez, é a possibilidade que a imagem do quarto nos abre: sairmos do quarto, cruzarmos a rua e irmos ao encontro de nosso interlocutor. Teríamos então o contraste entre a.

(24) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein possibilidade de falarmos diretamente, indo ao encontro do. 19. interlocutor, e o esforço de. exprimirmos, através de nosso gestos, o que estávamos tentando comunicar.. Passemos para a segunda zona de nossa linguagem na qual também parecemos encontrar exemplos em que a teoria ideacional parece se impor de forma inescapável. Novamente haveria algo que procuramos exprimir, e nossos atos lingüísticos, nossas tentativas de comunicação seriam apenas isso, meros esforços para apontarmos indiretamente a outrem o que não podemos expressar diretamente: a idéia por trás dos símbolos. Estamos falando da matemática, é claro, o ponto focal desta dissertação. A história da teoria ideacional neste campo é ilustre e antiga. De fato, tão antiga que é difícil não sucumbirmos a uma sensação de desânimo frente a fantasmas que há tantos anos nos assombram sem que deles consigamos nos livrar.. O convite a postularmos algo que seria exprimível apenas indiretamente aparece já na geometria grega de forma aguda. Assim, por exemplo, falamos em tangentes tocando círculos em apenas um ponto. Ora, todos sabemos que, por mais fina a ponta do lápis ou compasso que usemos, se olharmos, digamos com uma lente de aumento, qualquer desenho de uma linha tangenciando um círculo, o que vemos não é um ponto mas um trecho onde se dá a convergência da linha reta e da curva. Jamais vemos uma figura onde a reta tangencie o círculo em apenas um ponto.Trata-se de um dos exemplos aos quais Wittgenstein sempre retorna. Desenhos.

(25) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 20. semelhantes ao da ilustração ao lado estão presentes em vários dos escritos do filósofo, como que nos lembrando da dificuldade acima (RFM, parte I,. 96, pg. 72) .. A solução platônica para o problema acima é tão antiga quanto o próprio problema: Apesar de [os geômetras] usarem formas visíveis e raciocinarem sobre elas, eles estão pensando não nestas, mas nos ideais com os quais se parecem; não nas figuras que desenham, mas no quadrado absoluto e no diâmetro absoluto...estão realmente tentando olhar as coisas elas próprias, que podem ver apenas com o olhar da mente.. 1. Dois mil anos depois. encontramos, em um filósofo de nosso século, o mesmo tipo de resposta: Na matemática pura, objetos reais no mundo existente nunca estarão em questão, mas apenas objetos hipotéticos que tenham aquelas propriedades gerais sobre as quais dependem a dedução qualquer que esteja sendo considerada.. 2. A geometria não falaria sobre círculos reais, como os traçados por réguas e compassos. Estes funcionariam apenas como indicações indiretas para o que realmente importaria: os objetos matemáticos ideais, o círculo e a tangente absolutos. Da mesma forma que no caso da dor, poderíamos tentar descrever nossa sensação com palavras e mesmo, como na geometria, recorrer a figuras toscas. Mas o principal, a idéia que estamos tentando exprimir, dependeria do talento matemático da pessoa em apoderar-se daquele conceito, quando então a comunicação teria realmente se efetivado. Assim, a confiança que temos em falar em idéia por detrás dos atos lingüísticos estaria, como no caso da dor, associada à convicção do caráter sempre indireto de nossas tentativas de comunicação. 1. Platão, A República. 510 d-e. 2. Bertrand. Russel, Principles of Mathematics. pg. xvii.

(26) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 21. Chegamos finalmente ao exemplo do infinito matemático. Este aparece como o caso paradigmático do que aconteceria também com a geometria: algo que transcende o poder expressivo das palavras. Como negar que haja algo por trás de 3,1416... - na verdade o principal, o próprio número de que estamos falando - que permaneceria sempre indicado apenas indiretamente pelos símbolos e leis de geração? Tenderíamos, como na dor, a sonhar com uma possibilidade de comunicação mais direta, em que, ao invés de podermos apenas apontar, de falarmos sobre nossa sensação ou nosso número infinito, pudéssemos "passá-los diretamente" a outrem, da mesma forma que lhe poderíamos entregar uma pedra que antes havíamos descrito. Sem recorrermos a mera indicações de um caminho a ser percorrido (e nunca terminado), simplesmente "passaríamos" este caminho por inteiro a nosso interlocutor: "Tome! É disto que estávamos falando".. Trata-se de um sonho impossível: Nenhum ser humano pode escrever rápido o suficiente, ou durante tempo suficiente para listar todos os membros de um conjunto infinito enumerável, escrevendo todos os seus nomes, um depois do outro, em alguma notação. Existe apenas uma quantidade finita de papel no mundo, e então teríamos que escrever com uma caligrafia cada vez menor, para podermos ter um número infinito de símbolos no nosso papel. No final, estaríamos escrevendo em moléculas, em átomos, em elétrons.. 3. A citação acima,. retirada de um livro-texto sobre a moderna teoria da computabilidade, exprime de forma eloqüente o que poderíamos chamar de grau maior de impossibilidade associada ao conceito de infinito. Se pararmos para pensar, a idéia de. escrevermos em (todos) os átomos e. moléculas já nos parece completamente absurda e impraticável. E no entanto, o sentido de 3. BOOLOS & JEFFREY. Computability and Logic.pg.18.

(27) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 22. nossa citação parece ser que, ainda que conseguíssemos lançar mão destes recursos à procura de espaço para listarmos os membros de um conjunto infinito, ainda assim, não daríamos conta de nossa tarefa. Não teríamos o número infinito todo em nossas mãos, para podermos "mostrá-lo" ao nosso interlocutor.. Aqui surgem problemas ainda mais embaraçosos. A dificuldade é coadunarmos um objeto assim tão fabuloso, algo que permanece sempre incompleto (ainda que lançássemos mão de todos os átomos e moléculas do universo) com a certeza de seu completo domínio por outra pessoa? Wittgenstein escreve:. Deveríamos dizer, "Que maravilha - termos. aprendido !0 [infinitos] numerais, e em tão curto espaço de tempo! Que espertos nós somos!"? -. Parece haver algo de errado aqui, uma espécie de desequilíbrio entre a tarefa. que nos propomos e os recursos de que dispomos. E, no entanto, qual poderia ser a solução para nossa dificuldade? Deveríamos. falar sempre em um limite para o que aprendemos?. Wittgenstein escreve: Bem, vamos perguntar, "Como aprendemos a escrever !0 [infinitos] numerais?" E para respondermos isto, é esclarecedor perguntarmos, "Como seria termos aprendido apenas 100.000 numerais?". (LFM, Palestra II, pg. 31). Teríamos aqui um problema novamente paralelo ao caso da dor. Trata-se do aparecimento de uma dúvida quanto a efetividade de qualquer esforço comunicativo, quando nos referimos a infinitudes como o número Pi. Como veremos no capítulo V de nossa dissertação, este problema desempenha uma função central na estratégia de argumentação de Wittgenstein. A dificuldade surge de nossa ênfase em afirmarmos a existência de um objeto do qual falamos e, ao mesmo tempo, reconhecermos a impossibilidade de o exprimirmos, direta e completamente. Dito de outra forma, o sentido de falarmos em "formas diretas" de.

(28) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 23. comunicação (em oposição a outras, "indiretas") estaria firmemente fundado em nossa convicção na existência de algo, o objeto incomunicável. Mas, por outro lado, somente a forma direta de comunicação pareceria poder assegurar, sem sombra de dúvidas, a identidade de nossa idéia com a idéia que outra pessoa tem deste mesmo número. Formas indiretas apenas indicariam parcialmente este objeto. E, já que a comunicação "direta" nos estaria permanentemente barrada, abriríamos espaço para uma permanente dúvida acerca da efetividade de qualquer comunicação. Em uma das passagens mais célebres das Investigações Filosóficas, Wittgenstein se imagina um professor tentando ensinar uma série infinita simples para um aluno, a série dos pares. Após algumas hesitações, o aluno parece dominar a série, completando corretamente vários de seus trechos: "...32, 34, 36,... ...84, 86, 88,...". O mestre já está pronto a dar o assunto por dominado pelo aluno, quando lhe pede um último exercício: mandamos o aluno continuar a série (...) além de 1000 - e ele escreve 1000, 1004, 1008, 1012. (PI,. 185, pg.. 75). O aluno nos havia compreendido mal. A série à qual, segundo o aluno, estaríamos nos referindo, seria: "Some 2 até 1000, 4 até 2000, 6 até 3000 e assim por diante." (PI,. 185,. pg. 75) Como evitarmos erros como estes? Como poderíamos nos assegurar da efetividade de nossa comunicação, se o critério último que determinaria a identidade da série à qual nos referimos com a de nosso aluno permaneceria para sempre, e necessariamente, intransmissível?. Vejamos o que obtivemos até agora. Em primeiro lugar, encontramos um "grande vilão" para toda a filosofia de Wittgenstein: a concepção, à primeira vista tão natural, de que por trás de nossas palavras existiria algo, o fundamental, as idéias a serem expressas. Seria função primordial da linguagem servir de veículo para estas entidades internas às nossas.

(29) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 24. mentes. Teríamos mesmo um critério geral para julgarmos a efetividade de qualquer tentativa de comunicação: a identidade da idéia que tínhamos com a idéia produzida por nossas palavras em quem nos ouve.. A seguir, vimos que esta concepção de linguagem, tão perversa aos olhos de Wittgenstein, acaba por nos fornecer uma pista importante para a explicação de uma característica marcante de toda a segunda fase do desenvolvimento do pensamento do filósofo: sua permanente oscilação entre exemplos vindos da psicologia e da matemática. Nestas duas áreas encontramos exemplos paradigmáticos, como a sensação de dor e um número infinito como Pi, onde a distinção entre a idéia e o ato comunicativo que deveria veiculá-la se apresentaria como inevitável. O importante é que esta distinção forte entre idéia interna e ato lingüístico externo está ligada à nossa convicção de que algo sempre permaneceria necessariamente inexpresso, independente de nossos esforços ou talento. Dito de uma forma mais precisa, sempre pareceria fazer sentido, nestes casos, falarmos de uma maneira "direta" de nos comunicarmos, maneira esta que, no entanto, seria impossível de ser posta em prática. Esta maneira direta de comunicação se apresentaria em oposição a uma maneira indireta que, apesar de não ser inviável como a outra, seria sempre "parcial".. A solução proposta por Wittgenstein. Deixemos de lado, agora, a exploração dos problemas ligados à noção de infinitude e suas relações com o "mapa geral" das questões que desafiavam Wittgenstein e passemos às propostas que, no entender do filósofo, dariam conta destes problemas (no presente caso, o problema dos números infinitos). Existe uma maneira fácil porém desastrosa de se descrever.

(30) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 25. sua estratégia de argumentação nos dois campos que mencionamos acima. Wittgenstein estaria fundamentalmente negando a existência de certas coisas. De uma forma tortuosa, o objetivo do filósofo seria simplesmente provar que certas coisas não existem.. No caso da. matemática, não existiria o infinito (geralmente a tese vem qualificada: não existiria o infinito "atual" ou "extensional"). No caso dos estados de consciência, estaríamos negando a existência de estados mentais como as sensações. Assim, o que de fato estaríamos fazendo seria afirmarmos que não existiria, por exemplo, a "sensação interna correspondente a dor". Neste tipo de estratégia argumentativa, o sentido das palavras que terão suas existências negadas - "infinito" ,. "sensação" - é tomado como claro, destituído de problemas. Apenas. nada se lhes corresponderia "no mundo." Poderíamos chamar este tipo de exposição das teses de Wittgenstein de uma "versão reduzida" das posições do filósofo, já que a concisão seria talvez seu único mérito.. No caso dos termos que designam estados mentais, haveria um problema com esta forma de argumentação. Não discutiríamos o sentido destes termos. Sabemos exatamente do que estamos falando quando nos referimos a sensações. De fato lançamos mão deste conhecimento para formularmos nossa própria alegação. Mencionamos, por exemplo, coisas com as quais todos estamos familiarizados. - a nossa mente, este reduto interno de. sensações, emoções, etc. - para, a seguir, negarmos que haja qualquer "reduto interno", que existam as "sensações", e assim por diante. Tudo se passa como se tivéssemos perfeito acesso a algo que seria nosso interior psíquico, como se pudéssemos mesmo apontarmos para várias coisas dentro de um quarto e a seguir disséssemos: "estas coisas, estas para as quais estou apontando agora, não existem. De fato, nada disto existe, nem sequer este quarto." Pois, de fato, o nosso real objetivo não seria negarmos a existência da própria sala? E, no entanto,.

(31) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 26. precisamos do acesso à ela para podermos "localizar" exatamente o que estamos querendo negar.. Negar a existência de algo como o infinito parece envolver ainda mais dificuldades. No caso das sensações ainda tínhamos um lugar no mundo - nossa mente - no qual não haveríamos encontrado sensação alguma. Mas, no caso da infinitude, estaríamos afirmando que o infinito não existe...aonde? No mundo? E precisaria existir algo assim no mundo? Não seria exatamente esta a idéia por trás da afirmação de que coisas como. "expansões infinitas". ou "linhas tangenciando círculos", seriam objetos ideais, e portanto, não existentes no mundo? Ou estaríamos afirmando algo ainda mais estranho? Deveríamos restringir nossa contagem dos números a um determinado limite? Usaríamos os 100.000 da citação de Wittgenstein acima? Em uma palestra de 1939, o filósofo chega a chamar a posição finitista, a tese de que "não existe nada infinito" de "sem sentido e ridícula". (RFM, palestra XXVI, pg. 225). Em uma passagem mais geral e muito citada, o filósofo resume sua posição em relação aos dois campos:. Finitismo e behaviorismo são tendências muito semelhantes.. Ambos dizem: mas, é claro, tudo o que nós temos é... Ambos negam a existência de algo, ambos com vistas a escapar à confusão .(RFM parte II,. 61, p.142). Fizemos esta curta incursão no mundo nebuloso dos problemas ligados ao que chamamos de "versão reduzida". da teses do filósofo (a idéia de que o que ele estaria. realmente fazendo seria negar a existência de certas coisas) como uma forma de enfatizarmos algo central a respeito da estratégia de argumentação do filósofo para toda a sua filosofia. Wittgenstein jamais formula suas teses em termos de existência ou não de certas coisas, mas em termos do sentido do uso de certas expressões lingüísticas..

(32) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 27. O diagnóstico do filósofo para nossos problemas nos dois casos, as expressões que designam estados de consciência e as expressões matemáticas, é absolutamente radical. O próprio uso de expressões denotativas, expressões onde falamos sobre algo, nestas duas áreas da linguagem seria indicador de problemas. Assim, o filósofo escreve sobre o caso da expressão de sensações: Isto quer dizer: se construímos a gramática das expressões de sensação segundo o modelo de "objeto e designação", o objeto cai fora de nossa consideração como irrelevante. (PI,. 293, pg. 100). Sobre expressões matemáticas, ele é igualmente. taxativo: Não há em lógica algo como descrição e realidade. (PR,. 180, sec.XVI, pg. 221). A tese de Wittgenstein é extrema. Não estamos afirmando que não existem os objetos sobre os quais falamos, nestes dois campos lingüísticos. Estamos afirmando que, nestes dois campos, quando usamos expressões que parecem referir-se a objetos - sobre os quais afirmaríamos estas características e propriedades - estaríamos sendo vítimas de enganos conceituais!. Trata-se de uma espécie de desafio norteador dos esforços de argumentação do filósofo. E tal desafio parece, de início, estar fadado ao fracasso. O filósofo não vai procurar negar a existência de coisas. Mas precisa mostrar-nos que, nas muitas vezes em que parecemos estar falando sobre algo, não estaríamos atentando para importatnes distinções a respeito do emprego de certos termos, ou, usando um jargão característico, estaríamos misturando duas gramáticas diferentes! Esta estratégia de argumentação - não aceitar o sentido de expressões denotativas para negar-lhes a instanciação, mas tentar mostrar a própria expressão denotativa como sendo produto de falta de certas distinções conceituais - já aparece claramente formulada no primeiro volume produzido pelo autor depois de sua volta à.

(33) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 28. filosofia, Philosophical Remarks. Lá, em uma discussão a respeito exatamente do conceito de infinito, Wittgenstein escreve: E aqui, na forma da minha asserção, eu cometo o estranho erro de negar um fato, ao invés de negar que uma proposição particular faça sentido, ou mais estritamente, de mostrar que dois comentários com sons semelhantes têm gramáticas diferentes. (PR, Apêndice I, pg. 306). A que grupos gramáticais distintos está se referindo Wittgenstein na citação acima, ou seja, qual distinção fundamental estamos deixando de levar em conta? Sua resposta é direta. A distinção que ele tem em mente, na maioria dos casos, é a separação entre, de um lado, regras necessárias, matemáticas, e de outro, questões de fato, questões empíricas. O filósofo não se cansa de reafirmar a importância desta distinção e os perigos que incorremos ao não a levarmos em consideração. Já na Philosophical Grammar encontramos afirmações como: Nada é mais fatal para o entendimento filosófico do que a noção de prova e de experiência como dois métodos de verificação distintos mas comparáveis. (PG parte II, seção V. 22,. pg. 361). Em suas palestras de 1939 sobre filosofia da matemática Wittgenstein retorna, várias vezes, a esta posição, sempre sublinhando seu caráter nocivo: Matemáticos, quando começam a filosofar, sempre cometem o engano de não levar em conta a diferença de função entre proposições matemáticas e proposições não-matemáticas. (LFM, palestra XII, pg. 111). De fato em uma passagem ele aponta a exploração das diferenças entre regras matemáticas e proposições empíricas como o próprio objetivo básico de suas exposições: Estas discussões tem um objetivo: mostrar a diferença essencial entre os usos de proposições matemáticas e os usos de proposições não-matemáticas que parecem ser exatamente análogas a estas. (LFM, palestra XII, pg. 111)..

(34) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 29. Poderíamos resumir o que oferecemos como a estratégia de Wittgenstein para o caso da matemática da seguinte forma. O filósofo se propõe a inglória tarefa de tentar nos mostrar que, quando parecemos estar falando sobre algo em matemática, de fato estaríamos deixando de perceber certas distinções de sentido. Inadvertidamente estaríamos borrando a fronteira entre proposições empíricas e regras matemáticas. Eu estou tentado dizer algo como isto: mesmo se a proposição matemática parece apontar para a realidade fora de si própria, ainda assim, é apenas a expressão da aceitação de uma nova medida (da realidade) RFM III, pg.162-3, pr.27. A idéia fundamental que está por trás deste desafio é que há, segundo o filósofo, uma diferença básica de função, de emprego entre os dois tipos de proposições. Seria uma característica do uso das proposições necessárias, matemáticas, elas não afirmarem nada sobre coisas, mas fornecerem regras, critérios de sentido, para julgarmos afirmações empíricas. Mais precisamente, um traço essencial das proposições necessárias seria nos fornecer critérios para excluirmos certas frases como apenas. parecendo afirmações. genuínas, mas sendo, de fato, destituídas de sentido. Assim, por exemplo, em Remarks on the Foundations of Mathematics, Wittgenstein afirma que: Para resumir, tentei mostrar que a conexão entre uma proposição matemática e sua aplicação é grosseiramente aquela entre uma regra de expressão e a expressão ela própria sendo usada. (LFM, palestra IV, pg. 47).. A sugestão de Wittgenstein soa simplória. Aparentemente é apenas a velha e desgastada idéia da matemática como um jogo. É claro que, diferentemente da proposta formalista, Wittgenstein não está se referindo a um jogo ideal de regras não-interpretadas, independentes de qualquer aplicação. Exatamente ao contrário, as afirmações matemáticas.

(35) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 30. funcionariam como normas determinadoras de sentido (e especialmente de ausência de sentido) de proposições empíricas. O filósofo toma como essencial este uso normativo das proposições necessárias:. O que eu estou dizendo vem a ser isto, que matemática é. normativa. Mas "norma" não quer dizer a mesma coisa que "ideal". (RFM, parte VII,. 61,. pg. 425) No entanto, ao enfatizarmos este contraste com a posição formalista, a situação da proposta de Wittgenstein parece apenas piorar: torna-se irremediavelmente estreita ao tentar atrelar. as. sentenças. matemáticas. diretamente. às. suas. aplicações. normativas. extra-matemáticas. Mais uma vez, como não lembrarmo-nos dos incontáveis lugares onde afirmamos coisas completamente abstratas sobre certos objetos puramente ideais?. O próprio filósofo reconhece a estranheza da posição que propõe. Em suas palestras de 1939, menciona diretamente estas dificuldades. Porém, ao invés de recuar, ele reconhece e aceita o desafio: Considere "Equações da forma 'ax2 + bx + c = 0' tem duas raízes". Ou "O número de números reais é maior do que o de racionais" - Poderíamos pensar que a diferença entre "2 + 2 = 4" e estas proposições. é que elas não apenas são proposições da matemáticas. mas são proposições sobre matemática. Dá a impressão que elas já tem sua aplicação dentro da matemática, e não precisamos olhar para outras aplicações. Elas não se parecem com regras mas com proposições experienciais. Mas vou tentar mostrar que estas frases são regras exatamente da mesma maneira que "2 + 2 = 4". (LFM palestra IV, pg. 48). Ainda que aceitássemos algo já um tanto estranho, que em uma afirmação como. "2. + 2 = 4" teríamos em realidade uma regra sobre o uso de proposições empíricas (que proposições empíricas?), ainda assim, nos restaria enfrentar grandes complicações em casos relativamente simples como o de afirmações sobre o número de raízes de uma equação de.

(36) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 31. segundo grau. Além disto, como poderíamos lidar com o caso que tomamos por tema de nossa dissertação, as afirmações sobre infinitudes? Certamente estas afirmações não versariam diretamente sobre qualquer coisa empírica. Como argumentamos mais acima, se há um conceito que parece permanecer como algo irremediavelmente abstrato e ideal, este conceito é o de infinitude. Como poderíamos dar conta da riqueza transcendente de uma entidade infinita reduzindo-a a meras regras de uso, a regras gramaticais, para usarmos um jargão tão do agrado do filósofo?. A filosofia de Wittgenstein pode até causar uma impressão simpática, por sua simplicidade, a não-matemáticos. Mas parece destinada a um completo insucesso tão logo deixemos nossas afirmações tão gerais e distantes da prática matemática, e enfrentemos alguns exemplos concretos daquela ciência. Antes de nos lançarmos à tarefa desanimadora de defender a posição do filósofo em casos específicos de infinitude, precisamos explorar mais alguns elementos do contraste entre proposições matemáticas e empíricas, contraste este em que Wittgenstein, segundo vimos, deposita toda as suas esperanças.. Regras matemáticas e proposições empíricas. Wittgenstein retorna sempre a duas características iniciais às quais recorre quando quer sublinhar as diferenças entre regras matemáticas e proposições empíricas. A primeira característica é a de que as regras matemáticas são formuladas atemporalmente e a segunda é a de que são também formuladas impessoalmente. Vejamos primeiro o caráter atemporal que Wittgenstein atribui às proposições matemáticas. Seguiremos o filósofo e usaremos uma adição como exemplo de regra matemática, a soma "15 + 15 = 30". Contrastemos esta.

(37) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 32. sentença com uma proposição empírica qualquer, digamos, "Pedro já pegou o táxi". A distinção que o filósofo tem em mente é: em relação àquela proposição empírica faz sentido perguntarmos exatamente quando Pedro pegou o táxi (podemos estar querendo saber a que horas exatamente ele chegará ao seu destino). No entanto, em relação à adição a pergunta "quando 15 + 15 é igual a trinta?" não faz sentido. Ainda que tenha acabado de executar a operação, de estabelecer que 15 + 15 = 30, não faria sentido formular o que calculei em termos como "15 + 15 acaba de ser 30".. Wittgenstein vai mais longe. Ele afirma que sequer faria sentido afirmarmos que continuamente 15 + 15 é igual a 30, ou. "15 + 15 sempre foi e sempre será 30". O filósofo. escreve: "2 x 2 = 4" é uma proposição verdadeira da matemática especiais", nem mesmo "sempre" (OC,. - "não em ocasiões. 10, pg. 13). O problema é: o que exatamente. estaríamos tentando dizer com uma afirmação destas? Talvez nos referíssemos ao fato de que tomamos afirmações matemáticas como valendo mesmo para tempos anteriores a sua aceitação, a tempos pré-históricos, por exemplo. Mas esta seria mais uma das formulações taxadas de "enganosas" pelo filósofo: estaríamos recorrendo a uma expressão ambígua para apontarmos exatamente o caráter atemporal das regras matemáticas.. Wittgenstein se refere, em várias passagens, ao caráter atemporal das proposições matemáticas, de forma muito direta:. Questões factuais sempre envolvem tempo; fatos. matemáticos ou proposições, não. (AWL, pg. 184). Além disto, ele usa esta atemporalidade como critério para indicar tanto um uso normativo de proposições que se parecem com proposições empíricas (como em "As 100 maçãs na caixa consistem em 50 e 50" - aqui o caráter não temporal de 'consiste' é importante. Pois não se quer dizer que agora,ou somente.

(38) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein por um tempo, elas consistem de 50 e 50. (RFM, parte I,. 33. 101, pg. 74)) quanto o caráter. empírico de proposições que envolvem termos matemáticos em sua formulação. O filósofo afirma:. Em matemática temos proposições que contém os mesmos símbolos que, por. exemplo, "escreva a integral de...", etc., com a diferença que quando temos uma proposição matemática o tempo não entra em consideração e na outra, sim. (LFM, palestra III, pg. 34).. Passemos agora à segunda das características das proposições matemáticas acima mencionadas, sua impessoalidade: as regras matemáticas não se referem ao que se passou com uma pessoa ou mesmo a um grupo de pessoas. Voltemos ao exemplo da proposição "15 + 15 = 30". Não faz sentido dizermos "para mim, 15 + 15 é igual a 30" ainda que tenha sido eu próprio a executar o cálculo. Não calculo para ver a que resultado eu (em oposição a outros)acabei chegando, mas para saber o resultado certo, o resultado ao qual se deve chegar. Wittgenstein escreve: Em um cálculo eu queria, certamente, desde o início, saber qual será o resultado. Estou, afinal, curioso sobre o resultado. Não, no entanto, sobre o que eu vou dizer, mas sobre o que deveria dizer. (RFM, parte III,. 69, pg. 195). Ainda que incluamos uma referência ao processo de adição em nossa expressão, não afirmaremos, após terminarmos o cálculo, "eu calculo 15 + 15 e eu encontro 30". Se quisermos incluir uma referência ao processo de adição em nossa formulação como proposição matemática, diríamos, isto sim, "calcula-se 15 + 15 e encontra-se 30" (E este "se" não se refere a ninguém em especial).. Da mesma forma, não faria sentido justificarmos uma resposta a uma adição (ou a um problema matemático qualquer) dizendo-se: eu sei e posso mostrar que muitas pessoas respondem a esta pergunta assim como fiz. Ainda que nossa resposta esteja certa, ela não.

(39) O Problema da Infinitude no pensamento de Wittgenstein. 34. estará certa com base em algo que aconteça ter se passado com alguém ou mesmo com um grupo indefinidamente grande de pessoas. Ou seja, não soma-se 15 + 15 e encontra-se 30 porque esta resposta, 30, têm costumado ser a resposta encontrada por um grupo grande de calculadores. Ou 30 é a resposta certa, ou estes calculadores, por muitos que sejam, estão errados.. O filósofo escreve: "Esta regra, aplicada a estes números, produz aqueles" pode querer dizer: a expressão desta regra, quando aplicada a um ser humano, faz-lhe produzir aqueles números, à partir destes. Sentimos, corretamente, que isto não seria uma proposição matemática. (RFM, parte IV,. 8 pg. 228) Em outra passagem das Investigações Filosóficas,. Wittgenstein é igualmente contundente:. Certamente as proposições "Seres humanos. acreditam que dois vezes dois é quatro" e "dois vezes dois é quatro" não querem dizer a mesma coisa. A última é uma proposição matemática; a outra, se é que faz algum sentido, talvez possa querer dizer algo como: Seres humanos chegaram àquela proposição matemática. As duas proposições tem usos inteiramente diferentes. (PI, pg. 226). O núcleo da proposta do filósofo. Chegamos finalmente a uma terceira característica que Wittgenstein atribui às proposições matemáticas e que, de certa forma, explica as duas anteriores e a própria insistência de Wittgenstein sobre caráter normativo da matemática. Este terceiro elemento da distinção que o filósofo faz entre os dois tipos de proposições é a sugestão de que, frente a uma proposição empírica, podemos oferecer uma descrição de como as coisas seriam se a negação daquela proposição valesse. Por contraste, no caso de uma proposição necessária,.

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