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Tendências sociais prescritoras no espaço público : o caso do Jardim da Estrela

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

T

ENDÊNCIAS E

D

INÂMICAS

S

OCIAIS

P

RESCRITORAS NO

E

SPAÇO

P

ÚBLICO

O

CASO DO

J

ARDIM DA

E

STRELA

Ana Cristina Sampaio Tomás

Dissertação orientada pelo Prof.º Doutor Nelson Pinheiro Gomes para a

obtenção do grau de mestre em Cultura e Comunicação

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ii

Para a minha filha Joana:

Forever and beyond!

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iv Agradecimentos

A João Agostinho D’Oliveira Sampaio e Mariana do Carmo Salgado Sampaio,

meus avós maternos, fico grata pela decisão de estabelecer residência na Estrela, criando profundas raízes e gerando um vínculo que perdura há já quatro gerações.

(Foto de arquivo pessoal)

À minha família muito agradeço a tolerância da minha ausência, mesmo quando presente. São e serão sempre a minha força, o meu refúgio.

Aos meus amigos, esse punhado de almas que reside no meu coração, bastiões de resistência e afecto, agradeço a paciência para com os monólogos do desespero. Sem vós não teria chegado a bom porto!

Aos vários Pedagogos, imprescindíveis luminárias no meu périplo académico, remeto o meu mais profundo agradecimento: a Vossa luz continuará a iluminar a minha viagem! E, last but not least, agradeço ao meu orientador o apoio e ter acreditado na pertinência e relevância desta minha proposta de estudo.

Aquilo que Ilumina fica sempre na

Sombra.

(Edgar Morin)

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vi Resumo

A socialização e as relações humanas, na sua generalidade, apresentam-se como dinâmicas de poder e de subordinação numa permanente tentativa de estruturação e hierarquização funcional da sociedade, na qual os indivíduos se posicionam e interagem em vários universos, através dos comportamentos quotidianos. Paradoxalmente, afirmando-se nuns enquanto identidades individuais e noutros, pela sua necessidade de inclusão e reconhecimento, integrando uma identidade colectiva. Este funcionamento da sociedade não é pacífico: é dialéctico, sinuoso, um permanente devir, que se reproduz diária e incessantemente nos discursos performativos dos indivíduos; nas suas práticas significantes, através de manifestações de capital simbólico, e em ciclos de tendências passíveis de serem observados pelos comportamentos em vários territórios, inclusive no espaço público.

Com a presente dissertação, propõe-se problematizar e discorrer sobre o ciclo sociocultural performativo e a relevância de hierarquias de prescrição, de emulação e campos de poder na sua interacção com outros agentes presentes na dinâmica social de utilização do espaço público. No essencial, pretende-se consubstanciar este estudo através de uma contextualização teórica de linhas de pensamento de vários autores nas quais se fundamentam as teorias sobre a dialéctica sociocultural, o Eu, o Outro e o Nós, em contexto e os agentes dinâmicos na utilização do espaço público.

Assim, sendo o objectivo validar este processo, escolhemos como alvo de análise, em concreto, o Jardim da Estrela, em Lisboa. Os jardins, outrora polos centrais na vida social da urbe, foram durante algumas décadas proscritos “do espaço urbano pela azáfama urbanista dos anos 70” (Ribeiro 2004: 11), entre vários outros factores. A esta reflexão subjaz ainda a problematização de como políticas culturais interventivas se revelam também essenciais para ajudar a transformar territórios.

Palavras-Chave: Performatividade Social, Prescrição e Capital Simbólico,

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vii Abstract

Human relations and socialization are, at their core, based upon power and subordination. They can be seen as an attempt to structure and categorize a society composed by individuals who struggle to position themselves and their identities in a “milieu” while, at the same time, sharing a need to be included in and belong to that same universe. As such, this also means that the individuals lose their individuality so as to be part of a collective identity.

Society’s way of functioning is not peaceful. Indeed, it is a restless and unsettling performance; it is dialectical, sinuous, and in a perpetual disruption. These movements reproduce themselves incessantly in the daily performative narratives of individuals. Such performative behavior is shown through symbolic capital practices and in trends cycles which can be perceived in several areas and territories, including the public space.

The aim of this study is to expatiate over the sociocultural performative cycle, and the relevance of the prescriptive hierarchies, emulation and fields of power, in as such the way they interact with other agents present in the social dynamic uses of public space. It is intended to regard the theoretical work from several authors, as a foreground basis about sociocultural dialectics; I, the Other, and Us in context, and the dynamic agents regarding public space use and fruition.

In order to validate this process, the analysis will fall upon Jardim da Estrela, in Lisbon. Before being central places in the social life of the city, gardens were, over decades, somehow neglected, banned “do espaço urbano pela azáfama urbanista dos anos 70” (Ribeiro 2004: 11), along with several other factors. Underlying this analysis lies the questioning of how interventional and assertive cultural policies can be essential for the transformation of these territories.

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viii

Índice

Introdução ... 1

Capítulo I: Dinâmicas Performativas em Sociedade — O Eu, o Outro e o Nós — ... 5

1. Identidade(s), Socialização e Habitus ... 6

2. Campos de Poder ... 13

2.1. Relações de comunicação, poder e subordinação (o Eu e o Outro) ... 13

2.2. Dialéctica da Classe Social e Classe Cultural ... 14

2.3. Consumo enquanto Capital Simbólico ... 19

2.4. O Capital Simbólico da Cultura ... 26

3. Hierarquias de Prescrição: Capital Simbólico- Prescrição-Emulação (a mimética e o desejo) ... 30

Capítulo II: Dinâmica(s) Performativa(s) na Urbe - O Palco de Paradigmas e Tendências ... 35

1. A Nova Urbe Glocal: um universo de culturas e identidades em acção ... 37

2. Exteriorizações Performativas: manifestação de mentalidades emergentes em contexto social. ... 42

2.1.Paradigma e Tendência: a expressão das mentalidades. ... 43

2.2. Disseminação de tendências e hierarquias de prescrição: Capital simbólico— Prescrição — Emulação ... 49

3. Um Palco Verde no performativo Mundo Urbano ... 60

4. O Jardim da Estrela: caso-estudo... 64

Capítulo III: Jardim da Estrela: Um palco centenário na dinâmica da cidade ... 67

1. Apresentação ... 69

2. O Jardim na cidade: um palco democrático na urbe ... 72

3. Jardins: uma história de resistência passiva ... 77

4. Jardim da Estrela: um palco de outrora e de agora ... 89

4.1. As novas Tribos Urbanas e o Jardim: Políticas culturais e a fruição dos utilizadores – Uma dialéctica permanente ... 96

Considerações finais ... 101

Referências ... 105

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ix

Indíce de Figuras

Figura 1 – Modelo Diamante de Vejlgaard……….53 Figura 2 – Curva de Inovação de Rogers………54 Figura 3 – Esquema da dinâmica performativa da disseminação de comportamentos..62 Figura 4 – Relvado do Jardim da Estrela durante o dia………...83 Figura 5 – Uma vista do Jardim da Estrela………..84 Figura 6 – Vista de uma alameda do Jardim da Estrela num dia de semana…………...88 Figura 7 – Vista de um espaço relvado do jardim da Estrela num dia de semana……..88 Figura 8 – Epígrafe encostada a uma árvore no Jardim da Estrela……….89 Figura 9 – Rainha D. Amélia entrando no Jardim da Estrela, 1908………90

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x

Cada Homem suporta inteiramente a

Condição Humana…

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1 Introdução

Vivemos numa sociedade normalizada, consensual, que esconde, sob uma fachada (cada vez menos) brilhante, uma insegurança profunda.

(Gil 2005:112)

De uma forma apriorística, podemos observar que o funcionamento da sociedade não é, operacionalmente, pacífico: é profundamente dialéctico, revelando-se a estratificação hierárquica e a sua intrínseca mobilidade de uma dinâmica quase molecular (Waizbort 2003)entre os grupos — indivíduos — que a compõem, através das suas motivações, comportamentos e (inter)acções, representações culturais e práticas significantes; no fundo através do seu habitus1 (Bourdieu 1979).

Estas dinâmicas são expressões da sociedade de paradigmas e tendências (Vejlgaard2008), (Gomes 2016), contextualizadas num determinado espírito do tempo e dinamizadas por campos de poder que se afirmam na utilização e troca de capital simbólico relevante nessas práticas.

Como objectivo desta dissertação, propõe-se problematizar e discorrer sobre a dinâmica sociocultural de vários agentes presentes no ciclo performativo da socialização e utilização do espaço público, com particular incidência para os comportamentos e manifestações de capital simbólico de alguns dos actores e na sua interligação com o ciclo de tendências e hierarquias de prescrição no consumo do espaço público. Com esta finalidade propõe-se, como objecto de estudo, o Jardim Guerra Junqueiro, mais conhecido por Jardim da Estrela2, um espaço público de referência na cidade de Lisboa.

O propósito do caso-estudo assenta na observação documental e in loco, de um jardim centenário da cidade, possibilitando, devido ao seu historial, problematizar e avaliar a interacção e importância dos vários agentes presentes no ciclo de utilização do espaço público e na disseminação das tendências de utilização, prestando maior destaque às hierarquias prescritivas como agentes necessários na disseminação de tendências.

1 Referimo-nos, aqui, claramente ao conceito postulado por Pierre Bourdieu, na sua obra canónica La Distinction, critique do jugement social. (1979).

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2 Revela-se intenção dissertar sobre o ciclo numa abordagem diacrónica da utilização, manutenção, recuperação deste espaço por parte dos vários agentes e atores, tais como o poder político que detém a tutela e o público utilizador, observando a sua forma operativa na implementação de políticas culturais interventivas, actividades da comunidade e da sociedade civil, em suma avaliando os elementos prescritores que desencadeiam a disseminação de tendências de utilização e fruição desse espaço.

A manifestação de comportamentos, as exteriorizações performativas através de narrativas — pessoal e colectiva — de capital simbólico e a dinâmica de emulação do discurso performativo de prescritores no espaço público são áreas de investigação relevantes para a construção de directivas e políticas culturais assertivas bem estruturadas.

Conforme anteriormente referido, pretende-se problematizar o paralelismo entre a dinâmica subjacente à disseminação de tendências, na sua possível condição de capital simbólico, através de hierarquias de prescrição e como elemento de inclusão/ exclusão na dialéctica das hierarquias socioculturais, com base na fruição e consumo do espaço público, fruto do espírito da época. Observando o ciclo/processo, no espaço público, como um abrangente exercício académico de compreensão e interpretação do capital simbólico contextualizado num determinado universo sociocultural, este pode revelar-se uma mais valia para a tomada de decisão nas políticas culturais direccionadas ao espaço público.

Neste estudo propõe-se uma problematização sobre os agentes e actores, a manifestação de comportamentos enquanto capital simbólico e a sua importância na dinamização e utilização quer como factor de inclusão, quer de exclusão nas dinâmicas socioculturais da vivência do espaço público. Pretende-se discorrer sobre como a disseminação de tendências, isto é, como o processo mimético da emulação do discurso performativo de capital simbólico de um determinado universo de prescritores, pode ou não revelar-se determinante não só nas dialécticas internas e movimentações das hierarquias socioculturais ou tribais, como também na utilização e consumo do espaço público.

Ao longo deste estudo foi ficando claro que a adesão a tendências, isto é, a manifestação de comportamentos através do consumo seja de objectos, serviços, bens culturais ou da utilização de espaços públicos, parece apresentar-se não só como uma necessidade de satisfação pessoal, mas, também, como um processo de socialização e inclusão, colmatando a necessidade do sentimento de pertença (Bauman 2007: 108), o

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3 qual se mostra possível através da apropriação/ostentação do capital simbólico relevante, num processo mimético de emulação.

Desenvolveu-se uma contextualização teórica sobre a adesão a tendências enquanto capital simbólico nas dinâmicas de darwinismo social, segundo conceitos elaborados por vários autores influentes. Como tal, afigura-se importante para alicerçar esta problematização, recorrer, por vezes, a conceitos teóricos de cultura, industrialização e democratização da cultura; de capital simbólico enquanto campo de poder; de dinâmicas de grupo (habitus); da emergência do Estudo de Tendências3; de hierarquias de prescrição e do comportamento de consumo como troca simbólica.

Por forma a fundamentar estes conceitos, chamaremos à colação autores cujos estudos se debruçam sobre as temáticas versadas, tais como: Georg Simmel, Edgar Morin, Thornstein Veblen, Theodor Adorno, Pierre Bourdieu; David Swartz, Anthony Giddens, Michel Maffesolli, Zygmunt Bauman, GillesLipovetsky, Richard Elliott, Jean Baudrillard, Nelson Gomes, Richard Dawkins, Roberta Sassatelli, Grant McCracken, Henrik Vejlgaard, entre vários outros.

Assim, estruturámos esta problematização em três capítulos vertendo nos dois primeiros uma contextualização teórica estrutural sobre identidade sociocultural, paradigmas e tendências, discursos performativos de capital simbólico, o ciclo de hierarquias de prescrição, a cultura de consumo, e esta enquanto troca simbólica, finalizando o exercício com um caso-estudo e algumas considerações finais, produto desta reflexão, sobre como a manifestação de tendências se enquadra, se dissemina e interage num contexto hierárquico sociocultural através do capital simbólico dos prescritores também no espaço público.

3 Referimo-nos a esta disciplina académica, no seu carácter de estudo transversal da sociedade e das mentalidades — permitindo percepcionar a dinâmica e a interacção entre grupos, bem como a adopção de novos comportamentos e manifestações através da apropriação de capital simbólico.

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5

C

APÍTULO

I

Dinâmicas Performativas em Sociedade

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6 1. Identidade(s), Socialização e Habitus

O narcisismo tempera a selva humana pelo desinvestimento que opera das categorias e hierarquias sociais, pela redução do desejo de ser admirado e invejado pelos semelhantes.

(Lipovetsky 1983: 66)

A socialização e as relações humanas, na sua generalidade, apresentam-se como dialécticas de poder e de subordinação. Esta dinâmica permanente visa o regular funcionamento, estruturação e hierarquização de indivíduos dando lugar a uma ordem, a uma sociedade na qual estes se debatem diariamente entre uma declaração identitária e, paradoxalmente, a sua necessidade de inclusão e reconhecimento num todo, diluindo-se enquanto identidades individuais e passando a fazer parte de uma identidade colectiva (social), como nota Simmel:

The deepest problems of modern life flow from the attempt of individual to maintain the Independence and individuality of his existence against the sovereign powers of society, against the weight of historical heritage and the external culture and technique of life. (1903: 11)

Acontece ser no processo diário de socialização, na interacção das diferentes narrativas e na relação com o exterior que nos edificamos e revemos como identidade. Na visão de Charles Taylor, a nossa própria identidade depende decisivamente das nossas reacções dialógicas com os outros (Taylor 1998), assentando, precisamente, no facto de a criação de uma identidade implicar sempre o estabelecimento de uma diferença; uma diferença entre o Eu e o Outro4. Para Chantal Mouffe, a existência do outro revela-se fundamental para que a minha própria identidade seja possível, uma vez que sem a existência do Outro, eu não poderia ter qualquer identidade (Mouffe 1999). Assim, é através do processo de socialização, na nossa prática perante o Outro diferente de mim, como se de um espelho se tratasse, que o Eu constitui a sua identidade, sendo que cada identidade será alvo de um permanente devir entre a irremediável destabilização do exterior e a contingência interior.

4

Itálico nosso. O outro, relativamente à concepção cultural e holística do individuo exterior a nós, é a representação do que está para além de nós e que nos permite realizarmo-nos, por oposição, e enquanto dimensão identitária.

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7 No que diz respeito às questões identitárias, Chantal Mouffe discorre, ainda, que esta visão questiona a concepção essencialista da identidade e encerra qualquer tentativa de definir identidade e objectividade de forma conclusiva, uma vez que a objectividade depende sempre de um outro ausente e pelo qual se encontra sempre contaminada (Mouffe 1999). Desta forma, a identidade não pode pertencer a uma pessoa por si e, como tal, ninguém pertence a uma identidade singular ou individual. O Eu perante o

Outro revela-se um caleidoscópio e o Nós, uma miríade de projecções que interagem em

relações biunívocas.

Ainda segundo esta autora podemos ir mais longe e argumentar que não só não existem identidades naturais e originais, como devemos observar este processo como uma permanente hibridização. Chantall Mouffe refere assim que a identidade é, de facto, o resultado de uma multitude de interações as quais tomam lugar no seio de um espaço, cujos contornos não se encontram claramente definidos (Mouffe1999: 50). A teorização de Chantall Mouffe reflete a tessitura da modernidade, do mundo contemporâneo globalizado, no qual as identidades coexistem e se digladiam em contextos e espaços distintos, inclusive no ciberespaço. Pela sua visão abrangente das sociedades modernas, também o sociólogo Anthony Giddens discorre, a este propósito, sobre o nível de distanciamento (de tempo e lugar) introduzido pela high modernity, o qual se apresenta tão vasto que o inter-relacionamento entre o Eu e a sociedade se cumpre num meio social global (Giddens 1991: 32).

Assim, ao discorrer mesmo que sucintamente sobre identidade e sobre a dialéctica do Eu perante o Outro, cumpre, também, contextualizar de forma teórica a identidade sociocultural e as relações intergrupais dos atores da dinâmica social. Na sequência do atrás exposto, o sociólogo Norbert Elias (1970), na sua obra Introdução à

Sociologia lança a seguinte questão:

Como é possível chegar à conclusão de que os indivíduos, devido à sua interdependência e ao modo como as suas acções e experiências se interpenetram, formem um tipo de configuração, uma espécie de ordem relativamente autónoma do tipo da ordem dominante, se, tal como os biólogos ou os psicólogos estudamos indivíduos quer como representativos da sua espécie quer como pessoas isoladas? (1970: 79)

Problematizando a identidade social, esta pressupõe critérios e um modelo de categorização quesão o resultado do pensamento social do indivíduo. Na emergência do paradigma da identidade social encontram-se os psicólogos sociais Henri Tajfel e John

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8 Turner, cujos estudos se debruçam sobre temas como, entre outros, as relações intergrupais e liderança, tendo estes autores, escrito em conjunto, em 1979, uma obra pristina na qual postularam a teoria da identidade social. Referimo-nos a The Social

Identity Theory of Intergroup Behavior. A teoria proposta por estes dois autores refere

que existem três processos cognitivos que permitem ao indivíduo ser, ou não, parte de um grupo (o que eles apelidam de in-group ou out-group): a categorização social, a identificação social e a comparação social.

Desta forma, o conceito de identidade social parte da constatação de que o indivíduo se classifica e se categoriza a si e aos outros enquanto ser social, sendo que estes critérios de classificação e de categorização podem ser objectivos e manifestos ou resultado do pensamento social do indivíduo. Contextualizando o exposto, refere Taylor o seguinte:

É por isso que o desenvolvimento de um ideal de identidade gerada interiormente atribui uma nova importância ao reconhecimento. A minha própria identidade depende, decisivamente, das minhas reacções dialógicas com os outros. (1998: 10)

Se, por um lado, a identidade social pressupõe normas e categorização, resultantes do pensamento social do indivíduo, relativamente à identidade cultural podemos entendê-la como um universo vivo de relações sociais e de patrimónios simbólicos que são historicamente partilhados e no qual se estabelece a comunhão de determinados valores entre os membros de uma sociedade. Sendo um conceito bastante complexo, tal como a identidade social, pode compreender-se a constituição da identidade cultural através de manifestações que podem ir desde o discurso à acção, como refere Hannah Arendt (2007)

,

à participação em certos eventos no espaço público. A autora acrescenta que:

Se a acção, como início, corresponde ao fato do nascimento, se é a efectivação da condição humana da natalidade, o discurso corresponde ao fato da distinção e é a efectivação da condição humana da pluralidade, isto é, do viver como ser distinto e singular entre iguais. (Arendt 2007: 191)

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9 Assim, a identidade sociocultural será a súmula da vivência social, do discurso e do lastro cultural, todos eles edificando a integração sociocultural do indivíduo, contrapondo ainda Edgar Morin que “(…) tudo se passa como se uma prodigiosa proliferação de mitos, de ritos, de magia, parasitasse como uma hera o edifício social já muito complexo, mas tudo se passa também como se ela constituísse um cimento integrador que penetrasse em todas as suas fendas” (1972: 162).

Na visão deste autor, a identidade sociocultural, tal como a identidade individual e colectiva, afirma-se, não pela pertença imediata a um determinado grupo da sociedade arquetípica, mas sim “(…) pelo e no conjunto dos fios noológicos que ligam o indivíduo à sua parentela real e mítica, e que dão a uma cultura a sua identidade singular” (Morin 1973: 164).

Deste modo, e segundo Morin, toda a personalidade é o produto da interferência de dois princípios generativos, o biológico e o cultural, sendo que a esfera noológica5 da cultura define a identidade de cada indivíduo da mesma forma que a de cada sociedade, não só pela sua própria configuração, mas por oposição a uma outra cultura estrangeira

— diferente (Morin 1973:165). Ou seja, como temos vindo a discorrer, nós somos e ganhamos dimensão identitária através do discurso e da acção perante o Outro, diferente de mim num contexto social.

Morin acrescenta ainda que se pode compreender com facilidade a manutenção da unidade organizacional fundamental da sociedade como arquétipo, apesar da, como refere o autor, multiplicação diaspórica sobre toda a superfície do globo, nos nichos ecológicos mais diversos, das deformações e transformações introduzidas pelos “ruídos”6

na transmissão das incontáveis mensagens culturais, das inovações técnicas e noológicas que fizeram derivar as culturas umas das outras e as diferenciaram (cf. Morin 1973: 168). Este autor propõe uma tese relativamente à problematização da unidade-diversidade que se coloca ao nível das culturas e das sociedades humanas “(…) em termos simultaneamente análogos e diferentes daqueles do sistema generativo-fenomenal biológico (genótipo-fenótipo)”(Morin 1973: 165-168).

Deste modo, a partir do momento em que se constitui a cultura, segundo este autor, ela forma um sistema generativo que mantém e perpetua de forma invariável a complexidade dos fenómenos sociais e da sociedade. Mas, ainda de acordo com o autor

5 O autor refere-se à esfera noológica, ressalvando-se que esta integra o ramo da psicologia que estuda o

espírito humano.

6

Referência às perturbações no canal de comunicação desenvolvido no sistema de canais de comunicação do modelo linear de comunicação, de Shannon-Weaver.

(22)

10 o código cultural, da mesma forma que o código genético, mas até ainda mais do que este, encontra-se circunscrito a modificações diversificadoras, as quais, segundo o filósofo, “provém das variações ecossistémicas, entre outras, que surgem no meio da praxis fenomenal e, com o desenvolvimento das sociedades, multiplicam-se as fontes de invocação e de perturbação” (Morin 1973). Desta forma, e mesmo num permanente devir, o código cultural surge como um princípio que possibilita e mantém a invariabilidade, ao mesmo tempo que é integrador da diferença e, por isso mesmo, perpetuador da originalidade.

Este autor reitera ainda que a unidade do homem foi preservada não só apesar da diferenciação, mas, também, graças à diferenciação sociocultural. Edgar Morin refere que, esta última, ao mesmo tempo que aumentava as diferenças individuais, tornava as culturas — e, inclusive, as classes de uma mesma sociedade — estranhas entre si mas mantendo a unidade da espécie (Morin 1973), sendo que a dinâmica dos comportamentos socioculturais se torna, paradoxalmente, agregadora, integradora e exclusivista. Uma das funções da cultura deve consistir, precisamente, em transformar as diferenças em variedades, possibilitando, desta forma, a coexistência e uma paleta de matizes entre o Eu e o Outro diferente de mim.

Um pouco na senda do proposto pela teorização de Morin, e seguindo a linha de pensamento introduzida por Richard Dawkins em 1976, na sua obra The Selfish Gene, Ricardo Waizbort paraleliza, também, o campo biológico humano com o cultural. Segundo este autor os genes são replicadores biológicos encontrando-se, como seu contraparte a nível cultural os memes (Waizbort2003). Estes seriam, então, replicadores de uma espécie diferente, uma vez que a sua informação não se encontra inscrita no ADN, sendo as ideias transmitidas por diversos e múltiplos veículos. Segundo este autor, o programa de pesquisa dos memes propõe que se possa tratar as ideias e a cultura como um todo, como um processo de replicação semelhante à dos genes nas áreas biológicas (Waizbort2003), numa espécie de «darwinismo social».

Da mesma forma, Edgar Morin reiterava ser necessário considerar a cultura como um sistema generativo, constituindo quase um código cultural, uma espécie de equivalente sociológico ao que o código genético é para os seres vivos. O código cultural, segundo Edgar Morin, “(…) mantém a integridade e a identidade do sistema social, assegura a sua auto perpetuação ou a sua reprodução, protegendo-o contra a incerteza, o acaso, a confusão e a desordem” (1973: 167).

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11 Tal como no universo biológico, também no plano sociocultural se encontram padrões, hierarquias e regras, dialécticas e comportamentos que permitem o funcionamento da sociedade na sua total plenitude. O código cultural pressupõe, desta feita, uma narrativa performativa, mimética, normativa e prescritiva de capital simbólico, que pode — e deve — ser observado e estudado num universo contextual abrangente para poder ser interpretado, tal como discorreremos no Capítulo II.

Tendo vindo a sintetizar algumas problematizações de vários autores sobre questões de identidade num contexto social — sobre o Eu, o Outro e o Nós — tão-somente como fonte de contextualização teórica e alicerce do propósito desta dissertação, arriscaremos, então, discorrer ser a identidade sociocultural a súmula da dialéctica do indivíduo — da acção e do discurso —, dos seus comportamentos e da manifestação e interacção entre o Eu e o Outro num contexto social, visando quer a manutenção da sua integridade identitária, quer a sua integração e reconhecimento no seio de um universo sociocultural, ou seja, num grupo.

Os grupos7

têm a sua ética e a sua dinâmica, definindo, para si, as regras de funcionamento, o seu habitus8, o qual se aprende durante o processo de socialização — na interacção do Eu com os Outros — estando a formação e reprodução dos grupos relacionada com as suas representações simbólicas, com as suas manifestações, sendo a luta por estas representações o que decide se os grupos desenvolvem ou não uma identidade social expressiva e ganhando, inclusive, cunho prescritor.

Assim sendo, tanto a acção como o discurso são modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros enquanto homens9. Segundo postulados apresentados por Pierre Bourdieu, o autor interpreta as diferenças do estilo de vida, as dinâmicas de grupo, as práticas e representações simbólicas — o que este autor refere como habitus —, talvez como as mais fortes barreiras entre as classes e as suas dinâmicas.

Na perspectiva deste autor, as classes populares são vistas como homogéneas no seu habitus, movimentadas pela necessidade material (capital económico), estando carenciados no capital cultural, sendo, por consequência, dominadas pela cultura dominante. Por seu lado, no seio da classe dominante, e segundo discorre ainda Pierre Bourdieu, podemos encontrar dois tipos opostos de habitus os quais correspondem às

7 Referimo-nos a um tópico da teoria genética de grupos de Bourdieu (cf. Swartz 1997: 186).

8 Conforme postulado por Pierre Bourdieu, na sua obra de referência, La Distinction-critique sociale du jugement (1979).

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12 configurações de capital económico e capital cultural: um aristocrático asceticismo ou predisposição para austeridade e pureza e um hedonístico gosto pelo luxo, ornamento e ostentação (Bourdieu 1979).

Segundo Pierre Bourdieu (1979), estas diferenças no habitus encontram-se enraizadas nas subliminares condições materiais da existência, mas — e este é o ponto fulcral da teorização de habitus segundo este autor — estas diferenças materiais são experienciadas e representadas como distinções culturais, sendo na tradução prática das condições materiais em distinções simbólicas que se apresentam, para Bourdieu, as funções sociais da cultura. Corrobora David Swartz esta posição, referindo que: “Culture is a practical tool used for getting along in the social world” (1997: 95-115).

Apesar de a democratização da cultura ter promovido um certo esbatimento na, antes rígida, linha de fronteira entre cultura erudita e cultura popular, não deixa, no entanto, de haver um certo preconceito por parte de elites intelectuais, artísticas, ou mesmo pelas classes dominantes, para com a industrialização e o incrementado mercantilismo cultural, resultante da manipulação da cultura pela criação de sucedâneos para o consumo destes pelas massas. Esta temática permitiria um desenvolvimento mais profundo. Todavia, não sendo o escopo deste estudo, a questão será abordada apenas com foco na dinamização cultural dos jardins relativamente à sua utilização, remetendo uma teorização mais extensa para estudos posteriores.

No entanto, é através da interacção e na aceitação de contrastes por parte de estruturas socioculturais hierarquizadas que a relação entre indivíduos e grupos se mostra por vezes mais complicada. Nem sempre as diferenças se materializam em variedades, devido às diferentes manifestações de capital simbólico e à prática manifesta da influência de campos de poder, conforme pretendemos discorrer no ponto seguinte.

(25)

13 2. Campos de Poder

2.1. Relações de comunicação, poder e subordinação(o Eu e oOUTRO)

Hegel define a identidade própria contra a identidade dos outros. Quando se situa ao nível ontológico, a plena consciência de si próprio implica a submissão e talvez a destruição do outro.

(Steiner1992: 60)

As relações sociais, a relação entre o Eu e o Outro, são um permanente devir; revelam-se interacções de tensão, poder e subordinação. A dinâmica social, o funcionamento da sociedade desenvolve-se, como temos vindo a discorrer, em torno de discursos performativos, de comportamentos que oscilam entre a afirmação identitária individual e a identidade sociocultural, entre a necessidade de inclusão e o reconhecimento na identidade colectiva.

Como já atrás referido, a pluralidade humana, condição básica da acção e do discurso, tem o duplo aspecto de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de se compreender entre si; se não fossem diferentes, os homens não precisariam do discurso e da acção para se fazerem entender. Acontece que é através do discurso e da acção que os homens se podem distinguir, em vez de permanecerem apenas diferentes. Assim, tanto a acção como o discurso são modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros enquanto homens. Esta manifestação depende da iniciativa, sendo que se algum ser humano dela se abstiver deixará de ser considerado ser humano, deixamos de estar frente a uma vida humana, porque a vida baseada no discurso e na acção deve ser vivida entre os homens (Arendt 2007:189).

Inserimo-nos no mundo social através de actos e palavras (Arendt2007:189). O discurso corresponde ao facto de a distinção se revelar a efectivação da condição humana da pluralidade, isto é, de como ser distinto e singular entre iguais (cf. Arendt 2007: 191). Segundo Grant McCracken, o discurso e a acção, a diferença entre a linguagem e a cultura material difere nas suas finalidades comunicativas. Devemos procurar não as suas semelhanças, mas sim as diferenças entre ambos: “as long as we continue to insist on the similarities between material culture and language, we will remain imperfectly aware of important diferences” (McCracken 1990: 68). Segundo

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14 Grant McCracken, a cultura material suporta várias vantagens como meio de comunicação, sendo menos inconspícua e funcionando no universo da semiótica. No entanto, o processo comunicativo da cultura material, do seu capital simbólico, pode cair por terra caso não seja acompanhado de um universo discursivo — linguagem10 — que o suporte.

Como exemplo vejamos a seguinte situação — embora ficcional — da personagem Elisa Doolitlte, que Georg Bernard Shaw pretendeu retractar na conhecida obra Pigmalião, (1913), e como o seu bilhete de inclusão num determinado meio social passava por adoptar o código discursivo, a linguagem própria dessa classe dominante, com a familiaridade e distanciamento procedentes de uma relação, que pretendia demonstrar-se inata. O mesmo se passa com os códigos discursivos de universos sociais distintos, com dialectos e/ou sociolectos provenientes, por exemplo, de subculturas. Mesmo com o capital simbólico (material) correspondente, sem o código correto, sem o discurso conforme, a comunicação da cultura material fica destituída de autenticidade.

2.2. Dialéctica da Classe Social e Classe Cultural

They (primarily conceptual classifications) dictate a ‘sense of place’ in the social order and thereby fulfill the social closure functions of inclusion and exclusion.

(Swartz 1977: 185)

Como referido, a identidade sociocultural do indivíduo, as suas manifestações no espaço público, o seu habitus, ajudam-no a categorizar-se socialmente, sendo estas manifestações um processo comunicativo contínuo de tentativas identitárias de convivência ou integração na hierarquia sociocultural.

Na sequência do exposto relativamente à dialética de campos de poder na estratificação social, através do discurso e da acção, um objectivo central do trabalho de Pierre Bourdieu (1979) é mostrar como se correlacionam a classe social e a classe cultural. Segundo este autor, as práticas culturais são marcadores que sublinham a distinção de classes, contrariamente a teorias de, entre outros, Baudrillard e de David Swartz que enfatizam “o contingente incerto e o carácter socialmente diverso da vida cultural” (Swartz1997: 143). A dialéctica permanente entre a classe social e a classe

10

Embora não seja o escopo deste trabalho, mas cumpre referir que Pierre Bourdieu na sua obra O Poder do

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15 cultural relaciona-se com campos de poder — capital económico e capital cultural — e como estes se posicionam e funcionam na dinâmica da hierarquia social. Como aponta o autor “it reflects the ambiguous condition of being caught between two classes, one from which it is trying to escape and the other to which it is trying to gain access” (Swartz 1997: 178).

Esta dialéctica permanente, a classification struggle11, argumenta Bourdieu, trata-se de uma dimensão fundamental da luta de classes, a qual, segundo o autor, envolve os vários usos práticos que fazemos das classificações, tais como as práticas de distinção simbólicas: desde as diariamente mundanas de comida e vestuário, a manifestações do mais refinado gosto estético as quais personificam lógicas de inclusão e de exclusão. Acresce que o conflito de classes esteve, também, sempre muito relacionado com critérios estéticos sendo as distinções simbólicas simultaneamente conceptuais e sociais, conforme referido (Bourdieu1979), (Swartz 1997).

Na sua obra, Pierre Bourdieu (1979) considera o conflito como um factor fundamental de dinâmica de toda a vida social, na medida em que no seio de todos os pactos sociais se encontra a luta pelo poder. Argumenta este autor que estes conflitos, estas dualidades, são levadas a cabo tanto em torno de recursos simbólicos como materiais e que o capital cultural se tornou uma nova fonte de diferenciação na sociedade moderna. Nas palavras de David Swartz: “whether in the form of dispositions, objects, systems, or institutions, culture embodies power relations” (1997: 1).

Hannah Arendt (1979), por sua vez, argumenta que o antagonismo entre cultura e sociedade é real e anterior à sociedade de massas, enquanto Pierre Bourdieu menciona a natureza do conflito de classes nas sociedades pós-industriais como algo que, crescentemente, toma a forma de investimentos em cultura (bens culturais) e em distinções simbólicas. De forma mais geral, Bourdieu argumenta que as classes sociais tendem a investir em distinções simbólicas — materiais ou performativas — que lhes dêem a aparência de grupos de status ou, para Bourdieu, de classes sociais disfarçadas (Bourdieu 1979).

Desta forma, a acção, o discurso performativo do indivíduo tacitamente pedido pela necessidade de socialização, pressupõe manifestações tangíveis de capital

11 Referimo-nos ao conceito postulado por Pierre Bourdieu na sua obra La Distinction, (1979), em que o

autor refere ser o principio da divisão indissociavelmente lógico e sociológico, funcionando dentro e para o propósito da luta entre grupos sociais: ao produzir conceitos, produzem grupos, os mesmos grupos que produzem os princípios e os grupos contra os quais são produzidos (Bourdieu 1979).

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16 simbólico. Apresenta-se, assim, necessário fazer uma breve incursão pela dualidade entre o material e o simbólico pois, segundo Richard Elliott, “there is always a mediated relation between matter and meaning “ (Elliott 1997: 287).

A partir do momento em que é ultrapassada a possibilidade de um produto satisfazer unicamente as funcionalidades físicas para as quais foi traçado, entramos no reino do simbólico, sendo o significado simbólico que, entre outros, é utilizado na busca pelo significado da existência. Os consumidores já não consomem, segundo as teorias pós-modernas (Elliott 1998) de consumo, somente pelas utilidades materiais, mas, sim, e maioritariamente, pelo significado simbólico, pelas representações sociais — ostentação — desses bens.

Ainda segundo Elliott (1998) a posse de bens materiais tem um profundo significado simbólico tanto para os seus detentores como para os outros e o significado simbólico — processo comunicativo — dos pertences de cada indivíduo são uma forma de expressar a sua identidade e de, reciprocamente, percepcionar a dos outros.

Assim, e como desenvolve o autor, os bens de consumo — físicos — e o seu significado simbólico apresentam uma função biunívoca: para fora, construindo o mundo social através do simbolismo social que aportam; para dentro, construindo a identidade individual, através do simbolismo identitário (Elliott 1998). O consumo como prática cultural pode ser, assim, uma forma de participação na vida social, uma forma de entrosamento com um determinado universo sociocultural, podendo ainda revelar-se como importante factor de sedimentação nas relações interpessoais.

No entanto, há que ressalvar um importante aspecto: não é a materialidade nem a funcionalidade do objecto consumido que o torna um factor de inclusão, mas sim o seu capital simbólico, a mensagem que socialmente esse objecto comunica. O consumo, neste caso, estende-se, obviamente, à aquisição de produtos, bens ou serviços culturais ou mesmo a outras práticas reconhecidas socialmente tais como, por exemplo, a utilização/fruição do espaço público.

Em algumas áreas das ciências sociais, o capital simbólico pode ser referido como: os recursos disponíveis do indivíduo na base da honra, prestígio e

reconhecimento (itálico nosso), e serve como um valor (itálico nosso), que o indivíduo

detém dentro de uma cultura. Um herói de guerra, por exemplo, pode, num determinado contexto, possuir o capital simbólico necessário para se candidatar a um cargo público de prestígio. E é neste sentido que alguns teóricos, tais como Pierre Bourdieu, têm dissertado acerca da “acumulação” de capital simbólico, considerando que este se

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17

acumula, num primeiro momento, através da realização de obrigações sociais que se encontram, elas mesmas, embebidas de uma aura de potencial prestígio (Bourdieu 1979). Através do exercício da socialização o capital simbólico encontra o seu eco, sendo que, dependendo do contexto, pode ou não ser um elemento integrativo.

Tal como acontece com a acumulação de capital económico, o capital simbólico pode, também ele, ser convertido em vantagens/benefícios dentro das esferas socioculturais respectivas. No entanto, ao contrário do capital económico, o capital simbólico funciona de forma diferente uma vez que o seu valor pode ser exponenciado ou reduzido por variantes tais como, por exemplo, o período histórico ou sociogeográfico.

O capital simbólico necessita de um contexto original no qual se espelhe e no qual seja entendível e identificável, ou seja, o seu sentido assenta numa determinada cultura ou num determinado espaço geográfico-temporal no qual e para o qual foi produzido. Não obstante o que atrás se refere, o capital simbólico pode extravasar fronteiras, atravessar culturas e ser entendível fora do seu contexto inicial. Num mundo multicultural, tecnológico e globalizado, como o presente, o capital simbólico originado e relevante num determinado contexto histórico ou cultural específico pode ganhar uma forma mais universal, adquirindo valor e validade em contextos que a priori não se afigurariam possíveis. Acrescenta Pierre Bourdieu:

Firstly, as any form of performative discourse, symbolic power has to be based on the possession of symbolic capital (…) Symbolic capital is a credit; it is the power granted to those who have obtained sufficient recognition to be in a position to impose recognition. (1989: 23)

O capital simbólico, para o ser e para exercer o seu valor como campo de poder, tem de ser percepcionado pelos outros e tal acontece através do processo comunicativo: de manifestações e discursos performativos que o tornam público. Desta forma, o capital simbólico pode revelar-se através de objectos, na sua qualidade de representações abstractas de um determinado discurso sociocultural ou através de práticas sociais tais como a forma de fruição do espaço público. Ainda segundo Pierre Bourdieu, é através da distribuição de propriedade, de bens, que o mundo social se apresenta como sistema simbólico, o qual se organiza, desta forma, de acordo com lógicas de diferenciação e de distanciação diferencial (Bourdieu 1989). As diferenças

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18

funcionam como símbolos distintivos e como símbolos de distinção. O capital simbólico percepcionado pelos outros funciona como uma imagem do indivíduo e da sua posição no espaço social, como nota Bourdieu:

Owing to the fact that symbolic capital is nothing other than economic or cultural capital when it is known and recognized, when it is known through the categories of perception that it imposes, symbolic relations of power tend to reproduce and to reinforce the power relations that constitute the structure of social space.

(Bourdieu 1989: 21)

Na visão do sociólogo francês Michel Maffesoli, alvo de acesas controvérsias no seu milieu, o autor refere que somos o que somos porque os outros nos reconhecem como tal, sendo que a vida social para este autor não deixa de ser apenas uma expressão de sentimentos de pertenças sucessivas (Maffesoli 1998) tendo como alternativa, segundo Zygmunt Bauman, “uma sucessão de rejeições ou uma exclusão final como penalidade pelo fracasso de abrir caminho para o reconhecimento, seja por meio da força, argumentação [discurso] ou artimanhas [performativo]” (Bauman2007:107).

A manifestação de comportamentos, e o surgimento de tendências cada vez mais rápido e efémero, pauta-se pela necessidade de consumo desenfreado e por novas interacções do capital simbólico. A necessidade de actualização permanente de capital simbólico é um imperativo categórico para a prática do apelidado «darwinismo social». Movimentamo-nos num universo cada vez mais dinâmico e universalista, principalmente devido aos media, pelo que as distinções simbólicas não são estáticas e os elementos prescritores, e as hierarquias de prescrição, também eles evoluíram, sendo os media12 um dos elementos primordiais nesse universo prescritor.

As distinções simbólicas fazem parte e reproduzem as tendências do contexto social, cultural, geográfico, temporal de uma época. A dialéctica entre o posicionamento social das distinções simbólicas, quer do capital económico, quer do capital cultural vão variando, sendo que o capital simbólico da cultura ganha o seu espaço e a sua influência em determinados universos de prescrição, tal como apresentaremos posteriormente.

12

Segundo Richard Elliott e Kritsadarat Wattanasuwan, os media têm hoje em dia um enorme peso como prescritores (cf. Elliott e Wattanasuwan 1998: 17-20).

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19 2.3. Consumo enquanto Capital Simbólico

Em outras palavras, ao contrário das coisas, dos actos ou das ideias, os valores nunca são produtos de uma actividade humana específica, mas passam a existir sempre que os objectos são trazidos para a relatividade da troca, em constante mutação, entre os membros da sociedade.

(Arendt 2007: 178)

Na essência da dinâmica e das hierarquias sociais encontram-se narrativas e comportamentos; acções imbuídas de capital simbólico que protagonizam rituais conceptuais de identificação social. Uma das manifestações de capital simbólico revela-se através do consumo.

Segundo Raquel Ribeiro (2008), pode entender-se por consumo “o ato de apropriação e/ou utilização (geralmente de carácter aquisitivo, implicando uma troca de um determinado bem ou serviço, por parte de um ou mais indivíduos, com vista à satisfação de necessidades materiais ou não-materiais” (2008: 3).

Em particular pode ser debatido que o consumo pode ser conceptualizado desde uma perspectiva cultural, social e psicológica como sendo um pedra de toque na negociação de temas conflituantes, tais como liberdade e controlo, nos discursos socioculturais, o que vai um pouco ao encontro da posição proposta por Raquel Ribeiro, a qual enfatiza o papel da estrutura social — cariz estruturalista — na determinação das escolhas de consumo (Ribeiro 2008). Richard Elliott e Kritsadarat Wattanasuwan (1998) aludem, neste sentido, que o consumidor através das suas escolhas de consumo é de facto um agente activo na construção de um sentido sublinhando que:

It is proposed here that in postmodernity the consumption of symbolic meaning, particularly through the use of advertising as a cultural commodity, provides the individual with the opportunity to construct, maintain and communicate identity and social meanings. (…) This is not an attempt at rehabilitating the practice of marketing, but is intended to demonstrate that the consumer is far from being a passive victim but is an active agent in the construction of meaning.13 (1998: 17-20)

13

De certa forma contrariamente ao teorizado por Theodor Adorno (2003: 26), que problematiza a questão de o consumidor não ser sujeito, mas, sim, o objecto da industrialização cultural.

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20 Neste sentido, e no seguimento do anteriormente exposto, toda uma nova concepção da estratégia de classe se organiza à volta da posse — e/ou emulação — de bens materiais e/ou culturais.

Segundo Jean Baudrillard, toda a lógica cultural de classe na sociedade burguesa se funda no alibi democrático dos universais; a religião foi um universal; os ideais humanistas de liberdade e igualdade também já foram universais, sendo que “(…) actualmente, o universal toma a evidência absoluta do concreto (objecto): são as necessidades humanas e os bens materiais e culturais que lhe respondem. É o universal do consumo” (1972:44).

Ainda segundo Jean Baudrillard, a ambiguidade do consumo, embora parecendo funcionar como factor de democratização numa sociedade que se diz estratificada, parece antes servir melhor para funcionar como instituição de classe (cf. Baudrillard 1972:44).A democratização do consumo possibilita exponencialmente a emulação das classes dominantes.

No início do século XIX, no período da Revolução Industrial, a produção de bens obteve um crescimento exponencial, promovendo, desta forma, uma baixa de preços e possibilitando a um maior universo de grupos sociais o acesso ao consumo de bens que, anteriormente, lhes estava interdito. Os primeiros grupos a emergirem como consumidores de um mercado de bens de luxo, foram as classes aristocráticas e a alta burguesia abastada.

Desde então, e até meados do século XX, segundo o conceito cunhado por Thornstein Veblen, de conspicuous consumption,14 o grupo de consumidores alargou-se

a um mais vasto universo de grupos socioculturais, tornando-se o consumo uma prática (um way of life) nas economias modernas. Segundo Anthony GiddensePhillipStutton, a competição pelo status social era exponencialmente baseada nos padrões de consumo, pelo que: “The way of life common to the relatively rich societies, which promotes the continual purchase of consumer goods is beneficial for both the economy and personal fulfillment” (2014: 74).

As sociedades industriais capitalistas encontram-se baseadas num sistema de produção em massa. Para escoar esse mesmo volume de bens produzidos, afigura-se necessário um consumo em massa. À medida que o trabalho, a profissão se tornou menos importante na criação da identidade, o consumo veio trazer, aos indivíduos, a

14

Conceito postulado por Thorstein Veblen na sua obra The Theory of the Leisure Class: an economic

(33)

21 possibilidade de construir uma identidade pessoal e colectiva, através da aquisição de objectos, de bens de consumo ou de qualquer outro discurso performativo de capital simbólico. Richard Elliott e Kritsadarat Wattanasuwan acrescentam ainda que todo o consumo voluntário transporta, quer consciente, quer inconscientemente, significados simbólicos e que estes significados podem ser individuais ou partilhados com outros

(1998:17-20).

O significado simbólico dos bens possuídos pode, por um lado, representar essências de identidade ou de desejadas conexões com um universo sociocultural. De acordo com Richard Elliott e Kritsadarat Wattanasuwan, o consumo simbólico ajuda o indivíduo a categorizar-se socialmente, sendo um processo contínuo de tentativas identitárias de integração (1998:17-20).

Desta forma, e uma vez que as sociedades de consumo proporcionam o desenvolvimento de identidades pessoais, tal serve para descentrar certos conflitos sociais, integrando mais grupos no processo competitivo da competição por status, através de trocas simbólicas. Desta forma, a viragem para a sociedade de consumo, marca mudanças significativas nos planos económicos, políticos e culturais, como nota Jean Baudrillard:

Absurdo falar da «sociedade de consumo» como se o próprio consumo fosse um sistema de valores universal, próprio de todos os homens, uma vez que fundado na satisfação das necessidades individuais. Na verdade trata-se de uma instituição e de uma moral e, a este título, em qualquer sociedade passada ou futura, de um elemento de estratégia de poder. (1972: 49)

Curiosamente, a questão de que o consumo de massas é uma força motriz para a produção, parece representar uma força e dar um peso ao consumidor que pode ser considerado como não existente. No fundo, numa sociedade de consumo de massas, pode ficar em aberto a questão de quem é que detém realmente o poder neste sistema; o produtor ou o consumidor.

Não sendo esse o objecto da nossa abordagem, não deixa de se afigurar pertinente registar essa questão. Segundo teóricos como Theodor Adorno, entre outros, o consumidor não é soberano, pois é manietado e levado a consumir. Este autor, por exemplo, refere que o cliente não é sujeito, mas sim objecto, uma vez que as “massas não são a medida mas a ideologia da indústria da cultura” (Adorno 2003: 97). Mais do que um bem, do que um produto que o mercado produz, o consumidor compra uma

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22 ideia associada a esse produto, (capital simbólico) normalmente sob a influência de um elemento prescritor (necessidade de emulação):

In the post war period — a period of years of great economic expansion which saw the spread of cultural goods via the market — a different idea emerged that took less account of the conflicts amongst consumer tastes and instead concentrated on the power exercised by mass communication, by the cultural industry and advertising, and their capacity to manipulate tastes.

(Sassatelli2007: 54)

A filosofia do consumo, deixando cair por terra o valor de uso dos objectos e apelando apenas ao seu valor de troca, transforma necessidades em desejos. Os indivíduos são, por sua vez, incitados a realizá-los, criando uma falaciosa ideia de que a felicidade se pode comprar e de que o consumo permanente de bens é absolutamente natural. Entra aqui o valor simbólico da troca, em que um objecto não é consumido pelo seu valor de uso mas pelo seu valor de troca (simbólica), como emulação. O consumidor atua de forma mimética, seguindo os “desejos e as necessidades” que lhe são criadas por prescritores distintos e nos quais, o consumidor, se revê.

Segundo Jean Baudrillard, algo que se afirma como uma verdade inultrapassável e que é reconhecido desde há muito na área da produção económica, é o desaparecimento do valor de uso e a ascensão do valor de troca, o qual deve ser entendido como a base real da esfera de consumo e do sistema cultural em geral: “(…) a saber, que tudo, e até a produção artística, intelectual, científica, até a inovação e a transgressão, tudo é aí imediatamente produzido como signo e como valor de troca”

(1972: 79).

Ainda segundo Jean Baudrillard, o efeito da moda (dinâmica e cíclica) só aparece em sociedades com mobilidade social (e para lá de um certo limiar de disponibilidades económicas). O estatuto social ascendente ou descendente deve inscrever-se num fluxo e refluxo contínuo dos signos distintivos. O consumo de capital simbólico (valor de troca) tem de ser permanente, nesta modernidade líquida15. Cada vez mais é efémero o período de vida do objecto como capital simbólico e, segundo Baudrillard, os objectos de que nos rodeamos constituem, em primeiro lugar, um balanço, uma verificação do destino social (Baudrillard:1972). Isto é, os objectos após

(35)

23 adquiridos tornam-se um destino, uma posição estática num determinado espaço temporal, inusitadamente contrário a uma mobilidade social. Propõe Jean Baudrillard o seguinte: “Actualmente, o mínimo vital é o “standard package”, o mínimo de consumo imposto. Abaixo disso, sois um associal — e a perda de estatuto, a inexistência social será ela menos grave do que a fome?” (1972: 72).16

A ascensão na escala social, segundo o autor, acarreta consigo uma multiplicação e diversificação rápida no consumo dos objectos. O consumo igualiza uma permanente renovação (Baudrillard 1972). Aliás, é a rapidez nessa circulação acelerada de objectos, de capital simbólico, que acaba por significar e fazer parecer a existência de uma mobilidade social que, curiosamente, segundo Jean Baudrillard (1972), é inexistente. O autor vê ainda que esta renovação permanente de objectos, de capital simbólico, serve como compensação, por vezes, à frustração de aspiração ao progresso sociocultural dos indivíduos:

Todos os objectos são revogáveis perante a instância da moda: isso bastaria para criar a igualdade de todos perante os objectos. Ora. Isto é evidentemente falso: a moda, tal como a cultura de massas, fala a todos para melhor colocar cada um no seu lugar.

(Baudrillard 1972: 35)

Tomemos, como exemplo, os objectos de tecnologia: muito caros e estatutários quando são apresentados no mercado, mas que perdem a aura de unicidade e de estatuto imediatamente após a sua aquisição, através da massificação do consumo. Isto é, alteram o seu valor enquanto capital simbólico. Segundo Zygmunt Bauman: “O consumo é uma actividade um tanto solitária (talvez até o arquétipo da solidão), mesmo quando, por acaso, é realizado na companhia de alguém. Da actividade de consumo não emergem vínculos duradouros” (2007: 101).

Relativamente aos significados simbólicos da cultura de consumo atual, as teorias sociais contemporâneas passaram a olhar o consumo como algo que apresenta um papel preponderante na forma como o mundo social é construído, ao mesmo tempo que desenvolvimentos nos estudos antropológicos pós-estruturais, levaram a que se renovasse o interesse na estreita relação entre a sociedade — e o processo de

16

Deixando em aberto uma questão controversa, relativamente à pirâmide de necessidades de Abraham Maslow.

(36)

24 socialização — e a cultura material 17 (Campbell 1995), (Miller 1987). Diríamos, ainda, na relação entre a socialização, as suas hierarquias e o capital simbólico — ou de capital simbólico.

Na visão dos sociólogos Giddens & Stutton (2014), o trabalho foi perdendo importância no processo de formação identitária tomando o consumo o seu lugar, permitindo este uma construção identitária através da aquisição de vários objectos, sendo que as sociedades de consumidores proporcionam a construção de identidades através do consumo, descentrando, desta forma, conflitos sociais baseados na produção, e envolvendo mais grupos sociais no processo de competição pelo estatuto através de trocas simbólicas (Giddens & Stutton 2014).

Assim, os bens de consumo — bens materiais — possuem um significado que ultrapassa o seu carácter utilitário e comercial, o qual reside na capacidade de estes bens serem veículos de comunicação de significados culturais (McCracken 1990: 71). Estas tendências podem ser incluídas no desenvolvimento das teorias de culturas de consumo, pós-modernas, as quais se focam nos aspetos das práticas culturais na construção de uma sociedade de consumo em vez de simplesmente no consumo per se (Elliott1999: 112-126).

Thornstein Veblen (2009), na sua teorização de conspicuous consumption, refere que este consumo é baseado na evolução de uma sociedade de produção excedentária, na qual a relação entre propriedade e status se tornam exponencialmente importantes e na qual se desenvolve uma hierarquia entre os que possuem e os que não possuem. No entanto, Jean Baudrillard sugere:

A diferença fundamental entre o potlatch aristocrático e o consumo é que as diferenças são actualmente produzidas industrialmente, burocraticamente programadas sob a forma de modelos colectivos e não já na reciprocidade pessoal do desafio e da troca. Uma vez mass-mediatizado, já não passa do simulacro da competição que opera na concorrência estatutária. Esta já não tem a função distintiva real que tinha ainda em Veblen: os grandes dinossauros da wasteful expenditure transformam-se em inumeráveis indivíduos votados a uma paródia de consumo artificial, mobilizados como consumidores pela ordem de produção. (2000: 116)

17 Segundo a visão apresentada por Daniel Miller na sua obra, Material Culture and Mass Consumption

(1987). Vários são os autores que se debruçam sobre este tema, o qual potenciava uma explanação e problematização mais profundas. Todavia não se revela, no âmbito do presente estudo, possível alargar o

(37)

25 Na sua teoria, Thornstein Veblen desenvolveu um framework evolutivo no qual as preferências são determinadas socialmente em relação às posições que os indivíduos detêm na hierarquia social. Segundo a teoria de conspicuous consumption os indivíduos emulam os padrões de consumo de outros indivíduos (prescritores) que se encontram numa posição superior na hierarquia sociocultural (Veblen 2009). Este consumo, esta emulação, actua como capital simbólico no tecido social e económico ao longo do tempo.

Segundo Sassatelli, conspicuous consumption pode ser considerado como uma versão individualista moderna das técnicas de construção de identidade e de distinção social, a qual era comum nas sociedades tradicionais através da acumulação de objectos preciosos e cujo valor aumentava com a — Patina — passagem do tempo (Sassatelli 2007: 67). Jean Baudrillard refere ainda o seguinte:

Na época em que Thornstein Veblen o descreveu com vivacidade, no início do século XX, o “consumo ostensivo” comportava um significado bem distinto do actual: consistia na exibição pública de riqueza com ênfase na sua solidez e durabilidade, não numa demonstração da facilidade com que prazeres imediatos podem ser extraídos de riquezas adquiridas, sendo pronta e plenamente usadas, digeridas e saboreadas, ou removidas e destruídas ao estilo

potlatch.

(Baudrillard2000)

Gilles Lipovetsky, na sua obra A Cultura Mundo — Resposta a uma Sociedade

Desorientada (2106) relativamente ao consumo alvitra se possuir mais, é possuir o

melhor,18 e ainda se o jogo da emulação e o sistema prescritivo permanecem como a particular concretização da identificação sociocultural, necessária nas dinâmicas hierárquicas e no jogo social.

18 Curiosamente verifica-se, hoje em dia, a emergência de uma tendência cujo chavão é Less is More, que

se enquadra nos paradigmas do presente e que demonstra a faceta da dinâmica das tendências e da interligação com o capital simbólico do capital cultural que não é de consumo nem de ostentação imediato, contrariamente ao capital económico (material).

(38)

26 2.4. O Capital Simbólico da Cultura

Culture is a distinct form of power that functions like capital, but with its own specific laws of exercise.

(Swartz 1997: 127)

Numa sociedade, pertencer a um grupo é, para além de um acto sociológico, um acto cultural, e tal como referido por David Swartz19 (1997) a cultura providencia o alicerce para a interação e comunicação humana, mas é também, por sua vez, uma fonte de dominação (Swartz 1997).Uma das formas de poder da cultura é o exercício desta enquanto capital simbólico.

De facto, na sua teorização, Pierre Bourdieu (1979) relaciona o poder simbólico da cultura com a forma como conceptualiza todo o sistema simbólico, seja ele de arte, religião, ciência, ou linguagem20. Deste modo, segundo refere Swartz os sistemas simbólicos são construídos por lógicas essenciais de inclusão e exclusão, sendo que todos os sistemas simbólicos seguem, desta forma, uma lógica fundamental de classificação, divisão e agrupamento de itens em classes opostas, gerando significados utilizados para enaltecer o poder das relações na vida social, através de uma lógica binária de inclusão e exclusão (Bourdieu 1979, 1989), (Swartz 1997).

Para Pierre Bourdieu (1979, 1989), os sistemas simbólicos desempenham ao mesmo tempo três funções interrelacionadas, ainda que distintas: a cognição, a comunicação e a diferenciação social.21 Neste sentido, refere os sistemas simbólicos como códigos que canalizam profundos significados estruturais, partilhados por todos os membros de uma determinada cultura, pelo que providenciam uma função de integração comunicacional e social.

As distinções simbólicas são, simultaneamente, conceptuais e sociais. Estas classificações conceptuais primárias são também classificações sociais que servem para nivelar indivíduos e grupos na ordem estratificadora (Swartz 1977: 184-5). Pierre Bourdieu enfatiza o facto de os sistemas simbólicos, para além de providenciarem funções cognitivas e integrativas, também servirem como instrumentos de domínio,

19 David Swartz aborda na sua obra a teoria de campos de poder de Pierre Bourdieu.

20 De acordo comDavidSwartz,Bourdieu encontra influências no estruturalismo francês, principalmente,

em Saussure(cf.Swartz1977).

Imagem

Figura 2:- Curva de Inovação de Rogers. (https://tinyurl.com/yabaw6ph).
Figura  4:  Relvado  do  Jardim  da  Estrela  durante  o  dia.  ( © CML).  http://www.cm- http://www.cm-lisboa.pt/uploads/pics/tt_address/jardim-guerra-junqueiro_ALA1745.jpg
Figura 5: Uma vista do Jardim da Estrela. ( © Ana Tomaz)
Figura 7: Vista de um espaço relvado do jardim da Estrela num dia de semana   ( © Ana Tomaz)
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Referências

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