CENTRO
DE
FILOSOFIA E CIÊNCIAS
HUMANAS
OPROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM
PSICOLOGIA
REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
DAS OCUPACÕESz
UM
ESTUDO
COMPARATIVO
ENTRE ARQUITETURA
E
ENGENHARIA
CIVIL
EM
FUNÇÃO
DO
GÊNERO
EM
FLORIANÓPOLIS
Rosa
Cristina Ferreirade Souza
Florianópolis .
2000
UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE SANTA CATARINA
CENTRO
DE
FILOSOFIA
E
CIÊNCIAS
HUMANAS
PROGRAMA
1)E.PÓS-GRADUAÇÃO
EM
PSICOLOGIA
REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
DAS
OCUI>ACÕESz.
UM
ESTUDO
COMPARATIVO
ENTRE ARQUITETURA
E
ENGENHARIA
CIVIL
EM
FUNÇÃO
DO GÊNERO
EM
FLORIANÓPOLIS
Rosa
Cristina Ferreirade Souza
Dissertação apresentada ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa
Catarina
como
requisito parcial para obtençãodo
título de Mestre
em
Psicologia.Prof. Dr. Brigido
Vizeu
Camargo
Orientador
Florianópolis '
Centro
de
Filosofia
Ciências
Humanas
Prograema
de
Pós-'Graduação
em
;P.si'co'log:ia--.Mestrado
REPRESENTA
ÇÓEss0c1A1s
DAS
OCURAÇÓES:
AUMESTUDO
:COMPARA
T1110
ENTRE
ARQUITETURA
E
ENGEz\jHAR1A
CIVIL
EM
EUNÇÃODOA
GENER0
EM
FLORIANOPOLIS
E
RosarCristina
F
erreíra
de Souza
Dissertação -defendida
como
zrequisito básico '-paraobtenção .de
Grau
de Mestreno Programa
.de Pós-Graduação
-em Psicologia-
MestradoàÁrea
de Concentração: Psicologia- e Sociedade -e a-provadapela
Banca
Examinadora
coniposta pelosÊ
É
x segiintes professores:
Prof. Dr. José Ca-rlos.Zane1li
.Coordenador
do
.CursoBanca
Examinadora:'V/'
2.
Prof. Dr. Brígido Vizeu .Camargo -(UFSC)
M41//,
Orientador
Prof. iDr.~ - son Alvesâde
Souza
Filho(UFRJ)
'
Prof* Draflélia Maria`Nascimento1 ilZe`.(UPSC)
À
memória
das
pessoas.
com
as.quais
compartilheiimportantes
momentos;
e que
infelizmente,
partiram
durante
a
elaboração
deste trabalho:
meu
Pai, tiaO
meu
reconhecimento àUniversidade
Federalde Santa Catarina
pela oportunidade, aoCurso
de
Pós-Graduação
em
Psicologia pelos ensinamentos e àCAPES,
pelo auxílio financeiro.Agradeço
àquelesque
auxiliaram naformação
deste trabalho.A
Léo Rosa
de
Andrade,
com quem
pude
discutir as primeiras idéias; aCésar Caetano
eCida
Cesca
Caetano
pela colaboração digital.Também
aosque
receberam o desafogodas preocupações e
ajudaram-me
a permanecer' confiante, principalmente àRosemeri
Elias e Volnei Cechinel Cesca.`
.
A
minha
família,exemplo de
carinho e afeto, particularmente àminha mãe, por
seu
amor
incondicional.Ao
Fabrício Ferreira peloempréstimo
técnico; à ClareteFerreira
Corbetta
eDora
Dolvino, Isabel Ferreira Pereira e Isaura FerreiraRodrigues, pela acolhida e interesse, e aos
demais
por se fazerem presentes.Aos
Professores,Doutor
José Carlos Zanelli eDoutor Kléber
Prado
Filho, pelaatenção.
Aos
Professores,Dpytor
Moacir Carqueja
eDotgora “Marina
Fialhopor sua colaboração e à Janete
Martins
Brommer,
por todo o apoio burocrático.Agradeço
também
ao ProfessorDoutor
BrigidoVizeu
Camargo,
irrepreensível orientador, pela oportunidade e aprendizagem.Às
ProfessorasDoutora
CléliaMaria
Nascimento-Schulze
eDoutora
Mara
Coelho de
Souza
Lago, e aoProfessor
Doutor
Edson
Alvesde
Souza
Filho,que
por certo, melhorarão estetrabalho
com
contribuições significativas. ~-ÍNDICE
Agradecimentos
... ..vÍndice
... ..vi1Resumo
... ..x1 _Abstract
... ..xi11Introdução
... ..011.
Conceitos
sobre Identidade
... ..Q6 1.1. Identidade deGênero
e Papéis Sexuais ... ..071.2. Identidade Profissional ... .. 15
2.
Representações
Sociais,Identidade Social
eRelações lntergmpais
... ..2l 3.Método
... ..453.1.
Delineamento da
Pesquisa e Participantes ... ..453.2. Caracterização dos Cursos ... ..46
3.3. Instrumentos de Coleta de
Dados
... ..473.4. Procedimentos ... ..48
4.2. Resultados obtidos a partir
da
Técnicade
Entrevista ... ..644.2.1. Representações Sociais
da
Arquitetura eda
Engenharia Civil segundoo Gênero
... ... ..644.2.2.
O
Gênero
como
Modulador
das Representações Sociaisdas
Ocupações
... ..73 5.Conclusão
... ..81 6.Referências Bibliográficas
... ..88 .iu 7.Bibliografia
Consultada
... . .93Anexos
Anexo
1 - Tabela comparativado
número
de profissionaisda
Engenharia CivilArquitetura de acordo
com
o
gênero .Anexo
2 - Atribuições Profissionais das áreas de Engenharia Civil e ArquiteturaResumo
Este estudo procura articular as Teorias das Representações Sociais (Moscovici, 1961) e a
do Conflito
Intergrupal (Tajfel, 1979),' considerando a interfacedo
gênero. Trabalhou-secom
112 participantes (estudantes e profissionais) de duas ocupações profissionais consideradaspredominantemente
masculina e feminina, respectivamente, as de EngenhariaCivil e Arquitetura. Buscou-se conhecer
o
conteúdo das representações sociais que osparticipantes dessas duas áreas compartilham sobre a sua e a outra área, analisando-as
numa
perspectiva intergrupal. Buscou-se conhecertambém,
a partirda
perspectivade
gênero, asrepresentações
que
os participantes dos sexos masculino e femininoproduzem
sobre asduas
ocupações
e,também,
como
o objeto gênero está relacionado à questãodo
trabalho.Utilizou-se
como
instrumentos de coletade
dados, as técnicas de evocação livre e deentrevista semi-dirigida.
Os
resultados obtidoscom
a técnica deevocação
livreapontam
para
um
provável conflito profissional entre os participantes das duas áreas consideradas.Os
conteúdos das entrevistasmostram
diferentescompreensões
produzidas pelos gruposmasculino e feminino
em
relação às duas áreas deocupação
profissional. Indicamtambém
diferentes explicações desses dois grupos para a "sexualização das ocupações".
Constatamos- a relevância
do
gênero nas pesquisas sobre representações sociais.Palavras-chave: representações sociais; relações intergrupais; gênero; trabalho; arquitetura;
This project looks forward to articulating the theories
of
Social Representations(Moscovici,1961)
and
of Intergroup Conflict (Tajfel, 1979), considering the interfaceof
the gender.A
hundred
and twelve participants (students and professionals),of
two
professionaloccupations considered to
be
predominantlymale and
female ones, Civil Engineering andArchitecture,
were
worked.One
of
the aimsof
this project is toknow
the content of thesocial representations that are shared
by
the participantsof
thesetwo
areas, analysingthem
upon
an
intergroup perspective.Another one
is toknow
-from
the gender perspective - therepresentations that the participants
of
bothmale
e female sexes produceupon
thetwo
occupations and, also,
how
the gender object is related to the jobs.Data
collecting, freeevocation technique and semi-directed survey.
The
obteneid results with the free evocationtechnique point out a probable professional conflict
among
the participantsof
thesetwo
considered areas.
The
resultsof
the surveysshow
different understandingsproduced by
themale and
.female groups in relation to thetwo
areasof
occupation.They
also indicate different explanations of thesetwo
groups according to the sexualizationof
occupations.The
importanceof
gender in the researches about social representationswere
found.Key-words:
social representations; intergroup relations; gender; job; architecture, civilengineering, _
-\
Introdução
A
Teoria das Representações Sociais surgecom
a finalidade de manter 'articuladas Ci- ências psicológicas e sociais,rompendo
com
a tradição individualistaque
marca
fortemente apsicologia social norte-americana. Esta, de acordo
com
Farr (1995) éuma
forma
psicológicade psicologia social,
onde o
alcanceda dimensão
psicossociológica é, por assim dizer, restri-t0.
A
Psicologia Social Européia, entretanto,não
tem
se interessado simplesmente pela relação entre as pessoas,mas
pelacomplexidade
dessas relações,na formação
de grupos ede
seus interesses, conflitos, produçõesde
conhecimentos,enfim,
entendendoque
nãohá
uma
sociedade
de
indivíduos,mas
que
existem formas cognitivas sociais, ou,conforme Moscovici
(1981) "pensamentos compartilhados".
O
estudo das cognições sociais foi revisto porMoscovici
(1961),que
inaugurou aTe-
oria das Representações Sociais considerando a existência
de
,uma
"sociedade pensanfe", contribuindo aindamais
para os estudosem
Psicologia Social. _Moscovici
(1961),tomou
emprestadoo
conceitode
representações coletivasde
Durkheim
(1912). Para este autor a sociedadetem
como
substratoum
conjunto de indivíduosassociados e
o
sistemaque une
esses indivíduosde alguma forma
é organizadosegundo
a exposição desses à natureza, ao ambiente, às interações. Este autor permitiu destacaro
ele-›
mento
simbólico das relações sociais.No
entanto esse "social"na
teoriaDurkheimianaapare-|
ce
como
algo estático, é dicotômico, exerceum
caráter individual versusum
caráter social.De
acordocom
Farr (1995), a teoria deDurkheim
(1912) fazuma
leiturado
indivíduo en-quanto produto social, deixando a ver a necessidade de
uma
teoriaque
fizesse a leiturado
indivíduo enquanto
promotor
demudanças
na sociedade. Esse éum
dos motivos pelos quaisMoscovici
(1978
) critica aabordagem
Durkheimiana, pornão
tratarda
"(...) pluralidadede
modos
de
organizaçãodo pensamento
" (p.42). Para Moscovici (1978) os objetosda
proble-mática cotidiana suscitam a
formação
de representações sociais.As
pessoas constróem teo-rias
(produzem
e partilham conhecimentos),tendoem
vista a necessidade de explicar os fe-nômenos
com
que
sedeparam no
cotidiano. Produzidos nascomunicações
dos grupos, essesconhecimentos são denominados."teorias
do
senso. comum!'..A
dimensão
grupal está estritamente relacionada àprodução de
representações soci-ais.
Os
estudos de Henri Tajfel (1979) acerca dos grupos sociais, trabalha ascompreensões de
identidade social, categorização social e relações intergrupais, integrando outras teorias e
conceitos,
como
atribuiçãode causalidade e os estereótipos sociais.Em
nossa pesquisa trabalhamoscom
ambas
as teorias: a das Representações Sociais ea
do Conflito
Intergrupal.Exploramos
a relação entre a categorizaçãodo
profissional e a ca- tegorizaçãode
gênero. Partimosdo
princípio deque
a categorização sexual contribuina
for-mação
da
identidade socialde
gênero.Estudamos
como
o
fato de pertencer às categoriasmasculina
ou
feminina influina produção
de representações sociais relacionadas ao objeto"ocupação", e dessa relacionada ao objeto "gênero".
Sabemos
que há
muito é debatida,com
bastante freqüência eem
muitos lugares, aquestão
do
papelda
mulherlna sociedade e 'sua participaçãono mercado
de trabalho.Não
obstante a realidade de
memoráveis
discussõesque
sevem
travando, algumascom
destacafdo registro histórico, aindahá
um
longocaminho
a percorrer.Caminho
esseque
nãopode
deixar3
A
relação entre gênero e trabalhotem
suscitado inúmeros questionamentos nas Ciên-cias Sociais e nas relações sociais (entre outros campos).
O
mundo
do
trabalho,na
perspecti-va
do
gênero, estmturou-se a partirde
inúmeros fatores, dentre eles, o de padrões comporta-mentais valorizados culturalmente,
que
indicariam características adequadas para o desenvol-vimento
deuma
atividade enão
de outra. Isto contn`buiu..paraa sexualização .das ocupaçõesl,um
dos problemas relevantesque
tem
sido estudado pelas Ciências Sociais, particularmentepela Sociologia.
A
sexualização das ocupações implicaem
considerar as ocupaçõescomo
prioritariamente masculinas
ou
femininas, e de certaforma
valorizar mais as primeiras. Este e outros fatores, restringiram amulher
ao exercíciode
funçõesque fossem
um
prolongamento
da
esfera privada,fimções
essas consideradaseminentemente
femininas,como
asde
profes-sora “primária”, por exemplo.
Ao
nível universitário,observamos que
muitos cursos taiscomo
os deEnfermagem,
Nutrição, Pedagogia, Psicologia, Serviço Social e Biblioteconomia ainda
têm
uma
maior pre-dominância do
sexo feminino.A
proporçãoaproximada
é de 8,0 (oito) mulheres para cadahomem.
Em
outros cursos,como
os de Física, Ciênciasda Computação,
os de Engenharias:Civil,
de
Controle eAutomação,
Elétrica e Mecânica,_ deProdução
Civil,Mecânica
e Elétricapredomina o
sexo masculino.A
proporção é de 6,0 (seis)homens
para cada mulher.Os
de-mais cursos
têm
apresentadouma
maior equivalência dos gêneros. 2Ainda
com
relação aonível universitário, a percepção de futuros estudantes sobre os papéis sexuais
emergiu no
tema de
redaçãodo
vestibularda
UFSC
(1996).Os
candidatos deveriam escolher entre trêstrechos
de
textoque
tinhamo
eixo temático "mulher".A
produção dos
estudantes expressoupreconceitos e visões estereotipadas acerca
do
gênero.Fazem
parte das redações frasescomo:
"Quando
uma
mulher não
tem
maisnenhuma
opção na
vida ainda lhe resta ser doméstica,'
verBms‹zmm, 1979.
2 Dados
cozinheira
ou
professora" ; "as mulheresque
dirigemcaminhão
são lésbicasou
machonas',porque
precisam de força e coragem."Os
professores responsáveis pelotema
da redaçãoapontam
a educação das crianças,como
importante agenteformador
desses preconceitos.3_
A
socialização exerce importante papelna
construçãoda
identidade de gênero.Uma
identidade profissional está intimamente ligada a esta questão, e mais propriamente, à institu-cionalização dos papéis sócio-sexuais, cuja legitimação
tem
mantido,em
muitos lugares,uma
subordinação feminina. Godelier (1980) entende a subordinação feminina
como
uma
realida-de social
que
envolve asdimensões
econômica, política e simbólica.Com
relação à subor-dinação
econômica
o autor observa omenor
acesso e amenor
progressão das mulheresno
.zu
'
mercado
de trabalho nasmesmas
profissõesque
oshomens.
Do
seu ponto de vista essa situa-ção repete-se
no
campo
político: a representatividade feminina é muito pequena.No
que
se refere ao simbólico,o
autor cita principalmente a mídiacomo
principal difusora deimagens
que
contrastam os papéis sexuais,mas
também
lembra que
a percepção sobre esses papéis éestruturada muito cedo, e os estereótipos estão presentes
mediando
essa estruturação.Quanto
à questão econômica,
62,7%
dos vínculos empregatícios,em
nível nacional, estão ligadosao
sexo masculino.4
A
remuneração
masculina correspondia,em
média, a 5,9 saláriosmínimos
(sm), enquanto
que
aremuneração
femininaficava na
faixa dos 4,6 sm. Independentedo
graude escolaridade
ou
setor de atividade, os salários das mulheres são inferioresem
comparação
com
os salários dos homens.Ademais, o
próprio Ministériodo
Trabalho 5 está lançandoum
programa
contra a discriminaçãono
trabalhoem
funçãoda
raça edo
gênero.Os
estudos rea-lizados
têm
mostrado novas formas de discriminaçãoalém
(ouem
lugar)da
salarial,como
por
exemplo o
superiorque impede
apromoção
deuma
funcionária justificando a dificuldadeque
os demais funcionários teriamem
aceitaruma
mulher
como
superiora hierárquica.De
3..
. ...Diáno Catarinense. Redaçao no vestibular: '
as diferenças na educação fainiliar.
Geg.
Domingo, 26/05/ 1 996.4
Dados obtidos daR~AI:S, 19971
5
5
outro lado está a questão
do
assédio sexual,que
é utilizadocomo
um
instrumento de pressãono
trabalho.Mesmo
enfrentando tais obstáculos,no
entanto,pouco
apouco
as mulheres inse-rem-se,
também,
nas áreas profissionais “tradicionalmente” masculinas, principalmenteem
função
do
maior acesso aos cursos universitários. Assim, dividindoo
mesmo
campo
ocupaci-onal,
ou
ainda, estandonum
mercado
competitivo,homens
e mulheres vivenciamuma
situa-ção
de
interação social,em
fimção
decomportamentos
sociais ligados à condiçãode
gênero.De
toda a forma,o
tema
"gênero e trabalho",em
decorrência de sua natureza, encerra bas-tante
com
lexidade. Alme`a-se trazeruma
contribui ão, retendendo, tãosomente
3 estudarcomo
as diferenciações de gênero se expressamno
campodas
ocupações. Este estudo seráarticulado
com
a investigação de relações intergrupais advindasda
relação inter-profissional e intergrupal (ao nível da categorização profissional e da categorizaçãodo
gênero).Falar
em
identidade remete-nos a considerar os. contextos sociais- ou
realidades ob-jetivas,
como
sugerem
Berger eLuckmann
(1985). Esses autores partemde
uma
perspectivainteracionista e consideram a identidade
como
)um
elemento-chaveda
realidade subje-tiva”. (D. 228) Eles
lembram
que
as teorizações psicológicas sobre a identidade precisam es-tar
sempre
relacionadasao
contexto social,porque
uma
teoriapode
ser inadequadaou
não
para interpretar as identidades, pois está muito ligada ao simbólico, ao significado atribuído
às coisas. Isso varia de acordo
com
o
contexto.Por
isso, por exemplo,o que
em
uma
culturaé valorizado
em
outrapode não o
ser: ”(..)a
identidade é objetivamente definidaem
um
certo
mundo
e sópode
ser subjetivamente apropriada juntamentecom
estemundo. Dito de
outra maneira, todas as identificações realizam-se
em
horizontesque implicam
um
mundo
social específico. " (Berger
&
Luckmann,
1985). Esses autores tratam a identidadeenquanto
um
fenômeno
social. Ela éfonnada
por processos sociais, ) derivada
dialética entreum
indivíduo e
a
sociedade ”.(p. 230)
Para
Ciampa
(1989), a palavra identidade remete-nos alémda
pergunta:“Quem
soueu?” Para este autor a identidade é
um
processo, e éo que o
sujeito fazno
mundo
o que o
identifica: ) é pelo agir, pelo fazerque alguém
se torna algo:ao
pecar
pecador,ao
de-sobedecer desobediente,
ao
trabalhar trabalhador. ” (p. 64).Nós
nascemos
e,em
princípio,faze-7
mos
partede
um
certo contextosem
o saber.Aos
poucos
nosdamos
conta das coisas à nossavolta e nos situamos neste
mundo. Estamos
num
processo de socialização (primária),onde
aspessoas
que
noscercam
-
pais, avós, irmãos, tios-
têm
um
papel importantena fonnação
de nossa identidade. Isso implicana
noção
de alteridade, presente nas teorizações deBerger
eLuckmann¬(l985),
Duveen
(1998), Jodelet (1998), entre outros. Berger eLuckmann
(1985)referem-se à alteridade considerando
o
papel dos “outros significativos”,com
os quais acriança acaba se identificando. Esses outros significativos
não
são escolhidos pela criança.São
as pessoas mais próximas, asque mais
mantêm
contatocom
ela, porexemplo
seus pais,a família,
uma
babá. Eles são mediadores e se apresentamcomo
a realidade objetiva, tradu-zindo a ordenação
do
mundo
em
que
vivem.Jodelet (1998)
afirma
que
“(..)a
alteridadeconvoca
a
noção de
identidade. ” Q.49).
Se
existeum
outro, existeum
eu.Estamos
então construindouma
diferença e, conse-qüentemente, nossa identidade,
buscando
essa singularidade individual, considerada nos es-tudos
de
Scheibe (1984), que preocupou-seem
estudaro
papelda
memória
- enquanto as-pecto biológico e cognitivo -
que
interfereno
desenvolvimento emanutenção da
identidade:“Tanto
a
memória
como
a
identidade sãoem
grande
parte sociais.A
memória
setoma
viyano
atoda
narração
ea
identidade é percebidaquando o
próprio -eu é apresentadoao
ou-tro.” (p.l0).
É
na
história. de .cada indivíduo. que. está a.. identidadepessoal. Fatorescomo
sexo, classe social, parentesco, nacionalidade, religião e herança social são os
fiindamentos
das histórias individuais.1.1
raenfiazae
ne
Gêzzeró
e
Papéis
sexuais
O
sexo exerceuma
forte influênciaem
nossa socializaçãorumo
à construção de nos-sa identidade.
Nascemos
com
um
corpo sexuado. Este corpo está inscritonuma
redede
si-seja,
onde
muitas coisas jáforam
significadas e instituídas eonde
há representaçõesde
sexo,trabalho, atitudes,
comportamentos
e papéisbem
diferenciadas para o sexo masculino e para o sexo feminino.E
é por essecaminho que
se constrói a identidade de gênero.O
termo
gênero foiempregado
deforma
acompreender
a relação entre os sexoscomo
uma
organização social. Feministas americanasdefendiam o
emprego
do
termo para explicitaro aspecto social das diferenciações sexuais,
desafiando
e rejeitando, assim, a visão essencia-lista e determinista
do
sexo biológicocomo
destino.Nas
últimas décadasXX,
é propostoo
conceito de gênero
como
uma
categoria de análiseque
inclui adimensão
histórica, etem
sidoutilizado de
forma
críticaem
relação àsnoções
anterioresde
papéis sexuais,que
deixavam de
fu
lado esta dimensão.
A
proposta era falarde
gênero enquanto relação (social) entre os sexos.Anteriormente, muitos estudos brasileiros
foram
construídos utilizando-se o termo gênerono
sentido de reconheceruma
“questão feminina”,ou
sepreocupando
em
definiruma
“identida-de sexual subjetiva”.
De
modo
geral,o
estudo dos papéis sexuais erao
estudo apenas dos pa-péis femininos,
sem
a referência ao masculino, à "constnição relacional deum
e outro".En-
tão,
como
colocaMatos
(1997), é para dar conta dessa insuficiência das teorias existentes,em
explicar as desigualdades entre
homens
e mulheres,que
surge a' categoria gênero. Ela permitecompreender que
)a
construçãodos perfis de comportamento
feminino e masculinodefi-
ne-se
um em
função
do
outro,uma
vezque
constituíram-se social, cultural e historicamentenum
tempo, espaço e cultura determinados. ” (p.80)Considerar as relações de gênero
na
suadimensão
histórica significa estudar aabrangência dos papéis sexuais e
o
simbolismo sexual nas diferentes sociedades e períodos,como também
as práticas históricas atuais (Scott, 1990). Neste sentido, escreveLouro
(1996):“Entendendo gênero fundamentalmente
como
uma
construção social- e, portanto histórica -teríamos
de
supor que esse conceito é plural,ou
seja, haveria conceitos de feminino emascu-
caracterís-9
tica masculina
em uma
sociedadepode
ser considerada femininaem
outra.Nem
todas as soci-edades constróem representações a partir das diferenças entre os sexos.
Mead
(1998) observaesses fatos
no
estudoque
fez sobre três sociedades indígenas.Duas
dessas culturas nativasnão
privilegiavam diferenciações baseadas nas diferenças biológicas entrehomens
emulhe-
res.
Os
ideais valorizados por essas duas sociedadeseram
osmesmos
parahomens
e paramulheres.
A
terceira cultura distinguia padrões ideais decomportamentos
e valores para ho-mens
e mulheres,mas
deforma
estranha aos padrões usualmente conhecidosem
nossas soci-edades
que
têm, tradicionalmente, seguido por este caminho,definindo o
que
é próprio aomasculino e ao feminino.
De
acordocom
Scott (1990), a sexualidadenão
é determinada pelo gênero enem
este é determinado pelo sexo.As
construções sociaisdo
gênero (eda
sexualidade)ganham
signifi-cados diversos
em
cada sociedade. Elas referem-se a gênerocomo
um
elementoque
consti-tui as relações sociais e
que
sefundamenta
sobre "as diferenças percebidas entre os sexos",sendo
também
o primeiro lugaronde
sedão
os embates de poder.A
partir dissoacontecem
hierarquizações acerca
do
masculino edo
feminino, apontandonão sópara
a diferença,mas
também
para certas desigualdades sociais.As
hierarquizaçõesdo
gênero geralmente signifi-cam
o
masculino positivamente eo
feminino negativamente (p. 77).‹ ParaMatos
(1997), )os estudos de
gênero
procuram
mostrarque
as referências culturais são sexualmenteprodu-
zidas, através
de
símbolos,jogos de
significação, cruzamentosde
conceitos e relaçõesde
poder, conceitos normativos, relações
de
parentesco,econômicas
e políticas. ” (p.80)A
inter-pretação social dos corpos sexuados
como
diferentes,tem
determinado as diferenças entre os gênerosde forma
talque
a maioria das sociedadestem
sempre
sido pensadas a partirdo
fazermasculino. Essas discussões e esses estudos
apontam
para o fato de o conceitode
gêneropermitir, portanto, esclarecer
que
o sexo (biológico)não
determina- personalidades e .com-social-mente
e assim acaba modelando-as,como
explica Soij (1992) “Diferentementedo
sexo,o
gênero [além de
serum
conceito relacional] éum
produto
social, aprendido, representado,ínstitucionalizado e transmitido
ao
longodas
gerações ”(p.l5).As
relações de gênero se in-corporam
à organização social sendo naturalmente reproduzidas.Grossi (1998) nos lembra
que
a identidade de gênero ) remeteà
constituiçãodo
sentimento individual
de
identidade.” (p. 09)Ou
seja, éum
dos núcleosda
identidadedo
eu.Money
eTucker
(1981),embora
utilizem apenaso termo
"identidade sexual", estãotratando,
também, do problema da
identidadede
gênero.De
acordocom
eles, )a
molda-
gem
dos
genitais externosde
um
bebênão
é indicador infalívelda
diferenciação sexual pré-natal e
tampouco
constituium
guiasempre
precisodos
rumos
futurosa
serem
seguidos. ”(p. 77)
É
a reação dos paise
da
.sociedade àpresençaéloêrgão
sexual,.1ratando a criançacomo
menino ou
como
menina que
detennina,em
maior
parte, a identidade de gênero.Os
autores
lembram
que
a identidade sexualnão
poderia desenvolver-seem
um
menino
ou
uma
menina,
sem
a estimulação social. Eles utilizamuma
comparação
com
o
processode
aquisi-ção
da linguagem que
podemos
expressarda
seguinte maneira:nascemos
com
capacidadepara nos expressarmos verbalmente,
mas sem
o domínio do
vocabulário,ou
seja, a lingua-gem
não
estáprogramada
ou determinadaÍA
criançadepende
do
estímulo social,de media-
ções
com
outras pessoas para adquirir e desenvolver a expressão verbal, apreendero
signifi-cado das coisas.
O
mesmo
acontececom
o
desenvolvimentodo
gênero.A
característica se-xual
não
determina por si só as atitudes e comportamentos. Ela adquire significado (ou é si-gnificada)
no meio
social e vai sendomoldada
por ele;ou
seja,não
existeuma
determinaçãobiológica de
comportamento
pela simples presença de aparelhos genitais diferenciados.Grossi (1998) esclarece a amplitude e a relação entre os conceitos
que
acabamos de
ll
“De
uma
forma
simplificada diria que sexo éuma
categoriaque
ilustraa
diferençabiológica entre
homem
e mulher,que gênero
éum
conceitoque
remeteà
construçãosocial coletiva
dos
atributosde
masculinidade e feminilidade (quenomeamos
de pa-
péis sexuais),
que
identidadede gênero
éuma
categoria pertinentepara
pensar o
lu-gar
deum
indivíduono
interiorde
uma
cultura determinada eque
sexualidade éum
conceito
contemporâneo
para
se referirao
campo
das
práticas e sentimentos ligadosà
atividade sexualdos
indivíduos. ” (p. 15)Stoller (1993) explica
que
o
sexo “(..) é parteda
identidadede
gênero,mas
não
éidêntico
a
ela, poiso
conceitode
identidadede gênero
cobreuma
variaçãobem
mais
ampla
de comportamentos. ” (p. 29) Para ele, mesclas de feminilidade e masculinidade
podem
serencontradas tanto
em
homens
quantoem
mulheres, diferindona forma
e grau, poisque
)a
identidadede gênero
encerraum
comportamento
psicologicamentemotivado
(__. [ZV{ascu-linidade e
ƒeminilidadej)
sãouma
convicção ” (p. 28), obtida a partirda
característica biológica,mas
principalmente enquanto relaçãocom
as atividades dos pais eda
sociedade-
dos outros. Estas convicções ) semodificam quando
as sociedades semodificam
”@.
28).Isso significa
que o
gênero é atribuído ao corpo, implicandoem
atribuições diferenciadaspara os sexos, lugares
que
ocupam
no
grupo ena
sociedade,bem
como
o
poder eo
prestí-gio dessa posição. _
Grossi (1998) nos explica
que “Tudo
aquilo que é associadoao
sexo biológicofêmea
ou
macho
em
determinada cultura é consideradocomo
papel de
gênero. Estes papéismu-
dam
de
uma
culturapara
outra.(..)E
também
mudam
no
interiorde
uma
mesma
cultura, ” (p. 07)De
qualquer forma, é na socialização primáriaque
os papéis sexuais são estabeleci- dos.Conforme
explicam Berger eLuckmann
(1985) "A socialização primária criana
cons-ciência
da
criançauma
abstração progressivados
papéis e atitudesdos
outros particularessocialização secundária seria "(...) qualquer processo subseqüente
que
introduzum
individuojá
socializadoem
novos
setoresdo
mundo
objetivode sua
sociedade. " (p.l75)A
socializa-ção secundária é, de certa forma, para esses autores, "(...)
a
aquisiçãodo
conhecimentode
funções
especificas, junções diretaou
indiretamentecom
raízesna
divisãodo
traba-lho. "(p.I76)
É
também
na
socialização secundáriaque
acontece )a
interiorizaçãode
submundos
institucionaisou
baseadosem
instituições”. (p. 184) Esses autores explicamque
as ações se
tomam
habituais,moldadas
em
um
padrãoem
que
começam
a ser reproduzidas:“A
institucionalização ocorresempre que
há
uma
tipificação recíprocade
ações habituaispor
tiposde
atores. ” (p. 79) Assim, cada tipificação éuma
instituição e essas tipificações sãosocialmente partilhadas pelo grupo.
Assim
ocorreucom
os papéis sexuais.O
conceito de papel envolve três níveis: a) institucional, b) individual e c) interacio-nal (Maisonneuve, l977).
O
primeiro nível caracteriza-se pela ) prescrição e pela rela-ção
com
0
sistema de posições sociais. ” Q). 61) Isso envolve as questões posição e estatuto eas respectivas condutas
que
se esperade
um
indivíduo.O
autor define posiçãocomo
)lugar
ocupado por dado
indivíduo (e reconhecidocomo
seu)num
dado
sistema social, ”(p. 61-62)
E
distingue entre papéis institucionais e papéis funcionais. Categoriascomo
sexoe idade são institucionais,
correspondem
a posições emodelos da
sociedade, enquanto osfuncionais
implicam na
açãodo
indivíduo de acordocom
sua posiçãoemigrupos ou
organi- zações.O
autor alerta parao
fato deque pode
haver conflitos entre estes dois“campos
posi-cionais” e
menciona o exemplo
deuma
mulher
censuradano
campo
profissional:o
papel institucional demulher
é conflitivocom
o
funcional-
o profissional, a posição delana
em-~
presa,
ou
a execuçao de celtas tarefas.Em
nivel individual, acontece a relação entre a personalidade eo desempenho
dos papéis:13
“Cada
individuoassume
seu papel,ou
seus papéis,de
modo
mais
ou
menos
ƒielaos
modelos
vigentesna
sociedade global,ou
em
dado
grupo
local (..) [Il/[as os indiví-duos
podem]
suprimir,ou
inovar,em
relaçãoao
modelo
(...)depende
das atitudes própriasdo
sujeito, isto é,da
maneira pela
qual ele se sujeitaaos
modelos, percebe-os
ou
os seleciona ”.(p. 63).
O
terceiro nível consistena
interação de papéis.Do
contatocom
outras pessoas (eseus respectivos papéis)
podem
surgir mal-entendidos e conflitos.O
aspecto comunicacionalestá bastante envolvido nesse nível.
É
necessárioque
hajauma
correspondência entre as in-formações trocadas pelas pessoas envolvidas. Assim,
Maisonneuve
(1977) concluique
ospapéis
têm
uma
função de equilíbrio: )de
regulaçãodas
relações sociais ejunção de
integração
da
personalidade (p. 70)Por
isso é importanteque
se atente para os conflitosde
papel,
que
podem
alterar essa função, os quaisderivam
de a) condições sócio-culturais; b)ao
nível interacional e c) ao nível individual,~que estão inter-relacionados e intimamente ligadosao estatuto ("status").
O
estatuto édefinido
porMaisonneuve
(1977)compreendendo
duasconcepções:
uma
“tonalidade” prescritiva,envolvendo
estatuto e papéis euma
“tonalidade”avaliadora
-
o
estatuto enquanto categoria social.A
concepção
prescritiva entendeque
“Num
sistema cultural,ou
em
dado
grupo,o
estatuto designao conjuntodos
atributos liga-dos
à
posiçãode
um
indivíduo nesse sistema e certoscomportamentos
com
os quais seu de-tentor
pode
legitimamente contarde
partedos
outros. ” @. 77). Ele citacomo
exemplo
aprofissão,
que
tem
certa posiçãonuma
estrutura hierárquica, sedefine
por certo tipode
ativi-dade, de relação
com
cenas pessoas e, portanto, tem'um
certo prestígio.Enquanto
categoriasocial, o estatuto
compreende
o estabelecimentode
hierarquias e ) posições sociaisdentro
de
um
sistema cultural ede grupos mais ou
menos
extensos,ou
restritos (nações, al- deias, empresas, etc.) (...) [envolvendouma]
escalade
prestígio e poder; nesse sentido dir-De
certa forma,podemos
caracterizar esta situação ampliandoum
exemplo de Mai-
sormeuve
(1977). Ele colocacomo
um
conflito derivado de condições sociais a evolução e superação de papéis tradicionais (e, consequentemente certamudança
no
estatuto), referindo-se ao ) caso
da imagem do
papel
da
mulher contemporânea”
Qu. 70), que ao nível in-teracional
provoca
uma
) discrepância entreduas ou
várias pessoas ”(p. 71).Ou
seja, amodificação
em
aspectos dos papéis sexuais, fortemente enraizadosna
cultura, traduzindo-sepor estatuto diferenciado,
podendo
gerar conflitos entrehomens
e mulheres.A
inversãode
papéis sexuais tradicionais foi contempladana
pesquisade
Siqueira (1997).As
escassasoportunidades de
emprego têm
sidoum
dos fatores principais dessamudança.
A
autora in-lr.
vestigou seis famílias
onde
oshomens
estavamdesempregados
e lidavamcom
os serviçosdomésticos enquanto as mulheres trabalhavam fora e
eram
as responsáveis pelo sustentodo
grupo
familiar. Citandoum
caso, a autora observaque
embora
ohomem
seocupe de
ativi-dades domésticas as considera
como
femininas,mas
as encaracomo
um
trabalho qualquer aser realizado (no
momento
é necessário).No
entanto, aospoucos
vai passando para as filhas a incumbência das tarefas domésticasque
considera femininascomo
cozinhar, lavar e passar.A
ele caberiam ospequenos
consertos e a limpezado
quintal.Percebemos
aquium
conflitode papéis
que
se traduz por estatuto diferenciadoem
relação às tarefas.Embora
sejam ativi-dades importantes para preservar a higiene, saúde e bem-estar familiar,
não
são socialmentevalorizadas,
ou
seja,não fornecem
"status" aquem
as executa.São
rotineiras: o alimentopreparado é consumido, sendo preciso manipulá-lo
novamente;
a louça suja, a roupa amassa.É
um
trabalhosempre
-"por fazer", seu resultado émomentâneo. Enquanto
isso, consertaralgo significa "transformá-lo" lhe devolver a vida; é visivelmente mais permanente. Obser-
vamos
a tentativado
paiem
iniciar as filhas naquelas atividades rotineiras, consideradascultural e historicamente
como
femininas, ealém
disso, ele restringe-lhes outros comporta- mentos,começando
pela diversão - "soltar pipa" éuma
brincadeira masculina.A
15
ção vai ajudar a prescrever e intemalizar os
comportamentos
"adequados" -a seus filhos e asuas filhas.
1.2
Identidade
Profissional
Autores
como
Strey, González, Martínez e Carrasco (1995); Strey (1995); Lassance eMagalhães
(1987),argumentam
que o
principal fatorque
interfereno
projeto profissionaldas mulheres, apontando-lhes e definindo-lhes
uma
certa identidade profissional são as dife-renças na socialização para
o
sexo masculino e feminino. Lassance eMagalhães
(1987), ob-servaram
que
a escolha profissional está intimamente ligada ao autoconceito, influenciadofortemente pela socialização “primária”. Eles
lembram
que
as mulheres“São
socializadasna
direçãode serem mais
confiáveis, obedientes, honestas, comportadas, calorosas,amoro-
sas, tornarem-se
boas
mães
eboas donas
de casa (H) [e responsáveis]pela
manutenção
da
afetividade
dos
relacionamentos familiares (...) ” @. 52).Comportamentos
como
competição, racionalidade, oportunismo, individualismo, au-tonomia
são encorajados nos rapazes e estão estritamente relacionados aocampo
do
trabalho.Assim,
o
fato de se serhomem
ou mulher
facilitaria e/ou dificultariaalgumas
opções profis-sionais, claramente influenciadas pela socialização,
mas
também
pela sociedadeem
geral,que
tem
representações diferenciadasdo
campo
ocupacional e cobra odesempenho
dos pa-péis sexuais e seus respectivos atores.
Interessados
em
estudar os aspectos psicossociais envolvidos na elaboraçãodo
projeto profissional dehomens
e mulheres, Strey e cols.(1995) realizaram pesquisaem
Madrid, Espa- nha, com-estudantes de 2° grau profissionalizante, 2°.grau.non'nal, un«iversi1áLios-e›profissio-nais.
Os
resultados são apresentadosem
cinco categorias: 1) planos parao
futuro; 2) auto-avaliação; 3) estereótipos de "papel
de
gênero"; 4) influências nas tarefas e projetos e 5) valo- res de trabalho.Em
se tratando deplanos para 0
futuro, observaramque
nas três classes deestudantes, as mulheres expressam desejo de casar-se mais
cedo que
oshomens;
entre os pro-fissionais, a carreira é mais importante para as profissionais mulheres
do que
para oshomens,
e é
de
igual importância entre os universitárioshomens
e mulheres.Quanto
à auto-avaliação,as mulheres,
com
exceçãodo
2° grau profissionalizante, são mais emotivas,têm
mais dúvidassobre a capacidade de êxito na vida e apresentam maior solidariedade; as estudantes de 2°
grau apresentam-se
menos
confiantesem
simesmas
e mais preocupadascom
a casa.Os
rapa-zes
de
2°grau
«demonstram mais..confian_ça.em si e .osuniversitários maiorcompetitividade.Quanto
aos estereótiposde
papéis sexuais, os rapazes de 2° graucolocam
as atividades decasa
como
de maior responsabilidade das mulheres; já asmoças
manifestam
desejo de papéismais igualitários.
Ao
nível profissional,pouco
mais que ao nível universitário,homens
emu-
lheres apresentam maior tendência aconcordarem
com
papéis sexuais igualitários.Com
rela-ção-aos »valores¬de irabalha,
osrapazes
degrauprofissionalizante
e universitários expres-sam
interesseem
obter beneficioeconômico
e possibilidade depromoção,
respectivamente,enquanto
que
as mulheres de 42° grau e as profissionais desejamque não
haja discriminaçãoem
funçãodo
sexo; possibilidade de trabalharem
tempo
parcial aparece entre mulheres uni- versitárias e profissionais.Esses dados permitem-nos pensar
que há
certa preservação daidivisãode
papéis sexuais,por exemplo,
no
maior interesseda mulher
pela família, e possivelmente,'domelhor
cumpri-mento
do
papel de mãe,quando
elasexpressam
desejo de trabalhoem
tempo
parcial.No
en-tanto, ao
mesmo
tempo
em
que querem desempenhar
bem
esses papéis, concomitantementecom
o
profissional,procuram
responsabilizartambém
oshomens,
àmedida
em
quebuscam
um
nívelmais
igualitário nos estereótipos de papéis sexuais.O
fato de as profissionais consi-derarem
importante a carreira profissionaldeve
estar refletindo a insegurançaque sentem no
mercado.
Na
preparação para o trabalho - universidade-ambos
colocam
a carreiracomo
algo17
se identifica, até pelo fato de lhe faltar a formação.
No
entanto, inseridosno
mercado, a car-reira
tem
tidomenos
obstáculos para os homens. Já as mulheres enfrentam determinadosobstáculos colocados pelo mercado, alguns referentes à sua anatomia (capacidade de gestar),
outros
que
questionam sua competência, por exemplo. Assim,quando
elasdizem que
a carrei- ra é importante estão falandodo
seucomprometimento
com
a profissão, estão dizendoque
seidentificam e incorporam o trabalho,
que
seu trabalhonão
é mais (ounão
é apenas)uma
con-tribuição financeira
complementar
para a casa, étambém
algoque
asa satisfaz.O
fato éque
aquestão
da
diferença sexual, reflete-seno mercado
de trabalho.Como
explicaLobo
(1992),as definições de qualificações, carreiras, promoções, são diferentes para
ambos
e concreta-mente permeadas
por relações de “força”. Hoje, as mulheres lutam mais pela “desmasculini-zação” das ocupações
do que
por provar sua própria qualificação.Mas
ua linguagemdo
traba-lho é masculina e elas são
chamadas
a medir forçascom
oshomens.
Isso é explicado porRo-
drigues (1992), referindo-se à apreensão tecnológica:
“(..)
o avanço
tecnológiconão pode
serpensado fora de
um
campo
de relaçõesde
força
-
edevemos
estar atentospara
os casosem
que
ele desqualzfica postos anteri-ormente qualificados (e os femíníza),
ao
mesmo
tempo que
qualífica postos anteri-ormente desqualificados e os (masculíniza) (p.271)
De
acordocom
esta autora, a divisão de tarefas é desigual entre os sexos, e na maioriadas vezes, o
que
é feito pelohomem
é mais valorizado, enão
sóem
termos financeiros. Elainvestigou cinco fábricas
na Grande São
Paulo, a respeitodo
lugar eimagem
damulher no
processo de trabalho, e
não
encontrouhomens
e mulheresdesempenhando
asmesmas
tarefasnas fábricas.
Observou
uma
separação sutil de atividades “masculinas” e “femininas”,não
no
sentido de “tarefasque
as mulherespodem
desempenhar
melhor”,nem
no
de serem tradi-cionalmente femininas. Esta separação está ligada ao contexto
da
fábricaonde normalmente
ƒ‹` .r
18
identifica-se
um
afastamento das mulheresno que
diz respeito à tecnologia.A
esse respeitoCastro e
Guimarães
(1997) consideramque
há) realidades
em
que
as regras culturaisde
relações entre os sexos e os conteúdosassignados
a
papéis femininos' sujeitam mulheresa
processosde
violência simbólicaque
produzem
ereproduzem
assimetrias, as quaisapenas
se expressamno
âmbito
do
mercado
edas
relações institucionalizadasporque
são significantesda
consciênciados
indivíduos, re-gulando
os limitesdo
'possível 'e
do
próprio'no
mundo
das
relações sociaisno
trabalho.Esse
parece
sero
casodo
Brasil " ( p.187).Os
estudos de Rodrigues (1992), e Castro (1997) são consistentescom
a investigaçãode
Puppim
(1994),que
em
estudo sobreuma
empresa
multinacionalcom
sedeno
Brasil,apontou para
o
fato de que se concebe oshomens eas
mulheres sob traços estereotipadosque
influenciam
nas relações de trabalho, ou, mais propriamente,'na relação emprego/cargos:atribui-se limites às mulheres
em
função de sua condição de gênero. Pensa-se amulher
como
tem
sido culturalmente pensada: “é frágil”,“tem
menos
neurônios e, portanto,menos
capaqi-dade”, é “emotiva”, “perturbada hormonalmente”, etc.
Os
homens,
por sua vez, são conside-rados "viris", "mais racionais" e
com
"melhor raciocínio".As
profissões são definidas soci-almente,
de
acordocom
as “ocupações” (sequem
as exerce éhomem
ou
é mulher),em
femi-nizadas e masculinizadas,
mesmo
dentro deuma
mesma
categoria profissional: “(...) as dife-renças ocupacionais
por
gênero
parecem
se desdobrarem
demarcações mais
sutisno
plano
do mercado
de
trabalho ” (p.32). Esta pesquisa mostrou, por exemplo,que
os cargos e fun-ções
de
linha,que
faziam parteda
hierarquia da empresa,eram
abertos apenas ahomens.
Às
mulheres era reservado,
no
máximo, o
exercício de funções de “staff” assessoras, consulto-ras.
Na
seleção para os cargos aconteceuma
representação naturalizadado
feminino edo
masculino,
onde
a preferência pelachefia
masculina está diretamente relacionada aos este-19
homem
eda
pessoa mulher, sendomarcada
poruma
diferenciaçãodo
masculinoenquanto
“uma
pessoa singular”,que
tem
autonomia
social,não
estando presa aum
contexto, ao con-trário
do
feminino,que
está limitado ao contexto, etem
uma
função a desempenhar.A
pessoamulher não
é socialmente referente,como
o
homem.
Citandoo
resultadode
uma
de suas pes-quisas, ela conclui
que
os estereótiposdo
feminino caracterizam atores ecomportamentos
femininos, ao passoem
que
os estereótiposdo
masculino“(..)
não
caracterizam os actoresdo
sexo masculino,nem
nenhum
tipode comporta-
mento
em
particular,mas
servem
para
caracterizar os actoresdo
sexofeminino
quando
o
seucomportamento
não
corresponde às orientações normativas definidaspelo
estereótipo feminino ” (p. 305).`
O
homem
é consideradoum
ser socialmente referente, e amulher
é definidaem
rela-ção a ele. Isto se
confirma
a partirdo
relato dos entrevistados dePuppim
(1994), para osquais,
um
“bom
administrador” deve ter caracteristicascomo
agressividade e combativida-de,
que
são consideradas presentes“na
personalidadedo
homem”,
o que
justifica anão
es-colha
de
uma
mulher
parao
exercício dessa ocupação.Por
outro lado,quando
há mulheresque
apresentam essas característicastambém
não
são escolhidas, pois são vistas negativa-mente.
O
modelo
do
“bom
administrador”,além de
ser masculino, deve estar incorporadona
pessoa
do
homem.
Verificou-setambém, no
estudo citado,que há
atribuições de causas dife-rentes a problemas encontrados
no
trabalhoem
funçãodo
gênero: se éo
homem
quem
en-frenta obstáculos, atribui-se
o problema no
trabalho aum
motivo
extemo,não
intrínseco àsua ação; por sua vez, se é a
mulher
quem
os enfrenta,o problema
é explicado simplesmentepelo fato dela ser
mulher
-
a causa é percebidacomo
int_erna.'Esta dupla atribuiçãode
cau- salidade acontece freqüentemente nas relações de trabalho, e parece ser utilizada para justi-Para
Tamanini
(1997), a divisão sexualdo
trabalhonão
esgota a problemática dasre-x
lações de trabalho, pois elas são
um
aspecto das relações sociais entrehomens
e mulheres,que
envolvem
“construções culturais e históricas interdependentes e complementares.” (p.26)Por
issotem
de ser pensada a partir da categoria gênero, enquanto construção e relação socialentre os sexos. Desta forma,
complementa
Lobo
(1992):“As relações entre
homens
e mulheres são vividas epensadas
enquanto relações en-tre
o que
é definidocomo
masculino e feminino: os gêneros. Neste sentido,a
divisãosexual
do
trabalho éum
dos muitos locusdas
relaçõesde
gênero. (..)a
categoria gê-nero (...) abre espaço
para
pensar
asnovas
questõesque
preocupam a
nova
Sociolo- giado
Trabalho: as 'metamorfoses 'do
trabalho e seu questionamento,a
subjetivida-de
no
trabalho e as identidadesno
trabalho,o
problema
de
desigualdade ede
diferen-ças e as
formas
contemporâneas
de gestão ede
políticas sociais ” (p.260).A
questãoda
participação damulher no
mercado
.de trabalhopode
ser resumidaem
três grandes tipos de estudos,
como
coloca Castro (1987): 1) osque
buscaram
detectar grap-des
movimentos
históricosna
incorporaçãodo
trabalhoda
mulher; 2) aqueles que objetiva-ram
acompreensão
decomo
as diferenciações impressas pela condição de gênero se expres-sam
no
cotidianodo
trabalho (divisão das tarefas, direitos trabalhistas, salários, etc.); e 3) osque
enfocaram o trabalho feminino a partir da unidade doméstica eda
organizaçãoda
vidafamiliar.
A
Psicologia Socialvem
contribuir, ampliando essescampos
de pesquisa,ou
mais
concretamente fomecendo-lhes
novos
dados, através de estudos sobre os conhecimentos pro-duzidos e compartilhados a partir da perspectiva
do
gênero.Cabe
discutir questões teóricas a2.
Representações
Sociaiseldesntidade
.Social
e
Relações
.Intergrupais
As
pesquisas sobre a relaçãoda mulher
com
o trabalhotêm
abordado
temascomo
di-reitos trabalhistas, a dupla jornada de trabalho
da
mulher, saúdeno
trabalho, a sexualizaçãodas ocupações, etc.
No
entanto, é interessante discutir a relação gênero e trabalho,na
pers-pectiva dos protagonistas,
ou
seja, estudar as _ representações sociaisque
homens
e mulheresproduzem
sobre essa relação.Em
uma
pesquisa realizadaem
Portugal, Costa (1992) investi-gou
as representações sociais dos gênerosem
diversas esferas.No
que
se refere aocampo
dasocupações, a autora aborda a questão
da
representação das profissões parahomens
emulhe-
res.
A
partir da apresentação deum
quadrode
profissões-
empresário, deputado, operadorde
informática, telefonista, motorista
de
táxi, policial, médico, engenheiro, eletricista, juiz, ci-rurgião e trabalhador agrícola - questionaram-se
homens
e mulheres sobre seo
desempenho
em
tais profissões seriamelhor
por partedo
sexo masculinoou
do
feminino.A
funçãode
te-lefonista foi eleita, por ambos,
como
melhor desempenhada
por mulheres. Já as de motoristade táxi, eletricista, deputado e trabalhador agrícola
foram
profissões definidascomo
masculi-nas.
Podemos
inferir que, aoserem
questionados acercada ocupação
deuma
profissão porum
homem
e/ouuma
mulher, os entrevistadosresponderam de
acordocom
esquemas
já in-temalizados. Explicaram
o
fato ancorando-oem
imagens
já socialmente significadasdo que
sejao
masculino eo
feminino, etambém
das informaçõesque
têm
sobre as profissões,ou
seja,
com
base nas representações sociais de gênero e de trabalhoque
circulavamem
seus contextos grupais.Representações Sociais (RS),
conforme
explicaMoscovici
(1978), sãoum
"(...) con-junto
de
conceitos, cyirmações e explicações originadasno
quotidianono
decursode comuni-
cações interindividuais. "@. 181) Elas ) circulam, cruzam-se e se cristalizam incessante-
mente
atravésde
uma
fala,um
gesto,um
encontroem
nosso universo cotidiano ” (p.41).O
autor explica
que
elas estão presentes nas relações sociais,na produção
ou consumo
de
obje-tos e nas trocas comunicativas. Assim,
podemos
dizerque
asRS
se caracterizam pela presen- ça de conteúdos relacionados a objetos, dos quais os indivíduos se “aprop1iam”, atravésde
comunicações
interpessoais, produzindo'um
conhecimento
comum
(que envolve conceitos,afirmações, explicações), partilhado por
um
grupo,uma
sociedade eque guiam
suas práticascotidianas, o
que
as caracterizacomo
verdadeiras "teoriasdo
sensocomum".
Esses conteúdosdas
RS, conforme
Jodelet (1989),podem
ser informações,imagens
e atitudes acercade
um
objeto, taiscomo
uma
teoria científica,uma
categoria social,uma
questão socialcomo
o
tra-balho, as profissões, saúde, doença, etc. j
A
função básica dasRS
é representaro
mundo:
re-apresentar a(s) rea1idade(s)ao
pen- samento; interpretar a(s) realidade(s),o que
significa definir sua natureza, origem e funcio-namento
e organizar as relações doshomens
entre si ecom
a natureza.Moscovici
(1981) es-clarece,
no
entanto,que
a função de todas asRS
étomar
o não-familiar familiar;tomar o
desconhecido conhecido.
Nesse
sentido dois processos estão presentes, aancoragem
e a obje-tivação.
Ancorar
significa classificar e nomear.Segundo
Moscovici (1981), dianteda
necessi-dade de
reconstruirum
objeto, fazemo-lo utilizando classificações e rotulações, a partir denossos conhecimentos anteriores, de categorias e
imagens
já introjetadas (onde amemória
exerce importante função),