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Narrativas infantis: o que pensam e dizem as crianças sobre as travessuras lúdicas que fazem na escola

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

JOSIMEIRE BATISTA DA SILVA

NARRATIVAS INFANTIS: O QUE PENSAM E DIZEM AS CRIANÇAS SOBRE

AS TRAVESSURAS LÚDICAS QUE FAZEM NA ESCOLA

Salvador 2016

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NARRATIVAS INFANTIS: O QUE PENSAM E DIZEM AS CRIANÇAS

SOBRE AS TRAVESSURAS LÚDICAS QUE FAZEM NA ESCOLA

Monografia apresentada à Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – UFBA, como parte das exigências para obtenção do título de Especialista em Docência da Educação Infantil.

Orientadora: Prof. Dra. Ana Paula Silva da Conceição

Salvador 2016

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NARRATIVAS INFANTIS:

O QUE PENSAM E DIZEM AS CRIANÇAS SOBRE AS TRAVESURAS LÚDICAS QUE FAZEM NA ESCOLA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Docência da Educação Infantil, Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 18 de junho de 2016.

BANCA EXAMINADORA

Ana Paula Silva da Conceição – Orientadora_______________________________ Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação daUniversidade Federal da Bahia

Universidade do Estado da Bahia

Jucineide Lessa de Carvalho____________________________________________ Mestre em Tecnologias da Informação e Comunicação para Formação em Educação a Distância pela Universidade Federal do Ceará

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A meu Pai Celestial, por todos os benefícios, por não desistir de mim em nenhum momento e me dar a força necessária para alcançar meus objetivos. Obrigada, Pai, te adoro!

Aos meus pais (in memorian), por todos os ensinamentos e amor ofertado. As minhas irmãs, irmão e sobrinhos, por me ensinarem a amar e compreenderem a minha ausência durante a escrita desse trabalho.

A Daiane Simões, por todo o apoio nos momentos que mais preciso. Sua amizade é mais preciosa que ouro, te amo.

A Sidneia Simões, por me permitir te conhecer melhor e chegar à conclusão que sua amizade é um presente de Deus.

A Sirlene, Niclécia, Aristela, Mary, Luciana e Maisa por me proporcionarem boas reflexões durante nossas conversas e pela companhia mais que agradável, que tornaram meus sábados muito melhores.

À Escola Municipal Francisca de Sande, na pessoa de meus colegas de trabalho, por me acolherem na equipe de braços abertos e diariamente buscar fazer uma educação pública de qualidade.

Ao CEDEI, por todas as reflexões proporcionadas sobre a criança e a infância, nos fazendo repensar e reconstruir a nossa prática a partir de uma metodologia criativa e diferenciada, com profissionais de alta qualidade que nos ajudou a acreditar que é possível a articulação entre teoria e prática.

A Lícia Beltrão e Mary Arapiraca que com mãos macias teceram cada detalhe que transformaram o CEDEI em um espaço de formação singular e nossos sábados em “brincadeira de roda”.

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por acreditarem na Educação Infantil. Obrigada, meninas, por fazerem a diferença nas suas Unidades de Ensino;

À professora Edna, pelas aprendizagens proporcionadas;

A Valdívia e tia Bi, por me acolherem e me tratarem como uma filha;

À professora Jú por me ensinar que o conhecimento deve ser compartilhado; À professora Luciene Lessa, por contribuir com suas observações sobre a minha pesquisa;

A minha orientadora, pela energia positiva, compreensão e, principalmente, pelos estudos que me permitiu fazer;

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“Brincar com a criança não é perder tempo é ganhá-lo.” Carlos Drummond de Andrade

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da Bahia, Salvador, 2016.

RESUMO

O que as crianças pensam e dizem sobre as travessuras lúdicas que realizam na escola, considerando suas múltiplas formas de narrar suas experiências, constitui o interesse científico desta pesquisa. Nesse sentido questiono: o que pensam e dizem as crianças do Grupo 4 e 5 sobre as brincadeiras que fazem na Escola Municipal Francisca de Sande? Neste sentido, os objetivos que orientaram a realização do meu estudo monográfico são: compreender o que pensam e dizem as crianças do Grupo 4 e 5 da Escola Municipal Francisca de Sande sobre as brincadeiras que vivenciam na escola; refletir sobre a importância da brincadeira a partir da escuta das crianças desta pesquisa, reafirmando o direito delas de serem ouvidas e reconhecidas como sujeito sociocultural; conhecer a importância do brincar através das múltiplas linguagens das crianças e identificar os desafios e possibilidades de tornar as narrativas infantis instrumentos para construção de ações voltadas à infância. Para fundamentar estas discussões escolhemos como referencial Brougère (1997), Kishimoto (2011) e Campos (2008). Visando responder as questões de pesquisa, a metodologia escolhida é de natureza qualitativa e para realização da mesma, serão considerados os pressupostos da Etnopesquisa Crítica e Multirreferencial (MACEDO, 2004), por compreendê-la como a mais apropriada para captar as vozes das crianças. As análises dessas narrativas revelaram que para as crianças não há distinção entre brincar e aprender, pois todos os seus atos nos conduzem a brincadeira. Os resultados deste estudo revelam contribuições para os espaços que ofertam Educação Infantil, na medida em que a criança passa a ser um sujeito participativo e valorizado, que tem a sua fala/expressão validada nas tomadas de decisões dentro do ambiente escolar e, a partir daí, o professor irá buscar mais ferramentas para estabelecer relações entre teoria e prática usando as contribuições das crianças como mola propulsora de ações para valorização da brincadeira na infância.

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ACCP Ação Crítica da Prática Pedagógica.

DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FACED Faculdade de Educação

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

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1 TRAVESSURAS INICIAIS: MEMÓRIAS DE UMA EDUCADORA ... 9

2 A ESCOLA É LUGAR DE ESCUTA: AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS DAS CRIANÇAS ... 18

3 BRINCAR, CORRER, FALAR E SE MEXER: É DIREITO DA CRIANÇA? ... 22

4 TRAVESSIA EM BUSCA DE COMPREENSÕES DA PESQUISA ... 28

4.1 MÉTODO E NATUREZA DA PESQUISA... 28

4.2 INSERÇÃO E IMPLICAÇÃO NO CAMPO DA PESQUISA ... 29

4.3 DISPOSITIVOS, PROCEDIMENTOS E ETAPAS DA PESQUISA ... 30

4.4 TRATAMENTO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES ... 32

5 CENAS DA PESQUISA: TRAVESSURAS LÚDICAS ... 33

5.1 TRAVESSURAS LÚDICAS: RODA DE CONVERSA ... 43

REFERÊNCIAS ... 52

APÊNDICE A - ROTEIRO DE PERGUNTAS DA RODA DE CONVERSA ... 56

APÊNDICE B – QUADRO RESUMIDO DO ESTADO DA ARTE ... 57

APÊNDICE C – AUTORIZAÇÃO DE USO DA IMAGEM ... 62

ANEXO A – DESENHOS PRODUZIDOS PELAS CRIANÇAS ... 67

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1 TRAVESSURAS INICIAIS: MEMÓRIAS DE UMA EDUCADORA

“Se bem me lembro”... Sempre admirei a profissão professor e a escolha por cursar pedagogia partiu dessa admiração. Minha formação ocorreu na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, na qual pude conhecer teorias, estudiosos e professores que alicerçaram a minha prática.

Meu primeiro contato com a Educação Infantil, como docente, foi em uma creche-escola comunitária de cunho assistencialista, localizada em um bairro do Subúrbio de Salvador. As crianças eram deixadas na creche por suas mães, que precisavam trabalhar, e nós “professoras” cuidávamos dessas crianças durante todo o dia, até a chegada das suas mães.

O desenvolvimento integral das crianças atendidas nessa instituição não era garantido. Os direitos reservados para os pequenos pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 não eram considerados. Na prática, o foco era cuidar e não educar, assim como as creches inauguradas no país a partir da inserção das mulheres no mercado de trabalho durante a revolução industrial. Com um objetivo bem definido, as creches preocupavam-se em manter as crianças seguras, alimentadas e limpas (DIDONET, 2001 apud PASCHOAL e MACHADO, 2009).

Essa experiência aconteceu cinco meses antes do meu ingresso na universidade e logo após o início dos meus estudos, percebi que a minha prática, naquela instituição, era questionável. Não considerava a cultura da infância e nem contribuía para formação de cidadãos críticos, reflexivos e criativos. Todavia, não era possível voltar no tempo.

Leitura, escrita, linguagem e as crianças provocavam minha curiosidade. Despertavam o meu interesse. No ano de 2010 fui selecionada para estagiar em uma turma de Educação Infantil e outra de primeiro ano em uma escola particular de grande porte, localizada em um bairro nobre de Salvador. Os meus olhos gulosos se abriram para a possibilidade de associar teoria à prática e não repetir os mesmos equívocos cometidos na experiência anterior.

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A turma de Educação Infantil tinha quinze crianças e contava com três adultos: a professora, a estagiária (eu) e uma auxiliar de classe. Os pequenos tinham aulas de artes, inglês, música, educação física, informática; além de biblioteca infantil, brinquedoteca e parque. Na sala tinha o cantinho de leitura com diferentes gêneros textuais como tiras em quadrinhos, poesias, contos, parlendas, dentre outros; materiais diversificados disponíveis às crianças; um espaço com diversos brinquedos e jogos educativos. Enfim, um ambiente propício para o desenvolvimento integral dos pequenos.

Foi uma experiência significativa, mas eu queria mais! Queria voltar para a minha comunidade, no Subúrbio Ferroviário, no bairro de Coutos, local que nasci e me criei, para com os conhecimentos que agora possuía fazer diferente. Então, fiz o concurso da prefeitura de Salvador para docência e fui aprovada.

Ingressei na Rede Municipal de Salvador no ano de 2012, optei por ir trabalhar na Escola Municipal Francisca de Sande, localizada no bairro de Coutos e aceitei um dos maiores desafios da minha vida: ser professora de uma turma de Educação Infantil que estava em casa há três meses, que nenhum professor queria assumir, e os que tentaram desistiram, alegando indisciplina das crianças e falta de capacitação para lidar com os casos especiais que tinham na turma. Em uma escola sem estrutura física adequada para trabalhar com as crianças pequenas, com materiais escassos, com turmas superlotadas, sem coordenador pedagógico, dentre outras carências. Ou seja, uma realidade existente na maioria das escolas públicas do país.

Ao encarar essa realidade percebi que era necessário realizar estudos que na graduação não foram contemplados. Investi então em um curso, no qual pude perceber a importância da arte, da musicalização, da psicomotricidade na Educação Infantil. Além de proporcionar-me uma capacitação em serviço, tornei a minha sala uma verdadeira oficina.

Sendo assim, no ano de 2013, submeti um projeto realizado com “minhas crianças” no mesmo ano para participar de um concurso promovido pela antiga CRE Subúrbio II: Ações Exitosas. O projeto intitulado: Bicho que te quero em PAZ buscava sensibilizar as crianças a desenvolver atitudes de respeito para com os animais e as pessoas, promovendo a cultura da paz entre os pequenos. O projeto foi

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premiado com a primeira colocação sendo uma alegria para mim e meus colaboradores, as crianças.

Entretanto, minha convivência com as crianças mostrava-me que ainda faltava algo, pois percebia que as elas tentavam comunicar-se com seus corpos, seus movimentos, olhares, gestos, vozes e eu não conseguia compreender. Então quando abriram as inscrições para o Curso de Especialização em Docência da Educação Infantil (CEDEI),fiz a minha inscrição, torcendo para dar tudo certo. Ao sair a lista da homologação das inscrições fiquei animada ao ver o meu nome e feliz por retornar a FACED para vivenciar o curso e ressignificar a minha prática.

“Como se fosse brincadeira de roda”, na qual a interação, o toque, o ritmo, o diálogo, o movimento, dentre outras coisas acontecem de forma espontânea e prazerosa, iniciamos o curso de Especialização em Docência na Educação Infantil (CEDEI). Tivemos como palestra de abertura “O relato do fazer pedagógico: a importância do ato” ministrada pelo professor doutor Claudemir Belitane.

De forma clara e objetiva, o professor nos fez refletir sobre a importância do ato, do relato e da escuta, nos fazendo entender que “o esplendor da manhã não se abre com faca” (Manoel de Barros). Essa foi a minha primeira lição no CEDEI, que durante todo o percurso foi “tecido por mãos macias e cuidadosas, com fios, zelos e muita força de vontade” (Lícia Beltrão), que tanto contribuiu para aprimoramento da minha prática e de tantas outras educadoras da infância.

Foi com desejo de contemplar o esplendor da manhã que voltei para a escola e durante a brincadeira de amarelinha observei a minha turma do grupo cinco. Só quando considerei a importância da escuta, pude compreender o que não conseguia compreender antes: as crianças têm muito a dizer sobre muitas coisas! Enquanto conduzia a brincadeira, disse para as crianças: “a amarelinha é uma brincadeira antiga e muitas pessoas conhecem essa mesma brincadeira como macaquinho. Para vocês existe alguma relação lógica entre esses nomes? Uma criança levanta a mão e diz: ‟eu sei pró! É macaquinho porque o macaco pula de galho em galho e a gente pula de quadrado em quadrado‟. Parabenizo a criança pela colocação e complemento: ‟muito bem. E porque será que outros a chamam de amarelinha? ‟. Após um pequeno silêncio, outra criança responde: ‟é porque a banana é amarela e macaco gosta de comer banana‟.”.

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Esse episódio me fez compreender que as crianças são sujeito de direitos, tem voz, opinião, etnométodos e não são “idiotas culturais” (MACEDO, 2013). A partir dessa compreensão, o eu professora, ao encontrar com meu eu, formando-se, pesquisadora, percebeu a importância de considerar as crianças como atores sociais, que tem um papel ativo na sociedade; a importância da brincadeira no seu desenvolvimento e a necessidade de ser ouvida em suas múltiplas linguagens. Através das reflexões promovidas no CEDEI, comecei a repensar minha prática, colocando em foco de que forma proporcionava aos pequenos seu direito de ser criança e ter infância.

Não há como negar que o ato de escutar é por si só um desafio. Segundo Rubem Alves (1999), “escutar é complicado e sutil”. Todos querem falar, mas ninguém se preocupa em aprender a ouvir. Se considerarmos então como a escuta é feita no ambiente escolar, é necessário lembrar que por um longo tempo a escola foi considerada um espaço de transmissão de saberes e o aluno visto como mero receptor de conhecimentos. Dentro desse contexto, o direito da fala sempre pertencia ao professor, ele era o dono do conhecimento.

No que se referem às instituições que atendiam a Educação Infantil no Brasil, elas tinham uma única finalidade: cuidar dos pequenos. Esses espaços intitulados Creches, passaram a ser comuns, a partir da revolução industrial, com a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Não havia preocupação com a escuta da criança, nem com desenvolvimento integral das mesmas, o objetivo exclusivo era cuidar e a brincadeira não era considerada uma atividade com valor pedagógico.

A origem da valorização da brincadeira no desenvolvimento das crianças, segundo Brougère (1997), acontece entre os séculos XVIII e XIX, a partir de uma nova concepção da infância, proposta por Rousseau e com a pedagogia romântica de Fröbel que passaram a valorizar as atividades espontâneas, lúdicas e naturais (RIZZO, 1989). É importante ressaltar que no Brasil essa valorização só ocorreu mais tarde a partir da Constituição Federal de 1988 quando as creches antes vinculadas à assistência social passam a ser prioridade da educação.

Brougère (1997, p. 62) define a brincadeira como uma ação que proporciona interação, socialização e acesso aos códigos culturais e que não existe na criança uma brincadeira natural, mas que a brincadeira é construída nas relações entre os

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indivíduos. O mesmo autor ressalta “Brincar não é uma dinâmica interna do indivíduo, mas uma atividade dotada de uma significação social precisa que, como outras, necessita de aprendizagem” (BROUGÈRE, 1998, p. 20).

Ensinar as crianças a brincar parece algo desnecessário, tendo em vista que as mesmas parecem que nasceram para brincar, porém para Bruner (apud KISHIMOTO, 2002, p. 141) aprender a brincar é como aprender a falar. É preciso compreender não só o significado das palavras, mas as regras para compor uma sentença. Para o autor, aprender a brincar segue o mesmo princípio. Dessa forma, a brincadeira está longe de ser apenas uma atividade natural da criança, a brincadeira é uma aprendizagem social.

Atualmente, existem vários estudos que buscam ouvir as crianças e suas concepções de mundo, dando a essas vozes um lugar de prestígio. Tais reflexões colocam todos aqueles que convivem ou trabalham com os pequenos para repensarem a forma como acolhem e validam as vozes infantis, que por muito tempo foi silenciada. Nunes (2009) em sua pesquisa com 2 professoras e 35 crianças, com o objetivo de analisar a relação entre a escuta sensível e a qualidade na Educação Infantil, afirma:

A atitude de escuta sensível na educação infantil, quando existe na prática pedagógica do professor no contexto da sala de aula, permite, dentre outros, que a escola não seja mera transmissora de conteúdos, mas sim compromissada com a humanização para que possa iniciar a modificar a realidade, visando à emancipação humana por meio da educação. (NUNES, 2009, p.2)

Na pesquisa, a autora conclui que a escuta sensível contribui para a qualidade da Educação Infantil quando os docentes observam as representações das crianças para difundir suas ideias com seus pares e aplicar essas contribuições na sua prática docente.

Segundo Rocha (2008), quando se trata de escuta de crianças, é necessário entender que a linguagem oral não é a única linguagem a ser observada. É indispensável atentar para as diferentes formas de expressão que acompanham a linguagem oral como as expressões corporais, gestuais e faciais. Essa escuta é importante para validar as competências infantis como agentes sociais, valorizando a criança como produtora de cultura e conhecer seus pontos de vista. Porém, a autora ressalta que deixar os pequenos falarem não é suficiente para o total

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reconhecimento da sua inteligibilidade, é necessário garantir sua participação social e construir estratégias para viabilizar essa ação.

Souza e Castro (2008) apontam como possibilidade para romper com os preconceitos gerados em torno da validação da fala das crianças e das pesquisas realizadas com as mesmas, ressignificar as posições sociais que os adultos e crianças geralmente ocupam. Aconselham que ao invés de valorizar o conhecimento do adulto como superior ao da criança, é preciso compreender que ambos apresentam possibilidades diferentes para assimilar as experiências que compartilham e estas devem ser igualmente valorizadas e analisadas.

Campos (2008, p. 38), por sua vez, em seu artigo: Por que é importante ouvir

as crianças? A participação das crianças pequenas na pesquisa científica ressalta

que a presença da criança em pesquisa não é novidade e cita Janusz Korczak como um dos percussores dessa ação. Além disso, ele explora as contribuições de Mann e Tolfree (2003 apud CAMPOS, 2008) referente à pesquisa com crianças na qual os pesquisadores consideram particularidades das crianças referentes à escolaridade, gênero, etnia, dentre outros aspectos. A autora responde a sua indagação inicial reiterando a importância de ouvir as crianças nos diferentes contextos em que elas estejam inseridas e critica a escola por ser um espaço no qual a cultura infantil é reprimida.

Infelizmente, na prática, a brincadeira e a fala da criança têm hora e momento para acontecer na escola, pois a mesma ocupa-se primeiro em garantir a transmissão dos conteúdos do currículo. Como professora de Educação Infantil, percebo que na escola, nós escutamos as crianças, porém essa escuta tem como objetivo ampliar a capacidade comunicativa das mesmas e seu vocabulário. Entretanto, no que se refere a ouvir a criança, com a finalidade de entender o que elas querem aprender, fazer e pesquisar na escola apresentamos dificuldades para considerar essas falas como relevantes na construção de projetos e planejamentos A brincadeira por sua vez, é encarada como um momento de relaxamento, sem utilidade, que só serve para divertir e não para aprender.

Sendo assim, o professor elabora várias atividades, considerando-as como ideais para o desenvolvimento integral da criança, dispensando qualquer opinião e intervenção das mesmas nessa construção. Desta forma, é tirado da criança o

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direito de contribuir e coparticipar dessas elaborações, o que acaba por reprimir a sua cultura. Oliveira-Formosinho e Araújo (2008, p.17) reiteram que ouvir a criança perpassa por dois princípios básicos e complementares: a crença nos direitos da criança e a crença na competência das crianças.

Em sua pesquisa, A brincadeira na Educação Infantil: uma experiência de

pesquisa e intervenção, realizada em uma creche na cidade de Álvares Machado

São Paulo, Silva (2012) partiu do pressuposto de que a utilização da brincadeira na Educação Infantil tem sido marcada pela desvalorização ou não compreensão da sua importância no processo de desenvolvimento da criança. A tese teve como objetivo conhecer e intervir sobre a concepção e a prática de uma professora no uso da brincadeira. O pesquisador buscou identificar a presença, a concepção e a prática relacionada à brincadeira que os gestores e a professora participante da pesquisa defendiam ou apresentavam. Ele constatou que apesar da brincadeira estar presente na instituição de Educação Infantil em forma de discurso, que na prática predominam o laissez-faire e jogos de caráter funcional, muito complexos para as crianças que, por sua vez, não tinham interesse pelas propostas e criavam outras brincadeiras.

Lamentavelmente, a realidade constatada na creche pesquisada por Silva (2012) é o espelho de muitas instituições que atendem crianças pequenas. Nas quais, apesar da equipe pedagógica acreditar na importância da brincadeira para o desenvolvimento integral da criança, evidenciando esse pensamento nos seus discursos e até mesmo em seus documentos, o cotidiano evidencia a falta de coerência entre os dois polos: teoria e prática. Colocando as crianças no lugar daqueles que estão a todo tempo questionando, do seu jeito, esse modo de fazer e ser “a escola”, ressignificando espaços e objetos como a gritar “muda cacique”.

Como professora de Educação Infantil, percebo o quanto as crianças são facilmente envolvidas em atividades que tem a brincadeira como condutora da ação e a capacidade das mesmas de entediarem-se facilmente quando as propostas não têm esse viés. As cadeiras transformam-se em trens, camas, pontes... As mesas em túneis, casas, abrigos... Os lápis em aviões, personagens fantásticos, espadas... Os livros são brinquedos... Enfim, os objetos do dia-a-dia são todo tempo transformados em “suporte de brincadeira” (KISHIMOTO, 2011).

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Vários estudiosos se debruçaram a ouvir e validar a voz das crianças, buscando esclarecer a partir da ótica infantil questões que outrora só eram possíveis obter respostas a partir do ponto de vista dos adultos (ALMEIDA, 2014; MORAES, 2012; OLIVEIRA, 2011; SOUZA; CASTRO,2008).

Durante a revisão de literatura, pude refletir sobre a importância do ato de escutar e a necessidade de atentar para as narrativas infantis aproveitando-as como propulsoras de novas propostas de currículo e ações para a infância no contexto da Educação Infantil. No entanto, não foi encontrada nenhuma pesquisa que ouvisse o que as crianças pensam e dizem sobre as brincadeiras que fazem na escola. Esses discursos sobre a importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil só foi encontrado na voz dos adultos e nos documentos oficiais, não pela ótica das crianças.

Compreendendo a partir de Paulo Freire (1996, p. 113) que “é escutando que aprendemos a falar com eles”, isto é, para Freire é a partir da escuta que o educador consegue a “difícil lição de transformar seu discurso”. Nesse sentido, o problema de pesquisa é:o que pensam e dizem as crianças do grupo 4 e 5 sobre as brincadeiras que vivenciam na Escola Municipal Francisca de Sande?

Com base no que perguntei, estabeleci os seguintes objetivos que orientaram a realização do meu estudo monográfico:

 Compreender o que pensam e dizem as crianças do grupo 4 e 5 da Escola Municipal Francisca de Sande sobre as brincadeiras que vivenciam na escola;

 Refletir sobre a importância da brincadeira a partir da escuta das crianças desta pesquisa, reafirmando o direito delas de serem ouvidas e reconhecidas como sujeito sociocultural;

 Conhecer a importância do brincar através das múltiplas linguagens das crianças;

 Identificar os desafios e as possibilidades de tornar as narrativas infantis instrumentos para a construção de ações voltadas à infância.

Para corresponder a isto, desenvolvi uma pesquisa de natureza qualitativa e para realização da mesma, serão considerados os pressupostos da Etnopesquisa

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Crítica e Multirreferencial (MACEDO, 2004), por compreendê-la como a mais apropriada para captar as múltiplas linguagens das crianças. Esta metodologia faz-se necessária, pois faz-segundo Macedo (2004) para os pesquisadores interessados nos sentidos atribuídos pelos atores sociais, a linguagem tem um lugar privilegiado devido à polissemia que decorre do exercício de comunicar-se.

O campo de pesquisa foi uma Escola Municipal, localizada no subúrbio ferroviário de Salvador, tendo como sujeitos da pesquisa quarenta crianças entre4 e 5 anos, pertencentes às únicas turmas de Educação Infantil da escola (grupos 4 e 5), das quais sou a professora/pesquisadora.

Ao perceber a importância de sistematizar o conhecimento construído, este estudo se compõe de seis capítulos: Na introdução, intitulada “travessuras iniciais...” apresento a base empírica da pesquisa, problematizo, estabeleço objetivos e o modo de pesquisar; no segundo capítulo: a escola é lugar de escuta: as múltiplas linguagens das crianças, no qual faço uma reflexão sobre a importância de estar atento as múltiplas linguagens das crianças na escola, esse lugar que ainda no presente século mantém-se conservadora. No terceiro capítulo faço uma distinção entre brincar, brinquedo e brincadeira a partir das concepções de Brougère (1997), Kishimoto (2011) e Luckesi (2005) e ainda neste capitulo, apresento as contribuições da brincadeira para o desenvolvimento das crianças. No quarto capítulo descrevo a trajetória metodológica adotada deste estudo para análise e compreensão do fenômeno. No quinto capítulo: “travessuras lúdicas”, busco descrever e analisar as narrativas infantis a partir dos sujeitos que fundamentam essa pesquisa Para concluir, no sexto e último capítulo intitulado será que a travessura continua? Identifico os desafios e possibilidades de tornar as narrativas infantis instrumentos para construção de ações voltadas à infância.

Considerando a relevância deste estudo, convido o leitor a percorrer os caminhos trilhados que compõem esta monografia com um “olhar travesso”!

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2 A ESCOLA É LUGAR DE ESCUTA: AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS DAS CRIANÇAS

Para iniciar as narrativas teóricas sobre a relevância de escutar as crianças sobre o que elas pensam e dizem sobre as brincadeiras que realizam na escola, Rocha (2008) nos faz refletir sobre a necessidade de analisar os termos ouvir e escutar para ir além nessa discussão. A autora evoca o termo ausculta que envolve compreender o que é comunicado pelo outro. O que muitas vezes nos falta, quando se trata de compreender as crianças pequenas. A escuta da criança pelo adulto, sempre passa por uma interpretação, orientada pelas intenções colocadas nessa comunicação.

A mesma autora ressalta que na escuta dos pequenos “a linguagem oral não é central, nem única, mas fortemente acompanhada de outras expressões corporais, gestuais e faciais” (ROCHA, 2008, p. 45). Compreender essas múltiplas linguagens é um desafio para a escola, pois requer do ouvinte uma escuta sensível. Entretanto, é relevante ter em vista que a sensibilidade auditiva não é suficiente se o foco é a criança, um olhar atento as diferentes formas de expressões infantis é imprescindível.

Almeida (2014, p. 21) pontua a importância de estarmos atentos “a criança e suas manifestações de sentidos – quando fala, brinca, canta, desenha, conta, escreve, lê, no interesse de auscultar estes momentos simbólicos prenhes de sentidos.” Para compreender esses sentidos, o adulto, pesquisador, que está tentando captar esses sentidos, precisa empoderar os pequenos e levar em conta fatores diversos, tais como: a idade, o gênero, o tempo e a escuta dos adultos próximos a elas (CAMPOS apud MANN e TOLFREE, 2003).

Em seu texto Por que ouvir as crianças? Algumas questões para um debate

científico multidisciplinar, Rocha (2008), em consonância com Mann e Tolfree (2003)

acrescenta:

Para analisar de forma mais abrangente as bases teóricas e as implicações metodológicas, de uma pesquisa comprometida com a escuta das crianças, será preciso considerar não só a dimensão etária, mas também a geracional, articulada às dimensões de gênero e classe social e à raça e etnia. (Rocha, 2008, p.44)

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Para a autora, entender quem é o sujeito-criança da pesquisa, suas singularidades e o lugar que ocupa na sociedade, é de grande valia para realização da mesma. Além disso, a mesma autora destaca que a depender dos objetivos da pesquisa, é necessário incluir a criança nas decisões acerca dos procedimentos que serão utilizados na pesquisa. Entretanto, pondera: “a entrevista direta com crianças revela-se inadequada porque estabelece constrangimento de várias ordens” (ROCHA, 2008, p. 45), além de revelar a necessidade do adulto de manter relações hierárquicas de poder.

É importante ressaltar que essa relação de poder do adulto sobre a criança foi construída historicamente a partir das concepções de criança e infância adotadas ao longo da história pela sociedade. Para entender a importância desses conceitos, precisamos compreender que, inconscientes ou não, eles norteiam nossas práticas como educadores da infância, estão nos nossos planejamentos e na forma de lidar com os pequenos.

Muitas são as fontes nas quais podemos compreender as concepções de infância e de crianças, sendo a família, a sociedade e a história algumas delas. O componente curricular “Infâncias e crianças na cultura contemporânea e nas políticas de Educação Infantil: Diretrizes Nacionais e contextos Municipais”, ministrada por Marlene Oliveira dos Santos, no CEDEI, nos ajudou a compreender que a sociologia, a antropologia, e a filosofia também devem ser consideradas como importantes fontes para compreensão das concepções de infância e criança.

Na Idade Medieval, não havia sentimento de infância, a criança aparecia na iconografia representando o menino Jesus e outros santos. Os índices de mortalidade infantil eram elevados e a criança era vista como adulto em miniatura. O sentimento de infância nasce no século XVII, período no qual a criança passa a ser vista simbolizando a estrutura do mundo, a santidade, a morte e o tempo (CHARLOT, 2013). Em outro momento, a criança passa a ser o centro das atenções, colocando sobre ela um sentimento de paparicação, sendo ela a distração e o relaxamento dos adultos. Nesse período, a criança não tinha vez nem voz.

No decorrer da história, percebemos que houve uma mudança acerca do que se pensa sobre a criança e de como a mesma era vista e tratada pela sociedade. Sirota (2001) afirma que os estudos da Sociologia sobre a criança surgem, a partir

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da necessidade de contrapor a ideia de criança como um ser em devir e tornar visível a criança que até então era marginalizada. A autora defende que os pequenos devem ser considerados como atores em sentido pleno e não simplesmente como seres em devir. Sirota (2001) afirma que a infância é uma construção social e a criança é um sujeito social.

Todavia, o que é mais latente no nosso cotidiano é uma imagem contraditória de infância/ criança. De acordo com Charlot (2013, p. 60): “As contradições que imputamos a natureza infantil são múltiplas”. Sendo assim, o autor resume-as em quatro: a criança é inocente e má; a criança é imperfeita e perfeita; a criança é dependente e independente; a criança é herdeira e inovadora. Essas contradições tornam as nossas crianças reféns de adultos e de uma sociedade que não sabe lidar com as verdadeiras necessidades delas.

Sabemos que muitas crianças que estão nas turmas de Educação Infantil, ainda no século XXI, não têm a sua infância garantida fora do espaço escolar, o que torna urgente a necessidade de transformar a escola em um ambiente no qual a criança possa ter a sua infância valorizada e os seus direitos assegurados como garante o Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 3º “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”.

Para entender as verdadeiras necessidades das crianças é imprescindível disposição para ouvir suas demandas, buscando compreender o que querem e esperam de nós que trabalhamos e convivemos com elas. É um verdadeiro desafio, porque essa escuta perpassa pela nossa concepção de criança que precisa estar em consonância com o nosso fazer, com o objetivo de garantir o direito da criança de ser um sujeito capaz de transformar a realidade e fazer a diferença.

Nesse sentido, Almeida (2014, p. 12) alerta: “Há ainda, em instituições escolares, de se reconhecer a criança como sujeito social que significa o mundo, dialogando com os elementos da sociedade e da cultura.” Esse reconhecimento se faz necessário, pois como reprodutores e produtores de cultura, as crianças têm direto à aprendizagem formação (Macedo, 2013).

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, promulgada pela Organização das Nações Unidas em 1989, em seu artigo 12 afirma “A criança tem o direito de expressar sua opinião toda vez que são tomadas decisões que lhe dizem

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respeito, e sua opinião deve ser levada em conta na justa medida” (TONUCCI, 2005, p. 230). Outros documentos oficiais ressaltam os direitos alienáveis da criança como o ECA (1990), a LDB (1996), dentre outros.

Conh (2005, p. 28) afirma “a criança atuante é aquela que tem um papel ativo na constituição das relações sociais em que se engaja, não sendo passiva na incorporação de papéis e comportamentos sociais”. Compreender a criança como sujeito histórico de direitos torna-se urgente, com vistas a romper com a imagem conservadora da escola. Escola esta descrita por Bourdieu (1998) no seu texto a escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. O autor faz uma critica a escola e aos seus mecanismos para conservação das estruturas sociais estabelecidas pela sociedade através da sua forma de tratar seus alunos e transmitir seu conteúdo.

Considerar que as crianças têm centenas de linguagens e maneiras de pensar, de brincar e falar; cem mundos para descobrir, inventar e sonhar é imperativo como nos convida a crer Loris Malaguzzi em sua poesia As cem linguagens da criança. Parafraseando o poeta Manoel de Barros o que parecia um despropósito, para nós está deixando de ser despropósito na medida em que estamos colocamos em prática as reflexões acima.

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3 BRINCAR, CORRER, FALAR E SE MEXER: É DIREITO DA CRIANÇA?

Falar de direito da criança na atualidade inclui o direito ao brincar que por muito tempo foi visto como mera distração e que, no espaço escolar, só poderia ser feito na hora do recreio. O brincar é garantido na Declaração dos Direitos Humanos de 10 de dezembro 1948 que em seu artigo 24 garante “Todo ser humano tem direito a repouso e lazer”. Em 1959, A Declaração dos Direitos da Criança vai consolidar em seus artigos 4 e 7 “A criança terá direito a desfrutar de alimentação, moradia, lazer e serviços médicos adequados” e “deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras”. O documento ressalta ainda que a sociedade e as autoridades públicas devem esforçar-se para promoverem o exercício desse direito pelos pequenos.

Nesse sentido, mais recentemente, o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 16, assegura as crianças o direito “a brincar, praticar esportes e divertir-se”. As Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) publicadas em Dezembro de 2009 também faz questão de enfatizar que a criança como:

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.

Segundo as DCNEI, as instituições que ofertam Educação Infantil no Brasil, em suas propostas pedagógicas devem garantir a criança o direito à brincadeira, à liberdade, à convivência e à interação com outras crianças, dentre outras coisas. Esses estabelecimentos devem ter como foco em suas propostas essas crianças que são, em sua essência, sujeitos históricos de direitos.

Esses documentos são de extrema importância e revelam a evolução do pensamento da sociedade sobre a criança e a infância. Santos, Ribeiro e Varandas (2014, p. 104) afirmam:

O brincar sobrevive ao longo da história da humanidade passando por processos de modificações de sua concepção e na compreensão do seu papel na vida da criança. É peculiar ao ser humano brincar, independente da sua origem e do seu tempo. Nos diferentes contextos sociais e históricos podemos perceber a existência do brincar no comportamento infantil.

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Entretanto, entender que o brincar sobrevive ao logo da história da humanidade não é suficiente. É fundante sabermos que a sua valorização não caiu do céu, ela tem uma origem ideológica e uma científica (BROUGÈRE, 1997). A Ideológica deve-se ao romantismo que, contrariando o pensamento da época (século XX), que considerava fútil e inútil brincar e sua principal utilidade era a distração, o recreio, era nefasta. Com Rousseau há uma exaltação dos comportamentos naturais da criança que é considerada como rica de potencialidades interiores e portadora da verdade. Ou seja, a valorização romântica da natureza infantil, justifica o crédito concedido ao brincar da criança.

A origem científica terá início com as tentativas de psicólogos de fundamentar esse valor de aprendizagem à brincadeira que inicialmente viram na análise do comportamento animal a chave do comportamento infantil. Porém, para Bougère (1997, p. 97) é preciso “fundamentar o interesse da brincadeira em outra coisa além de palavras favoráveis ou mitos, precisamos tentar saber quais as possibilidades da brincadeira.”

Nesses termos, tentaremos aqui compreender o brincar que inclui as ideias de brincadeira e brinquedo, por entender que essas dimensões do brincar estão intrinsecamente interligadas apesar desses termos possuírem uma definição específica como garantem Santos, Ribeiro e Varandas (2014, p.105):

Brincar (verbo intransitivo) é o ato em si, é a ação propriamente dita. Brincadeira (substantivo) é a situação criada a partir da ação do brincar. Brinquedo (substantivo) é o objeto utilizado para brincar.

Ao considerar que cada termo implica a consideração do outro, não há impedimento em falar de cada um de maneira integrada. Luckesi (2005a) inicia o texto Brincar: o que é isso? Apontando como o conceito (ou a ideia) do brincar é desqualificada moralmente pela sociedade que infantiliza o ato humano de brincar, depreciando-o com falas como: “Agora, acabou a brincadeira; vamos trabalhar” ou “Vocês estão brincando, mas é preciso levar isso a sério”. Para o autor “O brincar é esse agir criativo no espaço potencial de todas as possibilidades, que são infinitas...” (LUCKESI, 2005a, p.2),

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Luckesi (2005b), citando os estudos de Freud, que apontam como a criança utiliza o brincar para tentar compreender a sua realidade (como a mãe desaparecia e depois aparecia novamente), conclui:

Mas, o ato de brincar não só é revelador do inconsciente, ele também é catártico, ou seja, ele é liberador. Enquanto a criança, ela, ao mesmo tempo, expressa e libera os conteúdos do inconsciente, procurando a restauração de suas possibilidades de vida saudável, livre dos bloqueios impeditivos. E, por vezes, os bloqueios já estão tão fixados, que eles impedem a criança até mesmo de brincar [...]. (LUCKESI, 2005.b, p.7)

Luckesi, entretanto, a partir de suas experiências, acrescenta que o ato de brincar conduz também para a construção de identidade e individualidade dos seres humanos. Ou seja, essa experiência interna revela-se através de manifestações externas que aqueles que estão em contado direto com as crianças precisam estar atentos para perceber o que essas manifestações trazem de informações sobre esses indivíduos brincantes.

Heaslip (2006) acrescenta que o brincar é a maneira mais natural para a aprendizagem da criança. O autor questiona o papel dos professores e dos cursos formação, pois muitas vezes estes estão mais centrados nas pressões do Currículo Nacional e não consideram o ponto de vista da criança. Cabe ao professor ser proativo, isto é, o professor deve ser atento à organização, seleção e intervenção do brincar a partir da observação. Deve acreditar que

o melhor presente que podemos dar a uma criança é a crença em si mesma, uma autoimagem positiva e uma autoestima elevada, fica mais fácil não apenas enxergar, mas também explicar, como o brincar de alta qualidade pode promover isso. (HEASLIP, 2006, p.123)

O autor considera que o brincar habilita aos pequenos a controlar a atividade em que estão envolvidas. E lembra que os mesmos estão em um sistema educacional que tira o controle e a tomada de decisões em todos os aspectos deles e sempre põe nas mãos dos adultos, deixando as crianças apenas o direito a obediência. Não levando em consideração que por meio da brincadeira a criança pode, segundo Heaslip (2006, p.124), “[...] tentar e tentar novamente até terem sucesso ou decidirem o momento de pedir ajuda [...]”, que a partir da brincadeira a criança experimenta o mundo que está a sua volta.

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O brinquedo, por sua vez, é um suporte para a criança, é aquilo que a criança manipula livremente. Brougère (1997) afirma que o brinquedo pode ser definido de duas maneiras: a primeira em relação à brincadeira, “[...] brinquedo é aquilo que é utilizando como suporte numa brincadeira [...]” (BROUGÈRE, 1997, p.62), isto é, o objeto que a criança usa quando brinca não, necessariamente, são feitos para esta função. Na segunda definição proposta pelo autor, “brinquedo é um objeto industrial ou artesanal, reconhecido como tal pelo consumidor em potencial, em função dos traços fundamentais intrínsecos [...]” (BROUGÈRE, 1997, p.63), ou seja, o objeto que é produzido para ser usado numa situação de brincadeira por uma criança.

O brinquedo é um objeto simbólico, ele remete a elementos do imaginário infantil e à concretização do imaginário da criança. Permite compreender uma determinada sociedade, é o brinquedo que estimula a brincadeira (BROUGÈRE, 1997). O brinquedo deve ser considerado como produto de uma sociedade, dotada de traços culturais específicos e ao mesmo tempo, em que deve ser estudado como revelador de uma cultura deve também ser percebido como um objeto inserido em um sistema social e que, por isso, tem funções sociais.

Observado dessa forma, entendemos que os brinquedos passam mensagens para as crianças sobre o mundo social em que elas vivem. Fazer uma ligação em relação ao brinquedo e ao gênero faz com que possamos visualizar os significados sociais nos denominados “brinquedos de meninas e brinquedos de meninos” e os valores relacionados nessas representações. Tradicionalmente, os brinquedos produzidos para as meninas estimulam o cotidiano familiar, enquanto os dos meninos estimulam a exploração do mundo fora da casa. Mas, em comum, ambos exaltam o universo adulto. É importante ressaltar que para a criança o brinquedo não tem inicialmente gênero, brinquedo é aquilo que proporciona a brincadeira. A sociedade é quem impõem essas classificações, limitando muitas vezes as brincadeiras das crianças.

Para Kishimoto (2011, p. 24) a “Brincadeira é a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em ação”. A autora enfatiza o caráter lúdico da brincadeira na sua afirmação, por isso é importante situar o leitor que o conceito de ludicidade que será considerado nesse trabalho é o conceito defendido por Luckesi do ponto de

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vista interno e integral, ou seja, a experiência lúdica como uma experiência interna do sujeito.

Desse modo podemos afirmar que quando Kishimoto afirma que a brincadeira é o lúdico em ação, podemos concluir que o sujeito que brinca está plenamente entregue àquela atividade. Entretanto, só o sujeito pode descrever como foi para ele aquela experiência.

Enquanto estamos participando verdadeiramente de uma atividade lúdica, não há lugar, na nossa experiência, para qualquer outra coisa além dessa própria atividade. Não há divisão. Estamos inteiros, plenos, flexíveis, alegres, saudáveis. Poderá ocorrer, evidentemente, de estarmos no meio de uma atividade lúdica e, ao mesmo tempo, estarmos divididos com outra coisa, mais aí, com certeza, não estaremos participando dessa atividade. Estaremos com o corpo aí presente, mas com a mente em outro lugar e, então, nossa atividade não será plena e, por isso mesmo, não será lúdica. (LUCKESI, 2005b, p. 2)

A brincadeira como atividade lúdica, pode ser lúdica para uns e não ser para outros, depende da forma como cada indivíduo está envolvido nesse processo. Propor às crianças experiências lúdicas na escola tornaria esse espaço muito mais prazeroso e democrático por compreender que cada sujeito dará sentido as vivências ali experienciadas.

É partindo desse pressuposto que a brincadeira deve estar na escola como a principal ferramenta para promover o desenvolvimento infantil, entendendo que a brincadeira é uma das linguagens da criança que de acordo a Wajskop (1997, p. 28):

A brincadeira, na perspectiva sócio-histórica e antropológica, é um tipo de atividade cuja base genética é comum à da arte, ou seja, trata-se de uma atividade social, humana, que supõe contextos sociais e culturais, a partir dos quais a criança recria a realidade através da utilização de sistemas simbólicos próprios.

A brincadeira de faz de conta ou simbólica surge na criança a partir dos dois anos, quando esta interpreta os papéis presentes em seu meio social. Ao entrar no imaginário as crianças: primeiro imitam as pessoas mais próximas, reproduzindo suas vivências, depois expandem para outros personagens, criam símbolos e modificam os significados dos objetos (KISHIMOTO, 2011).As coisas e as pessoas tornam-se outras, os espaços são ressignificados e os sujeitos são plenamente envolvidos naquela ação lúdica.

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Para compreender como se dá esse processo simbólico para a criança, é necessário criar espaços nos quais as narrativas infantis tornem-se presentes, buscando diminuir a distância entre adultos e crianças, acolhendo e validando essa voz. Para Leite (2008, p. 127) “Criar espaços de narrativas que pretendem ter a parceria da criança e minimizar as relações preestabelecidas de poder passa por rever a corporeidade na relação com o outro”.

Promover e criar esses espaços nos quais as narrativas infantis, em suas múltiplas linguagens, tornem-se presente é papel de todo educador da infância. Garantir o direito das crianças independente da idade, nacionalidade, etnia, religião, situação econômica de brincar, correr, falar e se mexer, é dever de toda sociedade. Exigir políticas públicas para criança que respeitem e valorizem a criança e a infância é função de todos os cidadãos. Considerar as crianças como sujeitos de direitos perpassa pela sensibilidade, pelo retorno a própria infância, pela formação continuada.

Durante minha formação no CEDEI, experimentei a emoção de reencontrar a criança que fui vivenciar as brincadeiras que brinquei, aprender novas brincadeiras. Como em uma brincadeira de roda que só se brinca de mãos dadas, aprendi que brincar só se aprende brincando e que quando o professor da Educação Infantil revisita seu repertório brincante e brinca, tem a oportunidade ímpar de desconstruir o conceito de que brincar com a criança é perder tempo e experimenta a travessura de estar envolvido ludicamente em seu trabalho.

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4 TRAVESSIA EM BUSCA DE COMPREENSÕES DA PESQUISA 4.1 MÉTODO E NATUREZA DA PESQUISA

A escolha da metodologia se deu a partir de algumas reflexões promovidas pelo componente curricular Metodologia da pesquisa com a professora Maria Elisa que ao apresentar-se como “Mel”, revelou o “fel” da elaboração de um projeto de pesquisa. Entre inventário e estado da arte, problemas e problemáticas, nosso objeto de pesquisa revelou-se para nós de forma trabalhosa, tensa, cansativa, mas, também, prazerosa. Ora mel, ora fel.

Nessas idas e vindas, nossos escritos foram tomando forma de projetos de pesquisa com a ênfase da professora Mel: “A metodologia é a parte mais importante da pesquisa”. Nesses termos, essa pesquisa é de natureza qualitativa, pois não se preocupa com a representatividade numérica e sim com a compreensão do grupo social (SILVEIRA e CÓRDOVA, 2009). Para realização da mesma foram considerados os pressupostos da Etnopesquisa Crítica Multirreferencial.

Como uma modalidade de pesquisa que se nutre de forma radical da experiência narrada e seus etnométodos – daí seu viés etno – para instituir seus modos de criação e de conhecimento e a especificidade do conhecimento que produz a etnopesquisa, que muito valoriza epistemológica, heurística e politicamente a experiência do próprio ato de pesquisar [...] (MACEDO, 2015, p. 29)

A etnopesquisa é apropriada para compreender as múltiplas linguagens das crianças, pois esta visa analisar e explicar a realidade tal como é vivida pelos atores sociais em todas as perspectivas possíveis (SILVA e CABRAL, 2010).

Ao entender que o ser humano atribui sentido para o que está ao seu redor, para suas vivências e que as crianças são capazes de fazer esse exercício ao expressarem-se utilizando a linguagem verbal, corporal, seus desenhos, expressões faciais, dentre outras linguagens, a etnopesquisa crítica se faz necessária para dar suporte a esse trabalho.

Para Macedo (2015, p. 21) “Compreender compreensões” é um desafio importante para o jovem pesquisador na etnopesquisa. Sendo assim, compreender passa a ser uma expressão cara para o etnopesquisador e nem mesmo o silêncio deve ser desprezado, pois a ausência tem sentido e o silêncio seus etnométodos.

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Além disso, o mesmo autor ressalta que o ator social nunca deve ser considerado como idiota cultural e que suas narrativas são tão importantes quanto às dos teóricos, não são epifenômenos.

Sendo assim, a narrativa passa a ser central para o etnopesquisador interessado em pesquisar a experiência, ou seja, em “encontrar mundos subjetivados, incertos, ligados ao acontecer, ao singular. Portanto, acompanhar a experiência é mostrar as relações que estabelecem como os acontecimentos” (Macedo, 2015, p. 52). Nesse movimento, pesquisadores e sujeitos da pesquisa que tem prazo de início, meio e fim, vivenciam experiências singulares que produzem as informações da pesquisa tornando-a única.

Segundo Macedo (2004), para os pesquisadores interessados nos sentidos atribuídos pelos dos atores sociais, a linguagem tem um lugar privilegiado devido à polissemia que decorre do exercício de comunicar-se. Nesse sentido, os etnométodos construídos pelas crianças através das suas múltiplas linguagens serão nosso foco de interesse durante toda a pesquisa.

4.2 INSERÇÃO E IMPLICAÇÃO NO CAMPO DA PESQUISA

A inserção no campo de pesquisa deu-se a partir do meu ingresso na Rede Municipal de Salvador no ano de 2012, através de concurso público. Por ser moradora do bairro, escolhi trabalhar na escola como forma de contribuir com a comunidade a partir dos conhecimentos adquiridos na graduação.

Dessa forma, o cenário da pesquisa é a Escola Municipal Francisca de Sande, situada na Rua Muniz Travasso, 758, no bairro de Coutos, Subúrbio Ferroviário da cidade de Salvador- Bahia, tendo como gestora a professora Letícia Macedo. Trata-se de uma escola de porte médio que atende da pré-escola ao quinto ano. Entretanto, só há na instituição, duas turmas de Educação Infantil: o Grupo 4, com vinte crianças, no turno matutino e o Grupo 5, com vinte crianças, no turno oposto, dos quais sou a professora/pesquisadora.

A pesquisa foi realizada nas duas turmas, formada por crianças entre 4 e 6 anos, totalizando quarenta crianças participantes da pesquisa, além da professora

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pesquisadora. A pesquisa de campo que ocorreu entre os meses de agosto a outubro de 2015.

Tendo em vista que as crianças são sujeitos sociais e não um objeto a ser conhecido, a presente pesquisa adotou a postura de valorizar o conhecimento da criança, por entender que a mesma tem muito a contribuir com as suas experiências. As mesmas tiveram suas falas valorizadas e, assim como defendem Sousa e Castro (2008), serão como parceiras ativas do adulto-pesquisador, na busca de uma permanente e mais profunda compreensão da experiência humana.

O seu início foi marcado pelo desafio de ser professora da turma e estar, ao mesmo tempo, sendo pesquisadora. Macedo (2015, p. 32) esclarece que “a função da pesquisa da/com a experiência é compreender compreensões, até porque a realidade é sempre percebida como perspectiva.” Nesse sentido, durante a pesquisa, busquei compreender o meu papel como pesquisadora da minha própria experiência e percebi com a ajuda de Macedo (2015) que embarquei em uma aventura, com possibilidade de “encontrar mundos subjetivados, incertos, ligados ao acontecer, ao singular”.

Assim, os diálogos que surgiam entre as crianças e com as crianças, cada momento, diante da diversidade de vozes dos meninos e meninas da turma, passaram a ser acontecimentos repletos de significados. Buscava a cada encontro desvelar seus etnométodos através das suas múltiplas linguagens com a ajuda dos autores que fundamentam esse trabalho, tecendo os fios dos acontecimentos, dos estudos e reflexões, fazendo e refazendo a minha prática docente.

4.3DISPOSITIVOS, PROCEDIMENTOS E ETAPAS DA PESQUISA

Nessa pesquisa, utilizamos entrevistas, fotografias, filmagens, desenhos feitos pelas crianças e diário de campo tendo em vista responder à problemática enunciada e atender a expectativa proposta pela temática em estudo.

O caminho investigativo se deu a partir da revisão de literatura, passando pela definição do quadro teórico, chegando ao campo da pesquisa para desenvolver as ações relacionadas aos objetivos da pesquisa de campo. A revisão de literatura foi

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útil para conhecimento do estado da arte e resultados de pesquisas desenvolvidas por outros estudiosos. O quadro teórico foi fundamental para conceituar e situar o objeto de estudo em evidência transversalizando todas as etapas da pesquisa, sendo fundamental para compreender e analisar os eventos que surgiam durante a pesquisa de campo.

As primeiras aproximações com o objeto de pesquisa, no sentido de perceber como este se apresentava no cenário de investigação, exigiu um olhar atento e uma escuta sensível. Essas ações de observar e escutar foram essenciais para a definição das ações e dispositivos da pesquisa. Busquei acompanhar os movimentos das crianças quanto às escolhas dos parceiros, brinquedos e espaços para suas brincadeiras e os diálogos que estabeleciam entre si, além dos momentos em que exigiam a atenção da professora, seja para brincar com elas ou chamar sua atenção para as brincadeiras que estavam realizando.

Inicialmente, me concentrei nas brincadeiras espontâneas das crianças, logo após percebi que a roda de conversa, as atividades dirigidas, o recreio, as interações entre as crianças, a mediação dos conflitos, a participação com elas nas brincadeiras orientadas ou livres, as conversas com as crianças, as canções e os desenhos também eram dispositivos ricos em produção de informações. Essas constatações contribuíram para manter o foco da investigação centrado nas crianças e nas suas múltiplas linguagens.

A inclusão dos dispositivos para gravação em áudio e vídeo aconteceu naturalmente, pois as crianças já estavam acostumadas com os mesmos, já o diário de campo, provocou curiosidade inicial nos pequenos que queriam saber o que a pró estava escrevendo. Foi necessário explicar para as crianças que durante a pesquisa que a pró estava realizando com a ajuda deles, seriam feitas naquele diário as anotações relevantes, logo aqueles registros passaram a ser familiares, mas eram feitos, em sua maioria, no final do dia.

As múltiplas linguagens das crianças invadiam toda a pesquisa e essas narrativas, chamadas de travessuras lúdicas, revelam os sentidos produzidos pelas crianças acerca das brincadeiras que vivenciam na escola, além do que ela espera daquele espaço e do tempo que passa nele.

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4.4TRATAMENTO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES

Segundo Macedo (2004, p. 202), “a prática em etnopesquisa crítica nos mostra que, em realidade a análise se dá em todo o processo de pesquisa.” Para o autor a análise das informações só é encerrada quando a pesquisa acaba. Sendo assim, a análise das informações ocorreu durante todo o processo.

Nessa pesquisa foi utilizada a observação participante para produção de dados que “do ponto de vista do procedimento técnico, é a observação participante que permite se impregnar nas ações e atitudes.” (ALMEIDA 2014, p. 39 apud MACEDO, 2010). A inserção no campo de pesquisa e produção de informações foi importante para evidenciar os aspectos referentes à minha própria prática pedagógica. Neste sentido, é importante ressaltar que a observação como um método de produção de informações, não é um ato mecânico de registro, mas está inserido num processo de interação e impregnado de sentidos (MACEDO, 2004, p. 151).

Após a produção e levantamento das informações, foi feita a triangulação de dados, considerando o que dizem as pesquisas, os teóricos e os etnométodos das crianças durante as brincadeiras e nas rodas de conversas, para divulgação dos resultados da pesquisa. Visando contribuir com os estudos que buscam, através das narrativas das crianças, construir propostas pedagógicas que valorizam o pensamento infantil e a infância.

Neste sentido, observar, registrar e interpretar o que dizem as crianças através das suas múltiplas linguagens é um desafio no cotidiano do educador, pois diante das demandas diárias, o professor acaba deixando essas ações para segundo plano. Entretanto, considerar a importância do ato, do relato e da escuta, é fundamental para o trabalho docente.

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5 CENAS DA PESQUISA: TRAVESSURAS LÚDICAS

O jogo simbólico ou faz de conta está presente nas brincadeiras infantis. Neles vemos as representações dos papéis sociais e como as crianças os assimilam. Os objetos ganham as funções que as crianças os atribuem quando brincam (BOMTEMPO, 2011). As cenas das travessuras lúdicas realizadas na escola demonstram como as crianças reaproveitam os recursos materiais disponíveis dando asas à imaginação: criando seus enredos, incorporando os papéis sociais que lhe são próximos, produzindo seus etnométodos para lidar com situações diversas.

Segundo Brougère (1998, p.24) “a cultura lúdica é antes de tudo um conjunto de procedimentos que permitem tornar o jogo possível”. Podemos perceber que essa afirmação do autor pode ser compreendida a partir da descrição da cena a seguir na qual as crianças do Grupo 5 usam as cadeiras e as organizam uma ao lado da outra para demarcar um espaço e uma delas está com um saquinho de pipoca colorida em mãos:

Professora: o que vocês estão fazendo? I: uma casa.

M: quem quer pipoca levanta a mão!

S: pedir é feio minha gente! [as crianças que estão dentro da casa

levantam a mão]

M: 1, 2, 3, 4, 5, 6 [e divide a pipoca] M: “quem é forte faz um músculo”.

[Todos que comeram a pipoca faz o solicitado e ele vai conferir quem é forte].

C: me dá mais pipoca. M.: eu já te dei C.

[Enquanto isso, as crianças que estão na “casa” organizam as panelas, as bonecas e outros brinquedos no espaço delimitado. A. se aproxima da “casa”]

A: deixe eu entrar. M. não.

A: eu quero brincar M. deixe de ser ruim M: não. A casa já tá cheia

A: Vou dizer a pró que você não quer me deixar brincar. Ô pró, M.

não quer deixar eu brincar não.

Professora: “M. porque você não quer deixar seu colega participar?” M: “tem muita gente aqui. A casa já tá cheia”.

(35)

Professora: Gente, cabe mais um dentro da casa?

Imediatamente todos que estão respondem: sim! [A. sorri e entra para transbordar a casa].

(18/08/15)

As crianças demonstram o quanto compreendem a importância de criar seus cenários antes de começar a brincadeira, já que irão reproduzir uma realidade diferente da cotidiana (BROUGÈRE, 1998). Visitam seu repertório brincante e recorrem ao seu cotidiano para criar e recriar brincadeiras e novas aprendizagens.

Não podemos perder de vista que a cultura lúdica é construída na interação social, sendo assim Brougère faz a seguinte afirmação:

A cultura lúdica não está isolada da cultura em geral. Essa influência multiforme começa com o ambiente, as condições materiais. As proibições dos pais, dos mestres, o espaço colocado à disposição da escola, na cidade, em casa, vão pesar sobre a experiência lúdica. (BROUGÈRE, 1998, p. 27-28).

Os pequenos são privados a todo tempo, por aqueles que trabalham ou convivem com elas, de vivenciar essa cultura brincante e tem seu direito a fala negado, sendo as suas experiências limitadas pelas representações que esses adultos têm de criança e de infância que, na sua maioria, não condiz com o desejo infantil, com suas reais necessidades. As crianças do Grupo 4 brincam juntas, entretanto cada grupo está realizando uma brincadeira diferente. Algumas estão vendendo livros e quebra- cabeça, outras utilizam blocos-lógicos para criar sorvetes e vendem por R$1,00. Passam por mim perguntando:

R: ô moça, quer comprar sorvete? Tem de morango, chocolate... Professora: tô sem dinheiro moço.

R: não tem problema pode comprar fiado.

Professora: obrigada, moço. Tá bom, então quero de chocolate. [ele

me entrega um bloco lógico preto]

D: pode deixar que eu pago seu sorvete. Tome. [Estende para R. um

bloco lógico azul representando 1 real]

Professora: Obrigada. Vocês são muito legais.

M. [um menino]: Pró, E. [também menino] tá brincando de boneca”. Professora: o que é que têm?

M: nada

R. [a vendedora de sorvete]: a pró já disse que boneca é brinquedo

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Professora: você quer brincar com E. de boneca também?

M: quero [Ele vai, pega uma boneca e começa a brincar anunciando] M: olha a minha filha. [Em um outro momento desse mesmo dia, uma

das crianças propõe]

J: vamos brincar de roda? [Todos topam, com exceção de M. prefere

brincar com sua filha (a boneca)].

Crianças: “atirei o pau no gato-to...” [Ao perceber a animação dos

colegas M. grita]

M: peraí que eu vou colocar a minha filha pra dormir. [Deita a boneca

e entra na brincadeira]. (18/08/2015)

O preconceito sobre o que é brincadeira para menino e menina surge nessas situações e as crianças são condicionadas a segui-los sem entender os motivos, mas buscando respostas dos adultos e dando suas próprias respostas. Brougère (1997) ao observar meninos e meninas brincando com bonecos percebe que os meninos inventam jogos de guerra e as meninas utilizam os mesmos brinquedos para reproduzir situações da vida cotidiana como comer, dormir, etc.. Entretanto, durante a pesquisa pude observar que essa postura das crianças é muito relativa, pois dependerá do contexto da brincadeira e do desejo da criança. M. além de identificar a boneca como filha dele, a coloca para dormir. Dizer que meninos e meninas deverão agir “assim ou assado” são determinismos que não cabem na relação das crianças com os objetos brincantes.

Quando M. vai dizer à professora que o colega está brincando de boneca, seu real desejo é confirmar qual a visão que aquele adulto tem sobre aquela cena, já que ele posteriormente revela seu desejo de brincar com aquele brinquedo que o discurso adulto delimitou como “brinquedo de menina”, mas que para a criança é uma possibilidade de criação e atribuição de novos sentidos. Um mesmo brinquedo ou objeto pode ser utilizado com sentidos diferentes, quem determinará é a criança. Explorando o espaço ela descobre as possibilidades e se precisará de outras crianças para atingir os objetivos.

Através das travessuras lúdicas as crianças tomam consciência da função do trabalho em grupo e da importância das regras. Quando a professora propõe uma atividade lúdica para as crianças com intenções pedagógicas, essa mesma brincadeira pode ser resgatada pela criança em algum momento de brincadeira livre

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