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A rotação partidária em Portugal : a aprendizagem da alternância política (c. 1860-1890)

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS

A Rotação Partidária em Portugal. A Aprendizagem da

Alternância Política (c. 1860-1890)

Manuel Maria Cardoso Leal

Orientador: Prof. Doutor Ernesto Saturnino Dá Mesquita Castro Leal

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de História, na especialidade de História Contemporânea

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS

A Rotação Partidária em Portugal. A Aprendizagem da Alternância Política (c. 1860-1890)

Manuel Maria Cardoso Leal

Orientador: Prof. Doutor Ernesto Saturnino Dá Mesquita Castro Leal

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de História, na especialidade de História Contemporânea

Júri:

Presidente: Doutor António Adriano de Ascensão Pires Ventura, Professor Catedrático e Director da Área de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Vogais:

Doutor André Renato Leonardo Neves dos Santos Freire, Professor Associado com Agregação, Escola de Sociologia e Políticas Públicas do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa;

Doutor José Miguel Pereira Alcobio Palma Sardica, Professor Associado com Agregação, Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa;

Doutor Paulo Jorge Chalante Azevedo Fernandes, Professor Auxiliar Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Doutor António Adriano de Ascensão Pires Ventura, Professor Catedrático, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;

Doutor Sérgio Carneiro de Campos Matos, Professor Associado com Agregação, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;

Doutor Ernesto Saturnino Dá Mesquita Castro Leal, Professor Associado com Agregação, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;

Doutora Teresa Maria e Sousa Nunes, Professora Auxiliar, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

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TESE DE DOUTORAMENTO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

A Rotação Partidária em Portugal. A Aprendizagem da Alternância Política (c. 1860-1890)

Resumo

Compreender como se construiu o primeiro sistema partidário em Portugal e como evoluiu para a rotação entre dois partidos, no período 1860-1890, é o propósito principal da presente tese.

Tal rotação fez-se entre duas opções moderadas, uma conservadora e outra progressista, ou uma de centro-direita e outra de centro-esquerda, respeitadoras das regras políticas fundamentais. Mas houve sempre luta entre um partido inspirado num espírito unitário e outro desejoso de afirmar uma alternativa.

Nos anos 50 já houve transições governativas, sob o impulso do rei, entre as mesmas forças políticas da futura rotação, mas esta só se realizou realmente a partir do final dos anos 70, impulsionada também pela opinião pública e não apenas pelo rei. A aceitação geral do princípio rotativo a que se chegou nos anos 80 significou uma vitória do bipartidarismo sobre o predomínio de um partido.

Mais do que um símbolo da Monarquia Constitucional portuguesa, a rotação de 1860-1890 foi parte da evolução geral dos sistemas representativos na Europa.

Palavras-chave: - liberalismo - partidos políticos;

- conservadores-progressistas; - direita-esquerda;

- rotação / rotativismo / alternância; - monarquia constitucional

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Abstract

This thesis aims mainly to undestand how the first party system was built in Portugal and how it evolved into the rotation of two parties, in the period between 1860 and 1890.

That rotation was assured between two moderate parties, one conservative and another progressist, or one center-right wing and another center-left wing, both obeying the basic political rules. But it consisted of a constant strife between a party inspired by an unitarian spirit and another party wishing to assert an alternative.

In the 1850’s there were some governmental transitions, driven by the king, between the same political forces of future rotation; but this was really accomplished in the end of the 1870’s, boosted by the public opinion, not only by the king. The general acceptance of the rotation principle that was reached in the 1880’s meant a victory of bipartidism over one party’s predominance.

The rotation of 1860-1890 was more than a symbol of Portuguese Constitutional Monarchy; it was also parte of general evolution of representative systems in Europe.

Key words: Liberalism; Political parties; Conservatives-Progressists Right-Left Rotation (Rotativismo)/Alternance Constitutional Monarchy Public Opinion

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TESE DE DOUTORAMENTO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

A Rotação Partidária em Portugal. A Aprendizagem da Alternância Política (c. 1860-1890) Índice Introdução 1 – Antecedentes 2 – A experiência da diferenciação (c. 1860-1865)

2.1 – Primeira vitória da diferenciação (c. 1860-1862)

2.2 – Governo histórico diferenciado põe fim à questão religiosa (1862) 2.3 – Reformas importantes sob intensa luta política (1863-1864)

2.4 – Como se destrói uma «maioria enormíssima» (1864-1865)

3 – A experiência da fusão (1865-1868)

3.1 – Governo Sá/Ávila, de transição (1865)

3.2 – «Governo da Fusão»: o sistema político sem alternativa (1865-1868)

4 – A experiência dos pequenos partidos (1868-1871)

4.1 – Governo Ávila/Dias: arrefecer a revolta (1868)

4.2 – Governo Sá/Viseu: a febre das economias (1868-1869) 4.3 – Governo Loulé: reconstruir o Partido Histórico (1869-1870) 4.4 – Ditadura de Saldanha: o país em perigo (1870)

4.5 – Governo Sá/Viseu: solução de recurso (1870)

4.6 – Governo Ávila/Viseu: Reformistas abdicam do poder (1870-1871)

5 – A época dourada regeneradora de Fontes Pereira de Melo (1871-1879)

5.1 – Paz e prosperidade face à desordem nos países vizinhos (1871-1873) 5.2 – A oposição abafada (1873-76)

5.3 – 1876, ano de viragem e de novas alternativas

5.4 – Governo Ávila: uma pausa no domínio regenerador (1877-78) 5.4 – Domínio regenerador face ao desejo de mudança (1878-1879)

5 21 43 43 52 57 67 76 76 83 100 100 106 116 124 135 139 151 151 163 170 178 186

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6 – Ascensão e queda da alternativa progressista (1879-1881)

6.1 – Maioria progressista em desarmonia com a Câmara dos Pares (1879-1881)

6.2 – A rotação alvo de extermínio (1881)

7 – Reformas políticas para maior equilíbrio entre os partidos (1881-1886)

7.1 – Manobras para o acordo entre os partidos rotativos (1881-1883) 7.2 – Reformas políticas em ambiente de desconfiança (1884-1885) 7.3 – A sucessão no Partido Progressista (1885-1886)

8 – Do Governo progressista ao «Ultimato Inglês» (1886-1890)

8.1 – O poder regenerador desmontado (1886-1887) 8.2 – A sucessão no Partido Regenerador (1887)

8.3 – Governo progressista sob intenso combate (1888-1889) 8.4 – Mudança do ciclo político (1889-1890)

9 – Os partidos entre a direita e a esquerda

Conclusão Anexos Fontes e Bibliografia 199 199 211 219 219 230 243 248 248 256 262 276 285 301 319 325

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Introdução

Objectivo e delimitação temporal

O objectivo da tese é compreender como se construiu o sistema de rotação de dois partidos no exercício do poder, que, em grande medida, estruturou a política portuguesa na segunda metade do século XIX, no regime da Monarquia Constitucional, com base em análise historiográfica reportada ao período 1860-1890: como se afirmou tal rotação, como evoluiu, por que fases passou, em que factores se baseou.

Pretende-se superar a escassez de estudos sobre o sistema partidário do século XIX em Portugal, adiante evidenciada no «Estado da Arte». Surpreende tal escassez já que os dois partidos rotativos (Regenerador e Histórico/Reformista/Progressista) foram os primeiros verdadeiros partidos portugueses, que conduziram a política, em termos pacíficos e inclusivos, não esporadicamente mas durante várias décadas, praticando regras e valores que são essenciais nas actuais democracias (eleições, Parlamento, separação de poderes, liberdade de imprensa, etc). Será excessivo dizer que se fundou então a modernidade política em Portugal? E não terá sido a rotação dos partidos um sinal dessa modernidade? Trata-se, além disso, de um tempo que, pela sua extensão e relativa estabilidade, fornece à historiografia uma boa área de trabalho para detectar tendências de fundo, de valor estrutural, e não apenas reacções conjunturais.

Para a rotação no poder ser possível, era indispensável um ambiente de concórdia e tolerância entre as forças políticas. Um tal ambiente só foi conseguido, não nas primeiras décadas do Liberalismo, caracterizadas por luta violenta constante, mas a partir de 1851-1852, quando se abriu um ciclo de quatro décadas em que se formaram os partidos entre os quais se processou a rotação ou alternância. Como a primeira dessas décadas, a dos anos 50, já foi objecto de estudo exaustivo, quanto à dinâmica partidária, por José Miguel Sardica, o quadro temporal adoptado na presente tese corresponde às três décadas seguintes, de 1860 a 1890. É um tempo que se identifica com o reinado de D. Luís (1861-1889), com grande parte do «fontismo», com o sistema eleitoral dos círculos uninominais (vigente, em termos exclusivos, entre 1860-1884) e com a bastante liberal lei de imprensa de 1866 (até 1890).

Depois de 1890, com o «Ultimato Inglês» e a crise financeira, tratou-se já de um ciclo diferente, sob a influência de novas doutrinas e de novos protagonistas, incluindo o rei D. Carlos, que anularam, em parte, não só o conteúdo dos progressos políticos

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anteriores mas também o espírito de concórdia com que tinham sido feitos. Aliás, muito da ideia negativa que persiste sobre a rotação vem das duas últimas décadas do regime da Monarquia Constitucional, já não abrangidas pela tese. Até o termo «rotativismo», que é hoje o mais corrente para designar a rotação dos partidos do século XIX, só foi divulgado depois, com sentido pejorativo, razão por que, no título e na exposição da tese, será usado o termo «rotação», que era então, de facto, o mais usado.

Quanto à década dos anos 50, em que ocorreram as primeiras transições relativamente pacíficas de governo, e quanto às décadas anteriores, nas quais os futuros partidos mergulharam as suas raízes e de cuja violência aprenderam a importância do compromisso para conterem a luta política dentro de limites compatíveis com o desenvolvimento do país, são tão fundamentais para o entendimento da tese que serão consideradas num capítulo inicial de Antecedentes.

Estado da Arte

Não abundam os estudos sobre o rotativismo partidário vigente na Monarquia Constitucional, nem sobre cada um dos partidos que o integraram. É o que dizem diversos autores, nomeadamente José Miguel Sardica num artigo, de 19971, que contém uma boa revisão da literatura sobre a matéria: «Não há nenhum estudo de conjunto sobre o sistema partidário português oitocentista. As abordagens que existem são normalmente parcelares, ou seja, relativamente laterais à problemática específica dos partidos, aparecendo as referências a estes diluídas, como objecto secundário de livros ou capítulos de história política, de história das ideias, de sociologia eleitoral ou de literatura sobre o caciquismo». Mais diz: A «historiografia produzida sobre os partidos políticos do século passado [XIX] revela bastantes ideias preconcebidas e interpretações que empobrecem a realidade, quer no que toca à diferenciação concreta dos vários tipos de “partido” da segunda metade do século XIX quer, sobretudo, ao estabelecimento de balizas cronológicas das diferentes fases da sua evolução». Em artigos mais recentes, Paulo Jorge Fernandes observa o esquecimento a que o regime da Monarquia Constitucional tem sido votado, apesar da sua longevidade, donde resulta que as aproximações ao estudo do século XIX mostram tendência para a simplificação e os

1 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista (discursos historiográficos e opiniões contemporâneas)», Análise Social, nº 142, 1997, 559-560

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lugares comuns2. E Rui Ramos confirma a escassez das referências aos partidos do século XIX, comparada com as monografias existentes sobre os partidos da I República e com a «enorme bibliografia sobre os partidos da democracia de 1974»3.

O referido artigo de Sardica resulta da obra do mesmo autor, A Regeneração sob

o Signo do Consenso (A Política e os Partidos entre 1851 e 1861)4, que já se pode considerar um «estudo de conjunto do sistema partidário português oitocentista», com o devido acompanhamento historiográfico, centrado nos anos 50, sem deixar de fazer boas incursões nos períodos precedente e seguinte. O essencial do seu pensamento sobre o tema foi retomado em artigo de publicação mais recente5.

Na recensão que faz de estudos sobre os partidos, José Miguel Sardica destaca, como «únicas análises com fôlego de longa duração», obras produzidas por juristas, nomeadamente, Marcello Caetano6, que influenciou Marcelo Rebelo de Sousa7, dando ambos do rotativismo, que situam no ciclo da Regeneração (1851-1891), uma versão idealizada de partidos disciplinados que se revezavam no poder por mero acordo dos chefes. Ambos fazem uma caracterização dos partidos do liberalismo, perfilhada pela generalidade dos autores, como «partidos de quadros», de origem parlamentar, nascidos das cúpulas para as bases, em função da mera concorrência aos actos eleitorais, apoiados por uma rede de notabilidades locais, dotados de uma estrutura reduzida, de limitada implantação social. Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o rotativismo foi um «bipartidarismo perfeito» de dois partidos que «correspondem fielmente às linhas liberal-conservadora e liberal-progressista»8. Outro jurista, Jorge Miranda, distancia o rotativismo português do sistema britânico sobretudo pela recorrência da intervenção régia ao abrigo do poder moderador9, o que indiciava diferentes níveis de politização e de força das opiniões públicas de um país e do outro.

2 Paulo Jorge Fernandes, «O Sistema Político na Monarquia Constitucional, 1834-1910», O Sistema Político Português, Séculos XIX-XXI, Continuidades e Ruturas, org. André Freire, Coimbra, Edições Almedina, 2012, 25

3 Rui Ramos, «Para uma história do conceito de partido em Portugal no sec. XIX», O Eterno Retorno. Estudos em homenagem a António Reis, Lisboa, Campo da Comunicação, 2013, 111

4 José Miguel Sardica, A Regeneração sob o Signo do Consenso (A Política e os Partidos entre 1851 e 1861), Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2001

5 José Miguel Sardica, «A Regeneração na política portuguesa do século XIX», Portugal Contemporâneo. Estudos de História, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2013, 157-184

6 Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Lisboa, Coimbra Editora, 1963, 359-384

7 Marcelo Rebelo de Sousa, Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português, Braga, Livraria Cruz, 1983, 140-167

8 Marcelo Rebelo de Sousa, Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português, 159

9 Jorge Miranda, Ciência Política. Formas de Governo, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1992, 285, em José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 568-569

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Quanto às abordagens especificamente históricas, destaca-se uma das mais antigas, de Joaquim de Carvalho10, que situou o «estabelecimento do rotativismo» nas décadas de 1870 e 1880, como necessidade de substituir o «regime de pequenos partidos» (situado entre 1868 e 1871), por um «regime de grandes agrupamentos, apoiados em maiorias homogéneas e constantes», passando então a propugnar-se, à semelhança da Inglaterra e da Bélgica, «a polarização das forças políticas em torno das grandes necessidades da vida social», «a conservação e o progresso»11.

José Tengarrinha foi também um dos primeiros a escrever sobre o rotativismo12, que caracterizou como a alternância, «à inglesa», entre dois grandes blocos do centro, um mais ou menos conservador e outro mais ou menos avançado, embora no nosso país só tivesse conseguido manter-se «por afeiçoar às suas necessidades o sistema eleitoral e dominar as câmaras legislativas», com recurso frequente a dissoluções e a fornadas de pares, bem como a burlas e a pressões eleitorais. Reconheceu três fases: a primeira decorrendo entre 1851 e 1865; a segunda, «fase áurea», entre 1878 e 1890; por fim, a terceira entre 1893 e 1906. Em outra publicação alargou o tema a outras expressões assumidas pelos partidos políticos da época13.

Sardica concorda com Tengarrinha a respeito das limitações do sistema rotativo, mas dele discorda por ter estendido «o arco temporal do rotativismo a todo o período da Regeneração» e ter exagerado «na distância que mediaria entre regeneradores (os conservadores) e históricos e progressistas (os avançados)»14. Desmente o «mito da Regeneração unitária», ou seja, que o período 1851-1890 foi uniforme, achando que, pelo contrário, este período foi retalhado em «microperíodos dotados de identidade própria»; por isso, aprova o alerta de António Pinto Ravara, de que o período de 1851-1865 não correspondia a uma primeira fase do rotativismo, porque os partidos não tinham programas bem definidos com amplo substracto popular15.

10 Joaquim de Carvalho, «Regime político dos pequenos partidos» e «Estabelecimento do rotativismo», História de Portugal, dir. Damião Peres, vol. VII, Barcelos, Portucalense Editora, 1935, 380-400 e 401-411

11 Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 402 e 411

12 José Tengarrinha, «Rotativismo», Dicionário de História de Portugal (dir. Joel Serrão), Porto, Livraria Figuerinhas, 1984, vol V, 392-394 (1ª ed., 1968)

13 José Tengarrinha, «Três temas de História Política da segunda metade do século XIX: Rotativismo, Reformismo, Progressismo», Estudos de História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Editorial Caminho, 1983, 109-128

14 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 571

15 António Pinto Ravara, «Os partidos políticos liberais na primeira fase do rotativismo parlamentar (1851-1865)», Análise Social, nº 46, 1876, e «Rotativismo», Dicionário Ilustrado da História de Portugal, vol. II, Mem Martins, Publicações Alfa, 1985, 187

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Sardica não subscreve a distinção doutrinária entre os dois principais partidos, um como conservador e outro como progressista ou democratizante, que, além de Tengarrinha, outros autores fizeram, tais como, Rebelo de Sousa e Júlio Rodrigues da Silva16, acentuando antes a diluição da clivagem ou a contiguidade programática entre eles17. Todavia, distingue, no período anterior à Regeneração, uma «direita», adepta da Carta, outorgada por D. Pedro V, e uma «esquerda», adepta de uma Constituição que recuperasse a herança do vintismo18. Aliás, duvida da continuidade preconizada por Rebelo de Sousa entre os períodos pré-1851 e pós-185119. Também Rui Ramos relativiza a distinção entre os dois grandes partidos, um conservador e outro progressista, lembrando que Fontes e os Regeneradores se achavam «progressistas» e considerando que todo o período posterior a 1851 foi um tempo de «progressismo»20.

Leituras classistas do rotativismo ou dos partidos do século XIX foram ensaiadas no referido artigo de Tengarrinha e por outros autores, tais como, Vilaverde Cabral21 e Colaço Antunes22. Mas, segundo Sardica, «os partidos monárquicos não traduziam clivagens classistas, não autorizando modelos de leitura puramente sociológica»23. Fernando Farelo Lopes tentou identificar os interesses e grupos sociais que os partidos portugueses do período liberal representariam, sem chegar a conclusões claras24.

Em artigo mais recente, Tengarrinha revisitou o tema, desenvolvendo-o, aprofundando-o e de certo modo clarificando-o: a partir do Acto Adicional de 1852, o confronto deixou de se fazer entre extremos radicalizados e passou a fazer-se entre opções situadas no centro (centro-esquerda e centro-direita); com o fim do cabralismo, que motivara uma frente de oposição, em breve esta frente abriu brechas deixando emergir uma corrente autónoma de esquerda (Histórica) dissidente do centro-direita (Regeneradora) que se instalara no poder; foi entre estas duas correntes que se criou uma bipolarização, não impedida pela existência de outros grupos políticos

16 Júlio Rodrigues da Silva, «O rotativismo monárquico-constitucional. Eleições, caciquismo e sufrágio», História de Portugal (dir. João Medina), vol IX, Lisboa, Ediclube, 1993, 47-67

17 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 568 e 576 18 José Miguel Sardica, «A Regeneração na política portuguesa do século XIX», 160 19 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 568, nota 16

20 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2009, 535-536 21 Manuel Vilaverde Cabral, O Desenvolvimento do Capitalismo em Portugal no século XIX, Porto, A Regra do Jogo, 1976

22 Luís Filipe Colaço Antunes, «Partido e programa no constitucionalismo monárquico português (1820-1850)», Economia e Sociologia, nº 29-30, Évora, 1980, 78-79

23 José Miguel Sardica, «A vida partidária portuguesa nos primeiros anos da Regeneração», Análise Social, nº 143, Lisboa, 747-777

24 Fernando Farelo Lopes, «Partidos e representação política no período liberal em Portugal», Res Pública (1820-1926). Cidadania e representação política em Portugal, Lisboa, Assembleia da República, 2010, 258-288

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menores (Cabralistas e Legitimistas); embora apresentassem fronteiras ideológico-programáticas difusas e estruturas organizativas fluidas, as duas correntes principais foram-se distinguindo e formalizando, sobretudo no processo eleitoral de 1856, de tal modo que já podiam receber a designação de «partidos»; ora esses partidos já não eram confundíveis entre si, daí tendo resultado o fracasso do «Governo da Fusão» de 1865-1868; estava-se no início de um processo que iria fazer evoluir a bipolarização já criada, até se chegar à alternância política, ou rotativismo25.

Todavia, José Miguel Sardica considera, como outros autores, que só nos anos 70-80 se pode dizer que havia os partidos de notáveis clássicos, com a sua mecânica de alternância, típicos do rotativismo; nos anos 50-60 não havia ainda partidos mas aquilo a que os contemporâneos chamavam «parcialidades», em todo o caso mais evoluídas do que as facções e o intransigentismo típicos dos anos anteriores à Regeneração26.

Dos capítulos referentes aos partidos e ao rotativismo, contidos nas Histórias de Portugal de publicação recente, nem todos acrescentam algo de significativo aos artigos especializados no tema. Maria Cândida Proença e António Pedro Manique situam «um primeiro esboço do rotativismo parlamentar» no período 1851-186527. Júlio Rodrigues da Silva localiza-o «como inovação política no início dos anos 70», após a superação de uma fase anterior de «estrutura partidária muito fluida e rotação no poder imperfeita»28. Num capítulo demasiado sintético, Maria Manuela Tavares Ribeiro e Isabel Nobre Vargues abordam o sistema bipartidário inaugurado com a Regeneração29, com dois partidos, Regenerador e Histórico, que não se diferenciam muito no plano doutrinário e ideológico, o que explica a possibilidade de uma fusão, em 1865.

Rui Ramos destaca-se pelo grande interesse de dois textos sobre os partidos liberais e o rotativismo, incluídos num volume de História de Portugal dedicado ao período posterior à tese30. Segundo ele, os partidos liberais não podem ser vistos à luz da política de hoje, pois «correspondiam à mobilização política numa sociedade

25 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», Partidos Políticos e Sociedade, Actas dos VIII Cursos Internacionais de Verão de Cascais (9 a 14 de Julho de 2001), Cascais, CMC/ICES, 2002, 25-47

26 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 560-562

27 Maria Cândida Proença e António Pedro Manique, «Da reconciliação à queda da monarquia», Portugal Contemporâneo (1851-1890), (dir. António Reis), vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1989, 30-31

28 Júlio Rodrigues da Silva, «O rotativismo monárquico-constitucional», 47 e 50.

29 Maria Manuela Tavares Ribeiro e Isabel Nobre Vargues, «Estruturas políticas: parlamento, eleições, partidos políticos e maçonarias», História de Portugal (dir. José Mattoso), vol V (O Liberalismo), Lisboa, Editorial Estampa, 1998, 172-173

30 Rui Ramos, «Os partidos», e «A invenção do rotativismo (1897-1901)», História de Portugal, dir. José Mattoso, A Segunda Fundação (1890-1926), Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, 104-106 e 219-223

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diferente com objectivos diferentes» e, para tal, «eram máquinas muito eficazes»; por outro lado, ao contrário da afirmação recorrente sobre esta época, de que os governos ganhavam sempre as eleições, isso só acontecia realmente em eleições organizadas por governos apoiados por um partido. Também desmente uma visão da rotação como «pacífica e rotineira», dizendo que era um mecanismo «pouco usado», como o prova o facto de, em 23 mudanças governativas no período 1860-1897, apenas quatro terem ocorrido entre os partidos da rotação31 – embora se deva ponderar qual o tempo dos governos dos partidos da rotação e dos outros grupos. Acha ainda que mais importante do que a rotação era a ascendência de um partido ou de um chefe partidário, como foram, por largos períodos, o duque de Loulé, do Partido Histórico, e Fontes Pereira de Melo, do Partido Regenerador – embora se possa questionar se tal ascendência teria ocorrido se eles não fossem chefes de partidos da rotação; é que também o duque de Ávila foi bastante solicitado pelo rei, mas apenas em períodos curtos, de transição, decerto por não ser chefe de um dos partidos rotativos.

A ideia de evolução, tão presente no artigo de José Miguel Sardica, está-a também nos artigos recentes já referidos de José Tengarrinha e de Rui Ramos. Tanto um como o outro recuam aos antecedentes do Liberalismo e analisam a evolução do conceito de «partido» e de como, a partir de uma repulsa inicial, ele foi sendo cada vez mais aceite na actividade política liberal, demarcado do conceito menos valorizado de facção. Tengarrinha acompanha, desde as Invasões Francesas, a politização, lenta mas gradual, do espaço público e as primeiras formas de intervenção nesse espaço por clubes e facções, evoluindo à medida que as eleições se sucederam, desafiados por uma opinião pública cada vez mais exigente, sobretudo nas cidades; nos anos 60, acompanha os cidadãos passando da rebeldia inicial a uma agitação mais politizada e influenciadora dos partidos; e nos anos 70, reconhece, como é consensual, a formação do Partido Progressista como um avanço programático e organizativo do sistema partidário. Rui Ramos observa como a vitória liberal sobre o Absolutismo trouxe o domínio dos partidos e como decorreu o respectivo processo de organização nos anos da discórdia, ao ponto de a concórdia introduzida pela Regeneração ter significado uma crítica severa aos partidos, sem todavia os proibir.

Outra ideia recorrente, a ser conferida, é a de ter havido um acordo entre os chefes dos partidos para se alternarem no Governo. José Miguel Sardica e Rui Ramos

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desmentem essa ideia de rotativismo cordato e combinado. Paulo Jorge Fernandes diz mesmo que Fontes, em conluio com o rei, bloqueou a rotação com o Partido Progressista rival32, que D. Luís e D. Carlos agiram como «forças de bloqueio» e que D. Luís, em particular, fez diversas escolhas ao arrepio da alternância33. Isto parece divergir da ideia de Sardica de o rotativismo ter resultado da evolução do modelo regenerador, renunciando ao discurso inicial do bloco central fusionista e apostando no desdobramento desse bloco em dois partidos mais estruturados, encarregados de gerirem, à vez, o modelo reconciliador e centrista que sempre presidiu à Regeneração34.

Rui Ramos observa o processo da alternância dependente sobretudo do rei: o rei retirava confiança ao Governo, mesmo tendo este maioria no Parlamento, substituía-o por outro, ao qual dava meios de organizar eleições e nomear pares do reino de modo a construir uma nova maioria. A rotação de dois partidos, como em Inglaterra, era o modelo pretendido pelos Progressistas, mas Fontes valeu-se do ascendente que conseguiu junto do rei D. Luís para se colocar ele mesmo como um grande maestro à volta do qual agiam vários grupos, todos «liberais»35.

Talvez na sua maioria, os artigos dedicados aos partidos do rotativismo sejam depreciativos. Fernando Rosas classifica-os como «típicas associações essencialmente clientelares e distribuidoras de sinecuras nos respectivos turnos de governação»36; em termos semelhantes, Fernando Farelo Lopes reduz a mera «distribuição de regalias» o seu «grande objectivo político» e a razão dos conflitos que entre si travaram37. Os conceitos de caciquismo e de clientelismo têm sido associados aos grandes partidos da Monarquia Constitucional (também aos partidos da I República), ao mesmo tempo menorizando ou anulando as diferenças doutrinárias que houvesse entre eles ou negando que representassem diferentes correntes, ou sequer tendências, de opinião. Alguns textos sérios reconhecem, no entanto, a falta de análises específicas e fundamentadas sobre o tema38. Outros aplicam conceitos elaborados em países estrangeiros em termos que, segundo adverte Rui Ramos, deixam desfigurada a experiência política da Europa

32 Paulo Jorge Fernandes, «O Sistema Político na Monarquia Constitucional, 1834-1910», 31-35 33 Paulo Jorge Fernandes, «O Sistema Político na Monarquia Constitucional, 1834-1910», 44-46 34 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 579

35 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 539-540

36 Fernando Rosas, «A crise do liberalismo oligárquico em Portugal», História da Primeira República Portuguesa, Lisboa, Tinta da China, 2009, 23

37 Fernando Farelo Lopes, «Partidos e representação política no período liberal em Portugal», 285

38 Ver José Manuel Sobral e Pedro Ginestal Tavares de Almeida, «Caciquismo e poder político. Reflexões em torno das eleições de 1901», Lisboa, Análise Social, nº 72-73-74, 1982, 649-671

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do Sul no século XIX, como um fracasso ou uma paródia dos ideais do liberalismo39. Todavia, em Espanha, onde mais se tem buscado inspiração para analisar o caciquismo em Portugal, desenvolvimentos historiográficos40 permitem uma nova compreensão do caciquismo, que pode ser visto até como um «passo em frente» no processo de modernização política que ajudou a sociedade a adaptar-se às mudanças introduzidas pelo liberalismo – o que obriga a questionar a utilização que dele tem sido feita para desvalorizar quaisquer progressos conseguidos durante o rotativismo português.

Questões

No «Estado da Arte» foram suscitadas questões sobre as quais os vários autores apresentam diferentes interpretações. Espera-se que a análise historiográfica, que constitui o corpo principal da presente tese, focada nos partidos do rotativismo liberal, num período crucial para a sua afirmação, ajude a clarificar algumas destas questões e a compreender melhor o que foi o processo evolutivo da rotação, com avanços e recuos, experiências variadas e contrastantes, que proporcionaram aprendizagens tanto aos agentes políticos como à população em geral.

Uma aprendizagem já referida foi a da concórdia entre as forças políticas, ou do compromisso em torno das regras fundamentais, que inspirou o Acto Adicional de 1852, a partir da violência que marcara as décadas anteriores. Só com tal aprendizagem foi possível tornar prática habitual as transições relativamente pacíficas de governo que caracterizaram as décadas seguintes em que aconteceu a alternância política.

Em que medida ocorreram outras aprendizagens, por exemplo, a da necessidade de haver partidos fortes e disciplinados, depois das experiências do «Governo da Fusão» e da pulverização partidária que se seguiu, desde meados dos anos 60 até ao início dos anos 70? Ou a da necessidade de haver sempre uma alternativa dentro do sistema vigente, sob pena de se ver surgir essa alternativa fora do sistema?

O que foi e o que não foi a rotação, ou rotativismo? Em que medida corresponde aos factos a ideia, ainda hoje muito repetida, de ter sido uma alternância combinada e

39 Rui Ramos, «Oligarquia e caciquismo em Oliveira Martins, Joaquin Costa e Gaetano Mosca (c. 1880-c. 1990)», Análise Social, nº 178, Lisboa, 2006, 31

40 Ver, por exemplo: Javier Moreno Luzón, «A historiografia sobre o caciquismo espanhol: balanço e novas perspectivas», Análise Social, nº 178, Lisboa, 2006, 9-29; e Carlos Dardé, «Memórias do parlamentarismo liberal na historiografia e no debate político em Espanha», Das Urnas ao Hemiciclo. Eleições e Parlamento em Portugal (1878-1926) e Espanha (1875-1923), coord. Pedro Tavares de Almeida e Javier Moreno Luzón, Lisboa, Assembleia da República, 2012, 267-295

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entre os chefes dos dois grandes partidos? Ou, pelo contrário, o que houve foi sobretudo um partido (o que estava na oposição) a lutar pela rotação e o outro (que estava no poder) a contrariá-la? Se o principio da rotação acabou por prevelecer, não terá sido isso uma vitória do bipartidarismo sobre o predomínio de um partido?

Quando começou a rotação entre dois partidos? Já se viu como os autores divergem, achando uns que só começou nos anos 70, quando havia dois partidos organizados e diferenciados, ou depois de provada a inutilidade dos pequenos partidos dos anos 60, enquanto outros vêem nas transições de governo dos anos 50 já uma dinâmica rotativa entre parcialidades que, não sendo ainda partidos organizados, também já não se confundiam entre si. Tratando-se de um processo evolutivo, será possível estabelecer nele fronteiras rigorosas? E não haverá nele elementos que permitam identificar fases de avanços e recuos?

Em que factores se baseou a rotação? Qual o peso relativo de cada um dos critérios normalmente invocados para justificar a existência de um governo, a saber: a confiança do rei, as maiorias parlamentares e a opinião pública? Para responder à questão, é útil conhecer as razões das transições de governo então ocorridas. Paulo Jorge Fernandes desenvolveu uma pesquisa sobre as causas da queda dos governos num período não totalmente coincidente com o período da tese, concluindo terem sido sobretudo causas extraparlamentares, situadas no plano do rei e dos governos41. O mesmo exercício é feito na tese, não estando livre de dúvidas e de opções discutíveis.

A concordância do rei era sempre necessária, por princípio, mas em certos casos a sua intervenção foi mais determinante, como aconteceu na transição de 1856. Poder-se-ia até pensar se o mecanismo da rotação não seria uma criação do rei, o resultado do arbítrio régio, tanto mais que os partidos que merecessem a preferência do rei teriam maneira de se perpetuar no poder usando a força dos governos para ganharem as eleições… até que o rei mudasse de preferência. Qual então o peso dos outros critérios de sustentação dos governos? Quantos governos caíram perante votações hostis no Parlamento? E será diferente o significado de tais votações hostis ocorrerem na Câmara dos Deputados ou na Câmara dos Pares? Embora sabendo mais difícil de ponderar, houve algum caso de governo caído por força da opinião pública ou da agitação social? E, ao contrário da ideia corrente de que os governos ganhavam sempre as eleições que organizavam, houve algum caso de governo caído na sequência de eleições?

41 Paulo Jorge Fernandes, «O papel político e o funcionamento do parlamento em Portugal», Das Urnas ao Hemiciclo. Eleições e Parlamento em Portugal (1878-1926) e Espanha (1875-1923), 114-117

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Que diferenças havia entre os partidos da rotação? Será que não se distinguiam entre si, ou eram duas faces do mesmo partido, como denunciavam os seus detractores? Ou num processo de alternância não podem ser excessivas as diferenças que separam os partidos envolvidos? Por outro lado, comparados com os outros grupos partidários, os partidos rotativos deveram a sua maior força e longevidade ao arbítrio do rei, ou à influência do sistema eleitoral dos círculos uninominais, ou a qualquer outro factor? Será que traduziam um dualismo, entre uma posição mais conservadora e outra mais progressista, já observado por alguns autores desde os primeiros tempos do Liberalismo? E seria daí que resultava a sua força, do facto de cada um dos partidos rotativos ser o principal representante ou da direita ou da esquerda? Neste sentido será excessivo pensar que afinal o rotativismo estava inscrito na sociedade? A tese propõe-se comparar os partidos em termos de se lhes aplicar a classificação de direita ou de esquerda, para tal utilizando os critérios propostos por Norberto Bobbio42, tendo em conta também obras sobre o tema de André Freire e de Rui Ramos43.

Múltiplas questões se podem colocar sobre a validade do modelo da rotação: se foi benéfico ou prejudicial para o país; se foi sustentáculo ou causa da morte do regime da Monarquia Constitucional. O historiador republicano Joaquim de Carvalho atribuiu ao rotativismo um período de plena paz pública e de progressos, tendo o seu desgaste causado a morte da Monarquia Constitucional44. Segundo este autor, o expediente de «recorrer à dissolução da Câmaras», foi, «pela sua repetição», «uma das causas do descalabro do regime rotativista». Mas este diagnóstico remete para uma fase mais tardia do regime monárquico, para a qual convergem outros autores: que o rotativismo foi «incapaz de se adaptar a novos tempos de maior agitação e oposição»45, ou «incapaz de encontrar mecanismos de autocorrecção e de actualização do normativo para a incorporação política das massas urbanas»46, ou que os partidos rotativos «perderam a oportunidade de se actualizarem e sofreram as dissidências»47, ou «não criaram meios de defesa ou de adequação a uma nova cena política dominada pelo advento de novas

42 Norberto Bobbio, Direita e Esquerda. Razões e significado de uma distinção política, Lisboa, Editorial Presença, 1994

43 André Freire, Esquerda e Direita na Política Europeia. Portugal, Espanha e Grécia em Perspectiva Comparada, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2006; e Rui Ramos, «Órfãs da História? As direitas e a historiografia em Portugal», As raízes profundas não gelam? Ideias e percursos das direitas portuguesas, coord. Ricardo Marchi, Alfragide, Texto Editores Lda, 2014, pp. 13-78

44 Joaquim de Carvalho, «Estabelecimento do rotativismo», 402

45 José Miguel Sardica, «Os partidos políticos no Portugal oitocentista», 601

46 Paulo Jorge Fernandes, «O Sistema Político na Monarquia Constitucional, 1834-1910», 44-46 47 Fernando Farelo Lopes, «Partidos e representação política no período liberal em Portugal», 285-287

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agremiações»48. Foi a partir do «Ultimato Inglês» e das crises política, financeira e social que se seguiram que mais se abalou a «plácida rotina do rotativismo oligárquico»49, ou que se revelou «o progressivo esgotamento das virtualidades do rotativismo e o desgaste do parlamentarismo tradicional»50. A década de 1880, anterior ao «Ultimato Inglês», pode até ser considerada uma «época áurea» do rotativismo51.

O esclarecimento desta questão já se situa, em grande medida, além da tese. Mas fica desde já aqui a suspeita, atendendo às dificuldades sentidas na crise posterior ao «Ultimato», também já sentidas no período crítico de 1865-1871, de que a rotação bipartidária funcionava melhor em tempos de estabilidade do que em tempos de crise.

Metodologia e Fontes

Para compreender o processo evolutivo da afirmação dos partidos rotativos em Portugal, é indispensável acompanhar de perto toda a conjuntura política das três décadas entre 1860 e 1890, concentrando a atenção na dinâmica do sistema partidário. Entre as principais fontes exploradas, destacam-se os jornais da época e os diários das sessões da Câmara dos Deputados e da Câmara dos Pares do Reino, bem como cartas e memórias, além dos manuais de História e das obras constantes da Bibliografia.

Os jornais da época eram em geral partidários e bastante facciosos; donde, para se ter uma visão com um mínimo de equilíbrio, foram consultados, ao logo de todo o período de estudo, um jornal representativo, ou próximo, de cada um dos partidos rotativos, que quase sempre estiveram em oposição recíproca: muitos dos editoriais consistiam em provocar-se e responder-se um ao outro. Do Partido Regenerador, não há dúvida de que o seu jornal mais representativo foi A Revolução de Setembro, analisado entre 1860 e 1887, ou seja, em quase todo o período da tese; como partir de 1887, depois da morte de Fontes, deixou de representar a linha oficial, recorreu-se ao Gazeta

de Portugal, ligado ao novo chefe do partido, Serpa Pimentel. Quanto ao Partido

Histórico/Progressista, teve uma grande variedade de jornais representativos que se foram sucedendo. Nos tempos iniciais, o radicalismo de alguns jornais afectos que até

48 Teresa Maria S. Nunes, «Os partidos monárquicos em vésperas da República», Clio – Revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, 2002, 131

49 Fernando Rosas, «A crise do liberalismo oligárquico em Portugal», 22

50 Sérgio Campos Matos, «A crise do final de Oitocentos em Portugal – uma revisão», em Crises em Portugal nos séculos XIX e XX, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2002, 106 51 José Tengarrinha, «Rotativismo», Dicionário de História de Portugal, dir. Joel Serrão, 695; e Sérgio Campos Matos, «A crise do final de Oitocentos em Portugal – uma revisão», 102

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se opunham ao chefe, duque de Loulé, aconselha a recorrer a um jornal não oficial mas próximo do partido, O Jornal do Porto analisado entre 1859 e 1870. Depois, foram analisados: Gazeta do Povo, entre 1869 e 1873; O País, em 1873-1876; Diário Popular, em 1876-1879; O Progresso, em 1877-1886; O Correio da Noite, em 1881-1890. Outros jornais serão referidos mais ocasionalmente, por exemplo, o Jornal do Comércio e A Província. A consulta centrou-se nos editoriais e em outras secções da primeira página; no caso do Jornal do Porto, incidiu também no correspondente de Lisboa, na secção «Correio d’Hoje», em geral na página 3.

Os diários das sessões parlamentares, das Câmaras dos Deputados e dos Pares, permitem acompanhar os debates políticos, em particular os discursos dos dirigentes partidários, analisar as votações nominais, conhecer os resultados e polémicas das 17 eleições gerais realizadas no mesmo período. A análise das votações nominais (por uma amostra significativa das cerca de 500 realizadas no período), fornece elementos sobre a coesão dos grupos partidários e por vezes é a única maneira de enquadrar certos deputados, sobretudo na década de 1860, mesmo assim com dúvidas.

Todas as fontes referidas foram exploradas no sentido de distinguir os programas e práticas governativas dos principais partidos, bem como as posições que assumiram sobre as questões mais relevantes, nas diversas conjunturas.

Alguns artigos de jornal e discursos parlamentares são bastante valiosos na tradução do pensamento político da época; tal como o são certas obras coevas, de que se dão vários exemplos, representando diferentes perspectivas liberais: de Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal52, de Serpa Pimentel, Questões de Política Positiva: da Nacionalidade e do Governo

Representativo53, de António Cândido, Princípios e Questões de Filosofia Política54, e de Trindade Coelho, Manual Político do Cidadão Português55.

Em complemento dos estudos sobre os partidos políticos, é útil a consulta de obras sobre matérias relacionadas, como as eleições, entre as quais se destaca Eleições e

Caciquismo no Portugal Oitocentista (1868-1890), de Pedro Tavares de Almeida56,

52 D. G. Nogueira Soares, Considerações sobre o Presente e o Futuro Político de Portugal, Lisboa, Tipografia Universal, 1883

53 António de Serpa Pimentel, Questões de Política Positiva: da Nacionalidade e do Governo Representativo, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1881

54 António Cândido Ribeiro da Costa, Princípios e Questões de Filosofia Política, Coimbra, Livraria Central de José Diogo Pires, 1881

55 Trindade Coelho, Manual Político do Cidadão Português, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1906

56 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo no Portugal Oitocentista (1868-1890), Lisboa, Difel, 1991

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além de outras obras e artigos, referidos na «Bibliografia», deste e de outros autores. O mesmo se diga de obras dedicadas a certas personalidades relevantes da época liberal, tais como: Fontes Pereira de Melo57, D. Luís58, Anselmo Braamcamp59, José Luciano de Castro60, D. Pedro V61, D. Carlos62, duque de Ávila63, Passos Manuel64, Mariano de Carvalho65, José Estêvão66, Rodrigo da Fonseca Magalhães67, bispo de Viseu68, Casal Ribeiro69, Oliveira Martins70, Pinheiro Chagas71, João Arroio72. E de obras dedicadas a partidos específicos, nomeadamente, o Partido Reformista73 e o Republicanismo74.

Enfim, há a considerar obras de referência na ciência política, por exemplo,

Direita e Esquerda, de Norberto Bobbio, já referido, Dicionário de Política

(coordenado por Norberto Bobbio e outros75), assim como o clássico de Maurice

57 Maria Filomena Mónica, Fontes Pereira de Melo: uma biografia, Lisboa, Aletheia Editores, 2009; Jorge Borges de Macedo, Fontes Pereira de Melo, um método, uma atitude, uma mensagem, Lisboa, Ministério das Obras Públicas, 1990

58 Luís Espinha da Silveira e Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, Mem Martins, Círculo de Leitores, 2006 59 Oliveira Martins, «Elogio Histórico de Anselmo José Braamcamp», Política e História, Lisboa, Guimarães Editores, 1957, 57-92; Manuel M. Cardoso Leal, «Anselmo José Braamcamp: chefe partidário da esquerda monárquica», Monarquia e República, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2012, 11-31

60 Fernando Moreira, José Luciano de Castro, Itinerário, pensamento e acção política, dissertação de mestrado, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1992; Manuel M. Cardoso Leal, José Luciano de Castro. Um Homem de Estado (1834-1914), Lisboa, Colibri Editores/Câmara Municipal de Anadia, 2013 61 Maria Filomena Mónica, D. Pedro V, Mem Martins, Círculo de Leitores, 2005

62 Rui Ramos, D. Carlos, Mem Martins, Círculo de Leitores, 2006

63 José Miguel Sardica, Duque de Ávila e Bolama - Biografia, Lisboa, Assembleia da República, Dom Quixote, 2005

64 Magda Pinheiro, Passos Manuel, o patriota e o seu tempo, Matosinhos, Edições Afrontamento / Camara Municipal de Matosinhos, 1996

65 Paulo Jorge Fernandes, Mariano Cirilo de Carvalho. O «Poder Oculto» do liberalismo progressista (1876-1892), Lisboa, Texto Editores / Assembleia da República, 2010

66 José Tengarrinha, José Estêvão: o homem e a obra, Lisboa, Assembleia da República, 2011; Júlio Rodrigues da Silva, José Estêvão de Magalhães (1809-1862): Biografia Parlamentar, Lisboa, Assembleia da República / Texto Editora, 2009

67 Maria de Fátima Bonifácio, Um homem singular: biografia política de Rodrigo da Fonseca Magalhães (1787-1858), Alfragide, Dom Quixote, 2013

68 Paulo Jorge Fernandes, «O bispo revolucionário», D. António Alves Martins. Bispo de Viseu e Defensor do Reino, Viseu, Júlio Cruz Editores, 2008, 59-79

69 Patrícia Isabel Gomes Lucas, Conde de Casal Ribeiro: um percurso político no liberalismo oitocentista (1846-1896), dissertação de mestrado, Lisboa, FCSH/UNL, 2012

70 F. A. Oliveira Martins, O Socialismo na Monarquia. Oliveira Martins e a «Vida Nova», Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1944; e Guilherme d’Oliveira Martins, Oliveira Martins. Uma Biografia, Lisboa, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1986

71 António Pedro Barbas Homem, Manuel Joaquim Pinheiro Chagas. Uma biografia (1842-1895), Lisboa, Assembleia da República, 2012

72 Zília Osório de Castro, João Marcelino Arroio. Vida Parlamentar, Lisboa, Assembleia da República, 2014

73 Carlos Guimarães da Cunha, A Janeirinha e o Partido Reformista, Da Revolução de Janeiro de 1868 ao Pacto da Granja, Lisboa, Edições Colibri, 2003

74 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, Lisboa, Editorial Notícias, 2000

75 Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino (coord.), Dicionário de Política, 2 vols, 12ª edição, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2004

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Duverger, Os Partidos Políticos76, que aborda o fenómeno partidário em numerosos países e em regimes diferentes, embora pouco diga sobre os partidos portugueses.

Da Bibliografia consta uma boa parte do que se julga existir de mais interessante sobre o tema da tese.

Estrutura

O corpo principal da tese é constituído pela análise da dinâmica político-partidária ao longo de três décadas. É antecedido de um capítulo retrospectivo, que se julga essencial para compreender as primeiras fases de organização por que as forças políticas tinham passado, obedecendo já em geral a um modelo dualista ou bipolarizado, em tempos de grande violência, da qual aprenderam o valor da concórdia e do consenso que tornou possível o ciclo de progresso correspondente à tese.

A análise das três décadas está dividida em sete períodos menores, em cada um dos quais se julga ter observado uma lógica própria. Três desses períodos situam-se na década de 1860, abrangendo três sucessivas experiências tão diferentes como: a da diferenciação dos principais partidos, Regenerador e Histórico, entre 1860 e 1865; a do «Governo da Fusão», integrado ou apoiado pelos mesmos partidos, que deixou o sistema político sem alternativa, entre 1865 e 1868; e a da pulverização partidária, com cinco eleições e sete governos em geral formados à base de grupos marginais, num contexto de grave crise financeira, entre 1868 e 1871.

Mais dois períodos situam-se na década de 1870: o primeiro, entre 1871 e 1879, dominado por Fontes Pereira de Melo, chefe do Partido Regenerador, que para tal soube aproveitar a paz e a prosperidade que se viveu no país, em contraste com a desordem dos países vizinhos, durante o qual as oposições de esquerda (histórica e reformista) se viram obrigadas a unirem-se e formarem o Partido Progressista, como alternativa mais forte; o segundo, entre 1879 e 1881, em que os Progressistas venceram a marginalização a que foram sujeitos, formando um governo com forte maioria dos deputados, que todavia falharam, sofrendo em seguida uma derrota eleitoral que os deixou quase erradicados do Parlamento e a rotação em perigo.

Enfim, mais dois períodos situam-se na década de 1880: o primeiro, entre 1881 e 1886, marcado pelo acordo de regime que os dois partidos celebraram, sob influência

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do rei, envolvendo uma nova lei eleitoral e uma reforma constitucional, com vista a um maior equilíbrio entre os partidos; o segundo, entre 1886 e 1890, em que um Governo Progressista de quatro anos significou a prática de uma rotação equilibrada, no fim do qual, todavia, a mudança do rei (morte de D. Luís, substituído por D. Carlos) e o «Ultimatum Inglês» abriram um ciclo político diferente, situado além da tese.

Aproveitando os elementos recolhidos na parte cronológica da tese, segue-se um capítulo de caracterização dos partidos, comparando os dois rotativos (Regenerador e Histórico/Reformista/Progressista) em termos de organização e de atitude face às grandes questões, de modo a classificar um como de direita e o outro como de esquerda, e comparando-os ainda com os outros grupos políticos menores.

Num capítulo final de conclusão, faz-se um balanço de toda a análise anterior, sobre o que foi o rotativismo partidário, como evoluiu, qual a importância dos factores que o determinaram (intervenção do rei, maiorias parlamentares e opinião pública), que significado teve para o país, que vantagens e limitações mostrou.

Agradecimentos

O autor deve agradecimentos por ajudas recebidas indispensáveis na realização da tese. Em primeiro lugar ao seu orientador, Prof. Doutor Ernesto Castro Leal, pelos bons conselhos e disponibilidade, interesse e encorarajamento constantes. Também ao Prof. Doutor António Ventura por observações muito úteis numa fase inicial do trabalho. Aos senhores professores membros do júri pelos comentários e observações feitos à versão provisória da tese, que permitiram melhorá-la na versão definitiva. Aos colaboradores das diversas bibliotecas frequentadas, em especial da Biblioteca Nacional. À Lucília Barros pelos gráficos. A todos os amigos que não faltaram com o seu incentivo. Deve ainda o autor três agradecimentos especiais: à Ana Maria, por tanto apoio e compreensão sem limites; à Ana Luísa pelo Abstract; e ao Pedro, pela ajuda incessante na identificação e recolha de fontes e pela enorme paciência em ouvir e debater variadas passagens da tese.

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1 – Antecedentes

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Não é possível compreender bem as questões abordadas na tese sem ter na devida conta a evolução do período anterior, sobretudo desde o início do Liberalismo (1820), quando se introduziram novas práticas políticas, tais como eleições e actividade parlamentar, em condições de liberdade, que em Portugal e noutros países suscitaram a formação de grupos partidários e a participação cada vez mais organizada dos cidadãos na política. Na verdade, convém recuar até às Invasões Francesas (1807-1811), pelos desenvolvimentos então ocorridos, que ajudam a compreender como se caminhou para a revolução liberal e como se criaram problemas, em especial nas finanças públicas, que condicionaram fortemente a vida política em todo o tempo da tese.

Na iminência da chegada das tropas francesas, a retirada da família real para o Brasil, acompanhada da maior parte da tradicional élite político-administrativa, inverteu a relação metrópole-colónia, promovendo a grande colónia a cabeça do império. Ao mesmo tempo a metrópole perdeu o exclusivo do comércio com tão imensa fonte de rendimentos, como era o Brasil, o que determinou uma quebra brutal no valor das exportações que em todo o século mal foi recuperado77. Os graves prejuízos daí decorrentes para a economia e para as finanças públicas e o sentimento de humilhação de estar a metrópole reduzida à condição de colónia, quer debaixo da ocupação francesa quer debaixo da tutela inglesa, geraram um descontentamento generalizado, atingindo em especial certas classes influentes (militares, magistrados, comerciantes), que reuniram força e pensamento para executarem a revolução liberal.

Dividem-se estes Antecedentes em três fases: a primeira, de guerra de vida ou de morte entre o Liberalismo e o Absolutismo, até à vitória liberal em 1834; a segunda, de luta violenta entre os liberais vencedores, até 1851; a terceira, de luta legal, à luz de um ideal fusionista e supra-partidário, na década dos anos 50.

Na elaboração deste capítulo não se fez pesquisa original mas recorreu-se a trabalhos historiográficos já publicados, procurando, em cada uma das fases referidas, centrar a atenção nas seguintes temáticas: a formação dos primeiros grupos de acção política; o dualismo básico que já caracterizava a luta política, no qual esses grupos desde cedo se integraram; a participação política da população em tempos de drásticas

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mudanças e de grande violência; as aprendizagens adquiridas pelos agentes políticos e pela população, em especial a da concórdia.

Entre o Liberalismo e o Absolutismo (1820-1834)

O dualismo dramático que se travou entre o Liberalismo e o Absolutismo não ocorreu logo na revolução liberal de 1820. Na verdade, essa revolução foi quase consensual, pelo alargado desejo de mudança que se vivia: «as ideias de revolução eram gerais. Rapazes e velhos, frades e seculares, todos a desejavam. Uns, que conheciam as vantagens do governo representativo, queriam este governo; e todos queriam a corte em Lisboa, porque odiavam a ideia de serem colónia de uma colónia»; até «os fidalgos das províncias do Norte se pronunciaram, em geral, pelo governo revolucionário», embora viessem a ser, depois, «os campeões do absolutismo»78.

Os dois pronunciamentos militares com que se fez a revolução foram festejados nas cidades e vilas, entoou-se «O povo é quem agora governa», embora esse sentimento não fosse igual em todas as regiões79. No novo contexto de liberdade, a imprensa periódica, antes quase estagnada, ganhou impressionante impulso: em poucos meses já se publicavam 17 jornais políticos em Lisboa, além dos jornais do Porto e de Coimbra. Desenvolveu-se o debate político, envolvendo a «opinião pública» ou o «povo», nas grandes cidades, especialmente na capital. Algumas lojas maçónicas já existentes aumentaram a sua influência e alguns clubes políticos, sociedades patrióticas e gabinetes de leitura foram criados80. Nas primeiras eleições para Cortes constituintes, realizadas em Dezembro de 1820 (baseadas no sufrágio quase universal masculino, mas indirectas), os adeptos absolutistas quase não se manifestaram, donde resultou uma concordância geral sobre o regime constitucional81.

A revolução foi mais fruto de uma conjuntura especial que do amadurecimento da sociedade para os ideais liberais. Isso explica o irrealismo da primeira Constituição, de conteúdo quase republicano, que não resistiu ao regresso do rei e às forças contra-revolucionárias que logo entraram em acção. Mas, por outro lado, a sociedade já não

78 Citação das Memórias do marquês da Fronteira, em Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2009, 457

79 José Tengarrinha, «Violência popular e política» (1820-1825)», E o Povo, onde está?, Lisboa, Esfera do Caos, 2008, 133-134

80 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 28

81 Sobre o novo modo de viver a política desde a revolução de 1820, ver, de Isabel Nobre Vargues, A Aprendizagem da Cidadania, Coimbra, Minerva, 1997

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estava amarrada ao Antigo Regime, por toda a experiência vivida desde as Invasões Francesas, quando todo país estivera «transformado numa enorme assembleia»82 e quando se formara uma nova «classe dirigente» – «a dos que não se haviam rendido, escondido ou fugido e que haviam aguentado o caos terrível de 1808, as terríveis dificuldades de 1809 a 1812 e a longa campanha contra Napoleão» – «que não tencionava permitir que a removessem e que, lentamente, voltasse a vida velha»83.

Os primeiros trabalhos constituintes suscitaram bastante interesse, mesmo nas regiões rurais: além de centenas de sugestões de leis enviadas por particulares para a comissão da Constituição, numerosas petições chegaram, na maior parte por intermédio das câmaras municipais84, umas contra os senhorios e a favor da reforma dos forais, outras a favor do proteccionismo cerealífero, outras contra o recuo dos terrenos comuns e usos colectivos. Só depois que os liberais se definiram na Constituição em relação às principais instituições (nomeadamente, a terra, a Igreja e o rei) é que se levantou maior oposição. Nas eleições de 1822 já apareceu uma corrente absolutista.

No caso da legislação aplicável à terra, os liberais impuseram o proteccionismo cerealífero e aboliram os direitos banais e os serviços pessoais, mas pouco tocaram nos direitos senhoriais, deixando desiludidos os lavradores a eles sujeitos. Na relação com a Igreja, não puseram em causa a religião católica como religião oficial da Nação, nem abdicaram da herança «regalista», que receberam do Estado absolutista, de tutela sobre a hierarquia eclesiástica: aboliram o privilégio de foro do clero, suspenderam as admissões a todos os benefícios vagos, cujo rendimento foi apropriado pelo Estado, e impuseram novos impostos (20% para as corporações religiosas), significando que foi sobretudo o clero que teve de sustentar a revolução85; e retiraram-lhe o poder de censura sobre as publicações religiosas, o que levou o patriarca de Lisboa a exilar-se e grande parte da Igreja a recusar a Constituição colocando-se contra o novo regime.

Quanto ao rei, ainda ausente, dado como principal responsável pelos males do país, foram mais longe, reduzindo-lhe fortemente os poderes na Constituição: mantiveram o princípio monárquico, mas estabeleceram que a «autoridade do rei provém da Nação»; o monarca não tinha os poderes típicos do constitucionalismo dualista, nem o direito de sanção das leis nem o direito de dissolução das Cortes. As

82 José Tengarrinha, «Os primórdios dos partidos políticos em Portugal», 27

83 Vasco Pulido Valente, «O Liberalismo Português», Portugal. Ensaios de História e de Política, Lisboa, Alêtheia Editores, 2009, 9-12

84 Nuno Gonçalo Monteiro, «Conflitos e mobilizações na sociedade rural», in Portugal Contemporâneo, dir. António Reis, vol. I, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, 238-239

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Cortes colocaram-se no topo, assumindo, além da função legislativa, poderes relativamente ao rei e a fiscalização e controlo dos membros do executivo86.

Apesar disso, o rei D. João VI, antes de desembarcar, no regresso do Brasil, jurou respeitar o que eram ainda as «bases» da Constituição e depois jurou-a, quando terminada, em 1822. Era uma Constituição desfasada do modelo dominante na Europa e desfasada da relação de forças interna, defrontando a oposição não só da nobreza e do clero mas até de sectores liberais moderados. Daí a sua curta vigência. A presença do rei inclinou a balança política a seu favor e deu alento aos sectores contra-revolucionários que, embora minoritários, se mostraram aguerridos nas Cortes a defender a recusa da rainha, D. Carlota Joaquina, em jurar a Constituição87. Nesse mesmo ano, a declaração de independência do Brasil, em grande medida precipitada pela forma inábil e reveladora da falta de sentido das realidades como as Cortes lidaram com a imensa colónia, afectou gravemente o prestígio do regime liberal.

Em 1823 terminou «a nossa primeira infância como povo livre»88, pelo golpe da Vilafrancada, no qual, além das forças absolutistas encabeçadas pelo príncipe D. Miguel (orientado pela rainha), intervieram sectores liberais críticos do excessivo protagonismo das Cortes que exigiam uma constituição com poderes reforçados do rei e uma segunda câmara do Parlamento para a nobreza. O povo que agora festejava o fim da revolução, tal como em 1820 festejara o seu início, significava mais uma reprovação do novo regime liberal do que a adesão ao velho regime absolutista.

É verdade que o rei D. João VI aderiu à contra-revolução, responsabilizando as Cortes pela perda do Brasil e por colocarem Portugal em risco de invasão por tropas francesas (que ocupavam a Espanha para lá ser adoptada uma constituição segundo o modelo que vigorava na França pós-napoleónica). Mas proclamou a «reconciliação», não o absolutismo: as Cortes foram dissolvidas, alguns políticos liberais desterrados para a província; uma junta foi criada para elaborar um projecto de Constituição análogo ao modelo dominante na Europa; uma comissão foi encarregada de examinar as leis aprovadas pelas extintas Cortes; e negociações foram iniciadas visando recuperar o projecto de união com o Brasil. O recuo na legislação relativa aos direitos senhoriais causou movimentos de resistência de lavradores, na região do Centro litoral.

86 J. J. Gomes Canotilho, «As Constituições», História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. 5, 126-129 87 Para mais desenvolvimento sobre o vintismo, ver: Zília Osório de Castro, Cultura e Política. Manuel Borges Carneiro e o Vintismo, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1990

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Os adeptos absolutistas não se conformavam com esta política moderada, que contrastava com o que se passava na Espanha, onde o rei Fernando VII (irmão da rainha portuguesa) condenara à morte todos os deputados liberais. Uma caudalosa imprensa de opinião combatia a Constituição de 1822, a Maçonaria e as sociedades secretas89. E foi para «cortar o mal pela raiz», que D. Miguel, comandante-chefe do exército, promoveu a «Abrilada» de 182490. O rei chegou a estar sequestrado, mas, com a intervenção dos embaixadores da Inglaterra e da França, venceu a revolta e fez exilar o príncipe.

Dois anos depois, quando faleceu o rei D. João VI, não estava em vigor a nova Constituição projectada. E foi seu filho D. Pedro que, a partir do Brasil, «outorgou» a Portugal uma Constituição de modelo idêntico, a Carta Constitucional de 1826, que, sujeita a várias reformas, iria vigorar durante quase nove décadas.

A morte de D. João VI deixou uma situação dinástica confusa: a Regência por ele nomeada aclamou, como sucessor, D. Pedro, o príncipe mais velho; mas, como este era o imperador do Brasil, muitos não lhe reconheceram legitimidade, atribuindo-a ao segundo príncipe, D. Miguel. Por detrás do conflito sucessório, o mais importante era o conflito entre dois tipos de regime político inconciliáveis, o liberal e o absolutista. D. Pedro procurou um compromisso: abdicou na sua filha, D. Maria da Glória (então com sete anos), propondo a D. Miguel, seu irmão, casar-se com ela e tornar-se o regente. E, de facto, D. Miguel, ainda no exílio, jurou a Carta e até celebrou esponsais com a sobrinha, pressionado pelas potências europeias.

A Carta de 1826 significava também um compromisso: era uma tentativa de conciliação interna, ligando as duas facções antagónicas, a liberal e a absolutista, equilibrando o «Portugal velho» e o «Portugal novo»; era «um pacto de concórdia celebrado pelo soberano entre os dois partidos», como diria Almeida Garrett91. Inspirava-se na mesma linha de constitucionalismo moderado que vigorava na França e no Brasil. Deslocava a centralidade do poder do Estado para o monarca, mas sem rejeitar os novos esquemas de representação nacional introduzidos pelo Liberalismo. A direcção política do Estado era exercida pelo rei, como detentor de um poder autónomo, «poder moderador», que o tornava árbitro entre os vários poderes do Estado. O rei podia vetar as leis decretadas pelas Cortes, convocar e adiar as Cortes, dissolver a Câmara dos Deputados. Também podia nomear pares sem número fixo, com o efeito de alterar a

89 Isabel Nobre Vargues e Luís Reis Torgal, «Da revolução à contra-revolução: vintismo, cartismo, absolutismo. O exílio político», História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. 5, 61

90 Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 477

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correlação de forças – a Câmara dos Pares era uma segunda câmara do Parlamento, na qual se integravam a grande nobreza (72 titulares) e os bispos (19). Como chefe do poder executivo, o rei podia nomear e exonerar os ministros. E podia suspender juízes, conceder amnistias e moderar penas. A Carta satisfazia algumas reivindicações liberais, nomeadamente: a igualdade de todos os indivíduos perante a lei, a divisão dos poderes (executivo, legislativo e judicial), embora sob a arbitragem do rei, e o monopólio legislativo do Parlamento, que impedia o Governo de depender só do rei. A eleição dos deputados era indirecta e o direito de voto dependente de um rendimento mínimo92.

Os liberais dividiram-se perante a Carta, entre os que a aceitaram e os que preferiam a Constituição de 1822 aprovada pelo Parlamento. Para os «vintistas» era como regressar ao Antigo Regime. Mas para os absolutistas era como perder a memória da «constituição histórica» sedimentada ao longo de séculos e a única legítima; por isso, os miguelistas, ou legitimistas, rejeitaram a Carta, apesar do seu conteúdo conservador e do predomínio que atribuía ao rei; e recusaram-se a participar nas eleições de Setembro de 1826. Alguns regimentos miguelistas passaram para o lado da Espanha, donde, sob a proteccção do rei Fernando VII, encetaram incursões no lado português, suscitando a vinda de uma força militar inglesa. Perante a ameaça absolutista, mesmo os «vintistas» radicais acabaram por adoptar a Carta como sua93.

O dualismo em que se convertera a luta política exacerbou-se até se extremar, depois do regresso de D. Miguel. É verdade que este, ao chegar a Lisboa, em Fevereiro de 1828, repetiu perante os deputados e os pares o juramento da Carta que fizera no exílio; mas logo em Março dissolveu a Câmara dos Deputados, em Maio convocou Cortes à maneira do Antigo Regime e em Julho foi aclamado como «rei absoluto». Os chefes militares liberais, vendo-se substituídos nos seus comandos, emigraram, com outros «notáveis»; no Porto, ainda instituíram uma «Junta de Governo», que tiveram de dissolver antes de recuarem para a Galiza e dali para o exílio.

A repressão miguelista exercida sobre os liberais atingiu números de presos (estimativa de 14 000), de exilados (estimativa de 13 000) e de executados (39), nunca mais vistos na História Contemporânea de Portugal. Os dirigentes miguelistas

92 J. J. Gomes Canotilho, «As Constituições», História de Portugal, dir. Mattoso, vol. 5, 130-133 e Rui Ramos, História de Portugal, coord. Rui Ramos, 478-479

93 Sobre a Carta, com mais desenvolvimento, ver: Maria Helena Carvalho dos Santos, A guerra dos dois irmãos: a 2ª experiência constitucional portuguesa (1826-1828), Estudos de História Política e Cultural, tese de doutoramento, SPES XVIII, Lisboa 2000

Referências

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