• Nenhum resultado encontrado

Psicomotricidade relacional e membro fantasma: contribuições terapêuticas em mulheres mastectomizadas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Psicomotricidade relacional e membro fantasma: contribuições terapêuticas em mulheres mastectomizadas"

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE –

UFRN

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO - PPG

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – CCS

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA – DEF

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOMOTRICIDADE CLÍNICA E ESCOLAR

FABYO ANDERSON BERNARDO SILVA

PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL E MEMBRO

FANTASMA:CONSTRIBUIÇÕES TERAPEUTICAS EM

MULHERES MASTECTOMIZADAS

NATAL 2018

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE –

UFRN

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO - PPG

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – CCS

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA – DEF

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOMOTRICIDADE CLÍNICA E ESCOLAR

FABYO ANDERSON BERNARDO SILVA

PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL E MEMBRO

FANTASMA:CONSTRIBUIÇÕES TERAPEUTICAS EM

MULHERES MASTECTOMIZADAS

Projeto de Pesquisa apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Psicomotricidade Clínica e Escolar, orientado por Patrick Ramon Stafin

Coquerel.

NATAL 2018

(3)

Resumo

A incidência de alterações psicológicas em mulheres com esse diagnóstico, quais sejam: depressão, ansiedade, temor da solidão, da morte e dos efeitos adversos do tratamento, além de sentimento de impotência e fracasso. É elencada como práxis profissional a formação de grupos terapêuticos em hospitais especializados em amputação, que abordem não apenas a mutilação física, mas também a simbólica e convoque os pacientes a descrever, por meio das linguagens verbal e não verbal o ser em falta, o eu corporal percebido muitas vezes como deficitário. Pretende-se compreender através da psicomotricidade relacional como estabelecer uma proposta terapêutica de simbolização do membro amputado, mais especificamente a mama, que denota um marco da feminilidade da mulher e os sentimentos que emergem em pacientes que se submetem à mastectomia, em consequência de acometimento por neoplasia maligna. Partimos da psicomotricidade relacional como ferramenta terapêutica para perscrutar os modos possíveis de simbolização do membro amputado, mais especificamente a mama, que denota um marco da feminilidade da mulher. Estima-se com esse projeto potencializar capacidade criativa de cada paciente, a disponibilidade corporal para as sessões psicomotoras e a utilização de recursos lúdicos como contribuições terapêuticas salutares para uma (re)significação da história de vida de cada paciente contemplado por esse saber que tem sua construção no corpo enquanto vivacidade metafisica.

Palavras chave: Psicomotricidade Relacional. Membro Fantasma. Imagem

(4)

Abstract

The intention was to know the feelings that emerge in women who undergo the surgical procedure of removal of the breast, as a consequence of involvement by malignant neoplasia. We start from relational psychomotricity as a therapeutic tool to examine the possible modes of symbolization of the amputated limb, more specifically the breast, which denotes a milestone in woman's femininity. In the literature consulted, the incidence of psychological changes in women with this diagnosis was observed: depression, anxiety, fear of loneliness, death and the adverse effects of treatment, as well as feelings of impotence and failure. The formation of therapeutic groups in hospitals specialized in amputation, which address not only physical but also symbolic mutilation, is called as a professional praxis, and calls the patients to describe, through verbal and non-verbal languages, the lack of self perceived as a deficit. This shows the creative capacity of each patient, the corporal availability for the psychomotor sessions and the use of playful resources as salutary therapeutic contributions to a (re) significance of the life history of each patient contemplated by that knowledge that has its construction in the body as metaphysical vivacity.

(5)

“(...) Outra vez, as coisas ficam fora do lugar Quando então, começo a me sentir em casa

E se o desejo é uma desordem Um ‘mãos ao alto, fique onde está’! Sem alarde me recolho Escolho me calar

E nada vai desmerecer tudo que ainda somos Toda certeza que supomos Mas a vida lá fora Tá chamando agora E não demora! Quem dá mais? Na falta que a falta faz” (Jay Vaquer)

(6)

Introdução

O presente estudo surge das motivações do exercício profissional desenvolvido na prática psicológica no curso de formação com pacientes oncológicos; onde entrevista com um paciente foi realizada para conclusão desse aprimoramento acadêmico, que reverberou na indagação que permeará esse campo profícuo que abordaremos nesse projeto. A amputação de membros de um corpo, que implica sempre em uma mutilação psicológica, uma queda na imagem, que não condiz mais com os padrões ideais. É dessa vicissitude subjetiva que iremos tratar aqui, na percepção do sujeito sobre sua imagem corporal, sobre a dor que deveras sente mesmo que não se tenha mais algo palpável a queixar-se, o para além do físico, o simbolismo, a realidade psíquica que norteia o ser e estar de cada um.

Na necessidade de afunilamento do campo e arcabouço teórico a ser utilizado, faz-se imperativo colocarmos como ponto de discussão o corpo feminino, quando submetido por um processo de mastectomia por acometimento por uma neoplasia maligna. O que retirar dessa experiência subjetiva? O que escutar do simbólico, do imaginário e do real dessa paciente? Qual o limiar da de dor física transmutando para o psíquico? Ou vice-versa. São questionamentos pertinentes para vislumbrar os modos como o corpo se apresenta para nós.

O objetivo geral dessa pesquisa é compreender através da psicomotricidade relacional como estabelecer uma proposta terapêutica de simbolização do membro amputado, mais especificamente a mama, que denota um marco da feminilidade da mulher. Como objetivos específicos teremos: refletir acerca da imagem corporal, que vai além do campo neurofisiológico; compreender as alterações da imagem corporal ligadas à perda e sofrimento psíquico; estabelecer uma proposta terapêutica em grupo para pacientes em hospitais especializados em amputações de membros; inferir a psicomotricidade relacional enquanto facilitadora de comunicação, para simbolizar o que outrora existiu e que agora deixa resquícios a serem elaborados.

(7)

Com relação a metodologia a ser desenvolvida será uma pesquisa ação, pois segundo Thiollent (2011), essa metodologia tem um caráter de pesquisa social, com base empírica, na pesquisa ação temos uma forte relação entre o pesquisado e o pesquisador, no qual o objeto de investigação não será as pessoas que estão envolvidas na pesquisa, e sim os problemas e a situação social em que elas se encontram. Tendo como finalidade criticar, propor finalidades técnicas, ou adaptativas. A pesquisa ação é marcada pelo processo de observação e intervenção, no qual o pesquisador no momento em que está observando irá identificar os problemas recorrentes naquela comunidade e/ou grupo social, e irá trazer uma solução para este grupo por meio da intervenção, ou ao menos esclarecer parte destes problemas observados.

A obra O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, do neurologista Oliver Sacks será utilizada como ponto de partida das percepções dolorosas em pacientes com membros fantasmas. De acordo com o escrito, lesões causadas no hemisfério esquerdo do cérebro afetam os movimentos, o físico, mas as causadas no hemisfério direito guardavam um mistério, o eu, e por isso ficavam em segundo plano nas pesquisas. Alguns casos relatados no livro nos fazem questionar nossas percepções, nossa personalidade, nossas concepções de nós mesmos, mostrando que o cérebro é capaz de criar realidades, tanto quanto de se adaptar a elas (SACKS, 1997).

O termo “fantasma”, no sentido empregado pelos neurologistas, designa a imagem ou a lembrança de uma parte perdida do corpo, normalmente um membro, que persiste durante meses ou anos depois da perda (SACKS, 1997, p. 82). E entende-se por imagem do corpo humano a figuração do corpo formada em nossa mente, ou seja, pelo qual nosso corpo se apresenta. É a representação que cada um faz de si mesmo e que lhe permite orientar-se no espaço (SCHILDER Apud ALBUQUERQUE, 2009). A imagem corporal engloba todas as formas pelas quais uma pessoa vivencia e conceitua seu próprio corpo, é o desenvolvimento da síntese de sensações que derivam de contatos físicos desde a mais tenra infância e seus significantes.

É de valor inexorável a conexão do indivíduo com o seu corpo, o entendimento dos aspectos fisiológicos, sociais, psicológicos, ambientais e culturais que se relacionam e interagem durante o processo individual e

(8)

intransferível de maturação de cada sujeito. Tais aspectos são alicerces para a construção do eu corporal, da representação da identidade corporal adotada, partindo de suas potencialidades e impasses impostas pelo meio externo. A falta de um membro ou segmento corporal, inscrições físicas em pacientes amputados, são percebidos como imperfeição, incapacidade de sustentar o lugar do “todo”, a completude, e igualdade entre pares, em suma, a demarcação da diferença, visível e aparentemente tangível, digo isto pois sabemos que não basta a amputação física, mas sobretudo sua significação e a capacidade de nomear, do dizível, de como o sujeito pode fazer borda ao real da falta (ALBUQUERQUE, 2009).

A amputação revela a morte real de uma parte do corpo, bem como a morte simbólica de um estilo de vida, de uma forma de ser e de uma identidade. (PAIVA E GOELLNER Apud ALBUQUERQUE, 2009). Desse modo, pode-se inferir o campo do desconhecido, daquilo que o sujeito não consegue lidar ou por vezes suportar, que é o campo do real do corpo, traduzido aqui como o material psíquico que causa angústia, transcrito ainda como a parte física que fora submetida a amputação. Existe uma modificação permanente na aparência, em sua autoimagem e é preciso reconstruir esquemas e possibilidades motoras para cada situação nova; readaptar o indivíduo para uma nova condição corporal causada pela perda física e a possibilidade de adaptação para o uso de prótese.

Associada a questão da imagem corporal engendra-se a questão da feminilidade, que culturalmente é percebida com o sinônimo de fragilidade, delicadeza e situações emocionais afloradas. O câncer de mama, segundo o Instituto nacional de câncer (INCA) é o tipo de câncer mais comum entre as mulheres no mundo e no Brasil, depois do de pele não melanoma, respondendo por cerca de 28% dos casos novos a cada ano. O câncer de mama também acomete homens, porém é raro, representando apenas 1% do total de casos da doença. Relativamente raro antes dos 35 anos, acima desta idade sua incidência cresce progressivamente, especialmente após os 50 anos. Estatísticas indicam aumento da sua incidência tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento.

(9)

Nos artigos consultados para a construção desse material desse material de estudo, observou-se a incidência de alterações psicológicas em mulheres com esse diagnóstico, quais sejam: depressão, ansiedade, temor da solidão, da morte e dos efeitos adversos do tratamento, além de sentimentos de impotência e fracasso. O diagnóstico de câncer traz consigo crises de instabilidade marcadas por medos, frustrações, conflitos e insegurança, problemáticas que ultrapassam o limite do físico, associando-se a expectativa de morte, dor e sofrimento. Quanto ao próprio corpo, no artigo de OLIVEIRA ET AL (2010), sobre a imagem corporal de mulheres mastectomizadas, foram colhidos relatos de grande satisfação, desejando algumas modificações como emagrecer, tratar a pele ou obter maior vigor físico.

Os sentimentos da mulher com câncer variam de acordo com a fase em que se encontra. Diagnóstico, tratamento e estadiamento ensejam abordagens terapêuticas diferentes, e requerem de cada profissional de saúde um manejo clínico que seja suporte no saber-fazer com a dor do paciente. E é nesse campo que queremos adentrar, na construção de um espaço de fala, de incitar o discurso, o falar sobre a retirada de parte do corpo, de um membro significativo para essas mulheres; sobre como a feminilidade perpassa o campo do eu corporal e é traduzido no psiquismo. Como nos diz OLIVER SACKS, 1997, p. 124 “que paradoxo, que crueldade, que ironia há nisso: a vida interior e a imaginação poderem jazer embotadas e adormecidas, a menos que sejam libertadas, despertadas por uma intoxicação ou doença!”

Como ferramenta terapêutica a ser utilizada na práxis descrita aqui, para chegarmos a uma compreensão simbólica de mulheres que se submeteram à mastectomia por acometimento de neoplasias, a psicomotricidade relacional visa a criação de um parceiro simbólico, por meio da transferência; onde cada paciente pode projetar os próprios conflitos e desejos; permitindo uma capacidade de transferência positiva ou negativa, uma relação de amor e ódio e um ponto de segurança constante. Trata-se do relacionamento que se instaura, como nos diz a psicanálise, entre analista e analisante; que em nosso caso, tanto a relação terapêutica como a transferência se desenvolvem em um plano de relacionamento não-verbal e principalmente corporal (VECCHIATO, 1989).

(10)

Revisão de Literatura

A neurologia é um dos campos da medicina que mais se desenvolveu nos últimos anos, sobretudo após os avanços das tecnologias de imagem cerebral. Estudos que estratificam dados que apontam distúrbios neurológicos como perda da fala, da linguagem, da memória, da visão, da percepção do sentido e da identidade, compondo um conjunto de conhecimentos específicos sobre as causas fisiológicas tem sido cada vez mais disseminado na comunidade científica. O neurologista Oliver Sacks atualizou a obra de Sigmund Freud naquilo que ele fez de mais singular – a cura pela fala (talking cure); não rechaçando os escores dos exames e laudos médicos; mas permitindo que a narrativa do paciente sobre o início e percurso de seu adoecimento possa tomar forma (SILVA, 2011).

No livro O homem que confundiu sua mulher com um chapéu (1997), Sacks ratifica a ideia de que para devolver o sujeito humano ao centro de saber sobre si mesmo, devemos aprofundar o estudo de caso transformando-o em narrativa ou história, para termos um “quem” e não “o que”; um sujeito e n~]ao um fenômeno, um corpo com inúmeros atravessamentos e não apenas uma dor física. O termo neurologia da identidade, segundo o autor, é aquela que lida com diretamente com as bases neurais do “eu” e com as inferências relativas a mente e cérebro. Sendo assim, a vida subjetiva tornou-se necessária para um aprofundamento dos danos cerebrais; e sabendo que um dos infortúnios que teceram o campo do saber sobre o homem foi a dicotomia mente e corpo, chegamos a um ponto de não mais contestar que para trabalharmos a simbiose entre eles é preciso ouvir o paciente, recorrer ao que é reconhecido, rememorado e ‘temporariamente esquecido’.

O câncer também entra nessa extensão do desconhecido; sabe-se da gênese na formação de células que se articulam em descompasso das demais e algumas causas, mas nunca a se esgotar o aparecimento de novos níqueis de tumores e novas perspectivas de tratamento. E o desconhecido transtorna, desconcerta, deixa a falta por dizer e o inominável ter ecos em locais pantanosos do ser. A falta que mencionamos aqui, que não apenas a visível e

(11)

real, contudo a possível de dar-se a ver pelo relato daquele que a sente no próprio corpo. A amputação deixa marcas e enseja uma readaptação a essa nova postura de enfrentamento diante da vida.

Todas as pessoas que sofreram amputação, e todos os que trabalham com elas, sabem que um membro fantasma é essencial para o uso de um membro mecânico. O dr. Michael kremer escreveu: seu valor para o amputado é enorme. Tenho certeza de que nenhum amputado com um membro inferior mecânico consegue andar satisfatoriamente com este enquanto a imagem corporal, em outras palavras, o fantasma, não lhe for incorporada (SACKS, 1997, p. 83)

Portanto, a necessidade de tamponar a falta é explicita com a implantação de uma prótese; a incorporação de algo no lugar, um membro que no imaginário do sujeito estará como uma bengala fazendo suplência a essa falência primordial. Sacks descreve tipos de fantasmas descritos por Weir Mitchell, alguns estranhamente fantasmagóricos e irreais, chamados por ele de fantasmas sensoriais; outros com uma semelhança imperiosa, e até mesmo perigosa, com o vivo e o real, outros ruidosos e outros, em sua maioria, indolores. O termo distúrbios da imagem corporal veio cinquenta anos mais tarde dos estudos de Mitchell por Henry Head, que sinalizou a influência de fatores centrais (estimulação ou dano do córtex sensitivo, especialmente dos lobos parietais) ou periféricos (condição do coto do nervo ou neuromas, dano no nervo, bloqueio ou estimulação do nervo, distúrbios nas raízes espinhais nervosas ou tratos sensitivos no cordão).

A literatura aponta e a prática com pacientes amputados reforça, a ideia de que o membro amputado deixa uma memória e uma sensação de que ainda está com sinais de vitalidade. Sacks profere que haverá uma exigência de uma nova visão do cérebro, não mais como programado e estático, mas dinâmico e ativo, sendo capaz de se adaptar as mudanças e necessidades do organismo. O estudo da histeria despontado pelo Freud (1886) permitiu construir uma ideia de psiquismo e sua relação com a ideia de lesão cerebral. O pai da psicanálise chegou a constatação de padrões neuroanatômicos para as paralisias orgânicas, além de traumas e sistemas psíquicos reprimidos para os espasmos histéricos. A primeira de base anatômica; a segunda de base psíquica e

(12)

psicodinâmica. As paralisias orgânicas eram físicas enquanto as paralisias histéricas eram mentais (SILVA, 2011).

A correlação entre os danos cerebrais e a construção da imagem do corpo é campo de divergências e debates até os dias atuais; o aparato tecnológico pode tratar com fidedignidade em números e parâmetros de normalidade as sequelas de um adoecimento ou lesões neurais ou a historicidade pode comedir aspectos que até então foram relegados a impessoalidade científica; ou ainda, uma abordagem multiprofissional que abarque a percepção multidimensional de um indivíduo. Segundo Sacks, toda doença neurológica é, na verdade, uma luta para preservar a identidade do sujeito como ela foi constituída.

Percebi claramente que tais experiências tinham origem fisiológica, mas também que não podiam ser enquadradas no modelo clássico. Ficou claro para mim que precisávamos de uma neurologia da identidade, uma neurologia que pudesse explicar como diferentes partes do corpo (e seu espaço) podiam ser “possuídas” (ou “perdidas”), uma base neurológica para a coerência e unificação da percepção (especialmente depois de uma perturbação da percepção por lesão ou doença). Precisávamos de uma neurologia que pudesse escapar do rígido dualismo mente/corpo, das rígidas noções fisicistas de algorismo e gabarito, uma neurologia capaz de fazer juz à riqueza e densidade da experiência, seu senso de cena e música, sua personalidade, seu fluxo sempre mutável de experiência, de história, de tornar-se (SACKS, 2003, p. 195)

Muitos pacientes com fantasmas (mas não todos) sentem “dor no fantasma”. Essa dor às vezes tem um caráter bizarro, mas com frequência é uma dor muito “comum”, a persistência de uma dor previamente presente no membro ou o acesso de uma dor que poderia ser esperado caso o membro realmente estivesse presente, demonstrando que o desaparecimento de um fantasma pode ser desastroso, e sua recuperação, sua reanimação, um problema urgente. Possuímos cinco sentidos que desfrutamos e conhecemos, sentidos que constituem o mundo sensível para nós. Entretanto, existem sentidos secretos, não reconhecidos; são sentidos inconscientes, automáticos, que tiveram de ser descobertos.

(13)

Se existe uma sensação deficiente (ou distorcida) em nossos sentidos secretos menosprezados, o que sentimos é imensamente estranho, um equivalente quase incomunicável de ser cego ou surdo. Se a propriocepção for totalmente danificada, o corpo torna-se, por assim dizer, cego e surdo para si mesmo, de sentir-se como ele próprio (SACKS, 1997, p.88)

O sentido do corpo, dado por SACKS, é compreendido por três dispositivos que se comunicam: a visão, os órgãos do equilíbrio (sistema vestibular) e a propriocepção, como processo de percepção do próprio corpo e do eu. A imagem corporal possui três característica que se fazem conhecer, são estas: a intencionalidade, se referindo sempre ao outro; a privacidade, ou seja, sua capacidade de representar a sua própria história; e a representacionalidade, trabalhando a competência linguística do sujeito, sendo portanto um processo autoperceptivo, interpessoal e linguisticamente organizado (COSTA apud SILVA, 2011).

Psicomotricidade Relacional e Terapia Psicomotora

Depois de termos esboçado algumas considerações acerca do estudo de lesões neurais e interferências na personalidade do sujeito, no modo como ele se relaciona com o ambiente e constrói seus relacionamentos interpessoais com as condições psíquicas posteriores ao adoecimento; arguiremos agora sobre uma ferramenta terapêutica que viabiliza a expressividade das linguagens verbal, oral e escrita; consolidando a teoria de Oliver SACKS da neurologia da identidade.

A prática pretende ser desenvolvida em pacientes internados em hospitais especializados em amputação, mais precisamente hospitais oncológicos, onde o número de mastectomias realizadas têm um número considerável. Tendo falado sobre o campo de atuação, o público a ser assistido, cabe agora nos debruçar sobre o que fazer, como desenvolver a terapia psicomotora com essas pacientes em situação de vulnerabilidade emocional e psicológica. Para Vecchiato (1989, p. 27) as características principais da abordagem psicomotora são a disponibilidade pontual à realidade psicológica do paciente (contextualizando), a fim de facilitar sua comunicação.

(14)

Podemos utilizar objetos lúdicos com vistas a investir simbolicamente num objeto como substituto do corpo do terapeuta e depois em outros objetos, que façam parte da situação vivenciada (foi pensado na utilização de bexigas, massa de modelar e retalhos). Após a criação de um espaço afetivo entre si e o terapeuta, o paciente estará fazendo uso de recursos sublimatórios, através do jogo, da expressão plástica, que o levarão lentamente a adquirir uma linguagem que lhe seja própria, uma escrita pessoal, um modo particular de exprimir-se, comunicar-se; atingir o equilíbrio entre a necessidade e a dependência e o desejo de autoafirmação, a ser totalmente protagonista de sua história.

Vecchiato (1989) faz um panorama sobre os materiais que habitualmente são utilizados nas sessões de psicomotricidade relacional e que bordam a capacidade simbólica do paciente e os aspectos a serem elaborados em prática. São eles: balões, implicação de dinâmica individual e coletiva; cordas, aprimorando os aspectos relacionados a desejos agressivos, domínio; os aros, espaço fechado simbólico, do qual se pode à vontade sair ou entrar; o papel, trabalha os impulsos agressivos e satisfaz a agressividade através da destruição dos papéis; os tecidos coloridos, adaptação a moldes de costura para trabalhar o simbolismo da falta; rolos de papelão, relacionamentos de caráter agressivo e voltado pra adultos; colchonetes, exercícios no chão e expressões simbólicas do ritual de morte, entre outros. Ainda assim, o mais importante para que a psicomotricidade aconteça é a presença dos corpos e sua disponibilidade.

De fato é o nosso corpo o objeto mais importante; é ele o local d projeção de todas as fantasias da criança, simbólico polivalente de todas as suas angústias, de seus medos e de seus desejos; objeto de amor e objeto de destruição, local em que se deve penetrar ou do qual deve libertar-se, síntese de todas as ambivalências e de todos os conflitos (VECCHIATO, 1989, p. 38)

Outro aspecto a ser considerado no trabalho com pacientes amputadas é a morte simbólica, uma vez que só se pode existir como sujeito na medida em que não se fica fechado no desejo do outro, que se opõe ao nosso desejo. O próprio desejo chega a nascer a partir da mente do outro. Desse modo, só se pode existir na medida em que o outro existe. O comparsa do outro é seu

(15)

próprio comparsa tomado como objeto, ou seja, o outro é fundante, para estruturar o psiquismo e não para aliená-lo. Quando sou amputado, logo a falta se até então apaziguada entra em território desbussolado, aguardando o momento em que o sujeito veja por meio do binoculo a terra a vista.

Para Aucouturier Et Al. (1986) as situações propostas espontaneamente pelas pessoas do grupo ou mediadas pelo formador permitem ao participante reapropriar-se de uma dimensão sensoriomotora e emocional, mais ou menos esquecida, que não pertence à ordem da linguagem; se faltar esta dimensão, mais tarde o psicomotricista colocar-se-á diante da expressividade motora do paciente. Antes de tudo é necessário receber emocionalmente cada participante e escutar o discurso multiforme que comporta cada um, permitindo a compreensão do sentido da expressividade psicomotora. É pressuposto para qualquer atendimento dessa magnitude estar atento as reações tônico-emocionais que se desenrolam durante o processo terapêutico e estar atento às produções no espaço, ou seja, lugares evitados na sala, preferências, atenção concentrada em algum objeto e na ambiguidade gestual.

A sensação da presença do membro ou do órgão após a sua extirpação é descrita por quase todos os doentes que passam por esse procedimento, entretanto, temos buscado trazer à luz o singular, a quota individual do sofrimento, colocando como possibilidade e saber-fazer com o sintoma a psicomotricidade relacional. Falemos, pois, agora da sintomatologia relatada com constância por esses sujeitos.

De acordo com os sintomas descritos por pacientes com sensação de membro fantasma, os que se apresentam com maior frequência são: a dor “fantasma”; a dormência; queimação; câimbra; pontadas; ilusão vívida de movimento do membro fantasma, ou até mesmo, apenas a sensação de sua existência (DEMIDOFF ET AL, 2007, p.235)

A dor fantasma é a sensação dolorosa referente ao membro (ou parte dele) perdido que pode se encontrar nas diversas formas como descrito acima. Muitos estímulos externos e internos modulam a dor fantasma e dentre os fatores relatados por pacientes amputados estão: a atenção, a emoção, mudança de temperatura, reflexos autônomos, dor de outra origem, colocação

(16)

de uma prótese, ou pressão sobre a área extirpada (DEMIDOFF ET AL, 2007, p. 236).

Sobre os distúrbios da imagem corporal, podemos asseverar que inicialmente seria a distorção do tamanho do corpo, que envolve o distúrbio de percepção no qual as pessoas não são capazes de avaliar seu tamanho de forma adequada. Posteriormente, chamamos o descontentamento com o corpo, que representa o sentimento das pessoas em relação a si ou partes de seu corpo que vão desde a satisfação à depreciação. E a mulher além do processo de socialização, internaliza paradigmas de beleza estipulados na pós-modernidade e dentro desses símbolos aparece a mama, não apenas como símbolo da maternidade e feminilidade como também da sexualidade (CIACCO & REZENDE, 2012).

A possibilidade de perda da mama como resultado de um câncer ameaça a imagem corporal feminina, coloca em perigo o orgulho feminino, o que provoca uma mudança de figura do corpo pela mente e alterações consideráveis no âmbito simbólico. No artigo escrito por Ciacco & Rezende (2012) é trazida a experiência da mastectomia, revelando que as mulheres percorrem trajetórias diferentes quando retornam ao meio familiar e as suas atividades, mas não há clareza sobre como esse processo é vivido e interpretado por elas.

Esse conjunto de alterações (mastectomia, reconstrução mamária, esvaziamento axilar) é vivido no corpo da paciente e associado a grande desconforto e a estranhamento em relação ao esquema corporal e enquanto experiência; o corpo também está sob efeito tanto dos afetos, aquilo que afeta e não tem representação formal, produzindo desprazer ou prazer, quanto sob o efeito das emoções, que tem uma dimensão motora, sendo a conjunção entre afeto e a representação (CIACCO & REZENDE, 2012, p. 132)

Estima-se com esse projeto possibilitar a construção de narrativas singulares frente ao processo de adoecimento e a submissão de procedimentos invasivos; possibilitar por meio da psicomotricidade relacional, a simbolização do eu corporal e as reforçar as características tônico emocionais positivas de cada paciente. O papel do terapeuta nessa empreitada é fazer-se suporte e anteparo

(17)

nesse momento de angústia e permitir a expressão de emoções latentes e estados psíquicos reprimidos.

No campo da subjetividade, não podemos nos limitar a um avanço médico ou tecnicista, pois a vida vai além de qualquer metrificação e se propõe para além de nossas certezas. Aprender com os olhares clínicos descritos nessa compilação, Sacks e Freud puderam nos ensinar de forma afável com suas contribuições acerca do psiquismo; em escutar e fazer associações intimamente ligadas a memórias reprimidas, situações estressoras e/ou traumáticas, que não são acusadas em ressonâncias magnéticas e afins. A dor que o paciente não cansa de nos convocar a enxergar é de fato (ex) tranha para uns, para nós essa escansão fala sobre o retorno ao material recalcado; mas como nos diria o Freud nossa realidade é a realidade psíquica e mais, os sintomas rechaçados pela janela voltam pela porta.

Resultados Esperados

Com a perde de uma ou mais partes do corpo, o indivíduo tem sua imagem corporal alterada. E para que a reabilitação ocorra de forma satisfatória, é preciso que os profissionais de saúde se dediquem a escutar para além dos aspectos fisiológicos e recorram a historicidade detrás de cada procedimento cirúrgico ou processo saúde-doença. Vimos como o neurologista Oliver Sacks apresentou o modelo da interocepção, como toda interioridade do corpo e o ambiente que o cerca; podendo dizer que ele humanizou a neurologia com seus estudos ao dar a voz a seus pacientes com distúrbios neurológicos, em busca da recuperação de uma certa normalidade e de sua subjetividade. Para ele a construção da imagem corporal é resultante de uma descrição da experiência subjetiva, do reconhecimento de um sujeito como campo da ação.

É enfática a importância dos aspectos psicossociais na abordagem clínica de pacientes portadoras de câncer; essa realidade apresenta ainda um grande desafio para os profissionais de saúde, uma vez que os pacientes se encontram em situação de vulnerabilidade emocional e psicológica. Será explanada com o rigor teórico necessário, a ferramenta terapêutica da

(18)

psicomotricidade relacional e sua eficácia nos processos de simbolização; relataremos a importância dos objetos lúdicos para um saber sobre si pautado na disponibilidade corporal e gestos espontâneos e na capacidade sublimatória contida em cada sujeito.

A temática estudada não se esgota aqui e enseja estudos futuros com pormenores a serem revisitados e pincelados com novas tintas e novos papéis. A psicomotricidade embasa sua práxis no um a um, na construção de um corpo encouraçado, indisponível e aprisionado pela moral civilizada e pelas intempéries particulares de cada um, e é nesse campo da reinvenção que o

setting pode ser enunciado.

Cronograma

MÊS/ANO ATIVIDADE DESCRIÇÃO

Janeiro/2019 Apresentação do Pré-projeto para a gestão do Hospital oncológico da cidade do natal. Especificação da proposta terapêutica e resultados esperados com a pesquisa.

Fevereiro/Março Conhecer o campo, a realidade e principais demandas.

Realizar uma triagem de pacientes com os profissionais da psicologia do hospital.

Abril Entrevistas abertas com

pacientes triados junto com os profissionais de Psicologia do serviço e apresentação da proposta terapêutica em grupo. Escutar as indagações e angústias de mulheres mastectomizadas.

(19)

Maio Início da terapia em grupo. Utilização de recursos lúdicos e exploração do corpo como produtor de conhecimento. Primeiro e segundo encontro.

Junho Terapias Psicomotoras Quatro encontros do grupo terapêutico

Julho Terapias Psicomotoras

e devolutiva com os pacientes.

Ao encerrar as oito sessões será realizado um processo de conclusão e dos resultados obtidos com a prática psicomotora. Recursos Materiais Material Quantidade Tesoura 20 Tecido 20 metros Balões 100

(20)

Folha de ofício A4 200

Cartolina 50

Coleção 20

Referências Bibliográficas

ALBUQUERQUE, Leticia; FALKENBACH, Atos Prinz. Imagem corporal em indivíduos amputados. Revista digital. Buenos Aires, ano 14, n. 131, ab. 2009. AUTOCOUTURIER, Bernard; DARRAULT, Ivan; EMPINET, Jean-Lois. A

prática psicomotora: reeducação e terapia. Porto Alegre. Artes Médicas,

1986.

CIACCO, Melissa; REZENDE, Laura Ferreira de. Avaliação da imagem corporal em mulheres no pós- operatório de câncer de mama. Rev Bras

Mastologia, vol. 22, p. 131-137, 2012.

DEMIDOFF, A.D; PACHECO, F. G; FRANCO, A.S. Membro fantasma: o que os olhos não veem, o cérebro sente. Ciências e Cognição, vol. 12, p. 234-239, 2007.

Instituto Nacional de Câncer – Em

http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home+/mama/can cer_mama, acesso em 29 de Julho de 2018.

OIVEIRA, C.L.; et al. Câncer e imagem corporal: perda da identidade feminina.

Rev. Rene, vol.1, numero especial, p.53-60, 2010.

SACKS, Oliver W. Com uma perna só. São Paulo: Companhia das letras, 2003.

SACKS, Oliver W. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. São Paulo. Companhia das letras, 1997.

(21)

SILVA, Sergio Gomes da. Oliver Sacks e a “neurofenomenologia do self”. Rev

Latinoan. Psicopat. Fund, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 452-471, set 2011.

THIOLLENT, M; Metodolgia da pesquisa – ação- 18. São Paulo: Cortez, 2011. ISBN:978-85-249-1716-5.

VECCHIATO, Mauro. Psicomotricidade relacional e terapia. Porto Alegre. Artes Médicas, 1989.

Referências

Documentos relacionados

Considerando que a maioria dos métodos publicados até os dias de hoje realizam a separação de um, ou no máximo dois metais de transição, e que a aplicabilidade

Sistemas Críticos Sistema Crítico de Segurança (Safety- critical systems) Falhas resultam em perda de vida, injúria ou dano ao meio ambiente; Exemplo: Sistema de controle de uma

Este reator é conectado entre barras ou em série com a linha de transmissão ou com o alimentador para limitar a corrente de curto-circuito aos níveis compatíveis com os

Neste contexto, este trabalho apresenta o desenvolvimento de uma plataforma de aquisição e processamento de imagens aéreas, que integra dois softwares: um aplicativo iOS de

DISCIPLINA: DIREITO ADMINISTRATIVO II CH – total: 72h SEMESTRE DE ESTUDO: 5º Semestre1. TURNO: Matutino / Noturno

Nessa perspectiva, segundo Tardif (2011), os conhecimentos podem se transformar em formação científica ou contribuir na prática pedagógica, e o plano das

Sendo assim, iniciaremos realizando uma breve análise do Poder Legislativo – especialmente das disposições contidas no Estatuto dos Congressistas -; adiante, levantaremos uma

Confeccionar & Manter Ideal para grandes pedaços de carne ou para confecção durante a noite, pode ser combinado com ciclos de confecção de ar quente e vapor.. Também