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O Serviço social e o cuidado com famílias no âmbito da saúde mental

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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO

PRISCILLA MARTHA DE OLIVEIRA MAIA

O SERVIÇO SOCIAL E O CUIDADO COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DA SAÚDE MENTAL

NATAL/RN 2019

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O SERVIÇO SOCIAL E O CUIDADO COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DA SAÚDE MENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientadora: Professora Mestre Mônica Maria Calixto

NATAL/RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Maia, Priscilla Martha de Oliveira.

O Serviço Social e o cuidado com famílias no âmbito da saúde mental / Priscilla Martha de Oliveira Maia. - 2019.

56f.: il.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço Social. Natal, RN, 2019. Orientador: Profa. Me. Mônica Maria Calixto.

1. Serviço Social - Monografia. 2. Famílias - Monografia. 3. Saúde mental - Monografia. I. Calixto, Mônica Maria. II.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 364.622

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O SERVIÇO SOCIAL E O CUIDADO COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DA SAÚDE MENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado e aprovado como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Natal, RN, 11 de dezembro de 2019

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Professora Mestre Mônica Maria Calixto

Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________ Professora Doutora Marcia Maria de Sa Rocha

Examinador interno

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

____________________________________________ Professor Especialista Fernando Gomes Teixeira

Examinador interno

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Sou grata a Deus por me permitir chegar até aqui com saúde. Ao meu filho, Gabriel, luz da minha vida.

A minha mãe, Edinólia, por todo amor a mim dedicado. Ao meu irmão e sobrinho, pelo afeto e carinho.

Ao meu esposo, Adson, pelo incentivo e suporte material.

A minha orientadora, professora Monica Calixto, pela dedicação e acolhida. A professora Edla Hoffmann, pelo núcleo que me levou a um novo patamar de conhecimentos e vínculos de amizades firmados. A experiência em estágio supervisionado no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil de Natal, RN, e a todos que lá me acolheram.

A esta Universidade e todo o corpo docente do curso de Serviço Social pela qualidade de ensino prestada.

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“É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade”.

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O presente estudo se centraliza na temática do cuidado com as famílias no âmbito da saúde mental pública, sob a perspectiva do Serviço Social no Brasil, cuja análise é orientada pelo método dialético crítico, com aspirações teóricas em Marx (1973; 1974) e Gramsci (1978), com base na pesquisa bibliográfica. O cerne deste estudo são as famílias em situação de vulnerabilidades social, as quais se configuram como usuárias do sistema público de atendimento à saúde mental, bem como sujeitos centrais do desenvolvimento de toda a abordagem feita. Os objetivos alcançados se configuraram na discussão acerca do Serviço Social e o trato com famílias inseridas na rede pública de saúde mental, desenvolvendo-se a partir da exploração da historicidade da reforma psiquiátrica e seus impactos na vida das famílias; do apreender sobre a inserção da família vulnerável nas políticas públicas de proteção social; e, da pesquisa a respeito do Serviço Social na saúde mental pública, com enfoque nas famílias. O presente estudo deixa evidente a dificuldade na concretização de direitos sociais dos usuários e suas famílias diante do contexto do neoliberalismo que, sob a ideologia do Estado mínimo e do conservadorismo, praticamente extingue investimentos, reduz despesas com a política de saúde mental, interferindo na evolução da Reforma Psiquiátrica, retirando, assim, a concretude dos direitos sociais. Percebe-se as adversidades enfrentadas pelo Assistente Social, profissional também inserido na divisão sociotécnica do trabalho, diante do embate à mitigação de direitos sociais e de contrarreformas no cenário de exacerbação de políticas neoliberais no país.

Palavras-chave: Política de Saúde Mental. Reforma Psiquiátrica. Serviço Social. Famílias.

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This study focuses on the theme of caring for families in the context of public mental health, from the perspective of Social Work in Brazil, whose analysis is guided by the critical dialectical method, with theoretical aspirations in Marx (1973; 1974) and Gramsci ( 1978), based on bibliographic research. The core of this study is the families in situation of social vulnerabilities, which are configured as users of the public mental health care system, as well as central subjects in the development of the whole approach taken. The objectives achieved were configured in the discussion about Social Work and dealing with families in the public mental health network, developing from the exploration of the historicity of psychiatric reform and its impacts on family life; to learn about the insertion of the vulnerable family in public policies of social protection; and research on social work in public mental health, focusing on families. The present study makes evident the difficulty in realizing the social rights of users and their families in the context of neoliberalism that, under the ideology of the minimal state and conservatism, practically extinguishes investments, reduces expenses with the mental health policy, interfering with the evolution. Psychiatric Reform, thus removing the concreteness of social rights. It is noticeable the adversities faced by the Social Worker, a professional also inserted in the socio-technical division of labor, facing the struggle to mitigate social rights and counter-reforms in the scenario of exacerbation of neoliberal policies in the country.

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ABRASCO - Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva CAP - Caixas de Aposentadorias e Pensões

CAPSI - Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil CEBES - Centro Brasileiro de Estudos da Saúde

CIT - Comissão Intergestores Tripartite

CONASEMS - Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde CONASS - Conselho Nacional de Secretarias de Saúde

DOU - Diário Oficial da União

IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões

INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS - Instituto Nacional de Previdência Social

LOAS - Lei orgânica da Assistência Social MS - Ministério da Saúde

MPF - Ministério Público Federal

MTSM - Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental RAPS - Rede de Atenção Psicossocial

SINPAS - Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social SUS - Sistema Único de Saúde

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1. INTRODUÇÃO ... 11 2. A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E SUA ARTICULAÇÃO COM OS DIREITOS DOS USUÁRIOS E SUAS FAMÍLIAS... 13 2.1. BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE A SAÚDE PERANTE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ... 13 2.1.1. Equidade em saúde, um direito adquirido de fato? ... 18 2.2. POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL: ENTRE AVANÇOS E RETROCESSOS ... 21 2.3. IMPACTOS DO NEOLIBERALISMO E A QUESTÃO SOCIAL NA VIDA DOS SUJEITOS VULNERÁVEIS COM TRANSTORNO MENTAL E SUAS FAMÍLIAS ... 27 3. O SERVIÇO SOCIAL E O TRABALHO MATRICIAL COM FAMÍLIAS NA SAÚDE MENTAL PÚBLICA... 31 3.1. A INSERÇÃO DA FAMÍLIA EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE NA PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA ... 31 3.2. SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE MENTAL: UM DESVELO AO DIREITO SOCIAL À SAÚDE ... 34 3.2.1. Serviço social na terapia com famílias: choque com a viabilização dos direitos sociais ... 35 3.3. O SERVIÇO SOCIAL E O CUIDADO COM AS FAMÍLIAS NO ÂMBITO DA SAÚDE MENTAL ... 38 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 45 REFERÊNCIAS ... 46 ANEXO 1 Imagens dos pacientes nos manicômios antes da Reforma Psiquiátrica...53 ANEXO 2 Organograma da Rede de Atenção Psicossocial...55 ANEXO 3 Tabela cronológica das legislações da Saúde Mental...56

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo versa sobre o Serviço Social e o cuidado com as famílias no âmbito da saúde mental. Após a experiência em estágio curricular realizado no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSI) da cidade de Natal/RN, sentiu-se a necessidade de aprofundar conhecimentos acerca da contribuição do trabalho do assistente social no trato com as famílias na perspectiva da promoção da cidadania no âmbito da saúde mental ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao se levar em conta que as famílias usuárias da Saúde Mental além de sofrerem com as dificuldades acarretadas pelo transtorno mental de algum de seus membros, soma-se a situação de pobreza e suas conseqüências, isto é, ao estarem em desvantagem econômica, política e de saúde, durante o atendimento demandará ao assistente social atenção que vai além da assistência em saúde mental, ou seja, transcorre-se nas diversas e multifacetadas expressões da questão social e de suas determinantes que interferem no processo saúde-doença.

O público-alvo são as famílias usuárias do sistema público de atendimento da saúde mental. A pesquisa proporcionará o estudo sobre sua posição no campo da atenção social, bem como revelar a atuação do Assistente Social para com as famílias usuárias da rede pública de saúde. Desta forma, o recorte conceitual dessas famílias será compreendida aqui como um meio de expressão das condições de vida e que também se manifesta como os padrões dominantes de relações sociais.

O presente estudo se faz necessário diante da peculiaridade no trato com famílias na saúde mental, ao mesmo tempo em que essa temática não é muito requisitada e pouco explorada academicamente. Nesse sentido, justifica-se este trabalho como forma de apresentar a saúde mental e a atuação do Assistente Social nessa área.

No âmbito da Seguridade Social, a família segue compreendida como prioridade nas políticas de Assistência e Saúde. Desse modo, na política de saúde mental, as famílias mais vulneráveis estão centralizadas como principal fonte de atenção.

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Como resultante desta problematização de pesquisa foi proposto como objetivo geral discorrer acerca do Serviço Social e o trato com famílias inseridas na rede pública de saúde mental; e, como objetivos específicos explorar a historicidade da reforma psiquiátrica e seus impactos na vida das famílias; apreender sobre a inserção da família vulnerável nas políticas públicas de proteção social; e, pesquisar na literatura da área, sobre o serviço social no trabalho com famílias no âmbito da saúde mental.

O trabalho está fundamentado nas teorias de Marx (1973; 1974) e Gramsci (1978). Outrossim, tendo também a pesquisa um caráter bibliográfico, recorreu-se ao arcabouço de autores da área específica, bem como da Saúde Mental e da família como Iammamoto (1983, 2008, 2013), Robaina (2010), Bisneto (2007), Mioto (2004, 2009, 2010), Yazbek(2001,2014), Faleiros(2005), Vasconcelos(2000), Arbex (2013), entre outros, na tentativa de proporcionar uma maior visão acerca do objeto de estudo, que até então é pouco explorado na literatura do Serviço Social, proporcionando maior familiaridade com o problema e aumentando, de forma geral, o arcabouço de conhecimentos.

Abordar-se-á na segunda seção acerca da Política de Saúde Mental e sua articulação com os direitos dos usuários e suas famílias, onde se encontram questionamentos e inquietações sobre a equidade em saúde, impactos do neoliberalismo e a questão social na vida dos sujeitos vulneráveis com Transtorno Mental e suas famílias.

A terceira seção trará os aspectos da inserção da família em situação de vulnerabilidades na proteção social brasileira, desta forma, será discutida a respeito da abordagem da literatura específica da área. Por fim, será interpelado sobre o Serviço Social na contribuição do trabalho com as famílias no âmbito da saúde mental.

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2. A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E SUA ARTICULAÇÃO COM OS DIREITOS DOS USUÁRIOS E SUAS FAMÍLIAS

Encontra-se aqui, um breve histórico sobre a saúde brasileira desde meados da república velha, bem como algumas considerações sobre a saúde pública brasileira e seu marco jurisdicional na legislação brasileira, posto a reflexão sobre o direito à equidade em saúde, seguida de ponderações acerca do desenvolvimento da política de saúde mental desde a redemocratização até as investidas de contrarreformas nessa política. Aqui também se abordará sobre os impactos do neoliberalismo na qualidade de vida das famílias dos usuários com transtorno mental no âmbito da saúde pública.

2.1. BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE A SAÚDE PERANTE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O SUS é resultado de um longo processo de construção sócio-histórica. Entre os anos de 1900 e 1920, o Brasil era refém de sérios problemas sanitários e das epidemias e para recepcionar os imigrantes europeus, houveram diversas reformas urbanas e sanitárias nas grandes cidades.

A partir da Republica Velha, em 1923, dá-se início a medidas importantes para a atenção da saúde do povo brasileiro com a criação da Lei Eloy Chaves, pelo governo de Artur Bernardes, cuja ação foi a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP) que obrigaram as empresas ferroviárias e as fábricas a pagarem pensão em caso de acidente de trabalho ou afastamento por motivo de doença. Surgem, assim, importantes conquistas que futuramente persistirão no SUS.

Com a Revolução de 19301, que determinou o fim da República Velha e

impôs o Estado Novo de Getúlio Vargas, criou-se um amplo programa de reformas políticas, sociais e administrativas no país. Durante a sua gestão, Vargas criou, em 1932, os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) como uma resposta às lutas e reivindicações dos trabalhadores no contexto de consolidação dos processos de industrialização e urbanização brasileiro. Desta forma, pode-se dizer que é

1 “A Revolução de 1930 foi um movimento armado, liderado pelos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, insatisfeitos com o rumo da política no país, o que resultou no Golpe de 1930 onde o presidente da república Washington Luís foi derrubado e a posse do presidente eleito Júlio Prestes foi impedida, colocando fim à República Velha com Getulio Vargas no poder” (SILVA, 2011, p. 27).

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intensificada as estratégias para a assistência médica, principalmente por meio da compra de serviços do setor privado.

Mais adiante, em 1965, durante o Regime Autoritário2, após a derrubada do

presidente democraticamente eleito foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) como resultado da unificação dos IAPS. O INPS vem reforçar o atendimento assistencial também com a adesão de compras dos serviços assistenciais do setor privado, culminando em um modelo assistencial hospitalocêntrico, curativista, centrado na medicalização, que futuramente permanecerá presente no SUS.

Em 1977, ainda no Regime Autoritário, no governo Geisel, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) foi criado pela Lei Federal nº 6.439/1977, que instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), definindo um novo desenho institucional para o sistema previdenciário. No entanto, mesmo diante dessas mudanças, ainda permaneceram a compra de assistência médico-hospitalar do setor privado, em detrimento ao investimento na saúde pública.

Percebe-se que no período do Regime Autoritário, instituições eram criadas na medida em que se ampliava o mercado para a assistência médico privada por parte do Estado. Por sua vez, o INAMPS garantia assistência médica somente para os trabalhadores formais, tendo como principal fonte de atendimento as instituições privadas sustentadas por meio de repasse do governo federal, negligenciando a saúde pública. Enquanto os mais necessitados e desempregados padeciam na indigência, logo:

Instala-se, assim, um verdadeiro processo de drenagem dos recursos públicos que passam a capitalizar as empresas de medicina privada, transformando a saúde em um negócio bastante lucrativo. Nessa perspectiva, a prioridade conferida à medicina curativa, o financiamento público e o crescimento dos grupos privados no setor saúde são as engrenagens de um processo em que a capitalização e expansão da rede privada, por um lado, e a degradação dos serviços públicos e a sangria dos recursos do Estado, por outro, são faces da mesma moeda (PONTE; FALLEIROS, 2010, p. 187).

2 “O Regime Autoritário ocorreu no período de 1964 a 1985, sendo conhecido como ditadura militar, foi um período em que a repressão e o autoritarismo ganharam força bélica para combater qualquer pessoa com prisões e torturas em nome da ordem e do progresso, onde ficaram à frente do poder os Militares das forças armadas”(FERREIRA; GOMES, 2014, p. 24).

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Dessa maneira, fortaleceu-se o aumento da concentração de renda nos estratos sociais mais ricos, com o Estado atendendo aos interesses do bloco de poder, além do que, foram implantadas políticas de arrocho salarial, enquanto se investia em financiamento dos serviços privados. Pouco se investia em saúde pública no período em que a presença de epidemias ainda persistia, dessa forma,

o período é marcado por epidemias de meningite, febre purpúrica e febra amarela e diversos surtos de febre tifóide localizados em bairros periféricos da capital e pela persistência de casos de poliomielite,difteria,sarampo,e outras doenças infecciosas da infância (BARATA, 2000, p. 341).

O resultando culminou na ampliação das desigualdades socioeconômicas e insatisfação popular. Assim, ainda na década de 1970, foram criadas entidades como a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES), comissões e conferências. Essas entidades vieram fortalecer a idéia de participação social e prática democrática de saúde que viessem atender a população menos favorecida, defendendo a promoção à saúde e melhoria da qualidade de vida em um sistema único e universal. A partir de então, é mediado o empreendimento da reforma sanitária brasileira a fim de se estabelecer o difícil processo de mediação da garantia do direito à saúde no seio das contradições entre capital e trabalho.

Após o fim do regime militar em 1985, nesse período da transição democrática, o presidente da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Antônio Sérgio da Silva Arouca, mudou as regras da Conferência Nacional de Saúde. Em 1986, a Oitava Conferência Nacional de Saúde, romperia com o perfil burocrático, abrindo as portas para a participação da sociedade civil. O discurso de abertura da Conferência proferido por Sergio Arouca impactou os presentes. A partir daí ele passa a ser vocalizador do Movimento de reforma Sanitária na Constituinte e representante da sociedade civil, intervindo na confecção do capítulo acerca saúde na Constituição de 1988. (DOWBOR, 2019)

Esta foi a primeira vez que a população brasileira participou das discussões de uma conferência na área da saúde. A discussão nesta conferência consagrou em uma concepção ampliada de saúde e o Princípio da saúde como direito universal e como dever do Estado.

Pode-se dizer que os atributos incorporados na Constituição de 1988, aprovada pela Assembléia Nacional Constituinte, são fruto da luta dos movimentos e

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reivindicações populares pela redemocratização e direitos3. Nesse sentido, a

Constituinte foi um período de intensa interação entre os sanitaristas, parlamentares e diversas representações sociais.

Com a promulgação da Constituição de 1988 é instituído o SUS,a saúde passa a ser compreendida como direito de todos e dever do Estado, assim dispõe o Art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o mesmo texto também é citado no Art. 2º da Lei Federal nº 8.212/19914, que dispõe sobre a

organização da Seguridade Social, um marco também das reivindicações sociais, a qual trata do conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social, correspondente ao conceito ampliado de qualidade de vida e saúde da população que envolve não só a recuperação da saúde, como a promoção e proteção social.

Em 1990, no governo de Fernando Collor de Mello, o SUS passa a ter uma lei própria, a Lei Federal de n° 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Ademais, a lei orgânica do SUS detalha os objetivos e atribuições; os princípios e diretrizes; a organização, direção e gestão, a competência e atribuições de cada nível (federal, estadual e municipal); a participação complementar do sistema privado; recursos humanos; financiamento e gestão financeira e planejamento e orçamento. Nota-se que persiste a participação do sistema privado, dessa vez entendido como complementar.

Assim, a saúde é garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Outrossim, conforme o Art. 3º da Lei Federal nº 8.080/1990 instituiu como fatores determinantes e condicionantes a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o

3 “No Movimento pela Redemocratização, a Assembléia Constituinte foi instalada pelo presidente José Sarney, com a finalidade de elaborar uma Constituição democrática para o Brasil, após 21 anos de regime militar”(FERREIRA; GOMES, 2014, p. 92).

4 Tanto o Art. 196 da Constituição de 1988, quanto o Art. 2º da Lei 8.212/1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, trazem o mesmo texto a seguir: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”(BRASIL, 1988).

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meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

Dessa maneira, a Lei Federal nº 8.080/1990 assegura que os níveis de saúde além de expressarem a organização social e econômica do País, também relacionam às ações que se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social, ou seja, o conceito de saúde vai além da ausência de doenças ou enfermidades, de acordo com a Organização Mundial de Saúde é

um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades. Direito social, inerente à condição de cidadania, que deve ser assegurado sem distinção de raça, de religião, ideologia política ou condição socioeconômica, a saúde é assim apresentada como um valor coletivo, um bem de todos (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1948, p. 01).

Importante reafirmar que a saúde não pode ser dissociada dos demais processos sociais, ao mesmo tempo em que é essencial reconhecer o conceito ampliado, de acordo com o que está disposto em lei, a saúde depende de outros fatores que determinam e condicionam o bem-estar físico e mental do ser humano.

Configuram como alguns dos Princípios da saúde brasileira, conforme o Art. 7º, da Lei Federal nº 8.080/1990, a integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade; a igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie e a preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral.

Nesse seguimento, a universalidade passa a ser um dos princípios da saúde, ou seja, não só os trabalhadores formais, mas todo e qualquer cidadão passa a ter direito ao acesso aos serviços públicos de saúde em todos os níveis de assistência.

Diante do que já foi considerado acima, vale salientar que os objetivos do SUS, não estão relacionados apenas aos fatores biológicos, mas também econômicos e sociais. Visto que, o primeiro objetivo delibera sobre a identificação e a divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde. Enquanto que o segundo configura sobre a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância da redução de riscos de doenças e de outros agravos. Ao passo que o terceiro trata da assistência às pessoas por

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intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas (BRASIL, 1990).

Entre avanços indiscutíveis obtidos a partir da Constituição Brasileira de 1988, a criação do SUS trouxe grande impacto positivo à vida dos brasileiros, especialmente à fatia mais pauperizada da sociedade, mesmo com muitos e conhecidos problemas. Porém, atualmente, no contexto de crise política e de capital, enfrentam-se ameaças de desmonte do Estado e dos direitos sociais conquistados por meio da Constituição Brasileira de 1988, isso nos faz refletir “sobre a urgência da construção de propostas alternativas que possam combater as desigualdades em suas múltiplas dimensões e determinações” (LIMA; CARVALHO; COELI, 2018, p. 02).

A luta pelo sistema de saúde gratuito e de qualidade permeia as relações entre Estado e sociedade numa perspectiva política e de debate ampliados que resultem em “um projeto de desenvolvimento socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável para o país” (LIMA; CARVALHO; COELI, 2018, p. 02), além disso, que assegure, especialmente, a equidade em saúde como determina a lei do SUS.

2.1.1. Equidade em saúde, um direito adquirido de fato?

Não há como compreender o processo de promoção à saúde sem buscar entender o sentido das “desigualdades sociais em saúde”. (Barata, 2009, p. 10, aspas do autor). Logo, é preciso enxergar para além da doença, pois

podemos começar dizendo que as desigualdades sociais que nos interessam são diferenças no estado de saúde entre grupos definidos por características sociais, tais como riqueza, educação, ocupação, raça e etnia, gênero e condições do local de moradia ou trabalho (BARATA, 2009, p. 11).

Quando se fala em desigualdade social em saúde, isso significa que a classe trabalhadora explorada e oprimida, que se encontra em situação de desvantagem econômica, social, política e de saúde, não tem condição de se manter saudável diante da situação de miserabilidade que as políticas de governo, aliadas ao grande capital, estão na contramão às políticas de Estado.

Sendo assim, não dá pra pensar a promoção à saúde no Brasil sem pretender o alcance da equidade:

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Aqui no Brasil, ao aprovar o capítulo sobre a saúde na Constituição Federal de 1988, a população, por meio de seus representantes no Congresso, decidiu que a saúde é um direito de todos e que deve ser garantido mediante ações de política pública. Fez ainda mais do que isso, definiu a saúde através de um conceito amplo, que inclui os seus principais determinantes e apontou em linhas gerais os princípios que o sistema nacional de saúde deveria ter: universalidade, integralidade e equidade (BARATA, 2009, p. 12).

Sendo assim, a isonomia do direito à saúde também está relacionada à justiça e à igualdade social. Embora o Art. 5º, da Constituição Brasileira de 19885

preconize a igualdade entre os cidadãos, esta igualdade é somente jurídica, trata da igualdade tão somente perante a Lei. No entanto, para que se concretize a justiça social, faz-se necessária uma igualdade efetiva, ou seja, igualdade econômica e social, cujo alcance não se dá por meio do sistema capitalista, pois a base que o sustenta está alicerçada na desigualdade e injustiça social.

Esse modo de vida implica contradições básicas: por um lado, a igualdade jurídica dos cidadãos livres é inseparável da desigualdade econômica derivada do caráter cada vez mais social da produção, contraposta à apropriação privada do trabalho alheio. Por outro lado, ao crescimento do capital corresponde a crescente pauperização relativa do trabalhador. Essa é a lei geral da produção capitalista, que se encontra na gênese da “questão social” nessa sociedade (CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS, 2009, p. 10).

Nesse diapasão, é possível entender que se trata de uma sociabilidade marcada por profundas desigualdades sociais, condenando grande parte da população à pobreza. Nesse cenário, surgem as políticas sociais, implantadas como instrumento de controle social, mas também como ferramenta para se alcançar a justiça social. Com a promulgação da Carta Magna de 1988, institui-se o tripé da seguridade social, que são: i) Previdência Social; ii) Assistência Social; e, iii) Saúde. Logo, a Seguridade Social é

um dos instrumentos disciplinados pela ordem social para o implemento do bem-estar e da justiça social. É instituto jurídico definido pelo artigo 194, da Constituição Federal: compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos a saúde (sic), previdência e assistência social (SANTOS, 2004, p. 78).

5 Assim dispõe o Art. 5º da Constituição de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 1988).

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Em contraste com a criação do sistema de proteção social, as políticas neoliberais6 começaram a ser implantadas no Brasil a partir dos anos 1990:

A era Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi marcada por contra-reformas (sic) neoliberais, tratou-se de reformas orientadas para o mercado, num contexto em que os problemas no âmbito do Estado brasileiro eram apontados como causas centrais da profunda crise econômica e social. Reformando-se o Estado, com ênfase especial nas privatizações e na previdência social, e, acima de tudo, desprezando as conquistas de 1988 no terreno da seguridade social e outros (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 148).

As investidas em contrarreformas vêm afetando a política de seguridade social, com afirmações de que ela significa um peso na economia, cresce as propostas de incremento para conter o desenvolvimento dessa política e prestigiar a privatização. Esse desmonte é sentido em especial na saúde, com a gradativa desarticulação do SUS. Conforme Teixeira (2018, p. 34) afirma,

o setor Saúde, a partir dos anos de 1990, vive os efeitos prolongados da crise estrutural do capital, advinda dos anos de 1970 (mudança do padrão de acumulação, com a reestrutura produtiva, a precarização do trabalho e a flexibilização dos direitos para a classe trabalhadora, entre demais elementos), em âmbito internacional, com diferenças em cada país e seu nível de desenvolvimento das forças produtivas. Para seu alcance, o Estado também foi formatado, devendo retirar-se de suas funções de proteção social, fundamentado nas premissas da ideologia neoliberal.

Nesse sentido, agrava-se a desigualdade quando o Estado reduz a capacidade de investimento na área social. A partir disso, cresce o desemprego, a falta de renda, a subalternidade, cortam-se benefícios, aumentam-se as filas nas instituições de saúde pública, além de outras consequências. Por outra via, outros estratos sociais compram o seu direito de se manter saudável por meio dos planos de saúde e das demais investidas privativas.

Sendo assim, o desmonte de direitos vêm interferir na estrutura da seguridade social, acirrando a situação de precariedade daqueles que dependem da articulação do tripé da seguridade, principalmente, para aqueles que necessitam da conexão concreta entre as políticas da assistência social e da saúde para se manterem saudáveis, como é o caso dos usuários da política de saúde mental pública, que ao longo desses anos sofrem com as investidas de contrarreformas no contexto do

6 Por neoliberalismo compreende-se a “filosofia econômica com a pretensão de restabelecer níveis de lucratividade que permitam criar condições orientadas a uma explosão global de desenvolvimento com base no livre mercado, liberdades individuais, auto-regulação (sic) dos mercados e distanciamento da interferência do Estado na economia” (BLACKBURN, 1999, p. 144).

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paradigma neoliberal, isto é, quando o Estado atua para atender os interesses do capital.

2.2. POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL: ENTRE AVANÇOS E RETROCESSOS

O período que se seguiu ao golpe militar de 1964 no Brasil foi o marco para o crescimento da “indústria da loucura”7. Foram os governos militares que consolidaram a articulação entre internação asilar e privatização da assistência, com a crescente contratação de leitos nas clínicas e hospitais psiquiátricos conveniados, que floresceram rapidamente para atender a demanda.

Nessa época, há um aumento significativo de instituições privadas remuneradas pelo setor público por meio de pagamento de diárias por internação psiquiátrica. Por causa disso, as internações passaram a aumentar consideravelmente, como no maior hospital psiquiátrico do país, o Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais, o qual se tornou um campo de extermínio para aqueles que não se adequavam aos padrões normativos daquele período ou não atendiam aos interesses políticos de classes dominantes.

Ademais, as mortes nos hospitais psiquiátricos se tornaram sistemáticas durante os regimes militares nos governos de Médici e Geisel,

a estimativa é que 70% dos atendidos não sofressem de doença mental. Apenas eram diferentes ou ameaçavam a ordem pública. Por isso, o

Colônia tornou–se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos. A teoria eugenista, que sustentava a ideia de limpeza social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a sociedade da escória, desfazendo-se dela, de preferência em local que a vista não pudesse alcançar. (ARBEX, 2013, p. 06)

As condições das instituições manicomiais eram precárias, os pacientes eram totalmente isolados do convívio social, conforme Arbex (2013) havia muita fome e sede, na falta de água encanada, bebiam água do esgoto (ANEXO 1), dormiam em palhas (ANEXO 1), trancafiados em celas chegavam a saciar a sede com a própria urina, ficavam boa parte do tempo pelados ou seminus (ANEXO 1), passavam frio,

7 As empresas hospitalares auferiam benefícios econômicos significativos com essas internações, com a total falta de controle do estado. Observa-se assim um verdadeiro empuxo a essa prática. Por essas razões houve nesse período um aumento vertiginoso de instituições no país, o que o levou a ser denominado de “indústria da loucura” (FONTE, 2012, p. 27).

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muitos morriam de hipotermia, de fome, morriam nos procedimentos de intervenções como o eletrochoque (ANEXO 1) e lobotomia,

a tecnologia de cuidado incluía as intervenções químicas (injeções de terebentina, leite...) e físicas (eletrochoque, lobotomia) e os psicofármacos, mas ainda assim o projeto higienista não prescindiu do asilo. Ao contrário, elegeu-o como espaço de isolamento para prevenção de uma contaminação da sociedade (ROBAINA, 2010, p. 342).

As instituições manicomiais justificavam suas práticas com o argumento da “necessária limpeza social, livrando a sociedade de sujeitos considerados como parte de uma categoria social de desprezíveis e desajustados cujos comportamentos eram indesejáveis” (FIGUEIREDO, DELEVATI, TAVARES 2014, p. 128).

A morte aos montes não causava espanto, ao contrário, gerava lucro, “entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de pacientes foram vendidos para dezessete faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse” (ARBEX, 2013, p. 13). Ainda sobre o mercado da morte, encontra-se registrado em Toledo (2008) o relato sobre o comércio de corpos para uso em disciplina de anatomia nas faculdades,

mais de 60.000 homens, mulheres e crianças foram condenados à morte por serem considerados "diferentes" da maioria da sociedade. Seus corpos mutilados e comercializados como peças de anatomia ou disputados avidamente pelas aves de rapina, sequer tinham direito a um enterro modesto (TOLEDO, 2008, p. 17).

Com a redemocratização no Brasil, há o reforço de movimentos paralelos, como o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), tornou-se o primeiro sujeito coletivo com o propósito de reformulação da assistência psiquiátrica, com influência na reforma Italiana, que teve como idealizador o médico psiquiatra Franco Baságlia, o qual desde os anos de 1960 vinha denunciando a inviabilidade do modelo manicomial no mundo. No entanto, já nos anos 30 do século passado, a psiquiatra brasileira Nise da Silveira revolucionou a atenção às pessoas com transtornos mentais com seu trabalho de práticas terapêuticas ao introduzir técnicas que inverteram a lógica da desumanização e desintegração, muito comum nos manicômios da época. (CASTRO; LIMA, 2007)

Franco Baságlia condenou os manicômios brasileiros quando aqui esteve em 1979 e contribuiu para a criação do movimento antimanicomial que resultou na reforma psiquiátrica brasileira, como afirma Toledo (2008, p. 29):

Franco Basaglia, precursor da luta pela extinção dos manicômios em todo o mundo, esteve no Brasil em 1979, condenou os manicômios e criou o movimento que desembocou na Reforma Psiquiátrica no Brasil e na criação

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da Lei Paulo Delgado. Todos os manicômios estavam então condenados a terem um fim, com projetos de reintegração dos pacientes à sociedade.

Então, coloca-se um novo olhar sobre as pessoas com transtornos mentais na sociedade brasileira, vinculando-os aos fatores sociais e da própria condição humana, compreendendo

a emancipação, a ampliação do poder de trocas sociais das pessoas com transtornos mentais, não a obstinação terapêutica pela cura ou a reparação, mas a reprodução social, a reinscrição dessas pessoas no mundo social (ROSA; CAMPOS, 2013, p. 311).

Assim, um novo tratamento para as pessoas acometidas com transtornos mentais ganha mais espaço nas discussões que permearam o direito à saúde pública brasileira. A primeira Conferência Nacional de Saúde Mental é realizada em 1987, no Rio de Janeiro, junto ao II Encontro de Trabalhadores em Saúde Mental, como um desdobramento da 8ª Conferência Nacional de Saúde, “refletindo a

aspiração de toda a comunidade científica da área, que defendia que a política nacional de saúde mental necessitava estar integrada à política nacional de desenvolvimento social do Governo Federal” (Brasília, 1987, p. 09). Desta forma, compreende-se que

a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), permitiu uma articulação progressiva entre as gestões federal, estadual e municipal, sob a pretensão de controle social, exercido pelos "Conselhos Comunitários de Saúde". Esse tipo de regulamentação dá novos caminhos para que se discuta a reforma da assistência psiquiátrica no Brasil (TOLEDO, 2008, p. 34).

Com base em informações do documento intitulado Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil (BRASIL, 2005), o projeto de Lei Federal nº 3.657/1989, do sociólogo Paulo Delgado, é aprovado e dispõe sobre a extinção progressiva dos manicômios. Tal projeto configura-se como impulso para uma série de leis que surgem ao longo dos anos, com base na regulação e criação de novos dispositivos para a saúde pública no Brasil.

Dessa forma, com a promulgação da Lei Orgânica da Saúde, em 1990, é criada a idéia de atenção integral, sendo assim, abrem-se novos espaços de discussão para a reforma da assistência psiquiátrica no Brasil. Nesse sentido, ainda na década de 1990, o país assina a Declaração de Caracas, documento norteador da política de saúde mental, com foco na implantação de serviços diários de atenção, baseados nas primeiras experiências dos Centros de Atenção Psicossocial

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(CAPS), Núcleos de Assistência Psicossocial (NAPS) e hospitais-dia (BRASIL, 2005). Isso denota que houve experiência no Brasil que vai ao encontro da atuação integrada em saúde mental e que também inspirou a criação do CAPS. Nessa perspectiva,

Entre elas, a Casa das Palmeiras no Rio de Janeiro, os núcleos de atenção psicossocial (NAPS) de Santos-SP, os centros de convivência, em São Paulo, a Pensão “Nova Vida”, no Rio Grande do Sul, e muitas outras que traziam em si o desejo da reabilitação e a marca da insatisfação quanto ao que era oferecido até então. Estas instituições buscavam estabelecer pontes entre os usuários e a sociedade (RIBEIRO, 2004, p. 95).

Porém, só em 2001, a Lei Federal nº 10.216/2001, conhecida como a Lei de Reforma Psiquiátrica ou a Lei Paulo Delgado, é sancionada. Ela passa a redirecionar a assistência, dando ênfase ao atendimento em bases comunitárias e garantindo direitos às pessoas com transtornos mentais, apesar de não declarar o fim dos manicômios, a Lei explicita definição dos direitos das pessoas com transtornos mentais e proíbe a internação em instituições com características asilares (BRASIL, 2001).

Nesse diapasão, a gradativa redução de leitos em manicômios e de desinstitucionalização de pessoas com histórico de internação prolongada, passa a ser política pública. Logo, o Ministério da Saúde (MS) passa a instituir mecanismos para a redução de leitos psiquiátricos e com a publicação da Portaria nº 336/2002 o MS abrange os serviços substitutivos por meio da criação de diferentes modalidades de CAPS. Ademais, cria serviços na área do álcool e outras drogas para a infância e a adolescência. Além do que, há outras portarias que tratam sobre a regulamentação dos serviços substitutivos em saúde mental que foram publicadas ao longo dos anos (Anexo 3).

Diante desse processo, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) (Anexo 2) foi instituída pela Portaria nº 3.088/2011/MS, na premissa da ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim a RAPS vem contribuir com o cuidado articulado em Saúde mental e com atenção nos variados tipos de serviços. Portanto,

A Política Nacional de Saúde Mental compreende as estratégias e diretrizes adotadas pelo país com o objetivo de organizar a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados específicos em Saúde Mental. Dentro das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), propõe-se a implantação de uma Rede de serviços aos usuários que seja

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plural, com diferentes graus de complexidade e que promovam assistência integral para diferentes demandas, desde as mais simples às mais complexas/graves. As abordagens e condutas devem ser baseadas em evidências científicas. Esta Política busca promover uma maior integração social, fortalecer a autonomia, o protagonismo e a participação social do indivíduo que apresenta transtorno mental. Os pacientes que apresentam transtornos mentais, no âmbito do SUS, recebem atendimento na Rede de Atenção Psicossocial (BRASIL, 2017, p. 23).

Dessa forma, o CAPS se estrutura como componente da RAPS, substituindo as instituições com características asilares. Nesse seguimento, parte-se do entendimento de que a especificidade clínica dos usuários com transtornos mentais se dá não apenas por sua doença, mas também por suas condições de vida.

Entretanto, nem só de avanço se configura a política de saúde mental, posto que, em 2017, essa política passa a enfrentar a contrarreforma das políticas de um

governo sintonizado com os interesses materiais da burguesia, no sentido de que a crise estrutural do capital exige, por parte do Estado e dos governos burgueses, ações de extrema gravidade contra as conquistas históricas dos trabalhadores e trabalhadoras (SIQUEIRA, 2017, p. 18).

Em 22 de dezembro de 2017 , foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), nº 245, Seção 1, p. 239, a Resolução nº 32/2017 pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), com base na pactuação entre MS, Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), para redefinir novos encaminhamentos para a Política Nacional de Saúde Mental, seguidas das Portarias nº 3.588/2017 e nº 02/2017, publicadas com a justificativa de que viriam a fortalecer e ampliar a RAPS, mas, na verdade, desconstrói alguns direitos da pessoa com transtorno mental, pois garantem a manutenção de leitos em hospitais psiquiátricos, rompendo-se com a lógica de desinstitucionalização, bem como amplia os valores das diárias para internação.

O desmonte de direitos fica explícito na intenção de expansão e financiamento para comunidades terapêuticas, instituições de natureza privada, que segundo Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas (2017), divulgado em janeiro de 2018, pelo Ministério Público Federal (MPF), são instituições que correspondem a tratamentos baseados na tortura e escravidão. Ademais, cerceiam a liberdade por manterem os usuários em cárcere privado, conforme trecho do relatório:

A inspeção nacional identificou nas comunidades terapêuticas vistoriadas a adoção de métodos que retomam a lógica da internação, inclusive compulsória, como recurso primeiro e exclusivo de suposto tratamento, em absoluta contrariedade à legislação vigente. A privação de liberdade é a

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regra que sustenta esse modelo de atenção, visto ocorrer não apenas nos estabelecimentos que autodeclaram realizar internação involuntária e compulsória, mas também naqueles que anunciam atender somente internações voluntárias, embora não oportunizem aos internos condições reais de interromper o “tratamento”. Trata-se, portanto, da imposição real de barreiras, que vão desde retenção de documentos, intervenção para dissuadir a vontade apresentada, até a não viabilização de transporte para a saída de instituições isoladas dos perímetros urbanos. Além desses obstáculos, não há política ativa de informação e transparência que permita à pessoa internada uma tomada de decisão autônoma e soberana acerca de quando cessar o “tratamento” (BRASIL, 2017, p. 09, aspas do autor).

Portanto, a Resolução nº 32/2017 da CIT, vem contribuir com a violação dos direitos humanos, visto que amplia o financiamento de instituições particulares que comprovadamente torturam e privam os usuários da sua liberdade. Também diverge da Lei Federal nº 10.216/2001, a qual recomenda o atendimento ambulatorial, a transferência dos pacientes internados para a rede extra-hospitalar e o fechamento progressivo dos leitos, sob a lógica da desinstitucionalização. Nesse caso, contrariamente, a Resolução mantém os leitos.

Desde então, o sistema antimanicomial humanizador, adquirido com o movimento da reforma psiquiátrica, passa por entraves. As dificuldades foram fortalecidas ainda mais após o golpe parlamentar de 20168.

Ainda no início do governo de Bolsonaro, eleito em outubro de 2018, momento em que marca a volta dos militares ao poder em 20199, há uma tentativa

de implantação da Nota Técnica n° 11/2019/MS, que dispõe sobre as novas diretrizes para a política nacional de saúde mental e revela uma investida na desarticulação dos avanços da reforma psiquiátrica.

Nesse ínterim, o retrocesso vai na contramão da legislação em vigor, construída com a participação popular. Nessa perspectiva, a Nota Técnica fortalece o movimento em benefício do mercado e da indústria da loucura, a qual reforça a

8 Entende-se como golpe parlamentar de 2016, as “articulações que resultaram no impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, por ser considerada incapaz de permanecer à frente dos interesses capitalistas. O sistema precisava de um governo genuinamente burguês, capaz de não ceder o mínimo aos trabalhadores e de lhes retirar o pouco que conquistaram e de servir inteiramente, sem concessões, ao grande capital” (BRAZ, 2017, p. 87).

9 “Com a crise que se instalou no país após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o resultado final foi a entrada dos militares no centro do poder político via voto popular, em outubro de 2018 com vitória de Bolsonaro, o espectro militar materializou-se agora por meio do processo democrático e não por intervenção. Sua base de extrema direita, é fundada no pequeno governo (descentralização das funções de governo articulado com a auto governança/comunitarismo), anticomunismo e valores tradicionais conservadores (civilização ocidental e judaico-cristã)” (PINTO, 2019, p. 05).

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internação involuntária ou compulsória da pessoa com transtorno mental, ou seja, através do intermédio de pessoas e independentemente da vontade do paciente. Outrossim, o tratamento pode se dá em comunidades terapêuticas com o uso do eletrochoque ou o incentivo ao abuso de medicações, comprometendo, dessa forma, o tratamento humanizado de pacientes. Logo, as diretrizes vão contra a lógica antimanicomial e fortalece uma lógica restritiva, que tem como centro o lucro submetido à lógica do capital.

A norma abre a possibilidade para a internação psiquiátrica de crianças e adolescentes, mas a contrarreforma não para por aí, o Decreto no 9.761/2019 aprova a nova Política Nacional sobre Drogas e acaba com a política de Redução de Danos. Categoricamente, coloca a abstinência como centro da política pública e dá, ênfase à internação com o abrangente incentivo à abertura de comunidades terapêuticas.

Portanto, percebe-se que as resoluções, normas e decretos foram criadas e aprovadas sem debate com os conselhos, usuários e a comunidade em geral, o que demonstra a falta de respeito à história de participação democrática, bem como o desprezo ao Movimento da Luta Antimanicomial. Ademais, o corte econômico do CAPS em prol das Comunidades Terapêuticas, e o incentivo da compra e uso da eletroconvulsoterapia (eletrochoque), contrariam a lógica humanizada de atenção apontada pelo SUS, também pela reforma psiquiátrica, além de desrespeitam os direitos da população usuária.

2.3. IMPACTOS DO NEOLIBERALISMO E A QUESTÃO SOCIAL NA VIDA DOS SUJEITOS VULNERÁVEIS COM TRANSTORNO MENTAL E SUAS FAMÍLIAS

Como relatado anteriormente, a partir dos anos de 1990, a Política de Saúde Mental passa a sofrer influências em decorrência do neoliberalismo. Segundo Robaina (2010, p. 45), “a implantação deste modelo traz enormes desafios para a Saúde Mental”. Bisneto (2007, p. 42), concorda com Robaina quando afirma que

Desde os meados de 1990, com a hegemonia de políticas neoliberais, que trazem em seu bojo uma desvalorização do trabalho humano, uma falta de solidariedade para com os excluídos, um desmonte das políticas sociais, uma conjuntura de não-democratização, o movimento de reforma psiquiátrica tem sofrido reveses na continuidade de suas propostas, dentre elas a diminuição do investimento público no setor de Saúde Mental.

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Assim, a Política de Saúde Mental vem para amortizar a lacuna das desigualdades econômicas e sociais, engendradas com o capitalismo e políticas neoliberais que provocam uma sociabilidade extremamente desigual e competitiva. Nesse sentido, a Política de Saúde Mental, no contexto público, é fortemente afetada, pois a redução de custos dos serviços públicos pelo Estado prejudica a qualidade na assistência e atendimento. Sendo assim,

Políticas neoliberais de desinvestimento em políticas sociais públicas em geral, induzem a processo de desospitalização, já que a manutenção das instituições psiquiátricas convencionais constitui item de custo elevado para o Estado. Nessa modalidade, a tendência é gerar processos sem garantia de assistência na comunidade, provocando negligência social e aumento da população de rua, incluindo portadores de transtorno mental (VASCONCELOS, 2000, p. 21).

Com a exasperação do neoliberalismo no Brasil, há a tendência de mercantilização dos direitos sociais e a culpabilização da classe trabalhadora pelas situações adversas enfrentadas, como desemprego, pobreza, falta de acesso aos direitos e demais expressões da questão social. Nesse sentido, Iamamoto (2008, p. 149), assegura que a questão social é resultado da negligência para com as necessidades da população, cuja acumulação do capital é prioritária, na medida em que há redução de investimentos pelo Estado nas políticas sociais.

Nesse contexto, as políticas sociais são submetidas à lógica das políticas econômicas, tornando-se paliativas, focalizadas e assistencialistas sob o investimento mínimo do Estado. Logo,

Vale reiterar que o projeto neoliberal subordina os direitos sociais à lógica orçamentária, a política social à política econômica, em especial às dotações orçamentárias. Observa-se uma inversão e uma subversão: ao invés do direito constitucional impor e orientar a distribuição das verbas orçamentárias, o dever legal passa a ser submetido à disponibilidade de recursos. São as definições orçamentárias – vistas como um dado não passível de questionamento – que se tornam parâmetros para a implementação dos direitos sociais [...] (IAMAMOTO, 2008, p. 149).

Assim, a questão social é compreendida como fruto das contradições concretas entre capital e trabalho, tendo como expressão central o empobrecimento da classe trabalhadora. Nessa contradição, cresce a desigualdade entre apropriação da riqueza para uns e aumento da miséria e a pauperização para outros tantos. Nesse cenário, pactua-se com Ianni (1992, p. 85) ao dizer que “a Questão Social atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa luta aberta e surda pela cidadania”.

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As manifestações da questão social se revelam na medida em que o predomínio do capital financeiro sobre o capital produtivo alteram as relações entre Estado e sociedade, o objetivo é uma maior concentração de renda e não a garantia de melhores condições de vida para a população.

A questão social é indissociável da sociabilidade da sociedade de classes e seus antagonismos constituintes, envolvendo uma arena de lutas políticas e culturais contra as desigualdades socialmente produzidas, com o selo das particularidades nacionais, presidida pelo desenvolvimento desigual e combinado, onde convivem coexistindo temporalidades históricas diversas (IAMAMOTO, 2013, p. 330).

Porém ao compreender a questão social como categoria inerente à política neoliberal, há de se levar em conta não apenas a situação de subalternidade da população, mas também os estigmas, discriminações e preconceitos, a diversificação da estratificação social, assumindo uma posição de defesa pela liberdade, democracia, justiça social, equidade efetiva e emancipação humana. Nessa conjectura, Pereira (2015, p. 04), contribui na argumentação quando afirma que

ao se falar sobre questão social não se pode reduzi-la ao reconhecimento da pobreza e da miséria, mas sim, ao reconhecimento do impasse existente nas sociedades modernas a fim de desvelar a contradição permanente entre a lógica do mercado e a dinâmica societária. No espaço sócio-ocupacional da saúde mental, o Serviço Social atua sobre as expressões da questão social que se manifestam a partir da exclusão da pessoa com transtorno mental do sistema produtivo e do convívio social pelo estigma social que passou a fazer parte da sua identidade, haja vista ser considerado, historicamente, pela sociedade, como uma pessoa perigosa e incapaz, portanto, que deve ser excluída do convívio social.

Os usuários da saúde mental pública são pessoas que sofrerem com as dificuldades do transtorno mental, os preconceitos, os estigmas, bem como a situações de pobreza e suas consequências junto as suas famílias. Nesse sentido, demandam atenção que vai além da assistência em saúde mental, transcorrendo as diversas e multifacetadas expressões da questão social nos determinantes sociais que interferem no processo saúde-doença, pois “a saúde é um meio de expressão das condições de vida e exprime também os padrões dominantes de relações sociais” (ROBAINA, 2010, p. 48).

Ainda enfrentam diretamente valores conservadores que naturalizam desigualdades sociais e alimentam formas diferenciadas de hierarquia, preconceitos e relações de dominação, típicos da sociabilidade capitalista. Portanto,

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a Questão Social, indissociável da exploração, desigualdade e pobreza, expressa a banalização da vida humana, resultante de indiferença frente à esfera das necessidades das grandes maiorias de trabalhadores e dos direitos a elas atinentes. Indiferença ante os destinos de enormes contingentes de homens e mulheres, trabalhadores excedentes para as necessidades médias do capital (IAMAMOTO, 2013, p. 332).

Ademais, os impactos desse sistema além de afetar a vida dos usuários e suas famílias, também afeta o atendimento institucional como um todo, atingindo tanto a qualidade de vida como o serviço prestado. Isto posto, por causa da redução de investimentos em políticas públicas, inclusive na Política de Saúde Mental, resulta em terceirização de trabalho profissional, diminuição de insumos e equipamentos, redução ou nulidade de visitas domiciliares, multitarefas para a equipe multiprofissional que não requer especialidade em determinada área, resultando, assim, em gastos mínimos para o máximo de produtividade, consequentemente, na precariedade do atendimento.

Por um lado, a lógica neoliberal atual parece ganhar cada vez mais força na sociedade e colonizar os espaços mais diversos, inclusive a saúde, mas, por outro, continuamos na implementação do Sistema Único de Saúde, na contramão da lógica colonizadora do capital. A tensão que se constitui entre a racionalidade liberal privatista e a universal e igualitária, se manifesta na lógica de gastos mínimos para máximo de produtividade, no número insuficiente de equipamentos para que a demanda seja atendida de maneira satisfatória (BARROS; BERNARDO, 2017, p.12).

Nesse seguimento, o modelo neoliberal para se manter no poder acaba culpabilizando o indivíduo e reduz aos usuários o acesso às políticas sociais, tornando-o altamente restrito e focalizado, respondendo apenas às camadas mais pauperizadas da sociedade. E, em muitos casos, passando para a família uma certa responsabilidade, ao colocá-la na centralidade das políticas sociais, desempenhando funções de proteção e responsabilidade estatal, esta inserção “reavivou o debate em torno do trabalho com famílias, que por muito tempo ficou relegado a segundo plano no âmbito do Serviço Social brasileiro” (MIOTO, 2010, p. 163)

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3. O SERVIÇO SOCIAL E O TRABALHO MATRICIAL COM FAMÍLIAS NA SAÚDE MENTAL PÚBLICA

Apreender-se-á aqui acerca da inserção da família em situação de vulnerabilidade na proteção social brasileira, sua visibilidade nas políticas sociais bem como o uso da instituição família como garantia de proteção social sob a ótica neoliberal. Será feita algumas considerações sobre a legitimação da atuação do Assistente Social no apoio matricial em saúde mental.

Discorrer-se-á sobre a importância da contribuição do Assistente Social nos espaços sócio-ocupacionais da saúde mental e sua atenção e cuidado com as famílias, no que tange aos preceitos ético-políticos, técnico-operativos e teórico-metodológicos da profissão. Bem como, ressaltar-se-á o “Serviço Social Clínico” na contramão da garantia dos direitos.

3.1. A INSERÇÃO DA FAMÍLIA EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE NA PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA

A família se tornou mais visível como elemento central no apoio aos diversos modelos de Estado de Bem-Estar Social. A partir da crise econômica mundial ao fim dos anos 1970 (MACHADO, 2013), a família passa a ser compreendida enquanto uma instituição propícia de proteção social para seus membros (Pereira, 2015).

Com o processo de redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Assistência Social passa a ser estabelecida pela seção IV, no Art. 203, que assegura a proteção social à família, independente de contribuição à seguridade social, ou seja, independente de vínculo empregatício formal. Neste caso, tanto a Assistência Social como a Saúde, passam a integrar a seguridade social junto à Previdência Social. Esta seguridade constitucional acerca da seguridade social foi um marco importante para a garantia dos direitos sociais por meio das políticas públicas com responsabilização do Estado.

A partir da década de 1990, outras leis foram criadas para regulamentar o texto constitucional, como foi o caso da Lei orgânica da Saúde nº 8.080/1990, já citada em capítulos anteriores. Assim também aconteceu com a Previdência Social, com as Leis Federais nº 8.212/1991 e 8.213/1991. Até que em dezembro de 1993, promulgou-se a Lei orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei Federal nº 8.742/1993, para garantir o atendimento às necessidades básicas, com vistas ao

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enfrentamento da pobreza onde a família vulnerável é colocada como um ponto privilegiado, reforçando a proteção social conforme o disposto no Art. 203 da Constituição Federal de 1988:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II- o amparo às crianças e adolescentes carentes; III- a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (grifo nosso).

Porém, é também nessa década que o governo brasileiro adere ao projeto de desenvolvimento econômico sob orientação da ideologia neoliberal, que vem impactar na configuração da proteção social assegurada pela Constituição Brasileira de 1988.

Logo, o resultado foi a implementação de uma proteção social embasada numa versão liberal, seletiva e focalizada nos grupos sociais mais vulneráveis, com incentivo à participação da família e dos grupos comunitários como uma alternativa para a crise de Estado. Recorre-se, assim, à afirmação da parceria da instituição familiar na condução das políticas sociais. Por consequência, concorda-se com MIOTO (2009, p. 143), quando ressalta que

a partir dos anos 1990 se acirra no Brasil um projeto de disputa entre diferentes projetos políticos para a sociedade brasileira, nos quais a questão da proteção social joga papel fundamental. Nesse âmbito o processo é caracterizado, por um lado, pela tensão entre a afirmação da proposta de institucionalização da proteção social nos moldes definidos pela Constituição de 1988 e a sua desconstrução através da retratação do Estado. Esta inclui tanto as privatizações, como a adesão ao principio da focalização nas políticas públicas. Mesmo com os avanços advindos com a Constituição de 1988, a regulamentação da diferentes políticas sociais, ainda pautou a família como ator importante na provisão de bem-estar.

Nesse diapasão, Carvalho (2007) dialoga com Mioto (2009) ao afirmar que na implementação dessas políticas, a instituição família passa a ser parceira na partilha de responsabilidades e solidariedades públicas e privadas. Então,

o mais importante a se observar é que a família retoma um lugar de destaque na política social. Ela é ao mesmo tempo beneficiária, parceira e pode-se dizer mini-prestadora de serviços de proteção e inclusão social (CARVALHO, 2007, p. 18).

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Neste caso, verifica-se que foi implantado no país um sistema de proteção social subordinado às instituições políticas e econômicas, o qual se desenvolveu marcado pelo papel hegemônico com vistas ao projeto neoliberal, pelo qual não se prioriza a transformação da realidade de vida dessas famílias, mas a responsabilização e assistência emergencial focalizada na fatia mais vulnerável. Assim, conforme afirma MACHADO (2013, p. 05),

podemos perceber o desenho de uma lógica na qual a atuação do Estado começa a se assentar com caráter de atuação mínima, apesar do discurso propagado pela nova ordem política econômica (neo)liberalista, na qual, a família é compreendida como a instituição mais importante do humano, local em que este recebe estabilidade e segurança em um mundo de transformações rápidas.

Nesse seguimento, embora haja o reconhecimento da necessidade de proteção do Estado nas políticas sociais, tal proteção tem sido cada vez mais discutida na medida em que há uma tendência da responsabilização e penalização das famílias brasileiras. Partindo desse princípio, a matricialidade sócio-familiar, passa a requerer constantes discussões e atenção do profissional de Serviço Social, acerca da centralidade da família nas políticas, mais precisamente de assistência e saúde, visto que “o alvo predominante do exercício profissional é o trabalhador e a sua família (família operária), em todos os espaços ocupacionais’’ (IAMAMOTO; CARVALHO, 1983, p.58).

Por conseguinte, observa-se que a assistência social dá “primazia à atenção às famílias e seus membros, a partir do seu território de vivência, com prioridade àquelas com registro de fragilidades, vulnerabilidades e presença de vitimação” (NOB/SUAS, 2005, p.28). Dessa forma, a legitimação da atuação do assistente social no apoio matricial em saúde mental está relacionada ao conhecimento que possui sobre as políticas públicas, as redes de atendimento, aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, bem como nos fundamentos ético-políticos, teóricos-metodológicos e técnico-operativos da profissão que possibilitam o enfrentamento das expressões da questão social que permeiam a vida dos usuários com transtornos mentais e de suas famílias (SILVEIRA, 2018).

Portanto, considera-se que a bagagem teórica da profissão, alicerçada na lógica dos direitos sociais e humanos, permite compreender as inúmeras determinações desenvolvidas nas famílias diante das questões sociais, seus dilemas e vicissitudes sociais.

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