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A INSERÇÃO DA FAMÍLIA EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE NA PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA

3. O SERVIÇO SOCIAL E O TRABALHO MATRICIAL COM FAMÍLIAS NA SAÚDE MENTAL PÚBLICA

3.1. A INSERÇÃO DA FAMÍLIA EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE NA PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA

A família se tornou mais visível como elemento central no apoio aos diversos modelos de Estado de Bem-Estar Social. A partir da crise econômica mundial ao fim dos anos 1970 (MACHADO, 2013), a família passa a ser compreendida enquanto uma instituição propícia de proteção social para seus membros (Pereira, 2015).

Com o processo de redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Assistência Social passa a ser estabelecida pela seção IV, no Art. 203, que assegura a proteção social à família, independente de contribuição à seguridade social, ou seja, independente de vínculo empregatício formal. Neste caso, tanto a Assistência Social como a Saúde, passam a integrar a seguridade social junto à Previdência Social. Esta seguridade constitucional acerca da seguridade social foi um marco importante para a garantia dos direitos sociais por meio das políticas públicas com responsabilização do Estado.

A partir da década de 1990, outras leis foram criadas para regulamentar o texto constitucional, como foi o caso da Lei orgânica da Saúde nº 8.080/1990, já citada em capítulos anteriores. Assim também aconteceu com a Previdência Social, com as Leis Federais nº 8.212/1991 e 8.213/1991. Até que em dezembro de 1993, promulgou-se a Lei orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei Federal nº 8.742/1993, para garantir o atendimento às necessidades básicas, com vistas ao

enfrentamento da pobreza onde a família vulnerável é colocada como um ponto privilegiado, reforçando a proteção social conforme o disposto no Art. 203 da Constituição Federal de 1988:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II- o amparo às crianças e adolescentes carentes; III- a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (grifo nosso).

Porém, é também nessa década que o governo brasileiro adere ao projeto de desenvolvimento econômico sob orientação da ideologia neoliberal, que vem impactar na configuração da proteção social assegurada pela Constituição Brasileira de 1988.

Logo, o resultado foi a implementação de uma proteção social embasada numa versão liberal, seletiva e focalizada nos grupos sociais mais vulneráveis, com incentivo à participação da família e dos grupos comunitários como uma alternativa para a crise de Estado. Recorre-se, assim, à afirmação da parceria da instituição familiar na condução das políticas sociais. Por consequência, concorda-se com MIOTO (2009, p. 143), quando ressalta que

a partir dos anos 1990 se acirra no Brasil um projeto de disputa entre diferentes projetos políticos para a sociedade brasileira, nos quais a questão da proteção social joga papel fundamental. Nesse âmbito o processo é caracterizado, por um lado, pela tensão entre a afirmação da proposta de institucionalização da proteção social nos moldes definidos pela Constituição de 1988 e a sua desconstrução através da retratação do Estado. Esta inclui tanto as privatizações, como a adesão ao principio da focalização nas políticas públicas. Mesmo com os avanços advindos com a Constituição de 1988, a regulamentação da diferentes políticas sociais, ainda pautou a família como ator importante na provisão de bem-estar.

Nesse diapasão, Carvalho (2007) dialoga com Mioto (2009) ao afirmar que na implementação dessas políticas, a instituição família passa a ser parceira na partilha de responsabilidades e solidariedades públicas e privadas. Então,

o mais importante a se observar é que a família retoma um lugar de destaque na política social. Ela é ao mesmo tempo beneficiária, parceira e pode-se dizer mini-prestadora de serviços de proteção e inclusão social (CARVALHO, 2007, p. 18).

Neste caso, verifica-se que foi implantado no país um sistema de proteção social subordinado às instituições políticas e econômicas, o qual se desenvolveu marcado pelo papel hegemônico com vistas ao projeto neoliberal, pelo qual não se prioriza a transformação da realidade de vida dessas famílias, mas a responsabilização e assistência emergencial focalizada na fatia mais vulnerável. Assim, conforme afirma MACHADO (2013, p. 05),

podemos perceber o desenho de uma lógica na qual a atuação do Estado começa a se assentar com caráter de atuação mínima, apesar do discurso propagado pela nova ordem política econômica (neo)liberalista, na qual, a família é compreendida como a instituição mais importante do humano, local em que este recebe estabilidade e segurança em um mundo de transformações rápidas.

Nesse seguimento, embora haja o reconhecimento da necessidade de proteção do Estado nas políticas sociais, tal proteção tem sido cada vez mais discutida na medida em que há uma tendência da responsabilização e penalização das famílias brasileiras. Partindo desse princípio, a matricialidade sócio-familiar, passa a requerer constantes discussões e atenção do profissional de Serviço Social, acerca da centralidade da família nas políticas, mais precisamente de assistência e saúde, visto que “o alvo predominante do exercício profissional é o trabalhador e a sua família (família operária), em todos os espaços ocupacionais’’ (IAMAMOTO; CARVALHO, 1983, p.58).

Por conseguinte, observa-se que a assistência social dá “primazia à atenção às famílias e seus membros, a partir do seu território de vivência, com prioridade àquelas com registro de fragilidades, vulnerabilidades e presença de vitimação” (NOB/SUAS, 2005, p.28). Dessa forma, a legitimação da atuação do assistente social no apoio matricial em saúde mental está relacionada ao conhecimento que possui sobre as políticas públicas, as redes de atendimento, aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, bem como nos fundamentos ético-políticos, teóricos- metodológicos e técnico-operativos da profissão que possibilitam o enfrentamento das expressões da questão social que permeiam a vida dos usuários com transtornos mentais e de suas famílias (SILVEIRA, 2018).

Portanto, considera-se que a bagagem teórica da profissão, alicerçada na lógica dos direitos sociais e humanos, permite compreender as inúmeras determinações desenvolvidas nas famílias diante das questões sociais, seus dilemas e vicissitudes sociais.

3.2. SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE MENTAL: UM DESVELO AO DIREITO SOCIAL