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A filosofia do Jardim

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

JOSEMARA AURÉLIO FÉLIX FERREIRA DIAS

A FILOSOFIA DO JARDIM

NATAL/RN 2016

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JOSEMARA AURÉLIO FÉLIX FERREIRA DIAS

A FILOSOFIA DO JARDIM

Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia (DFIL) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em filosofia.

Orientador: Markus Figueira da Silva

NATAL/RN 2016

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A FILOSOFIA DO JARDIM

Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia (DFIL) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em filosofia.

Aprovado em __/__/____

__________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Markus Figueira da Silva

Departamento de Filosofia – UFRN

___________________________________________ 1º Examinadora: Prof.ª Dr.ª Fernanda Machado de Bulhões

Departamento de Filosofia - UFRN

___________________________________________ 2º Examinador: Prof.ª Dr.ª Sérgio Luís Rizzo Dela-Sávia

Departamento de Filosofia - UFRN

Natal/RN 2016

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A Josefa Félix Ferreira

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Markus Figueira da Silva, pelos ensinamentos transmitidos e por me ajudar a desenvolver esse trabalho.

Aos que iniciaram comigo a história na filosofia e que fizeram do convívio acadêmico um meio agradável, harmonioso, cheio de companherismo, cumplicidade e onde vi nascer a philia.

À minha mãe, a melhor pessoa que sempre me apoiou incondicionalmente e sempre esteve ao meu lado.

À minha irmã pela irmandade, apoio, confiança, verdade e amor.

A meu pai que do seu jeito acreditou e me orientou a seguir os melhores caminhos. Ao companheiro incansável de sonhos, lutas, arte e amor sem fim.

A Noemi Favassa, amiga querida que sempre me ajudou e sempre esteve presente com palavras e em coração.

Aos amigos que me ajudaram a concluir essa etapa da vida e o apoio fundamental que recebi.

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Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz.

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RESUMO

O objeto de estudo desse trabalho é o pensamento do mestre do jardim, filósofo do período antigo, Epicuro de Samos, acerca do exercício ético para a prática da vida feliz. Ética voltada para o estudo acerca do prazer como bem final. Seu modo de reflexão se mantém atual a medida que investigamos sobre o foco principal que tem como objetivo central o estudo acerca dos fenomenos da natureza e a physiología por ele apresentada como o exercício prático para fundamentar sua ética em favor da investigação da natureza e consequentemnte da vida feliz. O objetivo é mostrar qual a finalidade do prazer epicureio e os meios necessários para alcançá-lo, para atingirr o equilíbrio e manter a mente livre de medos e pertubações infelizes. Para tal, precisaremos esclarecer os principais conceitos abordados por Epicuro afim de elucidá-los, disso se faz necessário a explicação dos conceitos de logismós, phrónesis, ataraxia e aponia como base para a compreensão de seu pensamento. Para o levantamento de dados sobre o que pretende aqui ser esclarecido, utilizaremos os principais textos dispóniveis e referências bibliográficas que possa clarear nossa mente sobre o assunto já citado em questão.

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ABSTRACT

The object of study in this work is the thought of the garden master, philosopher of the ancient period, Epicurus of Samos, about the ethical exercise to practice a happy life. Ethics focused on study of pleasure as the main purpose. His reflection mode remains current as we investigate about the main focus of the study, based on analysis of natural phenomenons and physiology, presented by him as the practical exercise to base his ethics in favor of research on the nature and consequentemnte of a happy life. The objective is to show the purpose of epicureio pleasure and the means to achieve it, find balance and keep the mind free from unhappy thoughts, fears and disturbances. To do this, we need to clarify the key concepts covered by Epicurus. In order to clarify them, it is necessary to explain the concepts of logismos, phronesis, ataraxia and aponia as a basis for understanding of his thought. For data collection about what is pretended here to be clarified, we will use the main available texts and references about the subject already mentioned in question.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1. CAPÍTULO I - A IMPORTÂNCIA DA PHYSIOLOGÍA PARA O EXERCÍCIO DA ÉTICA ... 13

1.1. SOBRE A PHÝSIS ... 13

2. CAPÍTULO II - OS ELEMENTOS CONCEITUAIS DEFINIDOS POR EPICURO PARA A ÉTICA ... 18

2.1. LOGISMÓS ... 18

2.2. PHRÓNESIS ... 19

2.3. ATARAXÍA ... 21

2.4. APONÍA ... 23

3. CAPÍTULO III - A ÉTICA DE EPICURO COMO EXERCÍCIO PRÁTICO DA VIDA FELIZ ... 26

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 34

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10 INTRODUÇÃO

Epicuro, nasceu em 341 a.C. em Samos e faleceu em 270 ou 271 a. C, ficou conhecido como o mestre do jardim, o filósofo da antiguidade que comprou um jardim e fez dele uma escola, diferentemente de uma escola tradicional, sua escola era ao ar livre e Epicuro não fazia restrição de quem pudesse entrar lá, o filosofar é para todos e a filosofia é o caminho para a prática da vida feliz.

Epicuro tinha como anseio uma ética voltada para a natureza, onde a importância da physiología seria o meio para exercê-la. A sua doutrina tinha o desejo de que a vida prática deveria ser a nossa preocupação máxima, e o contínuo exercício do filosofar nos possibilitariam para uma vida feliz. Ao longo desse trabalho refletiremos e analisaremos com calma sobre essas primeiras questões suscitadas.

O mestre do jardim tinha o desejo de que suas obras pudessem transformar ou orientar a vida humana para uma existência mais simples, sábia e feliz. A natureza como fonte de sabedoria transformaria a vida do homem que vive de acordo com ela e o ideal é ainda, viver em harmonia, fazer amigos, viver em comunidade, se afastar da vida pública e política a fim de evitar os males que assombram a alma.

A filosofia é o saber para a vida, não nega a felicidade humana e permite ao homem sábio o equilíbrio para sua realização plena, esse equilíbrio é o prazer, e o prazer é o bem, e o prazer como bem moderado é o essencial para a convivência e felicidade harmônica. A harmonia, por sua vez, se dá pela relação entre homem e mundo, o modo de viver conforme a natureza conduz à compreensão do que existe e à sabedoria prática.

O estudo acerca do pensamento de Epicuro de Samos no que concerne à tentativa de formular a direção ética de sentido de mundo torna válida sua leitura não apenas para quem é da área de filosofia, ou estudante de ética, mas também para curiosos e pensadores que levantam a questão de como é possível ser feliz.

Destarte, sua ética pode ser útil para verificar que nos é possível outro caminho, à medida que estuda o modo de vida nos coloca diante a pergunta já questionada no parágrafo anterior, como ser feliz em condições contrárias? Logo mais, examinaremos o que é filosofia para Epicuro, qual é o caminho para a vida feliz e qual a noção de vida

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11 feliz, assunto esse que deu origem a pesquisa e é o tema central de estudo desse trabalho.

Consequentemente interessante ou inovador para uns, mas debatido e muito questionado e até deturpado por outros, o hedonismo, no qual enquadra a ética epicurista, não é de modo algum, o hedonismo que busca excessivamente o prazer como modo de vida, mas, sim, busca, sim o prazer como bem moderado, um hedonismo que escolhe o tipo de prazer e entende que todo e qualquer prazer buscado demasiadamente não trará a felicidade, estado esse aclamado por Epicuro e desejado por todos. O prazer desmedido perturba a alma e causa dor ao corpo.

Então o pouco prazer é muito, ou ainda, o pouco é o essencial que se torna muito por ser o que se precisa e o mais simples de se ter. A disposição do espírito deve ser acompanhada da autonomia para conhecer a realidade e viver conforme a natureza. Essa autonomia somente pode ser buscada pelo homem e somente ele é capaz de mudar e transformar o meio em que vive, ou o modo que vive, porque se ilude por medo dos deuses, por seguir opiniões vazias ou acreditar nos mitos, ou seja, o homem sofre por ignorância.

Assim, seguiremos a linha da abordagem de pesquisa científica e processo monográfico padrão que teve como base referências como Antologia de textos da col. Os pensadores (1980), As luzes da Ética de João Quartim Moraes (1998), Epicuro: Sabedoria e Jardim de Markus Figueira da Silva (2003), Vidas e Doutrinas dos filósofos ilustres de Diogénes Laércio (1997), Escritos de filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica 1 de Lima Vaz (1999), entre outros citados na última página desse trabalho.

Na tentativa de melhor expor as ideias aqui apresentadas, o trabalho é divido e organizado em três capítulos, dessa maneira, o primeiro capítulo trata da importância da physiología para o exercício da ética segundo Epicuro, como se funda a ética estudada pelo viés da phýsis, qual o sentido de phýsis para Epicuro, consequentemente para a filosofia e em que isso implica.

Teremos como base a leitura do livro, Epicuro: Sabedoria e Jardim, obra de Markus Figueira da Silva, que é a leitura obrigatória e essencial para a elaboração desse trabalho. Todas as referências citadas não só desse livro de Silva, mas de toda

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12 bibliografia usada, foram selecionadas na tentativa de tornar a leitura consistente e suficientemente clara e explicativa.

No segundo capítulo a análise do trabalho será focada em esclarecer de maneira clara e de modo descritivo, quais os elementos e conceitos definidos por Epicuro para explicar como se dá seu pensamento dentro da ética e como eles são importantes para a compreensão de sua filosofia e o meio para alcançar a vida feliz. No próximo parágrafo serão explicitados os quatro conceitos chaves para compreender a filosofia epicurea.

Desta maneira o primeiro conceito a ser estudado no segundo capítulo é o de logismós, termo definido como cálculo racional das ações que é preciso para atingir o equilíbrio da alma. O Segundo conceito é o de phrónesis, que significa a sensatez necessária para guiar o agir humano. O terceiro conceito é o de ataraxía, que significa manter o equilíbrio e a imperturbabilidade da alma, meio a ser atingido a fim de tranquilizar a mente. E por fim, o conceito é de aponia, ausência de dor no corpo.

O terceiro e último capítulo evidencia a ética de Epicuro como exercício prático para alcançar a vida feliz, analisa quais os tipos de prazeres e, segundo ele, qual dos prazeres deve ser seguido. Assim sendo, como texto primário temos o estudo do livro X da Carta a Meneceu, obra de Diógenes Laércio e fundamental porque apresenta nas primeiras páginas a abordagem ética epicureia sobre os meios para alcançar a vida feliz (makarios zen). No desenvolvimento do trabalho esclareceremos quais expectativas tinha Epicuro com a sua ética e quais os meios que ele apontou para chegar a ela.

Após o estudo interpretativo das cartas e da leitura de comentadores para a elaboração desse trabalho, damos agora margem para que outras pessoas se interessem pelo assunto e quem sabe um dia, queiram estudar a fundo o filósofo do jardim que tanto almejava uma vida simples, sem regalias e luxos, mas com sabedoria, voltada para a harmonia da natureza e do convívio entre amigos e da prática ética e feliz. A filosofia epicureia permanece em aberto para dúvidas, indagações, contestações e porque não para valiosos ensinamentos.

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13 CAPÍTULO I

1. A IMPORTÂNCIA DA PHYSIOLOGÍA PARA O EXERCÍCIO DA ÉTICA

1.1. SOBRE A PHÝSIS

A ética para Epicuro tem como ponto de partida o estudo acerca da phýsis. A busca pela compreensão da natureza primeiramente se faz necessária, visto que a falta de conhecimento da realidade afasta o homem da vida feliz e em contrapartida causa temor em relação aos deuses e aguça o medo da morte. E se “a construção de um pensamento filosófico tem um princípio, sendo este princípio a phýsis.” (SILVA, 2003 p.24.) é desse princípio que investigaremos na busca pela compreensão acerca da natureza.

Primeiramente esclarecemos o significado do termo phýsis. Em seu livro Epicuro: Sabedoria e Jardim, Silva diz: “Phýsis é, segundo a etimologia da palavra, o processo de crescimento ou gênese de alguma coisa, e, neste sentido, Epicuro somente a utiliza quando se refere aos corpos compostos e aos mundos. Num segundo sentido, phýsis é princípio (arché), porque é átomos e vazio, e, num terceiro sentido, phýsis é o modo de ser do todo ilimitado.” (SILVA, 2003, p. 25).

A realização do saber acerca da phýsis é a proposta para gerir a ação do homem sábio, pois o conhecimento prático em busca da sabedoria possibilita que o homem mantenha seu estado de equilíbrio e assim possa viver de acordo com a phýsis. Isso implica exatamente a importância do conhecimento para exercer a ética. A busca do prazer moderado é o bem comum a todos, o prazer como equilíbrio se dá na própria compreensão do meio, da própria realidade que o cerca em conformidade com a natureza.

Este pensador grego do final do século IV e inícios do século III a.C., que assentou as bases de pensamento sobre a compreensão da natureza e sobre o exercício da sabedoria (...) Todo o seu esforço consistiu em dotar o sábio da capacidade de viver de acordo com a natureza (katà phýsin), isto é, com a natureza que o circunda e com a natureza que o compõe. A este esforço realizado com o auxílio de diversas compreensões existentes acerca da natureza, em sua época, continuou a chamar philosophía, mas a definiu de maneira simples, porém rica em especulações: é um saber para a vida (tehné tis perì tòn bíon). (SILVA 2003, p.16).

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14 Desse modo, a philosophía tem primordialmente o poder de conduzir o homem para uma vida melhor, para a eudaimonía (felicidade) que busca a sua própria natureza a sua mais plena realização. Ao contrário do que se possa imaginar, a filosofia é indispensável à prática ética, ela dá suporte ao homem sábio que consegue ter equilíbrio e felicidade na vida prática social. O equilíbrio é o estado de ser que, através do estudo dos fenômenos possibilita o bem estar físico e emocional do homem feliz regido pela sabedoria.

Destarte, a importância do conhecimento da phýsis para Epicuro:

No exercício de compreensão da phýsis e dos modos como ela se realiza, define-se a natureza do que ele mesmo chamou sabedoria, a sagacidade perscrutadora da realidade que será para o homem o modo de ser pleno, isto é, a realização plena da sua natureza. O caminho que conduz da physiología, ou da compreensão da natureza das coisas e da sua totalidade, até o exercício pleno de realização do homem (o seu éthos) é o percurso do pensamento epicúreo. (SILVA 2003, p.16).

Destarte, o sophós é o que tem o principio da ação em si mesmo, o seu éthos está ligado à tranquilidade da ação sábia em consequência do conhecimento que se adquire ao estudar e viver de acordo com os fenômenos da natureza. O sophós, como a própria realização da ação prática em si mesmo e como realização da vida plena e feliz, é favorecido pelo equilíbrio da phýsis.

Visto dessa maneira, a importância da physiología para o exercício da ética, Epicuro pensa o éthos como prática para a realização do homem feliz, ou melhor, a felicidade que se busca é o maior bem, o prazer. Para tal, a liberdade é intrinsecamente necessária para o cumprimento dessa vida plena e feliz, e que é a melhor maneira de viver bem e conforme a natureza.

“Em suma Epicuro preconiza a volta ao início para traçar o caminho que o conduza à sabedoria prática, ou ao cumprimento perfeito da natureza do indivíduo, pelo reconhecimento do saber originário aqui entendido como (physiología).” (SILVA 2003, p.26-27). A phýsis como princípio originário implica uma noção de equilíbrio que envolve a relação do homem e mundo como exercício pleno e filosófico da sabedoria. É então pelo conhecimento da phýsis que se pode garantir o maior bem e o equilíbrio do homem com a natureza e seu modo de viver plenamente feliz em sua própria natureza com a natureza, consequentemente para o bem-estar físico, psíquico e social.

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15 Por conseguinte,

O propósito consiste em compreender a natureza da psychè e o seu modo de ser específico, em acordo com a natureza (tà katà phýsin) do todo (...). Compreender a realidade (phýsis) é um “modo de ser” do sophós, que se ocupa com as reflexões em torno do “modo de ser” phýsis, seja no sentido universal, seja no sentido de realização íntima do corpo-carne e do corpo-alma, simultaneamente. O éthos próprio do sóphos-phronéo é também uma outra maneira de dizer a sua phýsis. Portanto, a physiología e o éthos do sophós formam uma unidade que confere sentido à filosofia enquanto “saber para a vida”. A physiología tem em Epicuro uma finalidade ética, realizável apenas mediante um modo e uma medida do conhecer. (SILVA 2003, p.43).

O saber acerca da realidade (a phýsis) possibilita a satisfação do prazer moderado de que fala Epicuro. O equilíbrio da phýsis em seu todo, proporciona ao homem a ataraxia, a ausência de perturbações na alma e a ausência de dor no corpo (aponia). O exercício ético da sabedoria prática no pensamento de Epicuro é impulsionado pela physiología, o estudo da natureza.

A vida feliz gerada pelo prazer moderado, só é possível pela compreensão de que os desejos naturais e necessários para a vida boa é o viver conforme a natureza. “O prazer é o bem, a expressão maior da tranquilidade, da liberdade e da felicidade. O prazer traduz o bem-estar, ou o equilíbrio interno e externo do homem.” (SILVA, 2003, p. 16).

Se o equilíbrio é o que tentamos alcançar de forma contínua, a prudência no agir ético equilibrado está diretamente ligada à maneira como nos relacionamos e entendemos os fenômenos da natureza. O equilíbrio que mantém a imperturbabilidade da alma resulta na deliberação ética em prol do bem geral. E “a partir da compreensão da phýsis se torna possível escolher o que lhe apraz e recusar o que lhe é naturalmente desnecessário.” (SILVA, 2003, p. 18).

O homem para Epicuro dotado de autárkeia, ou seja, possuidor da razão suficiente para agir por si mesmo e de acordo com a natureza consegue discernir sobre o que é naturalmente necessário e natural a si mesmo, compreende que os desejos que são fenômenos do corpo devem apenas ser moderados para conservar a vida. O modelo de homem sábio caracteriza-se pelo seu éthos que é autárquico.

Sua ética se caracteriza, sobretudo, pela autárkeia, isto é, por uma conduta na qual a ação fundada na compreensão da natureza supera a

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16 reação que tem por base o constante desgaste do indivíduo, que perdeu o domínio de si e vive a impossibilidade de criar o seu modo de vida segundo o que é natural e necessário. O afastamento do sophós em relação à insensatez das normas e valores cultivados em sociedade é, para Epicuro, o caminho para o exercício de um modo de vida autárquico. (SILVA, 2003, p. 17-18).

A importância da physiología para o exercício da ética se dá antes de tudo pela compreensão de si e do mundo, uma filosofia voltada para a prática, a fim de evitar uma vida de excessos e sofrimento, um pensamento que visa à liberdade humana que é a própria capacidade de se superar e livra-se dos medos que impossibilitam a vida feliz (makários zén).

A autonomia de decidir sobre o que realmente necessita impulsiona o sábio a realizar as melhores ações. Um estudo voltado a favor da natureza retorna ao que é original e essencialmente necessário para a vida feliz. A conduta ética no autocontrole e autossuficiência da ação que o indivíduo precisa ter mediante os valores cobrados na comunidade voltadas ao jardim, local de reflexão e vivência comunitária natural, recusa o modelo político, a fim de evitar os males que perturbam a alma e trazem malefícios ao corpo.

Observa Vaz em seu livro Escritos de Filosofia IV que o “o jardim é a alternativa epicuriana à pólis, ao Estado, e a vida política em geral”. (VAZ, 1999, p. 142). Desse modo, o conveniente nas relações entre os homens é o que convém à comunidade, é o necessário à convivência mútua e o que sedimenta as relações na comunidade que é a philia (amizade).

A finalidade da vida seria a felicidade oriunda do prazer moderado realizado pelos desejos naturais e necessários comum a todo homem, uma ética voltada para a realização da vida plena e feliz. Em contrapartida a autonomia e liberdade do sóphos de viver conforme a realidade, sem a ilusão da vida inautêntica e enganadora de temer aos deuses, sobre o medo da morte e das opiniões rasas que confundem a razão e geram inquietude da alma.

Assim, o interesse da religião é cultivar o temor aos deuses, esse medo generalizado afasta o homem de si, intranquiliza a alma, e o impossibilita de viver conforme a natureza de sua real existência. Somente o conhecimento em favor da

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17 natureza pode resgatar o essencial e a filosofia como sabedoria é a fonte pura para a eudaimonía, o que busca inicialmente qualquer homem. Logo:

A felicidade (eudaimonía) é o télos da filosofia enquanto modo de vida. Todavia este télos não extrapola a ordem dos fenômenos que caracterizam o agir humano, uma vez que ele se realiza como exercício constante de um saber que confere sentido à própria vida considerada sábia, ou bem-aventurada. Assim, o sentido da vida projeta-se no exercício de viver segundo a compreensão que se possa ter dos limites e das possibilidades de tal realização. A eudaimonía mostrar-se-á na efetividade da vida, onde o poder de deliberação é o mais precioso instrumento para torná-la sábia. (SILVA, 2003, p.98).

É preciso moderar os desejos e reconhecer os limites das possibilidades de qualquer realização. É a partir disso que a phrónesis (sensatez) se torna indispensável para o homem sábio agir eticamente e alcançar a vida feliz. O exercício pleno e realizável da ética assentado no pilar da physiología está em agir conforme se faz necessário o verdadeiro saber a cerca dos fenômenos do mundo e suas manifestações. Destarte:

A ação do sábio no mundo deriva imediatamente da sua compreensão do que constitui este mundo, de como ele se realiza, o que só se torna possível, no exercício da physiología (....) Ser sábio é conduzir a todo momento de modo autêntico e valoroso a própria vida. (SILVA, 2003, p.98).

Por conseguinte, a filosofia exercida no jardim de Epicuro não anula a vida. Pelo contrário, sua filosofia poderia nos possibilitar pensar como nos dias atuais o seu modo de vida pode ser refletido para questionarmos se esses exageros e falsas ilusões a respeito das crises existenciais, da falta de conhecimento de si e dos meios da natureza, não são as fontes do sofrimento e desequilíbrio gerados pelo prazer desmedido que resultam das opiniões vazias.

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18 CAPÍTULO II

2. OS ELEMENTOS CONCEITUAIS DEFINIDOS POR EPICURO PARA A ÉTICA

2.1. LOGISMÓS

Logismós é um termo essencial na filosofia epicuréia que significa a capacidade humana fundamental de raciocinar sobre o que quer que seja e em decorrência disso possibilita o homem a manter o equilíbrio e tranquilizar a alma. Ou seja, logismós é o fundamento necessário para o pensamento que impulsiona o agir filosófico da phrónesis (sensatez) para o equilíbrio da vida feliz (makários zén), ou melhor, é o cálculo racional que deverá anteceder a ação.

Ele é, portanto, o “motor” de toda e qualquer deliberação ou juízo que o homem faz acerca da realidade que se lhe apresenta; e neste sentido logismós e phrónesis pertecem a um mesmo âmbito, ou seja, aquele do julgamento ou deliberação e da subseqüente ação. (SILVA, 2003 p.72.).

Logismós, como foi dito anteriormente, é a análise do modo de ser. Que tem como capacidade o raciocínio e a reflexão acerca dos fundamentos necessários à conduta humana, fundamento esse, que possibilita ao homem a tomada da decisão, do deliberar sobre o que lhe afeta e todo o meio que o cerca. É um passo importante para discernir sobre o que pode fazer mal e o que pode fazer bem.

Para manter uma postura íntegra, o sujeito deve preservar a dignidade e a honestidade, é necessário que ele faça um cálculo sobre as escolhas e busque ser justo em suas ideias, mas principalmente em sua ação. É necessário que o indivíduo seja autônomo e haja sabiamente, para isso, é imprescindível que suas ações sejam regidas com sabedoria e autonomia. O cálculo é indispensável na ponderação dos desejos e sucessivamente para a tranquilidade da alma.

Se pensarmos a nossa condição, temos o prazer como essência, mas temos também o poder de escolha. Pois estamos o tempo todo tendo que decidir sobre alguma coisa. É justamente nessa tomada de decisão, na ânsia de selecionar o melhor que muitas vezes o indivíduo se perde e escolhe o mal por ignorância. O indivíduo faz a

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19 escolha errada pela falta de conhecimento sobre as suas verdadeiras necessidades. A vida feliz depende da escolha a ser tomada.

Desse modo:

“todo prazer por ter uma natureza condizente conosco, é um bem, mas nem por isso todo prazer deve ser escolhido, da mesma forma que toda dor é um mal, mas nem por isso devemos fugir de toda dor por sua própria natureza. Convém então discriminar todas essas coisas com o cálculo daquilo que é útil e a ponderação daquilo que é prejudicial, porque em certas circunstâncias o bem é um mal para nós e o mal é um bem para nós.” (LAÊRTIOS, X, p. 313.).

O indivíduo deve fazer a sua escolha, após ter feito um cálculo racional e em seguida ter ponderado os desejos. O logismós e a phrónesis se interligam, um não anula a outro e ambos fazem parte do processo de escolha para a prática da vida feliz. Por sua vez, temos a filosofia, ao buscar a verdade e ter amor à sabedoria se torna fundamental para a saúde da alma, consequentemente para obter o prazer da vida feliz (makários zén).

Assim, o saber para a vida consiste em ponderar sabiamente os desejos, e fazer um cálculo para distinguir os tipos de desejos existentes e escolher o que Epicuro denominou de desejos naturais e necessários, por preservarem a vida são os que deveríamos escolher.

O segundo tipo de desejo, são os naturais e não necessários que são dispensáveis a vida feliz e por último os desejos que não são naturais e nem necessários à vida, esses por serem artificiais e darem a ilusão de uma vida feliz, são desejos que enganam e por isso, deveriam ser seriamente evitados.

2.2. PHRÓNESIS

A noção de phrónesis é a maneira de agir conforme o modo de pensar, que atua na busca de um esclarecimento e cuidado com o logismós no sentido de orientar a ação natural do indivíduo rumo à conduta ética, prática, justa e feliz. A phrónesis é a precaução, ela é a sensatez da conduta prática rumo à vida boa. Ou ainda, a busca da compreensão de si e do meio ao redor que antecede a ação do sujeito.

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20 “A phrónesis é, para Epicuro, o que dá ao homem a clareza necessária para expor o sentido da sua ação no mundo, a partir da compreensão que tem de si mesmo e da maneira mais conveniente do agir, sempre de acordo com a natureza (katá phýsin).” (SILVA, 2003 p.72.) Pelo seu valor moral, a phrónesis denominada por Epicuro como sensatez deveria anteceder qualquer decisão a ser tomada pelo indivíduo.

A filosofia não anula a phrónesis, ela faz parte da filosofia, visto que, é imprescindível no exercício do filosofar que o sujeito seja sensato, que ele tenha cautela na maneira como vai lidar com o que já foi dito anteriormente por outros pensadores, e com o que ele pensa sobre o que leu e entendeu. Sábia é a própria filosofia, pura sabedoria e essencial para a prática da vida feliz.

É ela, a phrónesis então a matriz da virtude. Que possibilita a reflexão da análise do que seria bom e do que não seria bom para a vida boa, ou ainda, é ela que torna possível o conhecimento sensato para não nos tornamos prisioneiros da ignorância. O sensato age sabiamente para direcionar a ação sobre como ser feliz e manter a ataraxía, ou seja, permanecer com a mente livre de perturbações na alma.

Diferentemente de uma teoria meramente especulativa, a phrónesis é sabedoria prática no agir ético. Com sensatez podemos alcançar o prazer, mas não o prazer do hedonismo vulgar, já que visa o prazer racional e moderado, ao invés do prazer excessivo ou a satisfação de qualquer prazer como única maneira de viver. A sensatez na escolha de qualquer realização é um meio de alcançar a vida feliz.

O prazer é sinônimo de vida feliz, pois é da vida feliz que obtemos prazer. Mas não qualquer prazer. Porque quase sempre estamos tão insatisfeitos e infelizes? A felicidade que tanto buscamos está atrelada a coisas que não visam verdadeiramente à vida feliz? É o que parece, procuramos erroneamente a felicidade onde ela não se encontra. Ao fazer um logismós, ou seja, o cálculo do que seria bom e do que não seria bom para a vida. Infere-se então que a felicidade humana pode ser alcançada.

Destarte:

Administrar os desejos, para manter-se nos limites impostos pela natureza — eis o caminho que conduz à serena felicidade. Atender apenas os desejos naturais e ne-cessários significa introduzir na raiz dos atos, na fonte das escolhas, uma sabedoria fundamentada na prudência (phrónesis) e no cálculo ou medida dos prazeres, em substituição à impulsividade instintiva. Esse controle racional da afetividade coloca a existência humana em sintonia com a natureza

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21 das coisas revelada pela física e impede que se siga na direção apontada pelo desejo que não expressa uma necessidade natural, antes constitui imposição do meio social em seu aparente progresso. (PESSANHA, 2007, p.15).

É seguro afirmar que a vida feliz não provém da obtenção da riqueza, nem dos altos cargos com enormes salários, nem da fama exacerbada e de nada que seja adquirido em demasia. O excesso não traz felicidade, é antes de tudo vaidade e só causa dor. Somente o natural e o necessário é o que precisamos para manter a impertubilidade da alma e isso é o essencial para conservar uma vida equilibrada e feliz. A harmonia é a simplicidade sábia, ou serenidade da alma.

2.3. ATARAXÍA (AUSÊNCIA DE PERTUBAÇÃO NA ALMA)

O prazer como fim último obtido na vida feliz deve ser moderado, visto que o excesso traz malefício ao corpo e intranquiliza a alma. Em decorrência da moderação dos desejos em busca de harmonia, temos a ataraxía. Para manter o equilíbrio os desejos devem ser regrados. Ou seja, alcançamos a ataraxía quando regramos todo e qualquer desejo e quando conhecemos a realidade que nos cerca e reconhecermos os limites do conhecimento e de nossas próprias escolhas.

É preciso investigar os fenômenos da natureza a fim de entender e diferenciar com clareza a realidade do mito. Distinguir a verdade em contraponto a invenção e opinião humana. Pois, por exemplo, como explicita Epicuro na Carta a Meneceu, os fenômenos observados a distância não podem ser parâmetro para designar a veracidade de uma simples opinião. Acreditar indiscutivelmente em uma avaliação vã consequentemente perturbará a alma e promoverá a infelicidade. E o que busca a natureza humana é o contrário disso, busca-se o prazer como forma de vida feliz e evita-se a dor.

Além disso, fenômenos naturais explicáveis não podem jamais ser comparados com o poder da divindade, não devemos misturar as coisas, se existe Deus ele existe em um espaço separado ao nosso e nada devemos temer em relação a isso. O medo

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22 adquirido pela falta de conhecimento acerca dos fenômenos e dos deuses intranquiliza a alma. O pensamento racional em busca da verdade ilumina a alma na escuridão.

Desprovida de conhecimento, a alma vira um turbilhão. O cálculo racional (logismós) protege a alma de perturbações e o conhecimento acerca dos fenômenos é fundamental para a ataraxía da alma. Por isso:

O mito deve ser excluído, e será excluído se nos apegamos corretamente aos fenômenos e a partir destes procedermos por indução à interpretação das coisas que não caem no âmbito dos sentidos. (LAÊRTIOS, X, p.307)

A saúde da alma depende do exercício filosófico sobre a medição das ações e da reflexão ponderada. A busca pelo equilibro contra os prejuízos causados pelos desejos saciados em desmedida, como é, por exemplo, o sentimento de raiva excessiva. A ponderação se faz necessária para que o impulso raivoso não te domine, ou melhor, para que você não seja dominado pela raiva. É imprescindível agir racionalmente e com sabedoria. Só assim evitará algum dano ao corpo, e principalmente ausentará a alma de perturbações imediatas e também futuras.

Para Epicuro o prazer é o nosso bem supremo, mas o prazer deve ser gozado equilibradamente, e a filosofia deve favorecer a busca desse equilíbrio, ou seja, o conhecimento filosófico atrelado à prática da ataraxía pode ajudar a equilibrar a vida. O prazer entendido como ausência de dor e de perturbações na alma, está associado ao que é bem, e o mal por sua vez, associa-se com a dor. O prazer deve ser mensurado, nunca à custa de excessos, jamais em demasia.

Mas então que paixão e que prazer é esse que causa mal e provoca dor? Segundo Silva em seu livro Epicuro: Sabedoria e Jardim é preciso antes de qualquer coisa:

Esclarecer que paixões são essas de que nos fala Epicuro, pois a ataraxia não supõe a ausência total de paixões (ou afecções – páthe), mas apenas daquelas que causam algum tipo de perturbação à alma. Para Epicuro, existem afecções que são constitutivas e provocam na alma o que ele chamou de prazeres constitutivos, ou prazeres em repouso (hedonai katastematikai). Tais afecções coincidem com a satisfação dos desejos naturais e necessários, ou dos desejos de acordo com a natureza (kata phýsin) e resultam da ação deliberativa do sophós-phronéo. (SILVA, 2003 p. 80).

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23 Somente os desejos que nascem naturalmente e são necessários para a vida humana possibilitam ao homem a satisfação da alma e do corpo sem surtir dano maior a sua vida. A paixão e o prazer defendido por Epicuro é aquele em que antes medido e analisado ou bem refletido pode oferecer ao indivíduo uma vida boa, a conservação da vida requer cuidados, e a ataraxía (ausência de perturbações na alma) é parte fundamental nesse processo.

Dessa forma, mesmo que a ataraxía possa soar imperativa demais ao parecer de imediato que ela venha para resolver todos os problemas e infortúnios que muitas vezes acontecem à vida e que nada podemos fazer para mudá-lo.

Antes de tudo, a ataraxía é um meio pelo qual se possa viver mais e melhor, porque o essencial é tudo o que o indivíduo precisa para conservar a saúde da alma e compreender que o equilíbrio advém dos desejos moderados. Se entendermos nossas reais necessidades nós conseguiremos estar preparados também para lidar com um mal futuro, suportar ou lidar até mesmo com a dor.

2.4. APONÍA (AUSÊNCIA DE DOR)

Assim sendo, a ataraxía como ausência de perturbação na alma e aponía como sendo a ausência de dor no corpo são os caminhos necessários para viver de acordo com a natureza (physiología), sem excessos e com tranquilidade, que é tudo que a alma precisa para estar em paz. Mediar os desejos é evitar malefícios a alma e ao corpo. Podemos evitar dor no corpo (aponía) quando não nos entregamos violentamente às paixões e ao gozo exacerbado de querer tudo como se não houvesse amanhã.

“A ausência de perturbação e de uma grande dor são prazeres estáveis; por seu turno, o gozo e a alegria são prazeres de movimento, pela sua vivacidade.” (EPICURO 1980, p.17). A ataraxía e a aponía por serem estáveis em sua realização tendem a durar e restaurar o equilíbrio, gerando a harmonia necessária para o autocontrole de uma vida feliz. O sofrimento é provocado pelo excesso da vontade e da ação impulsionadora para obter isso ou aquilo. A aponía não oscila para o que provavelmente causaria dor, pelo contrário, ela é a própria ausência da dor.

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24 A respeito do que foi dito anteriormente, é possível entender que a tranquilidade da alma e a saúde do corpo servem então para combater o sofrimento humano, isto é atenuar os males da vida. A aponía age como um remédio útil, e o conhecimento contribui para livrar a alma dos medos, pois o indivíduo que reflete e pondera sobre a existência e o meio em que está inserido, não se torna fácil prisioneiro das suas escolhas.

O excesso que traz malefício a humanidade e principalmente para a condição da vida feliz, ocasiona circunstancialmente a própria infelicidade. Eis a questão, como proceder para evitar o mal e alcançar a felicidade? Parece-me que a pergunta de ontem continua sendo a pergunta de hoje. A filosofia de epicuro continua atual para se pensar a realidade contemporânea.

Segundo Silva:

“Se nos ativermos à noção capital epicúrea de que o prazer (hè hedonè) é o bem primordial, tornar-se-á possível distinguir entre os valores que importam à consecução de uma vida aprazível e aqueles que a perturbam. Tal distinção importa sobretudo ao sábio para a realização de cada uma das ações que caracterizam o seu modo de ser.” (SILVA, 2003, p. 78).

O antídoto para viver em harmonia e equilíbrio é o uso necessário do lógos (razão), portanto, não temer os deuses, não temer a morte, ter amigos e ser amigo, viver com o essencial e ser autossuficiente, analisar e moderar os desejos seriam o remédio para uma vida feliz. Epicuro teria encontrado nessas máximas o remédio para a felicidade, o princípio da sabedoria que falta para reger as nossas ações.

O lógos é o phármacon da alma. Ele nutre, purga , apascenta. É o elemento que promove o equilíbrio e conduz a ataraxía. Epicuro confere ao homem sensato – ao sóphos-phronéo – a autarkeía necessária a uma conduta equilibrada. O sábio tem em si o princípio da ação e da deliberação, e age impulsionado pelo lógos em direção à satisfação do seu desejo (epithumía) necessária ao seu bem-estar a um só tempo físico e psíquico (eustatheía kaì ataraxía). A vida sábia é o modo de realização da ataraxía, ela é a máxima expressão da phrónesis, enquanto sabedoria de agir a partir de si mesmo, o que é, para Epicuro, o bem mais precioso da filosofia. (SILVA, 2003, p.81).

Através do lógos (razão humana) que o indivíduo pode pensar a respeito dessas questões. À medida que o sujeito reflete acerca de seu pensamento que tem como

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25 propósito base, à libertação dos desejos, da ignorância, do medo dos fenômenos naturais e da própria morte para alcançar a vida feliz. A ética epicuréa visa à sensatez e exige o mínimo de bom senso do indivíduo à medida que ele sugere a reflexão racional e a busca do conhecimento da natureza e de si.

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26 CAPÍTULO III

3. A ÉTICA DE EPICURO COMO EXERCÍCIO PRÁTICO DA VIDA FELIZ

Segundo Epicuro, o pensamento é a continuidade das relações sensíveis produzido na alma. Conhecemos através da percepção sensível direta porque a sensação estimula o pensamento. “Epicuros afirma que os critérios da verdade são as sensações, as antecipações e os sentimentos, acrescentando a estes a apreensão direta das apresentações do pensamento.” (LAÊRTIOS, X, p.289-290). A veracidade vem da assimilação primeira da compreensão sensível. A capacidade de resolver alguma coisa pelo raciocínio, dependente da sensação causada em nós.

O que seria comum a todos os humanos? O prazer e a dor, o primeiro é relativo à natureza e o segundo, contrário a ela. Todos nós já sentimentos ou vamos sentir prazer e dor em algum momento da vida. Ambos são relativos à natureza porque nasce naturalmente no indivíduo. É imanente da consequência de estar vivo. Buscamos o prazer e contrariamente a ele rejeitamos à dor.

A filosofia de Epicuro não afirma certeza das coisas e nem indica um caminho dado e acabado, mas mostra caminhos, a viaque o indivíduo poderia seguir na busca da vida feliz. Temos primeiramente a relação com o mundo sensível e só posteriormente que advém o conhecimento.

Toda relação de conhecimento que temos é o critério da sensação, e “a alma desempenha o papel mais importante na sensação” (LAÉRTIOS, X, p.298) A melhor prática de realizar a sensação é o prazer, consequentemente o corpo seria então o veículo do conhecimento.

Epicuro distingue dois tipos de prazeres, os do corpo e o da alma. Explicitaque a dor da alma é pior que a do corpo, visto que a dor no corpo por mais que perdure um dia vai passar, mas a da alma pode persistir por uma vida inteira. Adiante “a carne é transformada pelo sofrimento apenas no presente (enquanto a alma, além de sofrer pelo presente, sofre ainda pelo passado e futuro.)” (LAÊRTIOS, X, p.314).

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27 A ética epicuréa visa favorecer a natureza humana e o prazer deve ser à medida que possibilite ao homem o sentir-se saciado, a satisfação essencial torna-se natural e necessária. O prazer não deve jamais ser entendido e nem buscado como uma obsessão que tem que ser consumida a qualquer preço.

O sábio não precisa de nada em demasia para se sentir satisfeito, ele sabe que o importante é o indispensável que só advém do prazer moderado e nunca do excesso. Entretanto, “nenhum prazer é um mal por si mesmo, porém aquilo que produz alguns prazeres traz perturbações muitas vezes maiores que os próprios prazeres” (VIII, p. 316.).

O prazer é um bem que se busca para ser feliz. O prazer excessivo não é o mal em si, mas a ilusão, a falta de entendimento e de conhecimento sobre o que seja o real prazer é que pode resultar no mal. Epicuro diz que cada parte do corpo tem um tipo de prazer, desse modo, existem diferentes tipos de prazeres e nenhum deles possui duração infinita.

O bem-estar obtido pelo prazer está diretamente associado à boa condição física e mental do homem feliz (sophós), O bem-estar causado pelo prazer é o estado da pessoa que se encontra em ataraxía; ausente de perturbações na alma e em aponía ausente de dor no corpo. Logo, o prazer é condição humana do indivíduo que naturalmente se sente confortável; satisfeito e feliz. Mas há limites, mesmo que o prazer se torne intenso sempre haverá um momento em que irá cessar.

Então os prazeres são consequências dos desejos, eis o problema do desejo excessivo causar algum mal. Devem-se regrar os desejos e fazer a distinção entre os tipos de opiniões, visto que, vivemos em um mundo de avaliações, julgamentos e críticas. Por muitas vezes o que parece não é e o que é não parece ser.

Epicuro destaca que existem dois tipos de opiniões. A opinião reta e a opinião vazia. A primeira seria a opinião que irá orientar-nos para o caminho do conhecimento, e a segunda, a opinião vazia, ao contrário da primeira, nos conduzirá ao caminho da ilusão, que acarretará na falta de entendimento que prejudicará os sentidos e a compreensão da realidade.

Em suma, é imprescindível a investigação filosófica acerca dos fenômenos naturais. Epicuro se preocupa com a phísis por que: “quem desconhece a natureza do

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28 todo, mas sente um temor cheio de dúvidas por causa de alguns mitos, não consegue livrar-se do medo em assuntos extremamente importantes. Sendo assim, sem o estudo científico da natureza não seria possível fruir os prazeres em sua pureza” (XII, p. 317). O ignorante é alheio à realidade e devido a isso, padece, o desconhecimento da natureza o torna escravo do temor.

Um dos meios de levar uma vida plena e feliz é não temer os deuses, o filósofo em questão diz que não há nada para se temer em relação a eles, porque eles são imunes às oferendas, eles não se importam com isso, eles vivem suas vidas sem se perturbar com o caminho que você escolher. Os deuses não podem ser comparados ao homem, pois ao contrário do que pensam a maioria das pessoas, eles não castigam e nem julgam. Não perturbam e nem são perturbados pelos outros.

A impossibilidade de o homem resolver pessoalmente seus problemas e de seguir o seu caminho com os próprios pés, é falta do reconhecimento sobre a responsabilidade que cabe a si mesmo, essa falta faz o indivíduo criar deuses que só trazem perturbação a alma e atrapalham o caminhar de uma vida plena e feliz. E assim como o medo que cria em relação aos deuses, cria também o medo em relação à morte.

Destarte, para que temer a morte se ela faz parte do processo vital e nem é possível prevê-la? Enquanto vivo não existe a mínima possibilidade de saber como seria estar morto. Portanto, a morte para quem está vivo de nada vale, pois ela não nos diz o que é de fato, não podemos saber como é não ser, então não adianta sofrer.

Ditamos a vida pela maneira como a conduzimos, e temer a morte é não desfrutar da vida que se tem, não há sentido viver temendo o que é natural a todos os homens e sem sentir o que é realmente estar vivo, gozar o prazer de viver. Por isso é intrinsecamente necessária à reflexão e a busca pelo conhecimento.

Sobre o governo dos povos, Silva observou que:

Segundo a crítica epicúrea, os problemas de ordem política podem ser explicados pela dessemelhança de atitudes dos seus membros, causada sobretudo pela ausência de reflexões sobre a natureza de uma comunidade e do modo de vida equilibrado. No vazio das reflexões são projetadas as falsas opiniões, ou opiniões vazias, que servem de alimento às crenças e desejos ilimitados, ás vezes naturais, às vezes não, mas quase sempre desnecessários. Esses desejos, crenças e falsas opiniões cumulam em injustas agressões, disputas pelo poder, desconfiança, insensatez e angústia. (SILVA, 2003, p.92.)

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29 O afastamento da política também é visto por Epicuro como elemento necessário a prática da vida feliz. A postura antropológica é centralizada no indivíduo e não na pólis. A ausência de assuntos ligados à vida política é necessária para manter a (ataraxía) a tranquilidade da alma.

Por sua vez, a filosofia não nega o prazer, o prazer está na filosofia. A vida feliz de que fala Epicuro seria então a saúde da alma? Sim, e se a filosofia por amor a sabedoria, liberta o homem da ignorância, então o caminho para a vida feliz começa no ato do filosofar. Encontra-se no início da Antologia de textos de Epicuro a seguinte passagem:

Todo desejo incômodo e inquieto se dissolve no amor da verdadeira filosofia. Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz. (EPICURO, 1980, p.13).

A filosofia não recusa o prazer, a prática da vida feliz não se separa da prática filosófica que é a felicidade, o prazer da alma. O prazer (hedoné) não pode ser temido, pois o temor não permite uma vida feliz, o prazer tem que ser vivido sem culpa, mas com prudência. A agradável sensação de sentir prazer, de satisfazer um desejo é a condição da pessoa que está contente, a alegria é a expressão máxima do prazer.

A justeza é necessária para a prática da vida feliz. “A vida do homem justo é totalmente imune a perturbações interiores, mas a do homem injusto é repleta de inquietude.” (XVII, p. 317). Viver conforme as leis e não ser injusto com o outro é a medida da justeza, a injustiça praticada ao próximo desequilibra a vida e intranquiliza a alma. O comportamento injusto contraria a equidade e anula o direto do outro de ir e vir. O mal que se causa a alguém nunca pode ser motivo de felicidade não só para quem o sofreu, mas principalmente para quem o cometeu.

Quando o sofrimento se afasta, o prazer aparece. A quantidade ou excesso de prazer não nos torna feliz, a sensação do prazer no corpo e o sentimento de prazer na alma não pode exceder a medida, pois tudo que vem em excesso acaba resultando em dor. O equilíbrio da alma é a virtude maior, correspondente ao bem. Ao invés disso,

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30 quando se extrapola a fronteira do prazer, surgem às perturbações na alma, o temor causa dor e é falta de conhecimento de si próprio e das causas reais.

Lê-se na Carta a Meneceu:

A carne não admite limite algum ao prazer, nem é limitado o tempo necessário para proporcioná-lo. O espírito, entretanto, tendo atingido um entendimento racional do bem carnal supremo e seus limites, e tendo dissipado os temores relativos à eternidade, proporciona-nos a vida integral, e já não temos necessidade de tempo infinito. Mas, o espírito não repele o prazer, nem, quando as circunstâncias começam a levar-nos ao termo da vida, aproxima-se de seu fim como se houvesse interrompido de algum modo a vida ótima. (XX, p. 318).

Assim sendo, é a alma que impõe o limite ao corpo. A alma que seleciona o prazer, porque o corpo aceita todo o prazer, ele não mede a quantidade, a falta ou o excesso. Somente pelo logós que se pode mediar os prazeres carnais, a razão vai justamente avaliar o discernimento claro e distinto do limite carnal para satisfazer a serenidade da alma. Toda ação vai depender do indivíduo que age, toda ação vai depender da phrónesis, isto quer dizer, a ação dependerá da sensatez na hora do agir.

A saber, a própria vida é toda relação de conhecimento que se adquire ao longo de toda experiência vivida. A conexão com a natureza está relacionada com o ato de conhecer, ou seja, o conhecimento vem da nossa relação com a natureza.

Conforme a natureza se pode tranquilamente viver, porque ela admite uma medida suficiente. Basta reconhecê-la. O sofrimento é sempre causado pela falta de alguma coisa, pela ausência do prazer e de conhecimento, o sofrimento surge da necessidade ilusória daquilo que não é natural e nem necessário.

Recorro novamente a Carta a Meneceu para citar uma máxima de Epicuro que pode embasar melhor o que foi dito acima:

Quem aprendeu a conhecer os limites da vida sabe que aquilo que remove o sofrimento devido à necessidade e torna a vida completa é fácil de obter; sendo assim, não há necessidade de ações que envolvam luta. (XXI, p.318).

Na obra A Doutrina de Epicuro, Benjamin Farrington expõe sua visão acerca de sua leitura feita sobre a ética epicurista e escreve o seguinte: “Tôdas as nossas sensações são acompanhadas de sentimentos, de prazer ou de dor. Êsses sentimentos não nos

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31 informam tanto da natureza do mundo exterior quanto sugerem da qual a ação que deveríamos tomar. O que dá prazer, procuramos; o que provoca dor, evitamos. Mas a ação que tomamos permanece como uma decisão da vontade e a própria ação será acompanhada de nôvo prazer ou dor.” (FARRINGTON, 1968, p. 115).

A ação sempre acompanha uma nova decisão, seja ela para buscar o prazer ou para evitar a dor, não tem como escapar de uma delas, o ser humano vive dessa alternância entre prazer e dor, é um processo natural. A decisão da vontade é o poder que o indivíduo tem de viver melhor, o indivíduo tem que ser independente e agir conforme o poder da escolha. O poder enquanto princípio sobre si mesmo, sobre sua vida e jamais conceder o seu poder de decisão ao outro.

Somos movidos pelas sensações, a construção das ideias vem posterior à sensação. A antecipação que ocorre na impressão sensível ocorre no corpo em contato com a alma. A falsidade não deve ser medida pela impressão sensível. Para Epicuro o erro não se encontra na sensação e sim na opinião equivocada:

Se entre as imagens mentais criadas por tua opinião afirmas tanto aquilo que espera confirmação como aquilo que não espera, não escaparás do erro, pois terás conservado toda causa de dúvida em cada juízo a propósito do que é verdadeiro e do que é falso. (XXIV, p.318).

Vale ressaltar que daquilo que gera o bem como exercício prático para a vida feliz (makários zén) é imprescindível também o cultivo pela amizade (philía). Não é à toa que Epicuro tenha criado em Atenas a escola filosófica em um jardim para compartilharem da filosofia e o saber para a vida. Epicuro viveu no jardim com vários pensadores que eram antes de tudo seus amigos e pra quem deixou após sua morte um testamento que incluía ceder a casa para eles viverem lá até o final de suas vidas.

“De todos os bens que a sabedoria proporciona para produzir a felicidade por toda a vida, o maior, sem comparação é a conquista da amizade.” (XXVII, p.319). Os bens são valores éticos e realizam-se através da sabedoria. Das várias noções apresentadas por Epicuro para uma vida feliz destaca-se a philía, desenvolvido na reciprocidade entre os indivíduos. A amizade é esse bem maior, correspondente ao bem-estar mútuo.

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32 Entre a amizade cultivada pelos acadêmicos e a que se estabeleceu entre os epicureus se deu sob base e termos distintos. Na escola do Jardim, distinto da Academia, a amizade (suposta por Epicuro) não veio a ser apenas um meio estimulador da discussão e da pesquisa, mas um fim em si, ou seja, ela era cultivada como um bem (ou valor) reconhecido em si mesmo. (revista de filosofia, 2011, p. 14).

Ademais, Epicuro relaciona a amizade em ter segurança, a amizade proporcionaria a segurança para a vida boa, pois a amizade nos torna mais confiantes e seguros de si. Compartilhar o lar, uma refeição e filosofar entre amigos são indispensáveis para a felicidade. Feliz daquele que tem amigos, aquele que não conquistou a amizade, não sabe o que é felicidade.

Assim: “A mesma convicção que nos inspirou a confiança de que nada existe de terrível que dure para sempre ou mesmo por muito tempo, também nos habilita a ver que nos limites mesmos da vida nada aumenta tanto a nossa segurança como a amizade.” (XXVIII, p. 319).

Desse modo, a amizade (philía) como um bem, é considerada virtude, ou ainda disposição ética que orienta o modo de vida humana? E para tal, a amizade que proporciona segurança deve ser primeiramente justa, a justiça seria a reciprocidade acertada para não ser prejudicado e nem prejudicar ninguém. Se não é possível ser feliz sem ter cativado um amigo, pode-se concluir que segundo Epicuro, o homem não teria nascido para viver sozinho.

Observamos uma relação no pensamento citado acima com a frase marcante e escrita pouco antes de morrer, pelo jovem Christopher McCandless que após se formar em direito, abandonou tudo para viver na natureza selvagem pelas bandas do Alasca, na busca pela própria liberdade e cansado das relações de poder sociais e culturais. Depois de muitas aventuras, alguns padecimentos e muita reflexão chegou à seguinte conclusão: a felicidade só é real quando é compartilhada.1

Epicuro acreditava que a sociedade deveria se unir para fazer o pacto da confiança para não causar dano e nem sofrer injustiça, visto que “a justiça não era algo em si e por si, mas nas relações recíprocas dos homens em qualquer lugar e a qualquer

1 Frase do autor Henry David Thoreau parafraseada pelo viajante Christopher Johnson McCandless no

livro Into The Wild de 1996, escrito pelo jornalista e alpinista americano Jon Krakauer. Frase traduzida na adaptação brasileira Na Natureza Selvagem, Companhia das Letras, em 2007.

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33 tempo é uma espécie de pacto no sentido de não prejudicar e nem ser prejudicado”. (XXXIII, p. 320). O maior problema é que as pessoas injustas descubram quão mal podem causar se praticarem a injustiça e tentem lucrar com ela.

Em seu livro Epicuro: Sabedoria e Jardim, Silva observou que:

(...)Epicuro vislumbra a possibilidade de substituir as normas gerais de uma sociedade pelo princípio da philía, que tem origem e comando em cada um. Não se trata, evidentemente, de construir um novo modelo de sociedade histórica em substituição ao vigente, mas de estabelecer uma ordem descontínua, molecular, uma comunidade autárquica onde a convivência se estabeleça enquanto conveniência mútua, alimentada por uma vontade esclarecida e impulsionadora pela afinidade. Uma comunidade para ser feliz necessita, antes de tudo, que seus componentes tenham em comum a compreensão do sentido natural da ação em comunidade; em outras palavras, a philía emerge como comunidade de pensamento, que expressa a única e possível organização equilibrada de um grupo. (SILVA 2003, p.93).

A philía seria um novo meio pelo qual se formaria a comunidade, para a prática ética e alcançar a vida feliz. Um grupo em comum de pessoas com afinidades, onde a amizade e a confiança mútua contribuiriam para o equilíbrio e bem estar da comunidade. Além da philía ser muito importante para o bem estar geral da sociedade, nela encontramos também a base para a felicidade (eudaimonía), o bem é prazer que por sua vez, é equilíbrio e é alcançado pelo exercício ético da sabedoria.

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34 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O período helenístico da filosofia antiga foi marcado fortemente pelo estudo acerca da ética e suas questões inerentes à vida humana, em torno do sujeito vigente e os meios viáveis para guiar seu agir em favor do equilíbrio e do agir moral para a orientação dos valores conforme o modo de proceder do corpo social em que está inserido.

A filosofia epicurista destaca uma nova visão para a ética não mais voltada para questões referentes à política e sim para um novo sentido de vida, o voltar para a satisfação de si e o viver conforme os meios naturais e da filosofia, uma existência autárquica, sábia e mais próxima da felicidade (eudaimonía). A ética do mestre do jardim busca a auto-realização do indivíduo frente às mudanças e seu novo modelo de vida.

Um pouco de sensatez ao pensamento sobre qualquer coisa ou qualquer era, da libertação em relação ao medo da morte e aos deuses, e a sensatez para tomar decisões e a moderação dos desejos, não seria de exagero ou de pouca relevância nos dias atuais, pelo contrário, é exatamente dessas lições de sabedoria deixadas por Epicuro que o mundo poderia se espelhar para refletir e para tornar as pessoas menos insensatas e cheias de verdades glorificadoras e vazias de sentido em seu mais salutar existencial.

Porquanto, o epicurismo foi acusado injustamente e confundido com o hedonismo vulgar que tem o prazer como bem supremo e busca excessivamente o prazer, mas ao contrário disso, o prazer como bem em Epicuro somente é bem, se for regido pela moderação, disso distinguem-se claramente um do outro. A busca do prazer em Epicuro é necessidade natural, que deve ser moderada regido sempre pela sensatez e com sabedoria.

É pela libertação dos temores e pela moderação dos desejos que trabalha o epicurista, ele se esforça, reflete e age para conseguir se livrar do medo da morte, do excesso e da ilusão causados pelos desejos desmedidos, pelas opiniões vazias e pelo medo dos castigos em relação aos deuses.

O epicurista busca agir sensatamente e calcular o que pode ser bom e o que não pode. Ele está interessado em conquistar a ataraxía, ausência de perturbações na alma e

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35 a aponía, ausência de dores no corpo para cativar a saúde da alma e assim encontrar a felicidade. Através do conhecimento dos elementos da natureza, pela physiología, que o homem pode se tornar independente e agir conforme sua própria razão.

A libertação do medo implica aceitar e compreender como funciona a realidade das coisas do mundo natural, pois a falsidade, a ignorância e a ilusão trazem sofrimento mental e físico que são contrários à felicidade. Através da filosofia e a busca pela verdade, que se pode chegar a uma vida feliz. A serenidade da alma encontra-se no equilíbrio que procura o sábio para em torno da vida prática e feliz realiza-se em sua plenitude.

A compreensão do modo de realização da phýsis é o meio que fundamenta a ética, e é o que equilibra o mundo e sua realidade. O estado de prazer adquirido pela ausência de dores no corpo é o que mantém o estado de alegria, ou melhor, de bem estar para habitar e a partir das sensações e do pensamento pela alma conhecer e organizar o mundo.

A ação ética depende do homem sábio, é preciso sabedoria no agir. A hedoné (prazer) deve ser saciada através do que é necessária a alma e ao corpo. Logo, a saúde da alma e a ausência de dores no corpo é o que deve visar para quem procura a eudaimonía (felicidade), desse modo, a felicidade seria então, a própria ausência de dores na alma e ausência de dores no corpo.

O prazer como bem primordial, visto que, o prazer que é o bem, é exatamente o que importa e necessita para a conservação da vida humana em geral. O estado de equilíbrio pela realização do prazer moderado se encontra na vida simples, afastada da política e das opiniões vãs, alimentação necessária apenas à saúde do corpo, em contato com a própria natureza, no estudo da filosofia, entre amigos e na comunidade guiada pela conveniência mútua.

O trabalho salientou a distinção entre hedonismo e epicurismo e disso percebe-se que a própria doutrina Epicurista sofreu as opiniões vazias de que ele mesmo nos ensinou de que deveríamos nos afastar, a partir disso nota-se claramente a importância de agir prudentemente antes de pronunciar o que se pensa e mais, conhecer verdadeiramente para ter fundamento.

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36 Importante destacar que aqui não se encerra o assunto relativo à felicidade ou como atingir a makaríos zén, esse trabalho é mais uma abertura para se pensar a filosofia epicureia como um tipo de pensamento que marcou uma era e que o compartilhamento das informações e de seus estudos possibilita conhecer a base de seu pensamento a cerca da busca da vida feliz, mas não esgota e nem atinge o todo de sua obra.

O pensamento se expande à medida que refletimos e colocamos nossas questões à mesa e ajudamos no favorecimento e desdobramento do saber. Esse trabalho analisou a filosofia do jardim e compreendeu que para ser livre e feliz é preciso agir por si mesmo, guiar a própria vida, se libertar dos medos e manter o equilíbrio da alma.

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37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARO, Tito Lucrécio. Da Natureza. Trad. Agostinho da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores)

EPICURO, Antologia de textos, trad. Agostinho da Silva; v. Epicuro, Lucrécio, Cícero, Sêneca, Marco Aurélio, São Paulo, Abril Cultural, 1980, col. Os pensadores.

EPICURO. Pensamentos. São Paulo: Martin Claret, 2008.

FARRINGTON, Benjamin. A Doutrina de Epicuro. Rio de Janeiro: Zahar Editores; 1968. LAÊRTIOS, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Trad. Mário da Gama Kury. 2. ed. Brasília: UNB, 1997.

MORAES, João Quartim de. Epicuro: as luzes da ética. São Paulo: Moderna, 1998.

PESSANHA, José Américo Motta. As delícias do jardim. In: NOVAES, Adauto. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SILVA, Markus Figueira da. Epicuro: sabedoria e jardim. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003. Natal: UFRN, 2003.

VAZ, Lima HC. Escritos de filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica 1. São Paulo: Loyola; 1999.

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