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Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias: uma visão sobre o patrimônio cultural (não) musealizado em Carnaúba dos Dantas/RN.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ – CERES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES – DHC

JACKSON MARTINS DANTAS

MUSEU HISTÓRICO NOSSA SENHORA DAS VITÓRIAS:

UMA VISÃO SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL (NÃO) MUSEALIZADO EM CARNAÚBA DOS DANTAS/RN

CAICÓ – RN

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JACKSON MARTINS DANTAS

MUSEU HISTÓRICO NOSSA SENHORA DAS VITÓRIAS:

UMA VISÃO SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL (NÃO) MUSEALIZADO EM CARNAÚBA DOS DANTAS/RN

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de História do Centro de Ensino Superior do Seridó da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito final para obtenção do título de Bacharel em História, sob a orientação do Prof. Dr. Abrahão Sanderson Nunes Fernandes da Silva.

CAICÓ – RN 2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Profª. Maria Lúcia da Costa Bezerra - - CERES--Caicó

Dantas, Jackson Martins.

Museu histórico Nossa Senhora das Vitórias: uma visão sobre o patrimônio cultural (não) musealizado em Carnaúba dos Dantas/RN / Jackson Martins Dantas. - Caicó: UFRN, 2017.

60f.: il.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó. Curso de História.

Orientador: Abrahão Sanderson Nunes Fernandes da Silva.

1. Museu. 2. Patrimônio. 3. Carnaúba dos Dantas. I. Silva, Abrahão Sanderson Nunes Fernandes da. II. Título.

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Trabalho dedicado à minha família. Em especial, à minha mãe e aos meus avós maternos que estão do meu lado em qualquer condição. Se cheguei até aqui, foi por intermédio dessas pessoas queridas. Obrigado por tudo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, à minha mãe, Maria das Vitórias Dantas, que me concedeu o dom da vida e para, além disto, sempre me deu conselhos e ajudou na minha formação. Sempre se mostra presente em minha vida. Aos meus avós maternos, Manoel Galdino Dantas e Lúcia de Fátima da Silva Dantas, que me acolheram e não medem esforços para me ajudar. Grato também as minhas tias Ana Lúcia Dantas, Eremita Dantas, Maria de Fátima da Silva Dantas e ao meu tio José Paulo Dantas (in memória) que sempre demonstraram incentivo e confiança em mim. Aos meus irmãos, Getulio Vagner Dantas e Julio Flávio Dantas, pelo companheirismo e amizade. Grato aos demais familiares e amigos pela torcida e apoio. Minha eterna gratidão a estas pessoas.

Agradeço aos professores do Departamento de História do CERES – DHC, pela dedicação, transmissão de conhecimento e motivação demonstrados durante o curso. Em especial ao orientador Abrahão Sanderson, que ajudou a desenvolver o trabalho proposto com atenção e carinho, atendendo e respondendo às minhas carências ao máximo de sua disponibilidade. Como também, ao professor Helder Macedo que me acompanhou durante grande parte do curso, seja ministrando aulas ou contribuindo no desenvolvimento do trabalho. Sua ajuda foi primordial para o meu desenvolvimento enquanto acadêmico. Ao professor José Junior, pois foi nas disciplinas de Patrimônio I e II que surgiu a ideia de construir o trabalho acerca do Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias. Também agradecer por ser um professor atencioso e divertido. Minha gratidão à professora Maria Francisca, da Escola Estadual João Henrique Dantas, de Carnaúba dos Dantas, que em 2012, deu a notícia da minha aprovação para o curso de História Bacharelado. Estes professores foram responsáveis diretamente pela conclusão desta pesquisa. Obrigado.

Grato a João Batista Dantas que cedeu sua visão sobre o museu, e permitiu que eu visitasse o espaço sempre que fosse necessário para entender o contexto que o mesmo se encontra. Além de dar liberdade para qualquer pergunta e sempre aberto aos procedimentos que foram pedidos pela pesquisa. Isso vale para Paulo Medeiros que me recebeu em sua residência dando total hospitalidade e esclarecendo as questões que eram apresentadas. Sem os depoimentos destas pessoas o trabalho não teria o mesmo valor.

Aos colegas da turma 2012.1 e da universidade que se mostraram importantes na minha trajetória no curso de História. À Casa do Estudante de Caicó que me recebeu e possibilitou

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que pudesse ter maior acessibilidade para estudar longe de Carnaúba dos Dantas. As pessoas queridas que conheci nestas instituições levarei para minha vida. Agradeço a todos que de alguma maneira ajudaram a construir esta conquista.

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RESUMO

O estudo faz uma discussão acerca do Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias, na cidade de Carnaúba dos Dantas, no estado do Rio Grande do Norte. O objetivo da pesquisa é abordar o aparente esquecimento da população acerca do museu, partindo desde quando foi fundado em 1974, no santuário do Monte do Galo, até o presente momento. O autor Michael Pollak na discussão a respeito da memória coletiva e do esquecimento sobre patrimônio será colocado como suporte teórico para contribuir com o trabalho. Desta forma, buscamos identificar os motivos pelo qual o museu encontra-se fechado. Seja em virtude do desinteresse da população ou do descaso do Poder Público. A História Oral foi tomada como fonte na presente pesquisa. Foram dois entrevistados que concordaram em participar, ambos homens. Através dos depoimentos desses dois indivíduos, identificamos problemáticas que podem gerar debates interessantes sobre preservação patrimonial.

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ABSTRACT

The study makes a discussion about the Historical Museum of Nossa Senhora das Vitórias, in the city of Carnaúba dos Dantas, in the state of Rio Grande do Norte. The objective of there search is to address the apparent forgetfulness of the population about the museum, since when it was founded in 1974, in the sanctuary of Monte do Galo, until the present moment. The author Michael Pollak in the discussion about collective memory and forgetting about equity will be used as theoretical support to contribute to the work. In this way, we try to identify the reasons why the museum is closed. It is due to the lack of interest of the population or the neglect of the Public Power. The Oral History was taken as the source of the present research. Two interviewees agreed to participate, both men. Through the testimonies of these two individuals, we identified issues that may generate interesting debates about patrimonial preservation.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte OIM - Office International dês Museés

ICOM – International Council of Museums

MINOM – Movimento Internacional para uma Nova Museologia UFRPE – Universidade Federal Rural de Pernambuco

CAEP – Conselho Econômico Paroquial

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO I - ASPECTOS DA HISTÓRIA DOS MUSEUS E DA MUSEOLOGIA ... 13

1.1 História dos Museus ... 13

1.2 Museologia: Novos Estudos ... 21

1.3 Relações entre educação, memória e patrimônio ... 28

CAPÍTULO II - “ESQUECIMENTO” DO MUSEU HISTÓRICO NOSSA SENHORA DAS VITÓRIAS ... 34

2.1 Contexto histórico que precedeu a fundação do museu ... 34

2.2 Visão dos entrevistados sobre o museu ... 39

2.3 A educação como ferramenta para conscientizar a preservação patrimonial ... 45

2.4 Proposta de modelo para o Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias ... 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 57

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11 INTRODUÇÃO

O termo “patrimônio” é usado devido à analogia com o processo que ocorre na família quanto aos bens que passam de pais para filhos, portanto, à herança, o que envolve não apenas valores econômicos como também simbólicos e afetivos1. O sentido de patrimônio histórico não está apenas relacionado a coisas ou classes de objetos, mas sim, ao resultado de ações humanas, a um processo de selecionar, guardar, conservar e transmitir bens materiais e imateriais em que se atribuem determinados valores morais, como: respeito e ética. A partir dessa premissa, podemos relacionar com os patrimônios históricos que compõem determinados países, estados ou cidades. É comum quando visitamos um determinado local e observamos os monumentos existentes, que podem dizer muito sobre a história do lugar. Também é comum observar o estado físico dessas construções e identificar se o mesmo é cuidado adequadamente por seus habitantes e responsáveis.

O Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias foi inaugurado em janeiro de 1974, localizado no início da subida do Monte do Galo no município de Carnaúba dos Dantas – RN, sob influência de pessoas que se interessaram a respeito do cenário cultural local. No momento que foi constituído, o espaço teve apelo para população da época, sendo perceptível em fontes fotográficas. Houve uma mobilização por parte da população e de políticos em volta da construção do espaço, que ficaria encarregado por conservar e apresentar os objetos (moedas, artefatos domésticos, fotografias, quadros) que ajudaram a formar a sociedade carnaubense. Porém, atualmente, é notório o desinteresse em relação ao museu, não havendo utilização do mesmo para fins culturais. Isto é, motivado pela ausência de ações no âmbito político e social, que, ao longo dos anos foi minando a funcionalidade do museu.

O trabalho a ser construído surgiu da nossa curiosidade sobre o Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias. Como um lugar que possui variados objetos de importância histórica se encontra fechado? E como esse espaço é tão pouco divulgado, apesar da sua riqueza material e simbólica? Esses foram os principais questionamentos que nortearam nossa busca por respostas que esclareça essas dúvidas apresentadas. Além dos motivos que falamos anteriormente, conversas informais com pessoas de Carnaúba dos Dantas também nos instigaram a estudar sobre o museu. Como também discussões feitas nos

1

FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio Histórico na sociedade contemporânea. ESCRITOS.

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12 componentes curriculares de Patrimônio Histórico I (2014.2) e II (2015.1), ministrados pelo docente José Pereira Sousa Júnior. Achamos interessante estudarmos o tema pela curiosidade do autor carnaubense em saber as causas pelo qual o museu se encontra.

A discussão sobre o atual cenário do Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias é exequível pelo potencial que o espaço possui para a comunidade carnaubense. À medida que fomos avançando no trabalho, principalmente com as entrevistas, sentimos que a proposta seria válida, que a discussão sobre a importância do museu poderá trazer para a sociedade carnaubense um lugar onde a história da cidade pode ser trabalhada a partir dos objetos que constam no seu acervo. A relevância dessa pesquisa não está atrelada apenas ao funcionamento do museu, mas também, às preocupações com a memória da comunidade e seus representantes para não ser esquecido.

As fontes orais foram utilizadas no nosso trabalho. Empregamos a metodologia da História Oral contribuindo para a compreensão dos entrevistados, já que seus relatos serviram para ajudar na análise do trabalho. Fizemos os procedimentos cabíveis das fontes orais: preparando entrevistas estruturadas, entrando em contato com os entrevistados, gravando os depoimentos, fazendo as transcrições e analisando. Entrevistamos duas pessoas de Carnaúba dos Dantas, ambos homens, um comerciante e o outro aposentado. Os dois entrevistados foram: João Batista Dantas (49 anos de idade) e Paulo Medeiros (74 anos de idade). São moradores dos seguintes bairros: Dom José Adelino Dantas e Centro, respectivamente. Para contribuir com o trabalho decidimos por João Batista Dantas, administrador financeiro do Monte do Galo, e Paulo Medeiros, prefeito durante a inauguração do Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias (1974), cumprindo o mandato entre 1973-1977.

Utilizamos como suporte teórico o historiador austríaco Michael Pollak (1989), que trata de discutir memória coletiva e esquecimento. Em sua obra, Memória, esquecimento e silêncio, discute como diferentes processos e atores intervêm na formalização e solidificação da memória. Relata eventos da Segunda Guerra Mundial em forma de analogias que ajudam a entender como forma-se, sobretudo, a memória coletiva de uma comunidade. Como um único fato pode suscitar em diferentes visões e versões, podendo mudar o contexto cultural de um determinado lugar. Para o suporte bibliográfico contamos com a contribuição de DANTAS (1987) e MACEDO (2012),

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13 em virtude dos autores serem naturais de Carnaúba dos Dantas e apresentarem uma análise particular do município.

O estudo divide-se em dois capítulos. No primeiro capítulo, propomos iniciar com uma discussão histórica a partir do contexto patrimonial da França do final do século XVIII. E como as problemáticas sobre patrimônio e museu foram se alterando ao longo dos anos. Decidimos, também, implementar a relação entre educação, memória e patrimônio, sobre como esses três caminhos podem ajudar a construir numa determinada sociedade um sentido patrimonial, servindo de influência para o contexto histórico da cidade de Carnaúba dos Dantas, ligando com a fundação do Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias.

No segundo capítulo apresentamos fatos que antecederam à fundação do Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias, e que foram importantes para o nascimento do espaço. Foi realizada a discussão teórica com Michael Pollak (1989) e relacionando seus pensamentos com a realidade que o museu se encontra. E, em seguida, apresentamos os depoimentos dos entrevistados, analisamos o que falaram, procurando entender as causas do museu encontrar-se fechado. Fizemos uma análise de como a educação pode ser importante na conscientização do indivíduo, buscando preservar o patrimônio que lhe pertence. E encerramos fazendo uma sugestão de como o Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias poderá ser utilizado a favor da comunidade carnaubense e seus visitantes, buscando sua valorização.

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14 CAPÍTULO 1

ASPECTOS DA HISTÓRIA DOS MUSEUS E DA MUSEOLOGIA

1.1 HISTÓRIA DOS MUSEUS

No presente trabalho, discutiremos algumas questões relacionadas ao patrimônio histórico de Carnaúba dos Dantas – RN, no caso, o Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias, examinando os acontecimentos que precederam sua existência, passando pela sua fundação em 1974 e continuando à análise até os dias atuais. Esse espaço possui um potencial considerável para população local, tendo em vista, os objetos que compõem o acervo terem pertencido aos habitantes carnaubenses de gerações passadas. O que consideramos algo importante para o município, tendo em vista, a representatividade dos objetos salvaguardados no museu. Antes de partirmos para discussão acerca deste espaço, devemos apresentar conceitos que servirão para o enriquecimento da temática, proporcionando desta maneira, um suporte que legitimará o trabalho proposto.

A partir das primeiras décadas do século XX, o estudo acerca dos museus foi acentuando-se. Após o período revolucionário que aconteceu na França no fim do século XVIII, a conservação patrimonial ganhou bastante força, sendo o século XIX, considerado “o século dos museus”2

. Mesmo com as medidas surpreendentes e contraditórias, a ação revolucionária contribuiu para a materialização do museu na França. O Estado republicano tomou para si a responsabilidade de gerir os bens culturais (BREFE, 1998, p. 303). Porém, antes mesmo da definição de museu como um lugar de memória e aprendizado, as relíquias e riquezas já eram guardadas como forma de precaução por indivíduos, principalmente, monarcas europeus. Como salienta Germain Bazin:

2

“Será a ação revolucionária, com suas medidas ao mesmo tempo surpreendentes e contraditórias, que contribuirá definitivamente para a materialização do museu na França. O seu estatuto de instituição pública ganha uma nova abrangência, pois o Estado republicano, recentemente fundado, entre suas várias atribuições, tomará para si o encargo de gerir uma nova ordem de objetos e de bens inexistentes anteriormente: os bens culturais. As intermináveis discussões que antecipam a criação do museu, bem como aquelas que se desenvolvem quando de sua abertura e durante os anos revolucionários, comportam elementos e aspectos que não deixaram de ter atualidade. Assim sem nos perdermos nos labirintos da história e das vicissitudes do museu durante o período revolucionário – levando em conta que inúmeros trabalhos abordam este tema - vale a pena nos determos em algumas medidas e ações que transformam os rumos da instituição e colaboram para a elaboração de seu novo perfil no século XIX (BREFE, 1998, p. 303)”.

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[...] Na Antiguidade Clássica, bem como na Idade Média, já era comum a reunião de tesouros nos templos e nas igrejas. Esses tesouros acumulados, resultantes de oferendas aos deuses e de pilhagens de guerra, prefiguram as futuras coleções da época moderna quando, então, o hábito de colecionar torna-se moda entre certas camadas da população, como prelados, cortesãos, médicos, juristas, eruditos, artistas, príncipes e monarcas (BAZIN apud BREFE, 1998, p. 295).

Na contemporaneidade, o ato de colecionar está vivo entre as pessoas. Qualquer um que goste de algo, seja música, esporte ou cinema, se vê na necessidade de consumir produtos que são relacionados com essas temáticas. Isso leva ao ato de colecionar. Contudo, até por volta do século XIX, esse privilégio era pertencente a uma minoria, a dos monarcas, que guardavam artefatos que haviam conseguido de alguma maneira para poder demonstrar seu poder e riqueza neste contexto, objetos como armas e/ou medalhas eram conservados e arrumados em um lugar específico, intitulado como gabinete. A partir disso, o museu tornou-se sinônimo de coleção, mas não pertencente exatamente a qualquer indivíduo, e, sim ao príncipe, que participava das famílias dos estados absolutistas na Europa (BREFE, 1998).

A França é vista como a nação que deu início ao que hoje conhecemos como o modelo de museu tradicional3. Com o advento do Iluminismo, a questão patrimonial começou a ter uma importância maior, buscando a exaltação do nacionalismo através dos objetos que marcaram a cultura do povo francês, desde objetos bélicos até domésticos. No entanto, a entrada deste país nesse contexto não foi simples. A França sofreu com questões políticas e financeiras, que acarretou no atraso da entrada no meio preservacionista (POMIAN apud BREFE, 1998, p. 301).

No fim do século XVIII a palavra museu é sinônimo de todo lugar de aprendizado intelectual superior, possuindo ou não uma coleção de obras de arte, de objetos científicos e técnicos, e de peças de história natural. Desta maneira evoca um espaço pedagógico onde a convicção pelo belo e pelo verdadeiro se opera pela mera visão de um espetáculo exemplar; sugere uma socialização das artes e da ciência e da virtude,

3“No século XVIII a Encyclopédie é a referência básica para definição de museu, não sendo, no entanto, a

primeira. Nesta que parece ser uma adaptação do verbete “Musée” da Encyclopédie de Zedler, publicada em 1739, o museu é definido em relação à instituição mítica de Alexandria, isto é “todo lugar onde estão guardadas coisas que têm uma relação imediata com as artes e as musas. Entendido ainda em seu sentido literal de “Maison dês Muses” [Casa das Musas] ele se encontra no cruzamento de inúmeros conceitos e projetos como o da Academia, que intenciona uma reunião de obras de arte em um mesmo local para que sirvam de modelos aos artistas e, também o projeto enciclopedista de reunião das ciências e das artes em um único “templo” do conhecimento (DELOCHE, POMMIER apud BREFE, 1998, p. 294)”.

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16 sobre o modo antigo; enfim, ele remete a um monumento grandioso, um projeto nacional, a um templo da natureza e do gênio (BREFE, 1998). Apesar dessa definição, foi através da ação revolucionária, que o museu se consolidou enquanto espaço patrimonial, salvaguardando bens culturais que marcaram a história da França.

Segundo à autora que estuda a questão da criação do museu público na França, ele é visto como resultado de três decretos da Assembleia Nacional:

1º. 2 de novembro de 1789, que nacionaliza os bens da Igreja católica; 2º. 9 de novembro de 1791, quando os bens dos emigrados são todos confiscados;

3º. 8 de agosto de 1793, quando é decretada a supressão das Academias. Os atos revolucionários, suscitados por questões ideológicas, políticas e econômicas fizeram da França um centro onde riquezas artísticas, ainda desconhecidas da população, fossem sendo preservadas sob as novas leis válidas nesta nação (BREFE, 1998, p. 303-304).

A princípio pretendiam vender os bens adquiridos por não se identificarem com os princípios monárquicos que eram, até pouco tempo, vigentes na França. Foi então que decidiram escolher objetos que carregassem interesse histórico e/ou artístico para a França. A partir do final do século XVIII surgiu a necessidade de inventariar e catalogar os bens como forma de preservá-los. E para isso tornar-se concreto, deu-se a fundação do Louvre, o museu de antiguidades nacionais e a rede de museus departamentais. Mesmo com o surgimento de uma instituição que manteria os bens seguros, os problemas ainda existiam e não eram poucos. A necessidade de realizar a triagem das obras “dignas” de fazerem parte da nova instituição, bem como pensar na melhor forma de organizá-las e apresentá-las ao público; estabelecer quem seria profissionalmente competente para administrar esse vasto patrimônio; enfim, definir claramente o estatuto das obras “adquiridas” (BREFE, 1998).

A cultura foi usada como um meio seguro para legitimação da revolução, espelhando-se na monarquia, que usava as artes para propaganda política, representando sua riqueza e seus feitos. Isso foi realizado para perpetuar os ideais que foram propostos na revolução, a fim de atingir as gerações futuras. A Revolução Francesa e o Antigo Regime protagonizaram um verdadeiro duelo ideológico, em que literalmente, “cabeças rolaram”. A fúria era tanta dos revolucionários que, qualquer objeto que fizesse menção

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17 ao despotismo teria que ser destruído em nome dos novos princípios. Essa medida era vista como uma forma de “esquecer” o que os reis fizeram de mal para o povo francês

Apesar disso, surgiu uma mentalidade que lutava contra a forma de destruir os bens pertencentes à monarquia, que prezava o poder da arte, que não necessariamente os artefatos iriam confrontar o regime republicano. Esse pensamento tinha uma função moralizadora. A partir de um decreto da Assembleia Nacional, em 1792, ficou decidido que, “[...] o patrimônio do Antigo Regime, em vias de desaparecimento, era composto de obras-primas da arte universal e, como tal, merecia ser conservado como fonte inesgotável de modelos aos artistas e de instrução ao cidadão [...]” (BREFE, 1998, p. 306). Nessa perspectiva surge uma solução para conservar esses objetos, que não serão mais usados em função da queda da monarquia na França. É assim que o museu aparece com uma alternativa inédita, ou seja:

[...] museu concebido como um lugar que dessacraliza e neutraliza os símbolos e as imagens, fazendo-os ou ascender ou reduzindo-os aos estatutos de objetos culturais, dignos de serem conservados por um povo esclarecido, e de servir de modelos à arte da liberdade, pois a criação se faz somente pelas referências às formas exemplares inventadas no passado (BREFE, 1998, p. 307).

O museu, ao mesmo tempo, justificara o momento político que a França passara com a explosão da Revolução e evitara que os objetos que pertenceram às monarquias fossem excluídos. Ainda nessa linha de pensamento, Édouard Pommier explica que não há como evitar que esta nova ordem dos objetos seja também ideológica e participe de maneira intensa da legitimação do momento político:

[...] O museu se torna o lugar de destino final das obras de arte do passado que encontram aí uma nova vida, independente de sua função original e de seu valor simbólico, separadas de seu contexto; aquela dos objetos culturais, [...] o museu ao conservar as obras do Antigo Regime participava da sua destruição. Ele inventou, assim, a conservação do patrimônio pelo desvio de sentido. E ele teve a habilidade de evitar a oposição da defesa da cultura e as exigências da ideologia, mostrando, implicitamente, que a cultura do museu participava da ideologia destruindo não a obra de arte, mas o símbolo nela contido (POMMIER apud BREFE, 1998, p. 307).

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18 É a partir da mudança de consciência a respeito da representatividade dos objetos, que a onda de iconoclastismo diminui. Isso acontece por causa da invalidez do sentido simbólico que o bem apresentou anteriormente, e que agora, perdeu seu valor ativo. Esses objetos perdem seu valor de memória intencional e adquirem um valor de memória outorgada ou simples antiguidade. Isso significa que, quem tem o poder dos bens culturais nas mãos decide qual será a função dada a tal.

Antes mesmo da fundação dos museus - segundo a definição do final do século XVIII até a atualidade – o homem, ao longo do tempo, foi selecionando objetos que proporcionavam algum tipo de identificação ao contexto que se encontravam. Nesses objetos reconheciam elementos a serem guardados, colecionados, exibidos, atribuindo significados a estes bens. O termo museu foi proclamado antes mesmo da fundação da instituição, ou seja, do espaço que deveria manter artefatos com importância histórica para o determinado local onde o mesmo foi concebido. O termo ‘museu’ vem do grego mouseion, também usado na época romana como museum, que designava o templo dedicado às Musas – as nove divindades filhas de Zeus, segundo a mitologia grega (ARAÚJO, 2012).

À ação humana, simbólica, soma-se a constituição de uma instituição específica, um local físico, um conjunto de procedimentos. O legado da Antiguidade Clássica e da época romana se expressa tanto pela ação do colecionismo (a ação humana de selecionar, entre os diversos “objetos” da realidade – tanto os produzidos pelo ser humano como aqueles existentes na natureza – alguns para serem guardados, preservados e/ou exibidos, a partir de seu valor estético, histórico, político ou mesmo exótico, de raridade) como pela instituição museu (ARAÚJO, 2012).

Foi com o Renascimento que o termo ‘museu’ ressurgiu, para descrever coleções de arte de famílias ricas da época. Neste contexto que, no século XV, deram início aos primeiros estudos que poderiam chamar de um conhecimento teórico específico em Museologia, que motivou os primeiros trabalhos relativos aos museus. Desde a Antiguidade Greco-Romana até o próprio momento, valorizando a preservação das obras. Nessa perspectiva, despertou-se a preocupação pela conservação e preservação dos bens culturais da humanidade, independente da sua procedência. Inicialmente o foco para a preservação dos museus centrou-se no quesito do conteúdo em si, não dando a devida importância para os conhecimentos museológicos, que seriam os

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19 procedimentos adequados para nortear a administração dos museus. Ao invés disso, decidiram apresentar conhecimentos artísticos, literários, filosóficos ou históricos sobre os conteúdos guardados nestas instituições (ARAÚJO, 2012).

Como citado anteriormente, é na Revolução Francesa que os museus passam a ser utilizados, não apenas servindo como um “depósito”, mas como um lugar onde os objetos são representativos e mostram importância patrimonial no contexto em que pertencem. Com a constituição do conceito moderno de ‘Museu Nacional’, representado na figura do Musée du Louvre, serão formadas as grandes coleções custodiadas em acervos. Com isso, veio à tona a necessidade de ter pessoas capazes profissionalmente de atender a essa demanda, dando origem aos primeiros cursos voltados inteiramente para as regras de administração das rotinas dos museus. Isso só é possível pelos ideais de progresso e civilização que brotam dos nascentes Estados Nacionais, que buscam dar prioridade ao indivíduo nobilitado não pelo sangue ou herança, mas pelo espírito cultivado, erudito, superior, livre face aos costumes, às tradições arcaicas, à irracionalidade e à religião (ARAÚJO, 2012).

O Positivismo foi determinante para a entrada das Ciências Sociais e Humanas no âmbito do modelo de ciência. Com a entrada dessa nova vertente no campo científico, os museus começaram a ter procedimentos técnicos de intervenção, como estratégias de inventariação, descrição, ordenação e exposição dos acervos museológicos. A partir disso, é que a noção de museografia torna-se um campo científico regido por um conjunto de normas que serão aplicadas aos acervos guardados nas instituições museais. Foi através da consolidação positivista, pautada em métodos que visavam à autenticidade da disciplina proporcionando o avanço científico, que se teve a ‘libertação’ da Museologia das outras disciplinas das quais ela era apenas um campo auxiliar, como as Artes e a História. Isso proporcionou um caminho para a criação de um campo científico específico dedicado aos museus (ARAÚJO, 2012).

No fim do século XIX para o início do século XX, surgiram museus importantes que representam a conquista que o campo museológico alcançou depois da sua legitimação científica. Em 1889, foi criada em Londres a Museum Association, e em 1926, em Paris, a criação do Office International dês Museés (OIM). A entrada na Modernidade enfatizou as especificidades da instituição museu, que deveria ter estruturas organizadas e rotinas estabelecidas para o exercício da custódia. E a

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20 fundamentação positivista deu mais ênfase às técnicas museográficas a serem utilizadas para o correto tratamento e exposição do material custodiado. Constituíram-se assim, no século XIX, os elementos que marcaram a consolidação de um paradigma patrimonialista, custodial e tecnicista para a área. O modelo proposto representava três vertentes: a primeira diz respeito a ideia de uma “ciência de museu”, voltada para o funcionamento e as rotinas desta instituição; a segunda é dedicada ao “patrimônio”, à preservação de seu acervo e sua salvaguarda para as gerações futuras; e a terceira através da “museografia”, das técnicas empregadas para o tratamento do acervo acondicionado na instituição museu (ARAÚJO, 2012).

No final do século XIX, surgiram diferentes perspectivas teóricas que provocaram reflexões e pesquisas sobre os museus nos diferentes contextos. Isso foi fruto de intensos debates que depois se transformaram em trabalhos que criticavam o modelo custodial/tecnicista, que, na visão dos estudiosos, estava ultrapassado, e por isso, deveria haver reformulações conceituais e proposição de novos modelos, visando o avanço do campo museológico.

Os Estados Unidos foi o país que se preocupou em mudar o significado dos museus, não dando relevância apenas aos objetos contidos no espaço, mas, tentando transformar os museus norte-americanos. Traçando objetivos que estimulassem a população a obter determinados comportamentos e valores. Segundo Van Mensch (1995) o período que vai de 1880 a 1920, nos Estados Unidos, marcou a primeira ‘revolução dos museus’, passando-se de uma preocupação centrada nas coleções para um perfil mais dinâmico e ativo. Na análise de Mendes (2009), o que mudou foi a hierarquia das funções do museu: no modelo ‘tradicional’, a função de conservar era superior à de democratizar e tornar a coleção acessível e, na abordagem dos museus norte-americanos, inverteu-se essa prioridade (ARAÚJO, 2012).

Isso ocorreu nos Estados Unidos em função do ideal iluminista da universalidade, dando acesso a todos os cidadãos, para que estes pensassem e problematizassem os desempenhos dos museus. A tradição que se originou na Inglaterra com o British Museum, desenvolveu-se de forma aprofundada nos Estados Unidos sob influência funcionalista, que culminou em museus educacionais, espaços de exposição, ensinamento e aprendizado. Seus motes foram o ideal iluminista da universalidade, ou seja, do acesso aos cidadãos, o discurso da eficácia, que diz respeito ao retorno para

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21 sociedade a partir de investimentos feitos, e o que pense e problematize as funções dos museus (ARAÚJO, 2012).

No século XX, é nítido que o ideal de um “novo museu” está em efervescência, sobretudo, nos Estados Unidos. Diversos especialistas passam a contestar o estilo tradicional existente na Europa, que privilegia apenas a reunião de raridades para se conservar nos museus, deixando de lado o aspecto didático que esses objetos contêm. Isso fica claro no entendimento de John Cotton Dana, que propõe em 1917 o “novo museu” em oposição ao ‘museu lúgubre’:

[...] O museu não deveria ser construído a partir de uma ideia fixa do que o museu deve ser (uma clara referência ao modelo europeu calcado no paradigma do Louvre, local de adquirir raridades, curiosidades, objetos valiosos e colocá-los num lugar para as pessoas verem), mas sim ser responsivo à comunidade, deveria proporcionar efetivo aprendizado a partir desses objetos, devendo atender a uma necessidade definida pela comunidade (ARAÚJO, 2012, p. 37).

Os museus nos Estados Unidos serviram como um meio para educar e, ao mesmo tempo, usar como um espaço de lazer, onde as pessoas se encontrariam para apreciar as obras presentes e, também, conhecer outros indivíduos que estivessem no lugar. Esse foi o ‘fundamento filosófico’ que os estadunidenses assumiram, com o pensamento de tornar as coleções acessíveis ao público. Com a atenção dos Estados Unidos, as variadas funções que foram sendo atribuídas aos museus conduziram a uma série de inovações de ordem prática nesses novos espaços, como novos horários de funcionamento, guias mais didáticos, linguagem simples, priorização de elementos visuais em lugar dos verbais, exposições itinerantes e maior acessibilidade física. Desta maneira, os museus assumiram compromissos com a população. Tendo a responsabilidade de formar o ‘bom gosto’ dos indivíduos em relação às artes e promover valores como ‘responsabilidade civil’, integrar comunidades de imigrantes e até mesmo ‘acalmar’ trabalhadores revoltosos, fazendo-os voltar à “vida produtiva” (ZELLER, 1989, apud ARAÚJO, 2012, p. 38).

A abordagem funcionalista se manifestou em outras realidades. Na França, desenvolveu-se após a década de 1950, com André Malraux, que propôs o seu ‘museu

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22 imaginário’, ou seja, o museu capaz de mudar as relações dos sujeitos a partir de técnicas adotadas com as obras contidas no espaço museal. Em oposição ao museu ‘necrópole’, fossilizado, que somente mostra seus artefatos sem realizar discussões construtivas com o público. A perspectiva funcionalista alcançou um nível elevado a partir da década de 1980, principalmente no cenário da Inglaterra. Quando as tecnologias digitais, acessos remotos, interatividade e design de exposições, chegaram para modernizar as práticas no museu, tornando-o mais atrativo para o público, possibilitado pelas estratégias de marketing que viabiliza o sucesso das visitas nos museus (ARAÚJO, 2012).

Essas mudanças do ponto de vista organizacional na estrutura dos museus trouxeram novas ideias e formatos que elevaram a importância destes locais para sociedade. Derrubaram alguns pensamentos ultrapassados que foram sendo solidificados ao longo da história. Como também, repudiam a exclusão da população na participação nos museus. Tentam justamente o contrário, os indivíduos que estão inseridos em contextos em que existam museus, acervos ou patrimônios públicos, que participem diretamente de atividades ocorridas nestes locais. Essa discussão sobre museologia será aprofundada no tópico a seguir.

1.2 MUSEOLOGIA: NOVOS ESTUDOS

Na passagem do final do século XIX para o início do XX, o estudo sobre museus estava sendo modificado, atendendo a uma nova política de conservação e adquirindo novos conceitos. Com isso, se desvincularia de outros campos de estudo, como a História e a Arte, e passaria a ser reconhecida como um novo campo de estudo chamado de Museologia. Ao mesmo tempo, surgia uma abordagem crítica que combatia os ideais do Positivismo, debates que iriam reverberar no contexto dos museus, realizando fortes embates ao paradigma custodial/tecnicista e à corrente funcionalista. Os museus passaram a receber críticas feitas por meio de manifestos publicados por artistas, escritores e filósofos. A principal queixa desses intelectuais fora acerca do acesso das camadas populares aos museus, ou melhor, a inacessibilidade desses indivíduos ao patrimônio, sem esquecer, do conceito de museu que para esses intelectuais seria ultrapassado (ARAÚJO, 2012).

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23 Bolaños (2002) destaca a obra ‘El problema de los museos’, de Paul Valéry, publicado em 1923, que apresenta o museu como ‘mal estar’, espaço autoritário, sufocante, opressor. Outro que cita um autor importante é Fernando Magalhães, identificando abordagens críticas sobre os museus, ao destacar Fillipo Tomasi, fundador do Futurismo italiano, para quem os museus seriam cemitérios, ‘verdades numa sinistra promiscuidade de tantos objectos desconhecidos um dos outros’ (ARAÚJO, 2012).

Todavia, as críticas a despeito dos museus afloraram mais próximas da Sociologia da Cultura, realizando discussões entre a ação museológica e a manutenção das hierarquias culturais. O principal expoente dessa corrente foi Pierre Bourdieu, que inspirou uma geração de pesquisadores direcionados para estudos críticos dos museus. Bourdieu (2007) “realizou reflexões a partir de extensas pesquisas empíricas, estudando não só um grupo ou classe específicos, mas com foco no relacionamento entre as classes” (ARAÚJO, 2012, p. 40).

Também identificou o papel que a cultura exerce no contexto social, em grande medida, pela distribuição desigual das riquezas econômicas, que provoca uma dimensão simbólica, operada por meio da escola, das artes, das práticas culturais e das visitas aos museus. Bourdieu descobriu que existe uma ligação entre as práticas e gostos culturais e o nível de instrução e a origem social dos indivíduos, e buscou ir além da aparente banalidade desta constatação:

[...] buscou ver em que medida tal relação esconde o fato de que os grupos possuem diferentes relações com a cultura, e que no quadro dessa dinâmica se desenharia um processo pelo qual a existência em sociedade de cada um se daria por meios de processos de distinção, de marcação de distâncias, ou seja, as posições sociais e as práticas culturais não são dois fatores independentes, antes se relacionam, se constituem mutuamente, conformando uma estrutura mais ampla de relações sociais. Daí deriva o conceito ‘capital cultural’, que se tornou a base de vários estudos posteriores sobre a realidade dos museus (BOURDIEU apud LOPES, 2006, p. 40).

Segundo a análise crítica de Bourdieu, a inacessibilidade dos museus para as classes populares entra em conflito com a perspectiva funcionalista, para qual o museu deveria ‘elevar o nível’ das massas, para atuar como elemento de ‘democratização’ da cultura. Embora a perspectiva funcionalista pregue a ‘democratização’ da cultura

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24 através dos museus, é difícil isso acontecer, em virtude do domínio ideológico que existe por parte das camadas mais fortes economicamente. Isso é evidente quando analisamos casos de museus que usam seu acervo para demonstrar um determinado pensamento. Nesse sentido, Santacana Mestre e Hernández Cardona (2006) desenvolvem um estudo sobre ’Museologia Crítica’. Essa pesquisa tem como finalidade realizar análises que revelem contradições que ocorrem no processo da Museologia com o patrimônio, a partir da percepção de que, em muitos casos, os critérios que norteiam o patrimônio são mais ideológicos do que científicos, minando a presença e, consequentemente, o interesse da população em geral sobre os museus (ARAÚJO, 2012).

A partir do século XX, os estudos funcionalistas perceberam a importância da visão dos visitantes sobre os museus. O estudo buscando a opinião dos visitantes foi essencial para potencializar os processos que viriam a melhorar a relação do patrimônio museal com seu público. Como argumenta Pérez Santos (2000), os museus mudaram muito desde sua origem, saindo do fenômeno do colecionismo, das câmaras de maravilhas, passando pelos grandes museus modernos e chegando ao século XIX com o risco de se tornarem instituições obsoletas. Para evitar isso, precisaram conhecer seu público para melhor dirigir-se a ele. Hooper-Greenhill (1998) tratou como uma grande mudança de mentalidade. Os museus deixando de serem depósitos de objetos (orientados para coleções) para lugares de aprendizagem (orientados para os públicos). Após a percepção dos responsáveis pelos museus da baixa visitação e interesse do público, proliferaram-se estudos sobre o problema. Inicialmente esses estudos eram feitos de forma empírica, ou seja, sem uma base científica, apenas em observações (ARAÚJO, 2012).

Em 1928, Edward Robinson, da Universidade de Yale, publicou o primeiro estudo sistemático de comportamento de visitantes, centrando-se em quatro aspectos: “a duração da visita, o número de salas visitadas, o número de obras visitadas em cada sala e o tempo de parada diante de cada obra” (ARAÚJO, 2012, p. 42). Além dos estudos sobre comportamentos das pessoas nos museus, autores como Cummings (1940), Derryberry (1941) e Gebhard (1948) buscaram ver o impacto das exposições sobre elas. Indivíduos que fazem uma visita completa, os que saltam partes, os que passam mais de uma vez por determinadas sessões, foram essas questões analisadas para o melhoramento dos museus, buscando uma relação mais direta com o público (ARAÚJO, 2012).

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25 Na década de 1980, os estudos sobre a relação entre museu e público tornaram-se mais pedagógicos e, ao mesmo tempo, críticas duras foram feitas a respeito do modo como o conteúdo era repassado aos visitantes. Um exemplo concreto é o de McManus (2009), que buscou um fundamento construtivista para os estudos de visitantes, criticando o modelo behaviorista presente nos estudos condutivistas4. Para ela, o ato de aprender ‘não é informação entrando na mente’ como ‘água despejada num jarro’ (McMANUS, 2009, p. 63). Ela frisa que o educando precisa se engajar ativamente com os fenômenos apresentados a fim de produzir um significado. Na concepção dela, o método tradicional de ensino se baseia na autoridade pessoal ou institucional do professor e da escola, que apresentam ‘a verdade’ com força suficiente para ficar ‘gravada’ a fim de que os educandos aceitem. Nos museus, isso ficaria representado nos grandiosos edifícios que funcionariam como forma de impor respeito, além dos guias que apresentariam uma agenda estabelecida para acompanhar os visitantes, deixando-os num papel passivo (ARAÚJO, 2012).

É importante citar que o aprendizado depende da experiência que acontece no mundo real, tratando–se de um fenômeno orgânico, determinado por contextos específicos que acontece pela ação humana. Os autores identificam três contextos que permitem o aprendizado. O primeiro é o pessoal, que se relacionam com as motivações, interesses e afetos. O segundo é o sociocultural, por meio do qual a linguagem conforma ‘comunidades de aprendizes’, isto é, nossa linguagem, o acervo de palavras e formas de expressão de que dispomos para conhecer o mundo condiciona o nosso processo de relacionamento com o real. O terceiro é o ‘físico’, relacionado com os espaços, ambientes, distâncias, trajetos. O aprendizado seria um processo/produto das interações entre esses três contextos (ARAÚJO, 2012).

Entre os desenvolvimentos teóricos e práticos no campo da Museologia que ocorreram nas últimas décadas, destaca-se a questão dos ecomuseus e da Nova Museologia. Entretanto, é preciso ter cautela quando se analisa esses dois termos, pois

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“A matriz condutivista/behaviorista e a funcionalista estão estritamente ligadas à ótica do mercado e limitam-se à descrição de funções e tarefas dos processos produtivos. A partir das investigações do processo de trabalho realizadas com estas orientações os objetivos de ensino são formulados em termos de condutas ou desempenhos observáveis, orientados para os resultados. De forma geral, as competências investigadas no processo de trabalho são transpostas de forma linear para o currículo, formulando-se as competências a serem construídas como intermináveis listas de atividades e comportamentos, limitando o saber ao desempenho específico das tarefas. A concepção de autonomia dos sujeitos fica, assim, restrita e prescrita pelas atividades e tarefas. Sua perspectiva economicista, individualizadora, descontextualizada e a-histórica limita o currículo e estreita a formação do trabalhador.” (DELUIZ, 2001, p. 09-10).

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26 são usados em questões diferentes, e por vezes, são confundidos como se fossem sinônimos. Davis (1999) explica que o conceito de ‘ecomuseu’ surgiu no começo do século XX, sob o impacto das ideias ambientalistas, com a criação dos chamados ‘museus ao ar livre’, que, numa perspectiva ampliada de museu, incorporavam sítios geológicos ou naturais ao seu ‘acervo’. Esse tipo de espaço serviu para desconstruir a ideia de museu como um prédio dotado de objetos organizados em exposição. O que até então era algo fora dos padrões museológicos (ARAÚJO, 2012).

A Nova Museologia propôs uma forma diferente de tratamento com o museu, colocando as comunidades locais no processo de tratar e cuidar de seu patrimônio. Como coloca Davis (1999), “o termo ‘território’ é então utilizado para definir tanto os limites geográficos como também as conotações dos sujeitos e comunidades que vivem no espaço, as apropriações que fazem dele” (ARAÚJO, 2012, p. 47-48). O conceito de ecomuseu ressurgiu através da nova ideia de identidades culturais e de comunidade, enfatizado por Van Mensch (1995), que caracterizou esse movimento como ‘segunda revolução’ no campo da Museologia. Para Araújo (2012), muda o sentido de museu, de lugar de entrega de um conhecimento a uma comunidade (transmissão), para lugar construído pela própria comunidade (veículo de expressão de uma identidade). A partir disso, podemos detectar uma nova abordagem, que coloca como responsável pelo trabalho no museu, distribuindo funções e cargos, também, a população e não mais apenas historiadores, políticos e colecionadores (ARAÚJO, 2012).

A primeira ação pública e internacional do movimento pela ‘Nova Museologia’ se deu em 1972 no Chile, na Mesa Redonda de Santiago, organizada pelo International Council of Museums - ICOM, que debateu a função social dos museus, como também, o caráter global das suas intervenções. Após esse encontro, surgiu a ideia do museu integral, que deveria proporcionar à comunidade uma visão de conjunto de seu meio material e cultural. Do ponto de vista teórico, tal noção busca propor a relação que o homem estabelece com o patrimônio cultural, passa a ser estudada pela Museologia e que o museu seja entendido como instrumento e agente de transformação social, o que significa ir além das funções tradicionais de identificação, conservação e educação, em direção à inserção da sua ação nos meios, humano e físico, integrando as populações na sua ação (ARAÚJO, 2012).

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27 Em 1984, o movimento foi formalizado na Declaração de Quebec, nascendo aí o Movimento Internacional para uma Nova Museologia (MINOM), defendendo a participação comunitária no lugar da presença do técnico especialista, colocando no lugar do tradicional tripé edifício/coleções/público da Museologia uma nova rede de conceitos composta por território, patrimônio e comunidade (ALONSO FERNÁNDEZ, 1999 apud ARAÚJO, 2012).

Os objetos passam a ter um novo significado com a revolução dos museus, deixando de ser meramente ilustrativos, para servirem como um meio para representar algo que esteja envolvido no contexto da sociedade onde encontram-se, ou seja, o espaço patrimonial. Magalhães (2005) assinala que a reflexão sobre a musealização consiste na metamorfose de objetos que, não deixam de ter valor social e cultural, ganham mais um atributo, com a nova recontextualização. Desta maneira, a musealização mais do que um mero processo de adquirir, documentar e exibir um objeto, significa um ‘caminho que consiste em transformar objetos materiais e imateriais aparentemente vulgares em legados históricos ou testemunhos do desenvolvimento científico, técnico, artístico ou de uma determinada cultura’ (ARAÚJO, 2012).

Com isso, se abrem discussões acerca de quais bens serão conservados nos museus, quais objetos servirão como fonte de aprendizado e ensinamento nesse espaço, de que forma serão interpretados na realidade museal. Em função dessas indagações, a nova concepção de patrimônio decidiu reconhecer dois tipos de componentes do entorno cultural do ser humano, sendo esses, os principais que contribuiriam para formação patrimonial da sociedade: o natural – conceito modificado mais tarde para ‘paisagens culturais’ para reconhecer acertadamente a relação simbólica que se dá entre o ser humano e seu entorno físico, e o etnológico, no qual se inserem as atividades e conquistas – materiais e imateriais – que formam parte da bagagem mais cotidiana para dotar de uma identidade diferenciada de cada coletivo (ARAÚJO, 2012).

Por fim, o fenômeno contemporâneo dos museus virtuais representa uma ampla dimensão com desdobramentos práticos e teóricos. Segundo Deloche (2002), a chegada da tecnologia digital não é uma simples abordagem, reformula o modo como o espaço museal é tratado. Dessa forma, não há a necessidade de edifícios ou coleções, marcos institucionais tradicionais, o museu precisa oferecer novas propostas que se molde a

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28 realidade que vigora, por meio de novas práticas e funções. O desenvolvimento de estudos na área específica denominada ‘Museum Informatic’, que trata das interações sociotécnicas que ocorrem entre as pessoas, a informação e a tecnologia nos espaços museais” (MARTY; JONES, 2008 apud ARAÚJO, 2012).

O conjunto de teorias apresentadas neste tópico permite perceber como os modelos contemporâneos representam principalmente um grau maior de abstração do fenômeno museal. Do Renascimento ao século XIX, os estudos são voltados para a concretude dos objetos, ou seja, a instituição museu, os acervos, as técnicas; a preocupação maior seria encontrar lugares para conservar as coleções para não deixá-las perdidas. As perspectivas desenvolvidas a partir do século XX, foram importantes para ampliar as discussões a respeito das preocupações que marcaram o cenário patrimonial, como, as funções sociais dos museus, seu papel nos tensionamentos sociais, as apropriações dos sujeitos, os efeitos de sentido gerados por seus acervos e pelas técnicas aplicadas). É através desse processo histórico do estudo sobre o museu e a museologia, que as perspectivas contemporâneas são pautadas para que a cada dia o avanço científico museal seja notório, para tornar a relação patrimonial sustentável para a comunidade ou a nação que esteja inserida (ARAÚJO, 2012).

No próximo tópico, iremos discutir a relação entre: educação, memória e patrimônio. Como esses campos se relacionam, buscando a ampliação deste tema no cenário social de uma determinada comunidade. Mostrando a importância que precisa dar, ensinando ideias patrimoniais em escolas, museus, praças públicas, empresas. Qualquer lugar que reúnam pessoas pode ser usado para difundir ensinamentos que visem à consciência patrimonial, ou seja, que a população entenda que é preciso cuidar do seu espaço de memória, que podem ser museus, acervos, monumentos, edificações.

1.3 RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO

Historiadores como Jacques Le Goff (2003) aderiram a um movimento que busca profissionalizar os processos de guarda e difusão dos elementos simbólicos que unificam grupos sociais. A formalização de tais práticas de preservação se torna cada vez mais comum nas sociedades contemporâneas. Segundo Maurice Halbwachs (2004), a memória individual, entendida como a capacidade cognitiva de evocar elementos

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29 materiais ou simbólicos ausentes é enriquecida pela memória coletiva, que por sua vez, é produzida e difundia pelos depoimentos de sujeitos autorizados que relatam seus fatos em diferentes contextos sociais. A memória coletiva transmitida pela tradição oral característica das comunidades primitivas cede lugar à memória oficial, registrada e documentada, produzida por profissionais capacitados que utilizam técnicas para aperfeiçoar o estudo acerca da História (AGUIAR PACHECO, 2010).

Nesse sentido, pelos motivos mencionados anteriormente, é possível identificarmos duas memórias distintas: a memória interior ou pessoal e a memória exterior ou social. As duas se relacionam já que as mesmas fazem parte da produção do estudo histórico, uma precisa da outra. Após seu reconhecimento como narrativa legítima do passado de um grupo social, a memória coletiva atua como elemento constituinte de uma identidade social. A partir disso, Estados nacionais, grupos étnicos e diferentes instituições passaram a desenvolver políticas de registro e divulgação de sua memória coletiva, com o objetivo de transformar os depoimentos prestados pela comunidade estudada, para elucidar os aspectos culturais que a definem. O conjunto de objetos culturais, materiais e imateriais herdados pelos contemporâneos que sucederam seus antepassados, somente passa a constituir o patrimônio histórico das comunidades quando é reconhecido como tal pelo sujeito que o incorpora à sua experiência. Maria Cecília Londres Fonseca (1997) acredita que esse processo implica atribuir aos objetos um valor simbólico que inicialmente não possuíam:

No caso dos patrimônios históricos e artísticos, o valor que permeia o conjunto de bens, independente de seu valor histórico, artístico, etnográfico etc., é o valor nacional, no caso a nação. Ou seja, ao escolhermos um objeto para o acervo de um memorial, estamos retirando-o de seu contexto original para lhe atribuir outra funcionalidade, a de evocar o passado e articular um discurso para esse fim (FONSECA, 1997, apud AGUIAR PACHECO, 2010, p. 145).

Por outro lado, existe a força crescente de luta de diferentes grupos sociais pelo reconhecimento de sua identidade, que tem relativizado os discursos oficiais e oficiosos sobre o passado exigindo a inclusão de novos discursos identitários. Como determina Stuart Hall (2006):

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Alguns teóricos argumentam que o efeito geral desses processos globais tem sido o de enfraquecer ou solapar formas nacionais de identidade cultural. Eles argumentam que existem evidências de um afrouxamento de fortes identificações com a cultura nacional, e um reforçamento de outros laços e lealdades culturais, ‘acima’ e ‘abaixo’ do Estado-nação (HALL, 2006, apud AGUIAR PACHECO, 2010, p. 145).

A partir destes movimentos diferentes que grupos sociais passam a materializar suas memórias através da construção de “lugares de memória como os monumentos, museus e memoriais”. Os objetos que são encontrados nestes lugares são representações do passado e têm a função de lembrar. Não são exatamente a “cópia fiel” do passado, mas deve fazer menção a cultura do contexto do lugar onde está inserido, servindo como produtor do discurso que atende à demanda que a comunidade exige. Os museus não são atrelados à contribuição científica, pois, são vistos como espaços privilegiados na construção da memória e identidade. Como consequência, e em grande medida, os museus são vistos como locais de exposição e não de produção de conhecimento por parte da comunidade de pesquisadores. Esses lugares acabam por ser encarados como locais para uma visitação passiva e não para uma interação ativa por parte do público. Isso é preocupante, principalmente, pela parte dos pesquisadores que deveriam combater esse tipo de pensamento ultrapassado (AGUIAR PACHECO, 2010).

O exemplo deve começar, justamente, pelos que estudam essa temática. Para assim, poder conscientizar a população de como é importante a função dos museus na construção da história. Portanto, a ação do historiador no campo do patrimônio e no espaço do museu não se limita a articular um discurso teórico e tecnicamente sobre o passado. O historiador que trabalha com a memória institucional ou de grupos sociais, é preciso falar do passado, explicitando os conflitos e as disputas que nele se encontram, ao mesmo tempo em que se forma uma identidade positiva para comunidade estudada (AGUIAR PACHECO, 2010).

Para se construir a mentalidade preservacionista na comunidade, é preciso que os pesquisadores se interessem em realizar iniciativas que promovam esse debate. Pierre Nora (1993) sustenta a edificação de ‘lugares de memória’, que parte da necessidade objetiva dos grupos sociais. Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não há memória espontânea. É preciso criar arquivos, manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque estas ações não

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31 são naturais. As datas históricas são determinantes para à conservação, e os lugares de memória são importantes para isso. Um exemplo prático é o que aconteceu na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) (AGUIAR PACHECO, 2010).

O Memorial da UFRPE é uma unidade administrativa que tem como função guardar, pesquisar e divulgar a história dessa universidade, contribuindo para a formação da identidade de sua comunidade interna, docentes, discentes e técnicos administrativos, e também, das comunidades que estão no seu entorno. Isso foi possível pela percepção dos professores, discentes e técnicos administrativos em preservar as lembranças e conquistas realizadas ao longo da sua trajetória, não apenas dentro do espaço físico da UFRPE, mas junto à contribuição na comunidade. Essas lembranças não poderiam ser jogadas ao esquecimento. Em 2006, a casa onde residiu o professor Ivan Tavares, professor emérito da referida instituição, foi restaurada e adequada para abrigar o Memorial da UFRPE. Atualmente, a Casa Ivan Tavares conta com salas de exposição, sala climatizada para a guarda dos documentos significativos da memória institucional, espaço para reserva técnica, espaços para a pesquisa e administração do memorial (AGUIAR PACHECO, 2010).

O exemplo do Memorial da UFRPE nos elucida que as instituições de memória também atuam como espaços formativos do sujeito. Independentemente que sejam em museus ou em patrimônios históricos. Os objetos e documentos que foram utilizados como elementos para ativar a memória sobre as práticas associada às três dimensões da ação universitária: ensino, pesquisa e extensão. Com os objetos e informações que iriam fazer parte da exposição, foram pensadas ações educativas que possibilitassem aos visitantes uma melhor assimilação do que estava sendo proposto. Carlos Rodrigues Brandão (1981) entende que as exposições são estratégias pedagógicas, e com base no pensamento de Paulo Freire, propõe que o discurso da exposição museológica não está pronto, mas é algo em construção (AGUIAR PACHECO, 2010).

Devido à tradicional forma de ver o museu como um lugar de exposição sem haver uma interação entre os objetos e o público, despertou-se a proposta para uma mudança de paradigma no contexto museológico, que rompa com a ideia de transmissão do conhecimento acabado e recepção passiva da mensagem por parte do visitante e lance sobre o público as dúvidas que pairam quando se diz respeito aos museus. Como esses indivíduos, que vão aos espaços de memórias, pensam sobre essa temática. Bittencourt

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32 (2008) diz que a potencialidade do trabalho com objetos transformados em documentos que, possam ser agentes importantes no enriquecimento dos debates museológicos depende da inversão de um ‘olhar de curiosidade’ a respeito de ‘peças de museu’ que na maioria das vezes, são expostas pelo seu valor estético e despertam o imaginário de crianças, jovens e adultos sobre um passado que pode trazer um olhar de indagação, aumentando o conhecimento sobre os homens e sobre sua história (AGUIAR PACHECO, 2010).

A valorização da educação patrimonial é importante por se tratar de uma metodologia de ensino apropriada para o espaço do museu e que orienta o uso do objeto cultural para reconstruir os significados dos bens patrimoniais junto às suas comunidades. Essa metodologia foi proposta por Maria Horta, Evelina Grunberg e Adriane Queiroz Monteiro (1999) na década de 1980 tendo como base o pensamento freiriano. Quando as categorias próprias desse pensamento educativo se explicitam no planejamento e na execução das ações, elas se qualificam. A Educação Patrimonial é um instrumento de ‘alfabetização cultural’ possibilitando ao indivíduo realizar a leitura do mundo em que está inserido, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal que pertence. Este processo leva ao esforço da autoestima dos indivíduos e comunidades e à valorização de sua cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural (AGUIAR PACHECO, 2010).

O patrimônio se apresenta como uma categoria de pensamento não totalizante, mas que possui conceitos flexíveis de acordo com os assuntos abordados. A partir disso, podemos entender o patrimônio como um conjunto de bens “tomados individualmente ou em conjunto, portador de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, sendo esses, materiais ou imateriais” (Constituição da República Federativa do Brasil, 2006). No entanto, mais do que trabalhar com patrimônios consagrados que não estão acessíveis a maior parte do público, desta maneira, não representando-os nem sua comunidade. É preciso realizar ações a partir do patrimônio pessoal e da história local. É nesse momento que a Educação Patrimonial se mostra uma importante aliada para ajudar esses indivíduos a entenderem que a história é feita por eles mesmos, as pessoas que consideram importantes, suas memórias, sua história local (MACIEL, MINUZZI e SOARES, 2010).

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33 Com o entendimento de que, não apenas os grandes monumentos merecem atenção, o aluno desperta o senso crítico de observar na sua cidade, patrimônios representativos que podem ser valorizados. Na história local estão presentes as manifestações culturais dos grupos formadores das comunidades, ou seja, suas representações, valores, tradições. Estas manifestações vêm à tona através de ações que permeiam o universo da memória. Esse processo é fundamental para construção social dos indivíduos na coletividade, sendo assim, a história local e a memória dentro desse quadro são elementos de identificação entre esses grupos. O trabalho com a memória, a fim de percorrer os caminhos da história local, é um passo de suma importância, pois a memória enquanto processo de construção social é fundamental não apenas para a formação de identidade de um grupo, como para integração social do indivíduo na coletividade, uma vez que este busca em um grupo, sentimentos de continuidade e coesão de acordo com sua cultura e suas tradições.

Estamos a par que a memória, entendida como um fenômeno coletivo, construída coletivamente e submetida a flutuações, transformações, mudanças constantes, muitas vezes está repleta de uma carga emocional em cuja origem está implicada a cultura, pois na base da formação da memória encontra-se a negociação entre as lembranças do sujeito e as lembranças e valores culturais do grupo a qual pertence. Por isso, devemos lembrar que a memória também se mantém em bens tangíveis que um grupo construiu e desse modo cria-se um vínculo de pertencimento entre a sociedade e a cultura material (MACIEL, MINUZZI e SOARES, 2010).

As definições museológicas, patrimoniais e de memórias que apresentamos neste primeiro capítulo, são importantes para realizarmos a discussão acerca do Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias, na cidade de Carnaúba dos Dantas – RN. O contexto histórico dos museus é fundamental para entendermos o estado de conservação que o espaço se encontra. Antes de falarmos acerca do museu, iremos analisar o contexto no qual foi inaugurado, buscando entender o motivo que levou à sua fundação. Também vamos apresentar quem foram os idealizadores e o que pensavam a respeito do museu. Como também, saber o que pensam hoje os responsáveis pelo Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias, mostraremos e discutiremos seus respectivos depoimentos tentando identificar as reais causas do seu fechamento, tendo em vista o potencial patrimonial que o local carrega.

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34 CAPÍTULO II

“ESQUECIMENTO” DO MUSEU HISTÓRICO NOSSA SENHORA DAS VITÓRIAS

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO QUE PRECEDEU A FUNDAÇÃO DO MUSEU

A partir de agora, analisaremos o contexto histórico que antecedeu, como também, os motivos que desencadearam o aparecimento do Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias na cidade de Carnaúba dos Dantas – RN. Isto será importante para entendermos as causas que levou os responsáveis a desenvolver o projeto do museu, que para nossa concepção se mostra pertinente em virtude do enriquecimento da cultura carnaubense. Antes mesmo da fundação do museu, o município passou por um momento significativo em sua história cultural. O marco foi a fundação da biblioteca, posteriormente denominada Biblioteca Pública Donatilla Dantas, inaugurada em 21 de dezembro de 1947, tendo como principal idealizadora a carnaubense Donatilla Dantas, poetisa e funcionária do Tribunal Superior Eleitoral (MACEDO, 2012).

A criação da biblioteca foi motivada pelo incômodo de carnaubenses que saíam da sua terra para poder estudar e pesquisar em outras localidades, tendo em vista a carência de espaço que proporcionasse acessibilidade, bem como, a dificuldade de locomoção para as cidades vizinhas. A inauguração foi realizada no salão nobre do Grupo Escolar Caetano Dantas. Somente no dia 21 de julho de 1957, com a ata de municipalização, veio a denominação da Biblioteca Pública Municipal Donatilla Dantas, em homenagem a sua fundadora, que acabou recebendo um prédio novo onde até hoje se encontra (MACEDO, 2012).

Porém, outro componente apareceu para valorizar Carnaúba dos Dantas, com um projeto similar ao de Donatilla Dantas. Pedro Arbués Dantas, historiador local, insistia na fundação de um museu que viesse para mostrar o quanto a cidade era rica historicamente, tanto da parte dos indivíduos, como das histórias e mitologias que foram construídas ao longo do tempo. Seu desejo ficou explícito em uma carta endereçada para Donatilla Dantas em 27 de julho de 1967:

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