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Unidade da ciência e configuração disciplinar dos saberes : contributos para uma filosofia do ensino

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Academic year: 2021

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Olga Maria Pombo Martins

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Faculdade de Psicologia Insiilu'or'o Elducaçâo Univ?-;; jada de Lisboa

. B I B L I O T E C A

« ^ w s d u c a o o h a í ^

(2)

Olga Maria Pombo Martins

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências de

Lisboa para obtenção do grau de Doutor em Filosofia da

Educação

S f S L f O T E c E Ã 8AW0 EDUCAQOWAI:

ri. i t ^

(3)

P c Í Í f C U L

N

-L

Ao Nuno Nabais. Matriz absoluta da minha ideia de Unidade.

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A g r a d e c i m e n t o s

Quero, em primeiro lugar, manifestar a minha dívida à Professora Teresa Levy, orieniadora desta dissertação. Para além do precioso apoio, ao longo dos quase nove anos em que acompanhou a sua realização, tenho ainda a agradecer-lhe a amizade em que quis transformar aquilo que, de início, era uma mera relação ds trabalho. Com a consciência de que, a um orientador, o agradecimento é sempre por defeito, devo-lhe tanto o que me disse quanto o que se coibiu de me dizer, tanto o apoio efectivo como a capacidade de escuta, o estímulo tanto quanto o respeito pelos ritmos, pela lentidão da escrita. Acima de tudo, talvez, a confiança.

Agradeço também aos Professores Herman De Djin, da "Katolieke Universiteit" de Leuven, pelo seu apoio aquando da minha deslocação em Bruxelas, particularmente no "Hoger Institui voor Wijsbegeene" efe Leuven e a Daniel Andler, director do "Centre de Recherche en Épistémologie Appliquée" do CNRS em Paris, pela disponibilidade com que me recebeu e pela orientação concedida no âmbito das Ciências Cognitivas.

O meu agradecimento também ao Professor Jürgen Mittelstrass, que em Konstanz, no verão de 1987, aceitou dirigir e discutiu comigo o meu primeiro projecto de doutoramento. O estímulo que então me quis manifestar para o concurso a uma bolsa da Fundação Humboldt que não vim a requerer, constitui um incentivo muito forte durante os primeiros desenvolvimentos do meu trabalho.

Ao Professor Marcelo Dascal, Decano da Universidade de Tel-Aviv que, um ano mais tarde, no verão de 1988, comentou o meu plano em termos que me levaram quase a desistir, mas que, depois disso, com a sua infinita generosidade, não deixou de me incentivar a perseguir a inspiração leibniziana deste trabalho e, nesse sentido, me convidou como Visiting Scholar no projecto de investigação "Leibniz lhe Polemicist" do "Institute for Advanced Studies" da Universidade Hebraica de Jerusalém, aqui fica também a manifestação de ioda a minha gratidão.

Agradeço também ao Professor Nicholas Fischer do Departamento de História e Filosofia da Ciência da Univereidade de Aberdeen, com quem mantive um frutuoso diálogo e que gentilmente pôs à minha disposição dois papers seus não publicados.

À Dr.' Margarida Pino, aos Professores João Félix Costa, Pedro Veiga e José Bragança de Miranda, agradeço o apoio bibliográfico que me concederam nas suas respectivas áreas de trabalho: Biblioteconomia, Ciências da Complexidade e Ciências da Comunicação.

Ao Departamento de Educação da Faculdade de Ciências de Lisboa agradrço as condições institucionais que me foram dadas para a minha invesligação. Em particular, gostaria de exprimir à Professora Odete Valente, presidente do Departamento, o meu sincero reconhecimento pela sua compreensão para com as minhas limitações de tempo e a consequente libertação de outros trabalhos bem assim como a generosidade das suas palavras db estímulo e encorajamento. Aos meus colegas, em especial aos Professores Mário de Azevedo e João Pedro Ponte, bem assim como à equipa do ex-Projecto Minerva, agradeço os diversos tipos de apoio prestado. Agradeço ainda aos meus colegas do "Projecto Mathesis", Prof. Teresa Levy, Dr. Henrique Guimarães e Dr. José Manuel Conceição, o companheirismo com que, em conjunto, demos os primeiros passos em tomo da ideia ( t interdisciplinaridade, as discussões que mantivemos, a inesquecível oportunidade de partilhar com eles a entrevista que realizámos a Georges Gusdorf, o empenhamento na acção que juntos desenvolvemos.

Uma palavra também de agradecimento à Sr.' D. Fernanda Freire pela ajuda prestada no processamento de alguns estudos preparatórios para esta dissertação e ao Sr. Rui Monteiro em quem encontrei sempre a maior disponibilidade e competência na solução de alguns prohlema.«i informático.*;.

Aos meus pais, irmãos e amigos mais próximos, em especial Dr. Rui Nunes e Prof. José Gil, agradeço o incentivo, o apoio de retaguarda que delicadamente me dispensaram.

Às minhas filhas, Patrícia e Catarina, que souberam aceitar como uma promessa tudo aquilo que, ao longo de quase dez anos, não lhes pude dar, a minha mais profunda gratidão.

pQTQ o realização desta tese recebi da JNICT uma bolsa para doutoramento de três anos que me permitiu-deslocar às bibliotecas de Paris e Leuven e me proporcionou a oportunidade de uma estadia na Bélgica de nove meses. Agradeço ainda ao CIEFCUL o apoio concedido para uma última deslocação em Agosto de 1996 que me permitiu regressar à biblioteca de Leuven. — "

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"O horizonte é o que se encontra sorpre à vista dos nossos olhos mas nunca ao alcance dos nossos passos"

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§ 1. Do tema desta dissertação

Este trabalho tem como seu o b j e c t o a questão da Unidade d a Ciência, tema recorrente de toda a cultura ocidental.

Aspiração antiga que, em tensão e alternância constantes com a tendência contrária à especialização, atravessa toda a história d o pensamento ocidental e que, após um período em que pareceu e s t a r totalmente ultrapassada pela disciplinaridade crescente resultante d o acelerado processo de especialização do conhecimento científico que se desencadeou no século XDC. é hoje de novo ressentida como exigência d o próprio progresso dos saberes especializados e da inventividade dos s e u s investigadores. Assim nos parece, de facto, poderem ser i n t e r p r e t a d o s diversos s i n a i s que, das mais diversas formas, se têm vindo a f a z e r sentir, quer a nível da produção, quer da transmissão e aplicação d o conhecimento científico: o apelo à interdisciplinaridade, a revigoração d o movimento enciclopedista, a emergência de novas c o n f i g u r a ç õ e s disciplinares tais como a teoria dos sistemas, as ciências cognitivas, as ciências da complexidade, a reabilitação das categorias da globalidade, d a interacção, da organização, da teleologia como objecto de u m a investigação científica cada vez menos reducionista ou os fenómenos d a integração, universalização e mundialização da cultura. Eles seriam como que uma primeira e tímida manifestação institucional da r a c i o n a l i d a d e transversal que, cada vez mais, liga as várias disciplinas.

Não estamos pois perante um tema entre outros, uma ideia m a i s ou menos bizarra e completamente ultrapassada. Pelo contrário, _pensamos que a ideia de unidade da ciência se confunde com a p r ó p r i a

ideia de ciência. Na verdade, na sua descrição mais breve, a ideia d e unidade das ciências não é mais que a unificação dos saberes, dos dados.

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das experiências, das regularidades, das leis, das teorias. Conhecer o mundo significa ter dele uma descrição minimal, isto é, unificada, identificar similaridades e formular leis universais. Neste sentido, a unidade da ciência seria a tarefa cognitiva central da própria ciência. Ela corresponde ao projecto de não renunciar à totalidade sob o pretexto d e ter que analisar cada uma das partes. A unidade da ciência não é a s s i m um arcaísmo nostálgico mas uma atitude de recusa activa dos limites que resultam da manifesta carência dessa unidade, uma reacção positiva face à especialização e à racionalidade instrumental que ela facilita. . .

Dos muitos nomes que, ao longo dos séculos, se confrontaram com a grande questão da Unidade da Ciência, Leibniz é porventura a q u e l e que, de modo mais fecundo e convicto, visa a unidade dos saberes. Nesse sentido, e de algum modo no prolongamento de anteriores investigações (cf. Pombo, 1987), este estudo tem uma tripla ambição: 1) p r o c u r a r pensar quais os desafios que a actual situação disciplinar dos s a b e r e s coloca à concepção unitária do saber de que Leibniz (mas não só ele) é um destacado representante, 2) ver de que modo Leibniz, e toda a tradição enciclopedista que dele se reclama, pode ajudar a pensar as questões que hoje se colocam aos diversos saberes em termos da s u a articulação e da mobilidade e reorganização das suas fronteiras, 3 ) apresentar, nos seus traços gerais, os desenvolvimentos teóricos d e Leibniz relativamente à ideia de Unidade das ciências os quais, t e n d o como pano de fundo o projecto de constituição uma Mathesis Universalis, se inserem no quadro do enciclopedismo filosófico. Em particular, interessa-nos ver de que modo, no contacto com algumas d a s investigações enciclopédicas que lhe são anteriores, Leibniz persegue o velho ideal lullista de uma ciência única e universal, ideal no qual, segundo cremos, estão pensadas algumas hipóteses e inspirações q u e podem - e devem - ser hoje de novo consideradas.

Trata-se de uma investigação na qual se cruzam três ordens d e problemas e interesses: por um lado, aqueles que, no prolongamento d o s trabalhos anteriores referidos, tomam L e i b n i z como e n q u a d r a m e n t o problemático e autor de referência fundamental; por outro lado, a q u e l e s que se prendem com o grande tema da Unidade da c i ê n c i a , tema q u e

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nos toca, não apenas em termos epistemológicos, mas também éticos e estéticos, enquanto princípio de harmonia dos Homens e do Mundo; p o r outro lado ainda, aqueles que respeitam à problemática do e n s i n o n a sua dimensão, não tanto pedagógica e institucional como cognitiva, enquanto sistema de transmissão do conhecimento científico e n t r e gerações, caso particular do processo de comunicação (sistematização / exposição discursiva e reprodução / transmissão) dessa forma p a r t i c u l a r e institucionalmente determinada de produção do conhecimento que é a ciência contemporânea.

O objectivo c e n t r a l que preside à elaboração desta d i s s e r t a ç ã o é assim o de, tomando Leibniz como fio de Ariana, p e r s p e c t i v a problemática e referência inspiradora, e tendo como campo de análise as transformações a que, ao longo dos séculos, a ideia de unidade das

ciências tem sido votada (nos seus programas fundadores, nos s e u s

níveis de realização, nas diversas figuras e manifestações institucionais a que tem dado origem, nas metáforas com que tem sido p e n s a d a ) , procurar ver de que modo o ensino, enquanto elemento m e d i a d o r constitutivo do fenómeno contemporâneo de especialização e compartimentação disciplinar do conhecimento científico (que se nos afigura ser um dos "factos epistemológicos" de maior relevância da n o s s a contemporaneidade), intervém, quer na origem das d i v e r s a s delimitações disciplinares e suas reorganizações, quer na situação actual e na reorganização futura dos saberes que a Escola, particularmente a Universidade, está já a ensaiar e vai certamente ter que operar em breve de modo profundo.

De facto, se é hoje amplamente reconhecido que o processo d e investigação científica só se torna possível e só pode ser desencadeado a partir da constituição de uma estrutura teórica dotada de um mínimo d e coerência institucional e consistência técnica, tais qualidades d e coerência e consistência - nas quais unicamente se pode fundar a capacidade heurística da teoria - implicam a mediação dos m e c a n i s m o s disciplinares e reguladores que operam no seio da instituição científica na qual o ensino ocupa um lugar decisivo. Dito de outro modo, se é na coerência e consistência da teoria que heuristicamente se p o d e fundar a acção divergente e diversificadora da investigação científica

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(enquanto actividade exploratória de estratégias cognitivas que visam a adequação/correspondência entre a teoria e os objectos/constructos p o r ela visados/significados), importa reconhecer que essa coerência e e s s a consistência - hoje e cada vez mais - supõem a acção normalizadora e geradora de consensos dos processos discursivos e dos m e c a n i s m o s disciplinares que constituem a instituição científica entre os quais o ensino se inclui, de forma específica e altamente diferenciada. Ora, ao reconhecer o lugar do ensino como mecanismo disciplinar no processo d e construção do conhecimento científico, ficamos em condições de e s p e r a r dele, não apenas uma acção de incentivo e reforço da f r a g m e n t a ç ã o disciplinar, como a possibilidade de um contributo válido na criação d a s novas formas de articulação dos saberes

E certo que tanto a epistemologia como a filosofia e a sociologia d o conhecimento contemporâneas chamaram já, e por diversas vezes, a atenção para o facto de a Ciência ser uma instituição que não dispensa a Escola. Thomas S. Kuhn, por exemplo, mostrou de que modo a ciência é estruturalmente dependente do ensino praticado pela instituição escolar e universitária. Aí se seleccionam, recrutam e formam, tanto aqueles q u e vão prosseguir a investigação no interior das balizas teóricas e técnicas em que foram dogmaticamente treinados, como aqueles q u e , precisamente porque educados do mesmo modo, estão preparados p a r a reconhecer as anomalias do seu paradigma e, portanto, para e x p l o r a r criativamente outras hipóteses explicativas. Numa palavra, o ensino d a s ciências é, para Kuhn, interior ao processo científico, constituinte d a entidade epistemológica complexa que é um paradigma sem a qual não é possível qualquer investigação normal ou extraordinária.

Mas, mesmo fora da epistemologia kuhniana, não será legítimo reconhecer a estreita articulação entre os dois registos? Mesmo s e m aceitar a perspectiva epistemológica de Thomas Kuhn - tão profundamente anti-unitária, tão incapaz de dar conta da continuidade entre sistemas conceptuais que não apenas se sucedem e substituem u n s aos outros, mas confrontam os seus pontos de vista, discutem as s u a s hipóteses, controlam os seus resultados, conjugam os seus esforços no sentido de um acréscimo de inteligibilidade - não será forçoso reconhecer a íntima solidariedade que, de forma cada vez mais decisiva.

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liga a construção do conhecimento científico ao mundo de significações, expectativas e interesses que, responsáveis pelo fechamento e r e l a t i v a "estabilidade da teoria, são simultaneamente o garante da sua coerência, consistência e capacidade heurística e que, em grande medida, são possibilitados pela existência de um sistema de ensino?

Não será hoje indispensável reequacionar o processo d e transmissão dos conhecimentos científicos à luz da natureza f o r t e m e n t e comunitária e institucional da ciência contemporânea? E, ao r e c o n h e c e r -se o c a r á c t e r constitutivo do processo de ensino na produção d o conhecimento científico, não se tornará necessário reavaliar a f u n ç ã o geral da Escola, em particular da Universidade? Não será então u r g e n t e reconhecer o seu papel não meramente reprodutor (como quis uma c e r t a crítica vanguardista e desconstrutora) mas também cognitivo e

heurístico, como tem sido repetidamente sublinhado desde Leibniz a t é

Humboldt, Schleiermacher ou Bachelard, mas também por autores tão diversos como Ampère, Bacon, Comte. St. Agostinho,;- Neurath, Peirce, Durkheim, Bertalanffy, Gusdorf, ou Piaget. Numa palavra, não s e r á necessário reconhecer a Escola como uma das figuras da unidade d a s ciências?

O nosso ponto de p a r t i d a é o de que, se por um lado o ensino, enquanto modalidade particular do processo de discursivização científica, está dependente de uma investigação prévia cujos resultados (e processos) podem (e devem) ser assim reproduzidos/transmitidos, p o r outro lado, a investigação está também (e cada vez mais) dependente dos processos de discursivização (comunicação e ensino) mediante os q u a i s são instituídos (formulados, defendidos e reproduzidos) os c o n s e n s o s teóricos e heurísticos necessários à realização da própria investigação. Por outras palavras, tal como Leibniz havia contestado a Descartes, investigação e prática discursiva (filosofia e Characteristica Universalis), invenção e comunicação, análise e símbolo, não são m o m e n t o s sequencialmente determinados de um processo linear único m a s processos paralelos e recorrentes de uma mesma tarefa: a constituição unitária (unificada) do saber só possível pela exploração diferida e p l u r a l da reciprocidade e correlação entre as duas grandes dimensões d a "actividade racional humana: as ordens cognitiva e comunicacional.

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Tal é a tarefa que aqui se defende ser a de uma filosofia d o ensino que, recusando o mito de uma educação que dispensa o e n s i n o (mito que retira sentido ao esforço dos estudantes e que atribui u m a popularidade fácil aos professores), se dedique à articulação do p a r Ciência e Escola, isto é, uma reflexão epistemológica aplicada que

estivesse atenta às complexidades educativas como forma de aceder à

compreensão das características especiais que, em grande parte, d e f i n e m o regime discursivo e a natureza dos dispositivos cognitivos de todos aqueles que criam e usam a ciência e a sua linguagem. Esta d i s s e r t a ç ã o assume-se mesmo como um contributo para o delinear do que e s s a filosofia do ensino poderia ser enquanto esforço para pensar esse acto específico de comunicação e construção cultural que é o Ensino. Gostaria porém de deixar bem claro que tudo o que adiante for dito sobre o ensino não terá qualquer intuito pedagógico, isto é, não visará de f o r m a alguma responder normativamente à pergunta: Como e n s i n a r ? Pergunta insensata e irrespondível em cuja normatividade abstracta se situa, a meu ver, um dos g r a n d e s pecados da pedagogia. O que se s e g u e está norteado por uma intenção meramente interrogativa: O que é ensinar ? O que é isso de ensinar?

Mais que uma hipótese, trata-se de ura desejo: contribuir para a constituição de uraa filosofia do e n s i n o que contrarie a valorização excessiva do conceito de educação a que temos assistido (e que se faz sempre em detrimento do ensino), ou melhor, que valorize o ensino - e a educação (intelectual) que só por ele se alcança. No fundo, retomar o preceito socrático de que o homem sábio é naturalmente bom. Ao m e n o s refundi-lo num outro que dissesse que não poderia ser bom, não s e n d o sábio.

ÜcsKii

Se Leibniz é uma presença constante, que pontua, a c o m p a n h a , bordeja cada movimento deste trabalho, Foucault é o grande a u s e n t e . Digamos que ele está lá pela sua sombra.

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Mais que quaisquer outras, "as palavras e as coisas" estão nos interstícios deste estudo. Fechado, abandonado o livro no seu repouso e na sua quietude, ele permanece como aquilo que sempre pressenti e q u e , sem ele, nunca teria sido capaz de pensar.

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§ 2. Do plano desta dissertação

Em termos esquemáticos, é este o plano do trabalho que a seguir se apresenta:

interdisciplinaridade (Introdução) UC) ideia ÍI E ^ e )

níveis

figuras (II E^rte) ^ ^ biblioteca

nuseu l\ ^ escola

1 eiiciclcpédia república dos sábios cperador - classificação eiciclcpédia metáforas (III Parte) (Conclusão) A I n t r o d u ç ã o é dedicada à I n t e r d i s c i p l i n a r i d a d e e n q u a n t o manifestação actual da ideia de unidade das ciências. Será nosso líHjéctivo procurar caracierizar a actual situação disciplinar dos s a b e r e s ,

compreender e interpretar o "apelo interdisciplinar" que a a t r a v e s s a .

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procurar as articulações que ligam essa situação à estrutura actual do ensino na generalidade das sociedades europeias. Trata-se de u m conjunto heterógeneo de discursos e projectos com pressupostos, pontos de partida, nível formal, estilo, âmbito e finalidades não coincidentes e mesmo, por vezes, divergentes. Aceitando essa dispersão, p r o c u r a r e m o s apresentar as principais circunstâncias e contextos em que o conceito aparece e o modo como, em cada caso, ele é utilizado. P r o c u r a r e m o s também ilustrar as práticas e experiências a que tem dado origem, q u e r a nível da produção, quer da transmissão do conhecimento científico. Sem perder de vista essa articulação - Ciência e Escola - constitutiva do núcleo de propósitos o r i e n t a d o r e s desta dissertação - p r o c u r a r e m o s acompanhar os seus desenvolvimentos tendo em vista a l i t e r a t u r a existente, tanto na sua vertente epistemológica (aquela onde se e n c o n t r a grande parte das reflexões mais consistentes sobre a problemática d a interdisciplinaridade) como pedagógica.

Na I P a r t e , c o m e ç a r e m o s por procurar dar conta das categorias implicadas na análise da Ideia de Unidade das C i ê n c i a s , identificar e caracterizar aquelas que nos parecem constituir as suas principais formas de teorização, as mais importantes linhas de fractura que. e m cada caso, se fazem sentir: determinar o seu estatuto enquanto processo real de unificação das diferentes disciplinas científicas què a c o m p a n h a internamente o seu desenvolvimento histórico, ou acto de antecipação metodológica pelo qual se pretende desencadear, promover, facilitar a unificação das ciências particulares; questionar o seu fundamento, a s u a relação com a filosofia das ciências, a metafísica, a lógica, a metodologia. Sem pretendermos fazer a. história da ideia de unidade das ciências, ainda assim assinalaremos quatro programas exemplares na relação ampla entre a filosofia e a ideia de unidade da ciência: um primeiro, anterior à constituição da ciência moderna, o programa medieval d e unidade dos saberes, p r o g r a m a que visa a unificação, melhor dito. a

subordinação de todos os saberes, não à Filosofia como saber racional,

mas à Teologia como saber que tem o seu fundamento na revelação e que, simultaneamente, consagra a configuração disciplinar hierárquica e escatológica da universidade medieval; dois programas, c o n t e m p o r â n e o s da emergência da ciência no século XVII. em que a unidade da ciência

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tem como paradigma, num caso, a lógica indutiva, noutro a matemática -os project-os seiscentistas de uma Instauratio Magna enquanto p r o j e c t o anunciador da ciência moderna e dos mecanismos indutivistas d e aprendizagem e aquisição do conhecimento, e o projecto de. u m a

Mathesis Universalis enquanto ciência universal, totalmente formalizável

e imediatamente acessível que, como dizia Descartes, permitia "fazer surgir as verdades em qualquer assunto" (Regula IV, Oeuvres. I: 94); e um quinto que se desencadeia em torno da física nos anos trinta d o nosso século e no qual o projecto de unidade da ciência ganha c o n t o r n o s de um verdadeiro movimento - o movimento neopositivista para a unidade das ciências - conjunto de posições teóricas a que c o r r e s p o n d e m claras finalidades enciclopedistas e educativas de comunicação universal. Num segundo capítulo, será nosso objectivo apresentar, de f o r m a simultaneamente sistemática e sintética, a diversidade de modos de

conceber a realização da ideia de unidade da ciência. Nesse sentido, e

porque tais modalidades de realização da ideia de unidade da ciência s e apresentam de forma hierarquicamente diferenciada, d i s t i n g u i r e m o s

três grandes níveis: unidade das linguagens, unidade das leis e teorias, e

unidade dos métodos.

É uma distinção que tem sobretudo em mente o s desenvolvimentos recentes da problemática da unidade da ciência e as demarcações teóricas que foram produzidas em especial no interior d o positivismo lógico mas que, segundo cremos, pode permitir u m a apresentação ordenada das principais níveis em tem sido projectada a realização do programa de unidade das ciências. Em limite, o que está e m jogo na distinção aí proposta é mais a relevância que é dada por c a d a

autor a um determinado nível de realização da ideia de unidade d a ciência do que a sua pertença exclusiva a um deles. Assim se explica q u e , em alguns casos, o nome de um mesmo autor apareça em mais do q u e um dos três parágrafos do segundo capítulo da primeira parte, cada u m dos quais relativo a um dos três níveis a p o n t a d o s . É claro que h á determinados programas que não se enquadram perfeitamente n e s t a s distinções, ou porque não se limitam a um dos níveis propostos {o

movimento neopositivista), ou porque são dificilmente classificáveis (o

programa Baconiano de uma Instauratio Magna)^ ou porque se a r t i c u l a m "segundo determinações muito singulares {Mathesis universalis), o u

porque são pesados demais, demasiado fortes para se d e i x a r e m

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decompor em categorias que lhes são completamente estranhas {Redução

das Ciências à Teologia). Por isso, justamente, lhes damos um t r a t a m e n t o

destacado, antecipando, no primeiro capítulo, uma apresentação genérica que, na maior parte dos casos, será posteriormente retomada.

A II P a r t e será dedicada à analise das F i g u r a s da U n i d a d e das Ciências, das materializações a que essa ideia tem dado origem, d a s

estruturas institucionais em que se tem manifestado a procura d a

unidade do conhecimento, dos mecanismos que foram d e s e n c a d e a d o s com o objectivo de a promover (escola, biblioteca, museu, a républica dos sábios e enciclopédia). Do reconhecimento das suas proximidades, da s u a convergência em relação ao comum objecto visado - a unidade da ciência - faremos decorrer a análise relativamente detalhada das suas m ú l t i p l a s

articulações. Como procuraremos mostrar, mais do que um simples jogo

de complementaridades, essas articulações "poliédricas" r e v e l a m - s e enquanto configuração estruturada, realidade orgânica dotada d e capacidades descritivas e normativas.

Atenção especial será dedicada à classificação das ciências enquanto "operador transcendental" dessas figuras, s i m u l t a n e a m e n t e , seu lugar de cruzamento, seu contraponto e sua comum base d e sustentação. Veremos de que modo, na história da classificação d a s ciências, há episódios diversos que a articulam diferentemente com as vicissitudes da organização de bibliotecas, da construção d e enciclopédias, da configuração escolar dos saberes, do museu, d a república dos sábios. Veremos igualmente, de que modo a classificação das ciências, constituída como problema central da filosofia da ciência no século XDC. perde em grande parte esse estatuto no século XX, constituindo-se então enquanto caso particular do problema d a classificação em geral. Sob os nossos olhos, a classificação das ciências d á lugar a uma "ciência da classificação" que tem por tarefa o estudo d e todos os possíveis sistemas de classificação. Numa época como a nossa, em que tudo se pode classificar, em que, como diz Georges Perec (1985:

156), há uma utopia da razão classificativa que visa constituir "um lugar para cada coisa e cada coisa no seu lugar", trata-se agora, não já d a classificação dos entes, das ciências, ou sequer dos textos no seu s u p o r t e de livro, mas da classificação das informações na sua vertiginosa

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exaustividade e virtualidade. A razão classificativa tem porém q u e reconhecer o carácter paradoxal dessa sua extrema pretensão. Sendo as coisas que há para significar infinitamente diversas, a exaustividade d a classificação teria como limite a sua própria impossibilidade. Daí q u e , como diz Diemer (1974: 160), os problemas da classificação do saber só seriam resolvidos "se existisse um Deus todo poderoso dotado de u m saber absoluto que, não apenas soubesse tudo, como soubesse que s a b i a e como sabia".

Lugar privilegiado da unidade do mundo e da unidade do saber, à E n c i c l o p é d i a será dedicada toda a III P a r t e . Partindo de u m a caracterização geral das determinações formais do género "enciclopédia", procuraremos estudar as grandes linhas do pensamento e n c i c l o p e d i s t a organizadas em duas modalidades fundamentais: a enciclopédia geral e a enciclopédia filosófica. Embora, em sentido preciso, a enciclopédia seja, como veremos, um produto do século XVII, procuraremos i d e n t i f i c a r algumas das suas raízes antigas e medievais. A nossa atenção s e r á contudo dirigida para o enciclopedismo barroco, iluminista e p o s i t i v i s t a procurando compreender as formas de organização e unificação do s a b e r que, em cada caso, foram ensaiadas. No âmbito da enciclopédia geral, acompanharemos com maior detalhe essa realização monumental que é a Encyclopédie. espécie de laboratório onde se jogam, com uma n i t i d e z cristalina, todos os enredos, virtudes e dificuldades do próprio p r o j e c t o enciclopedista. Na enciclopédia filosófica, cuja especificidade se procurará estabelecer, teremos um duplo objectivo: 1) compreender os três grandes antecedentes que o projecto leibniziano recobre (Lull, Comenius e Bacon) de forma a poder avaliar o lugar ímpar que Leibniz ocupa na história d o enciclopedismo enquanto formulação extrema do modelo teórico, simultaneamente rigoroso e heurístico, da estruturação sistemática d o s conhecimentos humanos; e 2) acompanhar os desenvolvimentos d o movimento enciclopedista nos séculos XIX e XX, em especial no que diz respeito ao enciclopedismo positivista e neo-positivista.

Num último capítulo, tentaremos perceber por que razão, face à morte anunciada do enciclopedismo, face ao seu previsível e s g o t a m e n t o decorrente do progresso acelerado e da especialização exponencial d o conhecimento, se assiste hoje, não apenas a uma revigoração do p r o j e c t o

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enciclopedista (cujas principais tendências procuramos identificar), como à aproximação vertiginosa do seu (quase) cumprimento na tecnologia d a s máquinas informáticas e da sua ambição totalizadora.

Concluiremos com a análise comparativa das M e t á f o r a s que. ao longo deste estudo, foram encontradas para pensar a unidade d a s ciências. O jogo das diferentes figuras da unidade das ciências, as s u a s articulações e a sua surpreendente integração, apontam para u m a radicalização da ideia de harmonia. Entre uma categorização e x a u s t i v a dos princípios do saber e uma metafísica dos objectos desse saber, a b r e -se hoje - sob os nossos olhos incrédulos e não habituados a ver ao perto a realidade monadológica da entre-expressão infinita dos d i v e r s o s domínios do saber.

Ainda na conclusão, procuraremos ver em que medida a Escola, particularmente a universidade, por tradição organizada de f o r m a rigidamente disciplinar, vai ter que proceder, era breve tempo, a u m a profunda reorganização estrutural como forma de viabilizar a constituição e desenvolvimento dos novos campos interdisciplinares d e investigação requeridos pela evolução dos saberes científicos. Nesse sentido nos parece poderem ser já detectáveis alguns sinais : algo d a ruptura da universidade de hoje. do seu estilhaçamento em institutos, laboratórios, centros de investigação, poderá porventura ser interpretado como sinal, por enquanto indelével, de uma pretensão que v i s a justamente romper com a organização disciplinar tradicional e conquistar uma outra forma de intervenção na construção e comunicação dos saberes.

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§ 3. Da metodologia desta dissertação

Começar por aceitar uma dispersão de projectos e fios d e investigação, de acontecimentos de leitura. Aceitar também que e s s a dispersão não é porventura senão aparente, que ela resulta d o pressentimento de um sentido que eventualmente a atravessa. Deixar amadurecer essa suspeita, permitir que a dispersão vá l e n t a m e n t e exibindo o seu princípio organizador. O que importa é não cair n a tentação de ligar imediatamente diferentes discursos, reduzi-los, v ê - l o s como jogos de semelhança, espelhos uns dos outros, dizéndo todos a mesma coisa. Há que aceitar, há que acreditar que são heterogéneos, q u e dizem coisas diferentes, que não pertencem todos ao mesmo campo, q u e não estão todos ao mesmo nível. Só quando for impossível manter o s e u afastamento é que estaremos prontos para reconhecer as s u a s proximidades, perceber a sua aspiração comum.

Praticar o gosto pela vagabundagem entre os s a b e r e s estabelecidos. A p r o x i m a ç ã o (ela mesma interdisciplinar) que c o n v o c a vários discursos, várias argumentações provenientes de lugares teóricos divergentes e que se forçam aqui à convergência, que desloca conceitos de uma disciplina para outras, que aborda problemas que t r a n s b o r d a m várias disciplinas positivas ou - é necessário talvez dizê-lo - que são rejeitados nas suas margens como utópicos (unidade da ciência), atópicos (república dos sábios), virtuais (enciclopédia). Não como forma d e conseguir unificar discursos heterogéneos, de procurar sequer u m a qualquer comunidade de sentido que eventualmente os atravessasse. Ao invés, o objectivo é poder tomá-los como múltiplos pontos de vista s o b r e uma mesma cidade - o conceito de unidade das ciências.

Saída também para fora da literatura que pertence ao domínio d a chamada "Filosofia da Educação", literatura especializada, quase s e m p r e

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estéril, desinteressante, repetitiva, mortífera. A reflexão sobre a educação perdeu a sua vocação questionante, ela serve as instituições educativas, visa viabilizá-las, vai a seu reboque. Parece afectada de u m a incapacidade para qualquer audácia construtiva ou sequer crítica. Mais, muito mais do que "prever", "controlar", "gerir", seria preciso compreender, propor, inventar, preparar e preparar-se • para aquilo q u e de essencial sempre houve na Escola e que o mito da m u d a n ç a permanente tende a fazer apagar.

Procuraremos, tanto quanto possível, construir d e f i n i ç õ e s p a r a os termos que u s a m o s (interdisciplinaridade, unidade das ciências, figuras da unidade das ciências, escola, biblioteca, museu, república dos sábios, classificação das ciências, enciclopédia). As ciências humanas t ê m dificuldade em definir. Não porque lhes falte o rigor que outras ciências detêm mas porque os seus objectos são infinitamente mais complexos. A problemática da escola - que a nosso ver se não pode constituir como ciência (da educação) por outras razões, fundamentalmente porque a teoria está contaminada na sua raiz com a actuação prática imediata -necessita com urgência de definições. Aqui. elas não servem para f a z e r doutrina mas para permitir o diálogo das várias doutrinas em conflito. Sem esse esforço de definição, grassa a mais lamentável confusão. Procuraremos também fazer proliferar as d i s t i n ç õ e s . Muitas p o d e r ã o parecer inúteis, precárias, vazias, um luxo excessivo. Mas, s e g u n d o cremos, é de distinções que o trabalho no interior da filosofia é fundamentalmente feito.

Na ausência de um texto fundador, de um autor em cuja o b r a fosse possível encontrar uma reflexão aprofundada dos diversos aspectos em jogo na análise da unidade das ciências, um texto fundador q u e teorizasse as suas funções, mecanismos, níveis, modalidades, processos, as suas metáforas, figuras e operador, texto que se deixasse t r a t a r segundo os métodos hermenêuticos e histórico-filosóficos r e q u e r i d o s pela natureza das questões abordadas, optámos por uma a p r o x i m a ç ã o simultaneamente conceptual e sistemática que, em d e t e r m i n a d o s momentos, implicou a adopção de metodologias de abordagem empírica e de análise institucional.

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Face à impossibilidade de um tratamento exaustivo das q u e s t õ e s abordadas, de um esgotamento das articulações nelas implicadas, procederemos através de uma série de exemplos ilustrativos d a s principais determinações dos conceitos analisados. O trabalho da filosofia não visa estabelecer relações gerais entre factos v e r i f i c á v e i s intersubjectivamente. Não necessita por isso de partir de um elenco d e dados empíricos. Estabelece articulações teóricas e conceptuais e vai ao real seleccionar, iluminar aquilo que lhe interessa. Um só facto p o d e bastar para pôr à prova a pertinência das categorias com que t r a b a l h a . Dito de outro modo, ao contrário da ciência, a filosofia não está e n r e d a d a nas aporias da generalização, nas fragilidades da indução. De a l g u m a manèira, ela está antes e depois da ciência. Antes porque ela é u m a reflexão sobre os problemas na complexidade e riqueza . da s u a concretude, antes que a ciência os tenha decomposto, analisado.- Depois porque procura teorizar e para tal integra, nos mecanismos o p e r a t i v o s abstractos que ela mesma produz, os dados que as ciências vão a p u r a n d o e de que ela se serve a seu belo prazer. Como diz Giles Gaston G r a n g e r (1988: 175), "a filosofia não tem objecto, a sua vocação é reconstruir a totalidade virtual de um vivido", isto é, a filosofia não procura a v e r d a d e mas o sentido (cf. Gil, 1990: 11 e 17).

Procuraremos porém usar e x e m p l o s - t i p o , retirados da. h i s t ó r i a dos enjeux, das ideias, formações e dispositivos aqui analisados, m a s obedecendo a categorias de articulação, a critérios de relacionação q u e julgamos pertinentes para apresentar q u a d r o s s i s t e m á t i c o s q u e

ilustrem as diversas modalidades em presença, que permitam c o n s i d e r a r os programas, os movimentos e as figuras mais pregnantes, q u e identifiquem os contornos das formas de organização dos saberes n u m determinado momento e que permitam a sua perspectivação epocal.

A esta perspectiva sistemática teremos que associar u m a perspectiva h i s t ó r i c a . Não se encontrará, porém, nas páginas que se seguem, uma história exaustiva da ideia de unidade da ciência, u m a história da enciclopédia, da classificação das ciências, uma história d a ^çonfiguração disciplinar dos saberes cjue^ lenta e obscuramente^ se vai

operando na instituição escolar. O que nos propomos fazer - i m p o r t a

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dizê-lo de novo - são análises transversais. Não o avanço linear de u m a formação cultural.

Na impossibilidade de traçar a história completa dos d i v e r s o s projectos e contributos, privilegiaremos dois m o m e n t o s : a e m e r g ê n c i a da ciência moderna no século XVII e o nosso século. Se a d e t e r m i n a ç ã o em estudo é pertinente, ela há-de ser visível hoje e nos começos. No século XVII. pensar a ciência é pensar as condições da sua unidade, as suas formas e metáforas constitutivas. O problema da "unidade d a ciência" tem então igual extensão ao problema da "ciência". Pensar a ciência é pensar a sua unidade. É também no século XVII que,. como veremos, o método adquire o estatuto de tema filosófico central. Mas, mais uma vez, com Bacon, com Descartes, com Leibniz, pensar o método é pensar a ciência na sua unidade (como Instauratio Magna ou como

Mathesis).

A grande excepção é relativa à enciclopédia. Seria impossível n ã o dar um especial relevo ao século XVIII, ao século de Diderot e d'Alembert. Não é por acaso que o século das luzes é o século d a enciclopédia. Cem anos de ciência tornavam então urgente a c o n s t r u ç ã o da "ordem e encadeamento" dos conhecimentos humanos. Face à autonomia das disciplinas fundamentais, à cobertura integral que a ciência fez da natureza (física, química, biologia, geologia) e à avassaladora massa de conhecimentos que se vão conquistando, o século XVIII pensa a unidade como um programa autónomo, distinto da p r ó p r i a teoria da ciência, a partir da questão da organização dos conhecimentos, do catálogo dos saberes, da enciclopédia. Só a partir de então é que a unidade das ciências se constitui como um filosofema próprio, d e i x a n d o de implicar uma teoria geral do saber.

Uma outra excepção diz respeito à classificação das ciências, programa que se manifesta sobretudo no século XIX. Século da explosão das disciplinas, a emergência subterrânea das ciências humanas que aí teve lugar veio perturbar de forma radical as tábuas do saber que, d e s d e os gregos, apagavam do seu interior o lugar do homem. Ela obrigou a u m esforço de reordenamento global dos saberes que se traduziu n u m a insólita proliferação de esquemas de classificação das ciências.

Tal impõe a referência a vários a u t o r e s de diferentes épocas e que não têm a mesma importância. Poderá ser chocante referir n u m

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mesmo capítulo autores tão desiguais como Leibniz, Descartes, Niels Bohr, Prigogine e Stengers. Bertalanffy, Carnap, S. Boaventura, ou Ruytinx, Carrier e Mittelstrass, V. S. Gott, Herbert Hõrz. Mas a isso nos obriga o intento que orienta o este trabalho de pensar o problema da unidade d a ciência nas suas antinomias constitutivas, dar conta das suas diferentes e divergentes formulações, nos seus diversos níveis, nos seus enredos m a i s f u n d a m e n t a i s .

Esta proliferação de autores exprime outra das condições d e s t e trabalho: o facto de ele não ter tanto por objecto a ciência como os discursos sobre a c i ê n c i a . E esses discursos são de uma d i v e r s i d a d e quase infinita. Eles vão das reflexões dos próprios criadores científicos, sistemáticas, dispersas ou mesmo ocasionais, às especulações do filósofo, tanto no plano da epistemologia, como das ontologias da razão, ou d a s teorias da cultura, passando pelo discurso dos sociólogos, d o s construtores de enciclopédias, dos classificadores e organizadores d o s saberes, dos pedagogos, dos poetas, ficcionistas e outros utopistas d e cujos sonhos esta tese também se alimentou. Diversidade também d e gramáticas, vocabulários e contextos. Se colocámos lado a lado T e o f r a s t o (sec. IV a.C.) e Feyerabend, St. Agostinho e Karl Popper, Bacon e Prigogine, foi porque quereríamos fazer ressoar todas as memórias d e que se compõe ò projecto de unidade das ciências, porque gostaríamos de fazer justiça a todas as vozes, a todos os rastos dessa imensa c a d e i a inventada na Grécia e de que somos herdeiros.

Não se trata de inventar nada de novo, de fazer p r o p o s t a s normativas ou apontar novos caminhos. Trata-se de "dar a ver" r e l a ç õ e s muito antigas mas que têm permanecido caladas, de descrever r e l a ç õ e s determinadas, analisá-las na sua coexistência, no seu f u n c i o n a m e n t o recíproco, no papel que desempenham, nas virtualidades que realizam, nos valores de que são portadoras, nos princípios que as fazem circular.

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Num estudo que tem por ambição maior a descrição de u m a situação actual e. porventura mais profundamente ainda, a indicação prospectiva de uma situação futura, poderá ser motivo de estranheza o recurso tão frequente à análise histórica do passado, ao olhar retrospectivo. Aqui se insinua um pressuposto nosso (leibniziano) q u e não quereríamos deixar de explicitar: a crença muito firme de que a inovação supõe sempre a tradição, de que a revisitação do passado é u m elemento indispensável da autonomia do pensar, de que a criação d e novas estruturas passa pelo reencontrar de uma história, pelo c o n s t r u i r de uma narrativa, de que o novo se tece com o antigo.

Nessa crença se fundamenta também a elevada ideia que t e m o s da Escola. Comecemos por Ela.

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§ 4. Dos motivos e circunstâncias que

explicam a escolha do tema desta

d i s s e r t a ç ã o e da hipótese central

que a orienta

i . Primeiros Passos

Com formação académica de base na Filosofia e com a l g u m a experiência dos problemas do ensino da Filosofia^, quando em 1 9 8 4 - 8 5 iniciei o meu trabalho como assistente convidada na Faculdade d e Ciências de Lisboa, Departamento de Educação, procurei ver de q u e maneira poderia colocar essa experiência ao serviço daqueles que a q u i encontrei - alunos das diversas Licenciaturas em Ensino das Ciências^.

No primeiro ano, foi-me atribuída uma cadeira intitulada " A c ç õ e s Pedagógicas de Observação e Análise". Tratava-se de uma c a d e i r a nova, que ia ser instituída pela primeira vez, justamente nesse a n o (1984-85). e na coordenação da qual, além disso, me foi proposto q u e colaborasse. A cadeira tinha como objectivo facultar aos alunos - f u t u r o s professores - a oportunidade de, a partir da Universidade, contactar c o m a Escola Secundária, isto é, realizar "acções de observação e análise" d a

^Tendo começado por ser professora de Filosofia no ensino secundário, estive durante v á r i o s anos ligada à formação de professores de Filosofia (quer como orientadora de estágio c l á s s i c o , quer como orientadora pedagógica no âmbito da profissionalização em exercício para F i l o s o f i a na área da grande Lisboa, quer ainda enquanto professora convidada a leccionar a cadeira d e "Didáctica da Filosofia" na Universidade Nova de Lisboa), sempre me interessei pela r e f l e x ã o sobre o onsino da Filosofia, no flmbito da qual tive oportunidade de realizar a l g u m a investigação e publicar alguns trabalhos.

^Nomeadamente. "Ensino da Matemática", "Ensino da Física e Química" e "Ensino da Biologia e Geologia".

â í Ô L I O T E C ^ 2 2 HARO E O U a a O M A l

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realidade escolar na qual se iria desenvolver a sua actividade f u t u r a como professores.

Este conjunto de circunstâncias permitiu-me acompanhar de p e r t o os primeiros passos da vida dessa cadeira e propiciou-me uma e x c e l e n t e oportunidade para, desde o inicio do meu trabalho no Departamento d e Educação da FCUL, me sentir confrontada com a urgência de uma reflexão sobre os problemas da formação de professores de ciências.

A cadeira apresentava (e continua a apresentar) uma situação muito curiosa: os estudantes que a frequentam são nela c o n f r o n t a d o s com a especificidade e ambiguidade do seu estatuto de

alunos-futuros-professores. Na verdade, esses estudantes são fundamentalmente a i n d a alunos. Todo o seu passado escolar é de alunos e o seu presente,

enquanto "estudantes universitários", é também o de alunos. Além disso, três anos antes - a cadeira funcionava logo a partir do terceiro ano d a s Licenciaturas em Ensino^ - esses estudantes eram ainda alunos da escola secundária, isto é, da escola que, agora, a cadeira de "Acções Pedagógicas de Observação e Análise" tinha justamente por objectivo leva-los a "olhar" do "ponto de vista" dò professor. Mas, simultaneamente, e s s e s estudantes, são já futuros professores, convidados portanto, pelo p r ó p r i o processo de formação em que estão inseridos, a projectarem-se como professores que em breve serão.

Há sem dúvida, nesta cadeira, um imenso efeito enriquecedor q u e decorre justamente do facto de, nela. ser proposto ao aluno um s a l u t a r deslocamento de perspectiva. Pareceu-me no entanto existir aí a possibilidade de intervenção de um efeito extremamente perverso: m a l acabava de sair da escola secundária (nessa altura, apenas 3 a n o s depois), ainda aluno portanto da faculdade e com um p a s s a d o inteiramente de aluno, já o seu olhar estaria a ser precocemente dirigido, não apenas para o seu futuro local de trabalho, como também para a s u a futura profissão de professor. Pareceu-me que tudo isso podia s e r

^Inicialmenie desdobrada, em todas as Licenciaturas em Ensino, em "Acções Pedagógicas d e Observação e Análise 1" e "Acções Pedagógicas de Observação e Análise H", l e c c i o n a d a s , respectivamente, no terceiro e no quarto anos, a cadeira veio posteriormente, de acordo com a recente reformulação das Licenciaturas em Ensino, a ser reduzida a um único ano. com excepção da licenciatura em Ensino da Biologia e Geologia (variante Geologia) onde continua a s e r b i a n u a l .

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demasiado rápido, prematuro, que havia o perigo de a cadeira a d o p t a r uma orientação excessivamente profissionalizante. A ser a s s i m entendida, a cadeira perdia-se enquanto oportunidade de u m a inestimável experiência humana (o facto de, nela, o aluno poder s e r convidado a um certo distanciamento crítico, à experiência de uma c e r t a rotação perspectivista, a tentar, pelo menos uma vez na vida, adoptar a perspectiva do outro). A ser assim entendida, a cadeira podia r e s v a l a r , com facilidade, para mais um subtil mecanismo de doutrinação, d e indicação normativa de procedimentos, regras, técnicas, recomendações e receitas com que, constantemente, somos bombardeados e que, de u m a forma ou de outra, com mais ou menos inocência, subtileza ou perversidade, visam orientar a nossa acção.

Pareceu-me que, àqueles alunos - futuros professores - o q u e faltava não era tanto um encaminhamento precoce para a acção, mas, ao invés, tempo para pesar (e pensar) o sentido do ensino das ciências a n t e s de serem chamados às responsabilidades e urgências da sua futura v i d a activa. O que importava era contrapor, à precoce especialização e profissionalização tendencial da sua formação, uma oportunidade p a r a

parar e reflectir, de forma livre e global, sobre o significado da s u a

função futura enquanto professores de ciência(s).

Quereis ser professores de ciência(s)? Mas, que pensais vós d a ciência que ides ensinar? O que é para vós "A Ciência"? E, o que é a ciência particular ( Biologia, Geologia, Matemática, Física ) que a m a n h ã sereis chamados a representar? Tereis que introduzir os vossos alunos no método experimental. Mas, que sentido tem falar de m é t o d o experimental ? Haverá um método comum às várias ciências? Dir-vos-ão, por exemplo, que convém ensinar a ciência tal como ela se foi construindo. Mas, como é que ela se foi construindo? E, o que é hoje a ciência, nos fmais do século XX? Que novidades epistemológicas, c u l t u r a i s e institucionais a caracterizam? Que fazer para contornar os efeitos d a sua especialização extrema junto dos alunos? Donde decorre o e n o r m e prestígio e poder de que a ciência hoje desfruta? Como encarar as responsabilidades éticas daí decorrentes para o ensino das ciências?

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Quis-me parecer que num curriculum de formação de p r o f e s s o r e s de ciências, deveria haver um lugar para este tipo de r e f l e x ã o epistemológica. Tal obrigava à criação de um novo componente c u r r i c u l a r no qual, aos estudantes, seria proposta a aprendizagem de um novo tipo de informações e conhecimentos, designadamente na área da História e Filosofia das Ciências.

O que estava agora em causa era a criação de um novo espaço

curricular no qual os estudantes seriam solicitados a suspender por u m

momento a aquisição aditiva de novos saberes científicos, motivados a adquirir conhecimentos heterogéneos relativamente àqueles a q u e estavam habituados, convidados a parar para pensar (e pesar), o m e s m o é dizer, um espaço para semear este tipo de inquietação.

No caso da formação de um professor de ciências (e não só), parece não haver tempo para mais do que a aquisição das c o m p e t ê n c i a s especializadas que constituem os rígidos curricula da sua formação^. O futuro-professor sai da escola secundária, entra na Faculdade, e é imediatamente submerso pela necessidade de "fazer" inúmeras cadeiras, pela velocidade do regime de semestres em que as várias licenciaturas estão organizadas. Começa mesmo, com alguma frequência, a dar a u l a s imediatamente, isto é, antes de ter concluído a sua formação científica. Nas áreas científicas em que a sua formação é feita, não têm sequer nisso dificuldade. Não há hoje, aliás, qualquer dificuldade em ser-se

professor-estudante, estatuto este que, paradoxalmente, consagra mais u m a

imperfeição do sistema (o estudante já é professor) do que u m a excelência individual (o professor continua a ser estudante).

Ora, no modelo semi-integrado de formação de professores e m que estão inseridos os alunos das Licenciaturas em Ensino da FCUL, parecia estar aberta essa possibilidade^. Na verdade, após o processo d a formação científica universitária (FCU) e era regime de integração nos dois últimos anos da licenciatura, a formação pedagógica teórica, q u e

^Referimo-nos à quase total ausência (a nosso ver, de lamentar), de cadeiras de opção nos actuais curricula científicos da nossa Faculdade. Fica ainda por saber se. mesmo no i n t e r i o r das diversas licenciaturas científicas. não se assiste hoje a uma tão e x t r e m a compartimentalizaçâo (por cadeiras) que inviabilisa. ou pelo menos dificulta, uma p e r s p e c t i v a ampla, abrangente, da área disciplinar em questão.

^Retomamos aqui. com algumas alterações, a análise deste modelo que apresentámos n o u t r o lugar. Cf. Pombo (1993a: 42-43).

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antecede o período de estágio (E) numa Escola Secundária (ES) p r e v i s t o para o 5° ano, inclui um conjunto de componentes curriculares q u e julgamos ser possível agrupar em cinco tipos, de acordo com o e s q u e m a

seguinte:

Formação científica

Formação pedagógica

Profissão

(figura 1 - Modelo de Formação de Professores da FCUL

1) componentes de enquadramento geral - "História e Filosofia d a Educação" (HFE) e "Pedagogia" (P);

2) componentes relativas à atenção devida à figura do aluno (A), ao conhecimento das suas determinações psicológicas e sociológicas, respectivamente, "Psicologia da Educação" (PE) e "Sociologia da Educação" (SE);

3) componentes relativas ao trabalho do professor (P), tanto n a perspectiva de uma "Didáctica Geral" (D), como das "Metodologias Específicas" (M) correspondentes ás diferentes licenciaturas ( Ensino d a Matemática, da Física e Química, e da Biologia e Geologia);

4) a componente teórico-prática já referida constituída p e l a disciplina "Acções Pedagógicas de Observação e Análise" (OA);

5), finalmente, uma cadeira opcional, intitulada "Seminário Interdisciplinar", que os autores do curriculum em c a u s a intencionalmente reservaram como espaço curricular de í n d o l e

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indeterminada, com conteúdo variável e aberto, e onde, portanto, s e r i a porventura possível iniciar a reflexão epistemológica que tão urgente m e parecia.

2. A "invenção" de um novo componente curricular

Foi justamente para esta cadeira - "Seminário Interdisciplinar" - a qual, por uma feliz coincidência, me havia sido igualmente atribuída, q u e me pareceu legítimo propor um programa de estudos em que f o s s e estabelecida alguma relação entre Epistemologia e Ensino das Ciências. Poderia assim, finalmente, pôr ao serviço dos meus a l u n o s f u t u r o s -professores de ciências alguma faceta técnica da minha f o r m a ç ã o filosófica.

Neste contexto, e pela primeira vez em 1985-86, apresentei u m programa de epistemologia que. inicialmente, designei por "Teorias Epistemológicas e Teorias de Ensino" e, posteriormente, " E p i s t e m o l o g i a e Ensino das Ciências". A cadeira funcionou quatro anos a nível d a licenciatura^ e três a nível de mestrado'^, constituindo-se como o

De 1985/86 a 1988/89. O programa proposto e que, cora algumas variações, vigorou durante os quatro anos em que leccionámos a cadeira foi o seguinte: Seminário Interdisciplinar - Tema: "Epistemologia e Teorias de E o s i o o " . / • Introdução. Pensamento pedagógico e Formação d e Professores. A relaçflo Epistemologia / Teorias de Ensino; l - Conhecimento e Aprendizagem. Abordagem sistemática das duas noções. Implicações ontológicas e antropológicas do problemas do conhecimento. Modelos de aprendizagem e teorias de ensino; 2 - Epistemologia e Teorias de Ensino. História das Ciências e epistemologia. O estatuto disciplinar da epistemologia. Fundamentação epistemológica das

teorias de ensino; II - Apresentação, nas suas linhas gerais, de três posições epistemológicas diferentes e

das suas incidências ao nível das Teorias de Ensino: 3 • Bachelard. Um modelo in t e r n a ! i s i a ,

descontinuista e cumulativista. Uma pedagogia da ruptura; 4 - Kuhn. Um modelo externalista. descontinuista e nío-cumulativista. Uma pedagogia do jogo; 5 • Piaget. Um modelo externalistai descontinuista e cumulativista. Uma pedagogia da acçSo.

''Dada a receptividade dos alunos e o reconhecido interesse da cadeira, fui convidada, e m b o r a unicamenie detentora do grau de mestre, a leccionar um programa similar a nível de m e s t r a d o . Aproveito esta oportunidade para realçar e agradecer o reconhecimento e a confiança de q u e então fui alvo. Apresentamos em seguida um dos programas da cadeira de mestrado por mim leccionada, em 1986/87 e 1988/9, sob o título "Epistemologia e Teorias de Ensino" e, em 1987/88, sob o título "Produção, circulação e transmissão do conhecimento científico". A n t e s porém, gostaria de realçar o facto de que. de então para cá, esta cadeira tem vindo a s e r leccionada pela Prof. Doutora Teresa Levy nos cursos de Mestrado posteriormente o f e r e c i d o s pelo Departamento de Educação da FCUL. tendo, invariavelmente, sido escolhida pelos alunos a quem continuou a ser oferecida como uma das possíveis opções. Programa de "Epistemologia e

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momento curricular no qual, ao aluno-fuluro-professor de ciências, e r a dada a oportunidade para:

a) questionar a natureza e significado da sua ciência, r e f l e c t i n d o sobre a especificidade do seu objecto e método, a singularidade do s e u regime teórico e heurístico, o valor e alcance objectivo dos s e u s resultados;

b) recolher uma informação minimamente estruturada s o b r e algumas das mais importantes perspectivas epistemológicas contemporâneas, seus argumentos, problemas e pontos de controvérsia;

c) identificar e reconhecer a fundamentação epistemológica d a s várias propostas pedagógicas, metodológicas e didácticas e, inversamente, determinar as implicações para o ensino das ciências d a s diversas concepções epistemológicas.

O objectivo fundamental era o de permitir que, pelo contacto, discussão e confronto com as principais formas de pensar a ciência d o seu tempo, os futuros professores de ciências reunissem elementos q u e lhes permitissem formular, aprofundar e fundamentar as suas p r ó p r i a s concepções epistemológicas, daí podendo vir a retirar algumas indicações quanto aos procedimentos pedagógicos, metodológicos e didácticos a adoptar futuramente no seu ensino^.

Diversos pressupostos (pressentimentos) estão subjacentes à proposta desta cadeira:

Teorias dc E n s i a o " (Opção Mestrado). Introdução. 1 • Aotioomias do pensamento pedagógico e formação de professores. Importância e lugar de uma componente epistemológica na formação d e professores de ciências. Epistemologia e ensino das ciências. Fundamentação ou implicação. Três enfoques: institucional, gnosiológico e epistemológico propriamente dito; 2- Instituição e conhecimento científico. Elementos histórico-culturais. Topologia e funcionalidade das diferentes instâncias d e produção, circulação e transmissão do conhecimento científico. Os problemas gnosiológicos d a constituição do saber. Representação e conhecimento científico. Os problemas do conhecimento e os seus diversos níveis: genético, metafísico e crítico. Seu rebatimento epistemológico; 3 - Epistemologia e conhecimento científico. Construção do conhecimento científico. O problema do método. O papel d a observação e da hipótese. O progresso do conhecimento científico. Cumulativismo / nSo-cumulativismo, continuismo / descontinuismo. Extemalismo e internalismo. O problema da verdade. Compatibilidade,

confirmação e refutabilidade; 4 • Os modelos epistemológicos de Caston Bachelard, Karl Popper e

Thomas Kuhn. Uma exemplificação da aplicabilidade e limites das categorias epistemológicas opresentailat. Estudo comparatiyn cqm pn^iernírin fl« tfiiftp f5ni regime de seminário. Pontos rio r u p t u r a e convergência; S - Conclusão. A transmissão do saber. Efeitos emergentes: sistematização, idealização, descontextualização, desintegração, vulgarização. A importância do ensino das ciências e da educação científica na constituição e progresso dos conhecimentos científicos. Efeitos de retroacção.

®Cf. a d i a n t e , figura 2.

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1) não há uma pedagogia uniforme, uma metodologia específica ou uma didáctica geral aplicáveis, indiscriminadamente, ao ensino d e qualquer disciplina científica (e não só);

2) cada disciplina científica (e não só), na especificidade do seu objecto e do seu método, na singularidade de processos e m e c a n i s m o s cognitivos que a caracteriza, determina as modalidades da sua p r ó p r i a veiculação pedagógica;

3) em nenhuma disciplina científica (e não só) existe u m entendimento uniforme e neutro da sua própria "natureza"; todas elas, em maior ou menor grau, são atravessadas por diversas (e conflituais) perspectivas, cada uma das quais prescrevendo, implícita ou explicitamente, determinadas formas de ensino das ciências (e não só);

4) inversamente, cada proposta pedagógica, cada metodologia d e ensino, cada processologia didáctica, tem subjacente uma opção epistemológica, seja ela ou não assumida pelos seus proponentes e pelos professores que as adoptam;

5) a concepção que o professor tem da ciência particular que se propõe ensinar (seja ela consciente ou tenha o estatuto de u m impensado) está, necessariamente, implicada no modo como ele vai ensinar essa ciência;

6) o bom professor de ciências (e não só) é alguém que e s t á consciente das suas opções epistemológicas e que procura ser c o e r e n t e com elas quando escolhe as orientações pedagógicas, as metodologias e os procedimentos didácticos que se propõe adoptar no seu ensino. M e l h o r dito, um dos "segredos" do bom professor^ de ciências (e não só), é porventura a harmonia entre as suas concepções epistemológicas e os procedimentos pedagógicos, metodológicos e didácticos que utiliza, a

coerência assumida entre a sua concepção de ciência e a sua prática d e

ensino.

%endo. a nosso ver, impossível determinar a priori o perfil de competências a que o bom professor de ciências (e não só) se deveria conformar, falar das determinações de um bom professor em termos de "segredos" significa considerá-las enc]uanto "índices", "marcas" c u j a presença só a posteriori é perceptível e i d e n t i f i c á v e l . Por outras palavras, ainda que não possamos determinar com antecedência o perfil ideal do bom professor, sabemos s e m p r e reconhecer (apontar ostensivamente) um bom professor na diversidade das suas manifestações e qualidades. Sobre o conceito de "bom professor" e as contradições e aporias dos d i v e r s o s modelos de formação de professores, veja-se o nosso estudo (1993a). Cf. tb. (1985) onde, remetendo para o papel fundamental do professor, chamávamos a atenção para o Lficonhecimentò que a figura do bom professor desencadeia).

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Essa harmonia poderá mesmo constituir - suspeitamos nós - u m a das marcas mais indeléveis (rebelde a toda a formação i m e d i a t a m e n t e profissionalizante) da excelência de um professor. Inversamente, a ausência dessa harmonia, a falta dessa coerência, o conflito possível entre a concepção de ciência do professor e aquela que, sem disso muitas v e z e s se dar conta, está subjacente aos procedimentos pedagógicos, metodológicos e didácticos por ele utilizados, pode constituir uma r a z ã o de fundo (invisível a um olhar técnico e sem s e n s i b i l i d a d e epistemológica) do fracasso (ou tristonha mediocridade) do d e s e m p e n h o de um professor.

j t s n o l o g i a

22.enc2.as

(figura 2 • Epistemologia e Ensino das Ciências

"Epistemologia e Ensino das ciências": tal foi pois o tema d o programa da cadeira de epistemologia que, ao que julgo saber, p e l a primeira vez em Portugal, terá integrado um curriculum universitário d e -formação ~-de—professores de ciências^o. Trata-se de um título q u e

proposta deste programa realizou-se no mais completo isolamento, tanto institucional como bibliográfico. Na verdade, só posteriormente vim a verificar que, -aproximadamente pela m e s m a

(35)

estabelece uma articulação copulativa entre dois termos independentes e de natureza heterogénea: um primeiro - e p i s t e m o l o g i a - que identifica uma determinada área de investigação teórica; um segundo - e n s i n o das c i ê n c i a s - que remete, de forma indeterminada, para a prática d o ensino das disciplinas científicas, sobretudo a nível do ensino secundário.

3. O primeiro termo: Epistemologia

Relativamente ao primeiro termo - Epistemologia - a d i f i c u l d a d e maior consistia no confronto que era exigido aos e s t u d a n t e s f u t u r o s -professores de ciências com uma disciplina muito diferente de t o d a s aquelas que, até então, o seu percurso universitário lhes h a v i a oferecido^^ com metodologias de abordagem inusitadas, que e x i g e m distanciamento crítico e capacidade de interrogação. Para um e s t u d a n t e com formação científica, o mais surpreendente na aproximação a u m a disciplina como "a epistemologia" é o desaparecimento dos consensos, a necessidade de procurar caminho por entre um solo plural (e conflitual) de diferentes "epistemologias". Mas, para que o ensino das ciências p o s s a ser questionado nas suas implicações epistemológicas, não s e r á necessário que, de forma preliminar, o aluno-futuro-professor se aperceba da especificidade do próprio trabalho crítico e reflexivo que vai

altura, havia sido constituído, a nível internacional, um grupo cujo principal objectivo era a defesa da introdução de uma componente de "História e Filosofia das Ciências" nos curricula de formação de professores de ciências. Referimo-nos ao "International History, Philosophy and Science Teaching Group" que promoveu a sua primeira conferência internacional de 6 a 10 d e Novembro de 1989 nos E.U.A. (Florida State University). Embora lamentando nSo ter p o d i d o participar nos trabalhos desse encontro e dos que se lhe seguiram, nem ter tido acesso e conhecimento prévio da literatura especializada j á então existente (por exemplo, Baum ( 1 9 7 8 ) , Silverman (1989)), parece-me razoável afirmar que, o facto de ter proposto a realização d e s t a cadeira em simultâneo, mas independentemente, de iniciativas similares, pode funcionar como critério para aferir a importância e confirmar a pertinência da relação nela estabelecida e n t r e epistemologia e ensino das ciências.

^^Tanto científico como pedagógico. É certo que, por determinação curricular, todos os a c t u a i s estudantes universitários têm dois anos de Filosofia no ensino secundário. Porém, e s s a disciplina, para lá das vicissitudes do seu ensino, está pensada, a nosso ver a c e r t a d a m e n t e , como uma introdução geral à Filosofia e não enquanto instrumento de análise epistemológica d e uma experiência científica que, aliás, os alunos do ensino secundário ainda não possuem.

Referências

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