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UMA LÍNGUA SEM MISTÉRIOS: UM SALVE ÀS VARIEDADES LINGUÍSTICAS

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Academic year: 2021

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UMA LÍNGUA SEM MISTÉRIOS: UM SALVE ÀS VARIEDADES

LINGUÍSTICAS

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RESUMO

Este artigo vem abordar questões pertinentes à nossa língua no que diz respeito às variações linguísticas que a mesma possui. Não reconhecer as diversidades do português falado no Brasil é o mesmo que trilhar caminhos desastrosos para quem pretende seguir um modelo de educação que prima pela qualidade. Basta estar em qualquer círculo social que a língua emerge. Não é necessário se apropriar de todas as regras gramaticais para produzir comunicação. Ela se instaura, se estabelece e toma conta de todos nós, de nossas práticas, de nossos desejos e de nossos pensamentos. Falar faz parte do nosso cotidiano, de nossa vida. A interação por meio das formas linguísticas é a nossa dádiva, nossa identidade básica. O preconceito, resultante da manipulação ideológica, deve ser extirpado de qualquer práxis pedagógica que compreenda as variedades da língua como algo plural, rico e dinâmico. Uma língua que atravesse fronteiras e que culmine da expressão verdadeira da identidade de um povo: Viva a língua viva!

Palavras-chave: variedade linguística – preconceito linguístico – comunicação – educação de qualidade – interação – manipulação ideológica

ABSTRACT

This article has been addressing issues relevant to our language with regard to linguistic variations that it has. Not recognizing diversities of Portuguese spoken in Brazil is like treading paths disastrous for those who want to follow a model of education that excels in quality. Just being in any social circle that language emerges. It is not necessary to appropriate all the grammar rules to produce communication. She sets up, establishes and takes care of all of us, our practices, our wishes and our thoughts. Talking is part of our daily life, our life. The interaction through linguistic forms is our gift, our basic identity. The prejudice resulting from ideological manipulation must be excised from any pedagogical praxis to understand the varieties of language as something plural, dynamic and rich. A language that crosses borders and culminating expression of the true identity of a people. Live the language alive!

Keywords: linguistic diversity - linguistic bias - communication - quality education - interaction - ideological manipulation

1. INTRODUÇÃO

[... ] pode-se registrar o fato, facilmente comprovável, de que nunca se escreveu e falou tão mal o idioma de Ruy Barbosa.

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Erick Naldimar dos Santos (Especialista no Ensino de Língua Portuguesa e Literatura. Professor do Centro de Educação Territorial de Educação Profissional/ PNI. enaldimar@hotmail.com)

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A linguagem humana, além de ser código também é um fator social que nos apresenta numa dimensão de compreendermos que a mesma é a capacidade que o homem tem de se expressar, onde a função principal é estabelecer o contato social.

Erro milenar dos gramáticos tradicionais de estudar a língua como uma coisa morta, sem levar em consideração as pessoas vivas que falam. Sem dar o devido valor ao dinamismo que lhe é inerente. Precisamos acreditar quão dinâmica e viva é a nossa língua.

Acreditar que a língua apresenta uma unidade surpreendente é algo muito prejudicial à educação porque, ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor a ordem linguística, sem levar em conta a origem geográfica, a situação econômica, de seu grau de escolarização etc..

A verdade é que no Brasil, embora a língua falada pela grande maioria da população seja o Português, esse português apresenta um alto grau de diversidade e de variabilidade.

É sob esta ótica que um dos pontos a serem analisados é a postura do professor frente aos “erros” dos alunos tanto na oralidade quanto na escrita, além de investigar se textos de diferentes níveis linguísticos são trabalhados na sala de aula ou se os docentes dão prioridade apenas aos textos técnicos que trazem os livros didáticos.

Na medida em que não se reconhecem os problemas de comunicação entre os falantes de diferentes variedades da língua, nada se faz também para resolvê-los.

2. CONSTRUINDO A COMUNICAÇÃO!

É preciso que a escola e todas as instituições voltadas para a educação e a cultura abandonem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passem a reconhecer a verdadeira diversidade linguística de nosso país, para melhor planejarem suas políticas .

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É aqui que entra o papel da linguística: Não enxergar a língua como uma coisa morta sem levar em consideração as pessoas vivas que falam. No Brasil, a variabilidade e diversidade torna a língua cada vez mais dinâmica e criativa.

Entender esta diversidade e variabilidade é fator contribuinte para também melhor planejar as políticas de ação junto à ação amplamente marginalizada dos falantes da variedade não padrão.

Marcos Bagno em seu livro Preconceito Linguístico nos leva a entender que quanto mais progressiva é a civilização de um povo, mais sujeita é a sua língua de deturpações e vícios, sob a variada influência de relações internacionais, dos novos inventos, das travancas da ignorância, e até dos caprichos da moda.

Tomemos como ponto de partida a poética Oswaldiana para ilustrar com humor e crítica este conteúdo sem, contudo criar rótulos e estereótipos:

Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno

E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco

Da nação brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada

Me dá um cigarro. (Oswald de Andrade)

Podemos começar por uma definição de preconceito. A do Dicionário Houaiss é bastante esclarecedora. Segundo essa fonte, preconceito é “qualquer opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico”, o que em seguida é mais bem especificado: “ideia, opinião ou sentimento desfavorável formado a priori, sem maior conhecimento, ponderação ou razão”.

Uma grande discussão permeia em relação aos pronunciamentos do antigo presidente Luis Inácio Lula da Silva. Discussões travadas por vários meios de comunicação inclusive revistas de grande circulação nacional.

O que podemos perceber é a preocupação que estas revistas têm de alguns erros na fala do presidente, e se isso poderá influenciar negativamente não só

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no padrão culto da língua, mas também no ensino do idioma, de forma específica na escola.

Ora, mas seria tão cruel afirmar com veemência este tipo de teoria. Pelo que se pode perceber a interferência de Lula na escola é a mesma que teve qualquer outro presidente. Mas há uma armadilha e um jogo de ideologias por trás dessa polêmica.

Estudiosos do português são unânimes ao defender a existência de uma língua viva, dinâmica, aberta a regionalismos, estrangeirismos e neologismos. E tolerante à flexibilidade de regras gramaticais e sintáticas.

Sob esse aspecto, o que faz diferença na formação do indivíduo é a convivência em comunidade, com amigos, pais e professores e a linguagem informal, corriqueira, do dia a dia.

Defender apenas o padrão culto da linguagem é expressar claramente o preconceito com as demais variações do nosso idioma, que nos faz ricos em variedade e diversidade.

Marcos Bagno em seu livro Preconceito Linguístico nos leva a entender que “quanto mais progressiva é a civilização de um povo, mais sujeita é a sua língua de deturpações e vícios, sob a variada influência de relações internacionais, dos novos inventos, das travancas da ignorância, e até dos caprichos da moda”.

Todo falante sabe instintivamente sua língua e só precisa ser ajudado a desenvolver-se nela por meio da prática de exercícios agradáveis.

A sobrecarga de informações e nomenclaturas linguísticas parece ter contribuído para assombrar ainda mais os estudantes. Resultou num formidável caos teórico, capaz de confundir o professor comum – a maioria – a afugentar para sempre os estudantes vitimados pela receita indigesta.

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A língua se constrói de dentro para fora, e não o oposto, pois a capacidade da linguagem é dom da espécie humana. Não consegue levar em conta que o falante já a conhece e que precisa apenas desenvolver suas potencialidades inatas de forma lúdica e agradável, sem ser travado por teias de regras artificiais, exceções, nomes, classificações...

Os falantes aprendem as variantes coloquiais e regionais em casa, no botequim, na rua, em contato com os integrantes da comunidade. O que o ensino oficial não pode é ignorar tais registros, sob pena de flutuar na irrealidade. E jamais hostilizar o falante de nível social, cultural, econômico mais baixo.

A discussão do uso de um português culto pressupõe uma rigidez gramatical que tornaria língua quase impronunciável. Língua se aprende, se desentranha se desenvolve com prazer. Muito prazer.

A língua portuguesa é parte do nosso cotidiano. O ensino de língua materna deve propiciar uma ampla compreensão dos processos e relações sociais, permitirem ao aluno a prática da reflexão sobre a língua, que é parte do seu cotidiano.

Com isso criar espaços para a produção discursiva nos seus mais diversos níveis, possibilitar ao indivíduo, na e pela linguagem, interferir no conjunto de práticas sociais. Considerando a linguagem como mediadora na construção de novos sistemas de referência, para incentivar a criatividade, para representar outros universos possíveis ou para organizar outras áreas de conhecimento.

Não há dúvida de que diversos professores se preocupam com o ensino da gramática e tentam diversos modos de facilitar a aquisição desse conhecimento, como se ao trocar uma metodologia por outra, o problema fosse resolvido.

Não é simplesmente a metodologia que vai garantir a ampliação da competência linguística, uma vez que ela está, necessariamente, a serviço de uma concepção de gramática, que pressupõe uma concepção de Língua, de Pedagogia, de mundo, que de certa forma é tradicional e remota.

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Mas, na prática o que podemos perceber é o ensino de uma língua morta, recheada de regras, sem dinamismo e sem respeitar sua variabilidade. Então não é a fala de um presidente que influencia negativamente no ensino da língua materna.

Um dos fatores é a questão da gramática. A gramática é a “Bíblia” do ensino tradicional e retrogrado do português. O ensino da gramática normativa também dificulta o avanço do aluno na compreensão da realidade, na medida em que aprofunda a consciência da pseudo-incompetência dos alunos, aumentando o silêncio que predomina na escola.

É a partir desse conjunto cansativo e monótono que parece ser a língua portuguesa, se torna difícil o processo ensino-aprendizagem desta língua.

Qualquer manifestação linguística que escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerado sob a ótica do preconceito linguístico, “errada, feia, estereotipada, rudimentar, deficiente”.

Não é raro a gente ouvir que “isso não é português” são simplesmente diferença de uso – e diferença não é deficiência e nem inferioridade.

Agora imagine uma sala de aula da zona rural, onde os alunos já trazem seu próprio linguajar, e desta forma serão obrigados a ferir toda a sua cultura linguística em detrimento da norma culta, implicitando assim a ideia de que a sua própria linguagem é errada, pobre, enfim...

Um dos papéis mais importantes de nossa prática pedagógica enquanto profissionais da educação é chamar a atenção dos alunos para o que é realmente interessante e importante, desenvolvendo assim habilidades de expressão dos alunos em vez de entupir suas aulas com regras ilógicas e nomenclaturas incoerentes.

Com isso os alunos se sentirão muito mais confiança e prazer no momento de utilizar os recursos de seu idioma, que afinal é um instrumento maravilhoso e pertence a todos. É desta maneira que conseguiremos dar uma cara nova, uma nova roupagem ao ensino de nossa língua materna.

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É indispensável enxergar a língua como plural e nuca sob o aspecto indivisível. Ela deve ser considerada como um conjunto de dialetos entendendo que cada país tem seus falares, sua diversidade, seus regionalismos. Sem criar com isso estereótipos ou situações depreciativas.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados pelo Ministério da Educação e do Desporto em 1998, podemos ler o seguinte:

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. [ ...] A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente as prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre “o que se deve e o que não se deve falar e escrever”, não se sustenta na analise empírica dos usos da língua.

Quanto mais progressiva é a civilização de um povo, mais sujeita é a sua língua de deturpações e vícios, sob a variada influência de relações internacionais, dos novos inventos, das travancas da ignorância, e até dos caprichos da moda.

A língua portuguesa se manteve muito bem, falada e escrita por cada vez mais gente, produziu uma literatura reconhecida mundialmente, é propagada em nível internacional pelo grande prestígio de que goza a música popular brasileira.

Não se pode anular a ideia de que é preciso ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada “artificial” e reprovando como “errada” as pronúncias que o resultado natural das forças internas que governam o idioma.

Para concluir, é este um dos papéis da linguística. Ela apresenta uma intenção fundamental quanto às diferenças linguísticas. O de ensinar a variedade de prestígio, considerando também as outras variedades possíveis, observando-se as diferenças peculiares, refletindo sobre as conobservando-sequências sociais que o uso de uma ou de outra possa ter, identificando as intenções que tornam uma variedade prestigiada e outras marginalizadas socialmente.

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Mostrar que essas variedades são cultural e socialmente construídas e possíveis de descrição linguística, e que possibilitam, de algum modo, a constituição de profundas e complexas relações entre seus falantes, em ato de interação social.

Dessa forma, o ensino de língua terá seu caráter conscientizador e transformador das concepções e das estruturas discriminadoras que têm perpetuado as desigualdades sociais.

3. OS FALARES, E OS CANTARES!! VIVA A LÍNGUA VIVA!!

Toda variedade linguística é também é resultado de um processo histórico próprio, com suas vicissitudes e peripécias particulares, respeitando assim igualmente todas as variedades da língua, que constitui um tesouro precioso de nossa cultura. Todas elas têm o seu valor.

As variações pertencem a uma classe social desprestigiada, marginalizada que não tem acesso à educação formal e aos bens culturais da elite, e por isso a língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada “feia”, “pobre”, “carente”, quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola.

Desta forma será fácil perceber se os mitos do preconceito linguístico são aplicados na sala de aula mesmo que sutilmente e se o docente termina por adotá-los mesmo sem perceber, seja na fala ou em qualquer esfera da sua própria práxis pedagógica.

Dizer que a escrita é uma tentativa de representação é porque sabemos que não existe nenhuma ortografia em nenhuma língua do mundo que consiga reproduzir a fala com fidelidade.

Esta relação complicada entre a língua falada e língua escrita precisa ser profundamente reexaminada no ensino. Durante mais de dois mil anos, os

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estudos gramaticais se dedicaram exclusivamente à língua escrita literária, formal.

Foi somente no começo do século XX, com o nascimento da ciência linguística, que a língua falada passou a ser considerada como verdadeiro objeto de estudo científico.

Afinal a língua falada é a língua tal como foi aprendida pelo seu falante em contato com a sua família e com a comunidade. Do ponto de vista da história de cada indivíduo, o aprendizado da língua falada sempre precede o aprendizado da língua escrita, quando ele acontece.

Basta citar os bilhões de pessoas que nascem, crescem vivem e morrem sem jamais saber a ler e a escrever! E, no entanto ninguém pode negar que são falantes perfeitamente competentes de suas línguas maternas.

Do ponto de vista da história da humanidade é a mesma coisa. A espécie humana tem, pelo menos, um milhão de anos. Ora, as primeiras formas de escrita, conforme a classificação tradicional dos historiadores surgiu há apenas nove mil anos. A humanidade, portanto, passou 990.000 anos apenas falando.

Luiz Carlos Cagliari em Alfabetização e linguística afirma:

A gramática normativa foi num primeiro momento uma gramática descritiva de um dialeto de uma língua. Depois a sociedade fez dela um corpo de leis para reger o uso da linguagem. Por sua própria natureza, uma gramática normativa está condenada ao fracasso, já que a linguagem é um fenômeno dinâmico e as línguas mudam com o tempo; e , para continuar sendo a expressão do poder social demonstrado por um dialeto, a gramática normativa deveria mudar.

Mas os preconceitos, como bem sabemos, impregnam-se de tal maneira na mentalidade das pessoas que as atitudes preconceituosas se tornam parte integrante do nosso próprio modo de ser e de estar no mundo. É necessário um trabalho lento, contínuo e profundo de conscientização para que se comece a desmascarar os mecanismos perversos do preconceito.

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De que modo poderemos romper com a impregnação do preconceito linguístico?

Como reconhece o próprio Ministério da Educação, no documento já citado, não se pode mais insistir na ideia de que o modelo de correção estabelecido pela gramática tradicional seja o nível padrão de língua ou que corresponda a variedade linguística de prestígio (p. 31).

Como afirma Marcos Bagno, é preciso escrever uma gramática da norma culta brasileira em termos simples (não simplista), claros e precisos, com o objetivo declaradamente didático-pedagógico, que sirva de ferramenta útil e pratica para professores, alunos e falantes em geral.

Sem essa gramática que nos descreva e explique a língua efetivamente falada pelas classes cultas, continuaremos a mercê das gramáticas normativas tradicionais, que chamam erradamente de norma culta uma modalidade de língua que não é culta, mas sim cultuada.

Enquanto essa gramática não chega, temos de combater o preconceito linguístico com as armas de que dispomos. E a primeira campanha a ser feita, por todos na sociedade, é a favor da mudança de atitude. Cada um de nós, professor ou não, precisa elevar o grau da própria autoestima linguística: recusar com veemência os velhos argumentos que visem menosprezar o saber linguístico individual de cada um de nós.

Temos de nos impor como falantes competentes de nossa língua materna. Parar de acreditar que o brasileiro não sabe o português, “que português é muito difícil”, que habitantes da zona rural ou das classes sociais mais baixas “falam tudo errado”

Da parte do professor, essa mudança deve refletir na não aceitação de dogmas, na adoção de uma nova postura crítica em relação ao seu próprio objeto de trabalho: a norma culta.

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Do ponto de vista dos teóricos, esta nova postura pode ser simbolizada por uma troca de sílaba. Em vez de rePEtir alguma coisa, o professor deveria reFLEtir.

Do ponto de vista prático pode ser representada na eliminação de uma única sílaba também. Em vez de Reproduzir a tradição gramatical, o professor deve Produzir seu próprio conhecimento de gramática.

Outro modo importante de romper com o círculo vicioso é reavaliar a noção de erro. Ninguém comete erros ao falar sua própria língua materna, assim como ninguém comete erros ao andar ou respirar.

Só se erra naquilo que é aprendido, naquilo que constitui um saber secundário, obtido por meio de treinamento, prática e memorização. “A língua materna é adquirida pela criança desde o útero, é absorvida junto com o leite materno”. O resultado disso é como diz Perini (1997:11), que, “nosso conhecimento da língua e ao mesmo tempo altamente complexo, incrivelmente exato e extremamente seguro”. E o mesmo autor prossegue, afirmando (p. 13) que:

Qualquer falante de português possui um conhecimento implícito altamente elaborado da língua, muito embora não seja capaz de explicar esse conhecimento. E [...] esse conhecimento não é o fruto de instrução recebida na escola, mas foi adquirido de maneira tão natural e espontânea quanto a nossa habilidade de andar.

Parece então que vendo a língua sob esta ótica, a partir de agora pode tudo. Não é bem assim. Na verdade, em termos de língua, tudo vale alguma coisa, mas esse valor vai depender de uma série de fatores.

Usar a língua tanto na modalidade oral quanto na escrita, é encontrar o ponto de apoio entre os dois eixos: o da aceitabilidade e o da adequabilidade. Quando falamos tendemos a nos adequar à situação de uso da língua em que nos encontramos.

Como sempre, tudo vai depender de quem diz o quê, a quem, como, quando, onde, por que, e visando que efeito...

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O professor Ataliba T. de Castilho escreve com tão clareza em seu livro A língua falada e o ensino de português (Ed. Contexto, 1998):

[...] os recortes linguísticos devem ilustrar as variedades socioculturais da Língua Portuguesa, sem discriminações contra a fala vernácula do aluno, isto é, de sua fala familiar. A escola é o primeiro contato do cidadão com o Estado, e seria bom que ela não se assemelhasse a um “bicho estranho”, a um lugar onde se cuida de coisas fora da realidade cotidiana. Com o tempo o aluno entenderá que para cada situação se requer uma variedade linguística, e será assim iniciado no padrão culto, caso já não o tenha trazido de casa.

Para concluir, é este um dos papeis dos atuais e futuros professores e profissionais da educação: o de ensinar a variedade de prestígio, considerando também as outras variedades possíveis, observando-se as diferenças peculiares, identificando as intenções que tornam uma variedade prestigiada e outras marginalizadas socialmente.

Mostrar que essas variedades são cultural e socialmente construídas e que possibilitam, de algum modo, a constituição de profundas e complexas relações entre seus falantes, em ato de interação social.

Dessa forma, o ensino de língua terá seu caráter conscientizador e transformador das concepções e das estruturas discriminadoras que têm perpetuado as desigualdades sociais.

Nessa postura em relação às diferenças linguísticas acredita-se que se procura possibilitar aos indivíduos o acesso ao maior número possível de opções de uso, visto que a língua é um todo, e ensinar apenas uma variedade não seria ensinar o Português, mas simplesmente uma parte desse variadíssimo sistema.

4. BIBLIOGRAFIA

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz? 21. Ed. São Paulo: Loyola, 1999.

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BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais. Artes. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística, Ed. Scipione didático, ano de edição, 2010.

CASTILHO, A. T. de. A Língua Falada no Ensino do Português, 6. ed. São Paulo: Contexto, 2004.

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