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Dissertação – Rafael Assis. Os índios do território Serra da Capivara: história, memória e ensino (UFT – 2016)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS - UFT

PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM ENSINO DE HISTÓRIA- PPGEHIST MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA- POFHISTÓRIA

CAMPUS ARAGUAÍNA

RAFAEL DA SILVA ASSIS

OS ÍNDIOS DO TERRITÓRIO SERRA DA CAPIVARA: HISTÓRIA, MEMÓRIA E ENSINO

ARAGUAÍNA – TO 2016

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RAFAEL DA SILVA ASSIS

OS ÍNDIOS DO TERRITÓRIO SERRA DA CAPIVARA: HISTÓRIA, MEMÓRIA E ENSINO

UFT 2016

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RAFAEL DA SILVA ASSIS

OS ÍNDIOS DO TERRITÓRIO SERRA DA CAPIVARA: HISTÓRIA, MEMÓRIA E ENSINO

Dissertação apresentado a Universidade Federal do Tocantins – UFT, como parte das exigências do programa de Mestrado Profissional em Ensino de História – PROFHISTÓRIA, para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Euclides Antunes de Medeiros

ARAGUAÍNA – TO 2016

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A848� Assis, Rafael da Silva.

OS ÍNDIOS DO TERRITÓRIO SERRA DA CAPIVARA: HISTÓRIA, MEMÓRIA E ENSINO . / Rafael da Silva Assis. – Araguaína, TO, 2016.

101 f.

Dissertação (Mestrado Profissional) - Universidade Federal do Tocantins

– Campus Universitário de Araguaína - Curso de Pós-Graduação (Mestrado) Profissional em Ensino de História, 2016.

Orientador: Euclides Antunes de Medeiros

1. Índios. 2. Território Serra da Capivara. 3. Memória. 4. Ensino de história indígena. I. Título

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Agradecimentos

A minha família motivo de força, fé e coragem.

Ao orientador deste trabalho, Prof. Dr. Euclides Antunes de Medeiros.

Agradeço a equipe que compõe o Núcleo de Estudos do Sudeste do Piauí na pessoa do Professor José Arimatea.

A Professora Déborah Gonsalves que coordena o laboratório de história da UESPI, pelo empréstimo de livros e pela amizade.

Ao professor Luiz Gonzaga Baião Filho pelos conselhos oportunos. Ao Professor Gabriel Frichiane pelo incentivo.

A diretora do Colégio Edith Nobre, Alix Galvão e a Coordenadora Isabel Cristian. Aos meus amigos e colegas de turma do PROFHISTÓRIA.

As minhas queridas colegas e amigas da republica de Araguaína (Manu, Magna e Elineyde ). Aos meus amigos Mike-Elson e Jorge Medeiros.

As minhas amigas do Feudo (Nayanne, Georgea, Taiane, Simone, Fernanda) Aos meus amigos Andrade, José Orlando, Rafael.

Aos meus amigos de Socorro do Piauí (Iomar, Vicente, Eduardo, Alice e Riceli). Aos meus amigos Juliano Arão, André, Bartolomeu, Ramon, Luiz Gonzaga, Kleber.

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El Matador

De sangue e de fogo se fez o nome. No sangue e no fogo se desfaz a história de muitas vidas. A sangue e fogo a ferro e fogo um homem liquida seus semelhantes. No sangue a crueldade desnecessária. No sangue a violência contra os desarmados. Ao preço de tantas vidas sua vida se perde do consumo do tempo. Não matador de touros. Toureador da morte. Vencedor dos verões. Matador de índios. Sua glória triste pesa sobre nós. Sobre a sua memória pesa a morte inglória das nações Tapuias. Tenente coronel dos auxiliares João do Rego Castelo Branco. Chefe da tropa. Senhor dos trabalhos castigos e desgostosos matador de índios. Sem firmeza nos ajustes de paz firme na guerra a todos os índios. Rápido na guerra Lança os proclamas. As derramas de gente, farinha, cavalos e bois, índios e ouro. Seu sonho execrando. A lagoa dourada o rio do Sono se resolve em sangue a sede de ouro. Os corpos no campo Para os pastos das feras passados à espada Acoroazis, Pimenteiras, Gueguezes. Raça extinta, lembrança extinta. Nomes nações apagados no próprio sangue. Matador de índios a fúria de seu nome sua memória em sangue se repete.

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Resumo

Esta pesquisa apresenta um diálogo entre obras acadêmicas e o ensino básico, e um confronto entre história oficial e memória subterrânea. Durante muito tempo, ouvimos não existir mais índios no estado do Piauí. As narrativas escritas dão destaque ao extermínio, considerando o século XIX como marco do fim dos indígenas no estado do Piauí. Investigando as narrativas da tradição oral percebemos divergências entre narrativa oral e escrita, subterrânea e oficial (POLLAK, 1989). Acreditamos que há um abuso de memória a cerca do extermínio das populações indígenas do Piauí. As narrativas trabalhadas principalmente em sala de aula contribuem para a formação de uma identidade que se distancia, silencia e esquece os povos nativos como elemento de formação do povo piauienses. Nessa perspectivas problematizemos três obras acadêmicas, que são recorrentemente usadas no ensino básico, por seguinte trabalhamos com as memória subterrâneas que divergem com a história oficial, nesse sentido recorremos a uso de entrevistas. Em um terceiro momento trabalhamos com o ensino de história indígena e como os professores trabalham a temática na disciplina de História do Piauí. Palavras-Chave: Os índios do Território Serra da Capivara. História. Memória. Ensino.

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Abstract:

This research presents a dialogue between academic works and basic education, and a confrontation between official history and underground memory. For a long time, we hear no longer exists Indians in the state of Piaui. The narratives written accent to extermination, considering the nineteenth century as marking the end of the natives in the state of Piaui. Investigating the stories of the oral tradition perceive differences between oral and written narrative, underground and official (Pollak, 1989). We believe there is a memory of abuse about the extermination of the indigenous populations of Piaui. The narratives mainly worked in the classroom contribute to the formation of an identity that moves away, silent and forget the native peoples as training element of Piaui people. In this perspective problematizemos three academic works that are repeatedly used in primary education, by following work with the subterranean memory that differ with the official story, accordingly we resorted to the use of interviews. In a third time we are working with the teaching of indigenous history and how teachers work the theme in the discipline of History of Piauí.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1- Territórios de Desenvolvimento do Estado do Piauí ... 13

Foto 1- índios Fulni-ô na pedra furada ... 55

Foto 2- entrada do assentamento Saco ... 60

Foto 3- liderança indígena da etnia Tabajara ... 81

Desenho 1- estereótipos: índios na floresta ... 79

Desenho 2- indígenas plantando ... 80

Desenho 3- alunos no Museu do Homem Americano ... 83

Desenho 4- Guerra aos Pimenteiras ... 84

Desenho 5- índios cativos ... 85

Desenho 6- armas de fogo contra arcos e flechas ... 86

Desenho 7- indígenas plantando e preparando beiju ... 87

Desenho 8- indígena na casa de farinha ... 88

Desenho 9- oralidade indígena ... 89

Desenho 10- Dona Luiza ... 90

Desenho 11- indígena pega por vaqueiros ... 91

Desenho 12- Dias-Marreca ... 93

Desenho 13- Atual geração dos Dias-Marreca ... 94

Desenho 14- Zé Assentamento Saco ... 95

Desenho 15- Zé Dias ... 96

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SUMÁRIO

Introdução ... 13

Capítulo I ... 19

1. A escrita da História: construção do extermínio dos índios do Piauí ... 19

1.1 Primeiras narrativas: O índio no solo piauiense ... 24

1.2 Primeiras narrativas: Pesquisas para história do Piauí ... 30

1.3 O povoamento colonial do sudeste do Piauí: indígenas e colonizadores, conflitos e resistência ... 39

Capítulo II ... 48

2. Memórias de um imbuzeiro ... 48

2.1Os indígenas na memória coletiva ... 50

2.2 Tradição oral e os lugares de memória ... 57

2.3 Memória e identidade social ... 70

Capítulo III ... 75

3. Ensino (d)e História indígena: abordagens, pesquisas e possibilidades de ensino ... 75

3.1 Consciência política e histórica da diversidade ... 77

3.2 A presença indígena no Piauí :fortalecimento de identidades e de direitos ... 80

3.3 Os Dias-Marreca: ações educativas de combate ao racismo e às discriminações ... 90

Considerações finais ... 98

Referências ... 100

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como tema “Os índios do Território Serra da Capivara: história, memória e ensino”, apresentando um diálogo entre obras acadêmicas da historiografia piauiense e a educação básica, e um confronto entre história oficial e memória subterrânea. Ao passo serão apresentadas as justificativas e, por seguinte, os objetivos de cada capítulo, sua perspectiva teórica e os caminhos do método.

Em relação ao título da pesquisa, trata-se do locus de pesquisa, o território Serra da Capivara faz partes dos Territórios de Desenvolvimento (imagem 1) que constituem as unidades de planejamento da ação governamental do estado do Piauí. O território Serra da Capivara está localizado no sudoeste do estado, abrange 18 municípios sendo São Raimundo Nonato, cidade sede, além disso dispões de duas unidades de conservação: o Parque Nacional Serra da Capivara, patrimônio mundial pela UNESCO, e o Parque Nacional Serra das Confusões. A economia do território é marcada pela agricultura familiar destacando-se cultivo de feijão, milho e mandioca; criação de pequenos animais, apicultura, cajucultura, turismo arqueológico e artesanato de barro.

Imagem 1: Mapa dos Territórios de Desenvolvimento do Estado do Piauí

SEPLAN, 2016.

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Durante muito tempo ouvimos dizer que não existem mais índios no estado do Piauí. As narrativas escritas dão destaque ao extermínio, considerando o século XIX como marco do fim dos indígenas no Estado. A colonização do Piauí pode ser considerada um evento tardio. A região é ocupada na segunda metade do século XVII, a partir do processo de expansão do gado nos leitos dos rios, e assim fundamentada no sistema jurídico das sesmarias.

A primeira referência histórica acerca das populações indígenas data do relato do Padre Miguel de Carvalho, em 1696, na freguesia de Nossa Senhora da Vitória do Cabrobó, citando a existência de 36 “tribos” indígenas na região, Baptista (2009) afirma que a população indígena era de 369 mil pessoas naquela época, sendo reduzida pelo extermínio até a segunda metade século XIX.

As fazendas de gado foram o fato de consolidação da ocupação. O gado ocupava grandes faixas de terras e com pouca necessidade de mão de obra, assim os indígenas se defendiam atacando as fazendas e matando o gado. No fim do século XVIII e início do XIX várias expedições punitivas foram enviadas para esse combate, emergindo a figura de João do Rego Castelo Branco, “El matador”, e do cabo José Dias Soares, os grandes responsáveis por mortes e perseguições dos indígenas do “Sertão das Pimenteiras”.

A região que compreende hoje o Território Serra da Capivara, até o século XVII era geograficamente quase desconhecida, o que se sabia era da existência de três grandes lagoas que formavam o Sertão das Pimenteiras. A região se posiciona próxima ao vale do rio São Francisco e aparece também denominada de “Alto Sertão do São Francisco”.

Como já dito, o território que compreende o Piauí foi o último reduto nordestino a ser colonizado pelo homem branco. A colonização tardia foi um dos fatores para consolidar os vales piauienses como um corredor migratório, e uma grande diversidade de populações indígenas. O território piauiense está entre uma área de transição, de um lado a bacia do rio São Francisco, região de caatinga, do outro lado está a bacia amazônica. Os índios fugidos da Bahia, Pernambuco, Ceará e de outras regiões do nordeste colonizadas entre os séculos XVI e início do XVII, se refugiavam em terras piauienses. Transitavam entre o vale do São Francisco, vale do Parnaíba e vales da bacia amazônica.

Os grupos indígenas que estavam alocados na região durante a chegada do colonizador, foram nomeados de Pimenteiras, em alusão à região das lagoas acima mencionadas. A guerra aos Pimenteiras, a que consta nos documentos oficiais (diários de oficiais, correspondências ao palácio do governo, devassa, carta ao governo etc), vem das mortes de gado dos fazendeiros. Tais mortes eram atribuídas aos indígenas. Além disso,

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pensava-se também que a resistência do grupo indígena levou diversos fazendeiros a abandonarem as fazendas deles.

Durante o século XIX, as bandeiras contra os povos indígenas foram mais enérgicas, tanto que em 1815 o governo do Piauí decreta a extinção dos Pimenteiras. Os documentos também revelam que ao invés de matar os índios do sexo feminino e crianças, o colonizador fazia o que se chamava de “amansamento”, uma espécie de domesticação do “índio brabo”. As mulheres e as crianças indígenas serviam para a labuta dos afazeres domésticos nas fazendas.

Compreendemos que a prática de “amansamento” servia até certo ponto para a manutenção da vida do indígena. Acreditamos que o extermínio não se consolidou, percebemos a manutenção indígena, por meio das mulheres cativas que foram inseridas no convívio com colonizador. Coube às mulheres levar o sangue, a cultura indígena e o nome. Nas certidões de casamento localizados na Diocese de São Raimundo Nonato encontramos o registro de três casamentos de indígenas com colonizadores. Margarida, Puã e Marreca, índias Pimenteiras e únicas com nomes registradas em documentos.

Na medida em que crescia o número de fazendas em solo piauiense, a população nativa via-se perdendo espaço nas áreas mais férteis da região. O vale do rio Piauí antes habitado por numerosos grupos indígenas, passou a ter como paisagem as edificações das fazendas. O gado tornou-se símbolo de prosperidade e riqueza. A memória oficial utilizou-se da redução e do isolamento das comunidades indígenas, para pregar sua extinção.

A memória, a história e o esquecimento, três partes que comportam e delimitam a obra do filósofo francês Paul Ricoeur, o percurso, em seu veleiro de três mastros, compreende-se em um ritmo ternário. A memória sob a égide da fenomenologia; a história decorre de uma epistemologia das ciências históricas; e o esquecimento de uma hermenêutica da condição histórica. A obra A memória, a história, o esquecimento foi elemento inspirador para a pesquisa, que trata sobretudo de abusos de memória.

A memória é pragmática, posto que seu exercício, a busca, insinua-se o seu uso, portanto insinua-se também seu abuso. O que nos permite dizer que o gatilho que nos faz acessar a memória nas profundezas do tempo é o gatilho do homem que sofre e do homem capaz da ação. Posto isso, acreditamos que em cada capítulo que dissertamos, insinua-se este valor pragmático no uso da memória. O posicionamento de Ricoeur infere que “o exercício da memória é seu uso; ora, o uso comporta a possibilidade do abuso. Entre uso e abuso insinua-se o espectro da “mimética incorreta”. O primeiro abuso vincula-insinua-se ao excesso de uma memória ligada ao extermínio dos indígenas e ausência de outra memória, a memória da

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resistência. O segundo abuso tem influências do primeiro abuso, recaímos sobre o trauma de uma memória. No terceiro abuso, a memória está a serviço da identidade e suas fragilidades, que se relacionam com o tempo, o confronto com o outro e herança da violência fundadora.

Inspirada na obra citada de Paul Ricoeur, a pesquisa intitulada Os índios do Território

Serra da Capivara: história, memória e ensino, tem origens em diversas preocupações que

serviram de justificativa para percorremos os rituais que a academia impõe. As preocupações pessoais vêm de uma impotência no ofício de professor de história na educação básica, visto que na minha formação como professor sempre ouvi falar no extermínio dos indígenas e, até pouco tempo, nunca tinha posto a prova o que ouvia dos meus professores. Minha segunda preocupação, de caráter científico, foi percebida nas aulas do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História ao compreender, que o excesso de memória do extermínio dos indígenas vincula-se a construção de identidades dentro do discurso e produzidas em locais históricos e institucionais específicas. Então se trata da ausência de pesquisas sobre a temática indígena referente ao Estado do Piauí, ou pelo menos, rasuras da temática que muitas vezes são trabalhada de forma tangencial, sem um diálogo como a história, a memória e o ensino.

No primeiro capítulo A escrita da História: construção do extermínio dos índios do

Piauí organizou-se sua estrutura em três pontos, nos quais analisamos e refletimos sobre a

escrita da história e a construção do extermínio dos índios do Piauí. No primeiro ponto, fizemos o exercício da hermenêutica com a obra: O índio no solo piauiense, publicado em 1952 por Monsenhor Chaves. No segundo ponto discutimos a obra Pesquisas para história do

Piauí, publicada entre 1966-1972, por Odilon Nunes. Já no terceiro ponto investigamos a obra

contemporânea de Ana Stela de Negreiros de Oliveira, O povoamento colonial do sudeste do Piauí: indígenas e colonizadores, conflitos e resistência, pesquisadora da temática indígena

da região.

Fizemos uso do método que busca a compreensão de uma obra, ancorados em Paul Ricouer e na hermenêutica como instrumento de compreensão do discurso. Além disso, nossas preocupações recaem sobre os abusos da memória e são ancorado na fenomenologia da memória que Ricoeur nos ajuda a pensar:

a fenomenologia da memória inicia deliberadamente por uma análise voltada para o objeto de memória, a lembrança que temos diante do espírito; depois, ela atravessa o estágio da busca da lembrança, da anamnésia, da recordação; passa-se finalmente, da memória dada e exercida à memória refletida, à memória de si mesmo. (RICOEUR, 2007, p. 17-18).

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O Segundo capítulo, Memórias de um imbuzeiro, tem-se como pretensão compreender as nuances das memórias dos povos indígenas da região estudada, sistematizadas em três pontos. O primeiro discutirá Os indígenas na memória coletiva. O caminho foi a investigação da memória traumática. Em seguida, em Tradição oral e os lugares de memória, percorremos o confronto entre memória oficial e a memória subterrânea, que estamos trazendo à tona a partir de depoimentos produzidos em conjunto com os descendentes dos indígenas

Pimenteiras na comunidade Saco, na zona rural do município de Caracol, e em fazendas no

entorno dessa comunidade. Já no terceiro ponto será trabalhada Memória e identidade social,

discorremos sobre a problemática da memória e a construção da identidade social.

Para compreendermos partes da sociedade indígena do Piauí, faz-se necessário analisar as memórias de pessoas historicamente marginalizadas. Como aporte teórico na compreensão das memórias marginalizadas, fizemos uso de Michael Pollak, que discute as memórias subterrâneas em Memória, esquecimento, silêncio. Em seu trabalho está em voga o conflito e a competição entre memórias concorrentes. Diante disso o autor entende que:

Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à "Memória oficial", no caso a memória nacional. Num primeiro momento, essa abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados uma regra metodológica e reabilita a periferia e a marginalidade. (POLLAK, 1989).

Os caminhos para a construção deste capítulo teve como subsídios participações em congressos, simpósios, seminários e oficinas, ligados à problemática da pesquisa. Percebendo que o uso da oralidade como recorrente, fizemos como primeiro passo um curso de curta duração de História e oralidade; História, Memória e Oralidade em eventos realizados na Universidade Estadual do Piauí. No Simpósio Nacional de História (ANPUH 2015) e a partir da oficina História Oral e Performance: Sensibilização e exercício dos sentidos para a

condução de entrevista, que trabalhava com sensibilização dos sentidos em entrevistas com

personagens envoltos ao uma memória traumática, nos possibilitou perceber um método importante, tanto para o desenvolvimento quanto para a produção de material didático que constituirá o capítulo III: o uso de imagens conjugadas aos depoimentos dos descendentes dos Pimenteiras entrevistados.

Ainda sobre o ensino de história do Piauí, problematizamos como os professores da rede básica abordam a temática indígena em sala de aula e como é a recepção dos conteúdos

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pelos alunos, a partir de entrevistas e oficinas realizadas com professores e alunos. Como nos ensina Paul Ricoeur, que a memória está a serviço da identidade, e também sabendo que o ensino age no constructo de identidades, refletimos ensino e identidade fundamentando nossas discussões como Tomaz Tadeu da Silva, enfatizando que:

No fundo das teorias do currículo está, pois, uma questão de ‘identidade’ ou de ‘subjetividade’. [...] Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. [Portanto,][...] além de uma questão de conhecimento, o currículo é uma questão de identidade. (SILVA, 2014, p. 15).

O terceiro capítulo, Ensino (d)e história indígena: abordagens, pesquisas e

possibilidades de ensino, trata de, a partir das problematizações dos capítulos anteriores,

produzir um material didático constituído de imagens, depoimentos que contraponham as representações oriundas de uma “memória oficial” às representações contidas nos depoimentos e imagens dos descendentes dos indígenas Pimenteiras. Tal material, assim, como a própria dissertação, além de subsidiar os professores que com ele tiverem contato em termos de reavivamento de seus conhecimentos, poderá ser utilizado como instrumento didático por esses professores na forma de oficinas, debates, ou mesmo como incentivo para os alunos se dedicarem à pesquisa da questão indígena.

Valer-se de imagens e entrevistas dos descendentes indígenas, bem como das visões de professores e alunos, transformadas em material didático, é entendido por nós como uma contraposição a uma memória e história oficial que, baseada no próprio extermínio físico “relativo” dos indígenas piauienses, está contribuindo para o extermínio também da memória de seus descendentes.

A participação em eventos correlacionados ao andamento da pesquisa contribuiu para pensar as abordagens de ensino. No Simpósio Nacional de História, foi apresentado na mesa

Histórias e culturas indígenas: saberes, abordagens, pesquisas e possibilidades de ensino a

seguinte proposta:

Esta mesa busca refletir acerca de dimensões das Histórias, Saberes e Culturas Indígenas, incentivando e divulgando estudos e pesquisas sobre os povos originários, constituindo relações com o ensino através da Lei 11645/2008. Busca-se assim relacionar os saberes tradicionais indígenas à pesquisa histórica, considerando, além das fontes escritas, a oralidade e os

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sentidos de temas como memória, identidade, territorialidade, religião/religiosidade e cultura. (ANPUH, 2015).

Diante disso, percebemos que a história ensinada, a história do currículo oficial, é resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimento e saberes, seleciona-se aquela parte que vai constituir este currículo. Fomos ensinados que não existem mais índios no Piauí, não importa nossa herança cultural: forma de vestir, de comer, de falar, de pensar, de se relacionar. Ricoeur problematiza as fragilidades da memória e da identidade, quando é manipulada e legitimada por um “Estado”, a resposta para “o que sou eu?” é legitimada pelo estado “eis o que somos, nós. Somos tais, assim e não de outro modo”.

Para Hall( 2012, p. 109), “é precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas”.

Nesse sentido há uma série de imagens “montadas” com indígenas de outros estados, especialmente do maranhão e Pernambuco, “vestidos a caráter” em “locais-símbolo” do Piauí, como a Serra da Capivara, Museu do Piauí, e especialmente o Museu do Homem Americano, dentre outros num “falso reavivamento” de uma realidade indígena piauiense que não existe, o que reforça a “teoria do extermínio” tão presente na História Oficial. Se essa é uma estratégia da história oficial, temos a pretensão de que o material didático resultante de nossa pesquisa, que constitui na verdade praticamente todo o capítulo III, seja uma estratégia no sentido contrário e que possa ser utilizada por qualquer professor que se interesse pelo tema. Acreditamos que as problemáticas levantadas nos posicionam a novas nuanças, novas perspectivas nos ensino de História do Piauí, perceber os povos indígenas não como povos do passado, exterminados e/ou figuras decorativas de museu. Nossa proposta é então re-colocar na cena histórica os indígenas do Piauí por meio da mobilização, seja de uma memória oficial problematizada, seja das memórias de seus descentes no interior da sala de aula.

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CAPÍTULO I

1. A escrita da História: construção do extermínio dos índios do Piauí

O que fabrica o historiador quando “faz história”? Para quem trabalha? Que produz? Interrompendo sua deambulação erudita pelas salas dos arquivos, por um instante ele se desprende do seu estudo monumental que o classificará entre seus pares, e, saindo para a rua, ele se pergunta; o que é esta profissão? Eu me interrogo sobre a enigmática relação que mantenho com a sociedade presente e com a morte, através da mediação de atividades técnicas. (CERTEAU, 20013, p.45).

Durante muito tempo, ouvimos não existir mais índios no estado do Piauí. As narrativas escritas dão destaque ao extermínio, considerando o século XIX como marco do fim dos indígenas no estado do Piauí. Investigando as narrativas da tradição oral percebemos divergências entre narrativa oral e escrita, subterrânea e oficial (POLLAK, 1989).

Em a Escrita da História, Certeau nos chama a atenção sobre o funcionamento da escrita ocidental, a “escrita conquistadora”, os colonizadores fizeram da América, um livro em branco “para nele escrever o querer ocidental”.

Este capítulo busca analisar e refletir sobre a escrita da História, e a construção do extermínio dos indígenas do Piauí. Busca-se, assim, relacionar a pesquisa Histórica no universo acadêmico, considerando as fontes escritas e o ensino de História como mecanismo para reforçar o discurso oficial, o discurso do extermínio indígena. Acreditamos que as narrativas invocadas sobre a representação do passado é uma forma de criar identidades, e é nesse ponto que inserimos as narrativas usadas no ensino de História. As narrativas ensinadas, na educação básica, sobretudo na disciplina de História do Piauí, dão destaque ao um índio genérico do passado e selvagem. Narrativas construídas entre o século XVII ao XIX, e até hoje disseminadas nas escolas:

Os índios começaram a povoar os livros escolares desde o século XIX, simbolizando, inicialmente, o selvagem antropófago que dificultava a civilização apesar dos esforços dos missionários. Foi apenas a partir do século XX que, pelo ideário do Romantismo, o índio se tornou um dos símbolos da nacionalidade. (BITTENCOURT, 2013, p.200).

Um dos objetivos centrais do ensino de História relaciona-se à sua contribuição na constituição de identidades. A História do Brasil, a canônica, tornou-se alvo de críticas, os historiadores que se dedicam ao ensino, trazem à luz a problemática do ensino visando

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construir um passado homogêneo, sem conflitos, omitindo as desigualdades e as diferenças das sociedades que compõem o Brasil.

A História oficial dos índios do Piauí, omite, esquece e silencia o papel dos indígenas na formação do Piauí, dando destaque apenas visões preconceituosas. As narrativas enfatizam a violência e a selvageria praticada pelos povos tradicionais. Os indígenas passam a ser vistos como “outro”, povo de violência endêmica, matadores de gado e de gente, empecilho do progresso. No século XVII, iniciam-se os primeiros preamentos de índios; no século XVIII, disseminam-se o ódio coletivo para reprimir os indígenas; no século XIX oficializa-se o fim dos indígenas no Piauí; em nosso tempo usamos os documentos oficiais, documentos/monumentos dos “opressores” para ensinar a história dos “oprimidos”:

Quando se afirma que as populações indígenas estão em vias de desaparecimento ou já fazem parte do passado, utiliza-se frequentemente a palavra “extermínio”, decretando o fim de sua existência e de quaisquer possibilidades futuras. Outras vezes é apresentada uma visão conservadora, na qual a cultura indígena aparece ligada ao uma tradição milenar, estabelecendo uma resistência absoluta que ignora as mudanças inerentes às relações humanas. Mesmo quando transformações culturais são percebidas, por vezes o índio é retratado como um mero remanescente que teve sua cultura destruída ou descaracterizada. Essas são posturas essencialistas, pois pensam o indígena como pertencente a uma cultura ideal e estática, ora como se as relações fossem – em uma perspectiva claramente reducionista – uma guerra contínua entre vencedores e vencidos, na qual ninguém se transforma. (WITTMANN, 2015, p.14).

A omissão sobre a história indígena piauiense se manifesta circunscrita. A problemática da função da História escolar, e a importância na escolha dos conteúdos e como são introduzidos na escola. Por que abordar a história indígena na escola? E o que abordar no ensino de História? As problemáticas levantadas são pontos cruciais para compreender a fenomenologia da memória que pontuaremos nos três tópicos iniciais que compõem esta pesquisa. Os indígenas são sujeitos históricos da experiência brasileira, e também da experiência piauiense, portanto constituídos de História. Com o advento da lei 11.645, de 2008, “torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Referente ao elemento indígena, o ensino deve abordar assuntos como: a luta dos povos indígenas no Brasil; a cultura indígena brasileira e o índio na formação da sociedade nacional; contribuições sociais, econômicas e política.

A ausência de estudos sobre História indígena nos períodos contemporâneos é uma das maiores lacunas nos sistema educacional do Piauí. Os índios são apresentados apenas nos

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conteúdos de pré-história e história colonial, e ainda fazendo um desserviço para o ensino. Os danos causados pela ausência de estudos e ensino, como também o excesso de uma narrativa em que os indígenas são colocados com inferiores, acabou por permitir a criação de uma série de estereótipos que dificultam a criação de uma identidade positiva. A história indígena se encerra no Piauí colonial. Na república não se percebe mais os indígenas na História, são esquecidos, ou melhor, sua saga chega ao fim nos anos iniciais do século XIX, quando oficialmente os índios são exterminados:

Ainda hoje, quando são lidos alguns livros didáticos de História, tem-se a impressão de que as populações indígenas pertencem exclusivamente ao passado do Brasil. Os verbos relacionados aos índios invariavelmente estão no pretérito, e a eles são dedicadas apenas algumas poucas paginas, geralmente na chamada “pré-história” e/ou no “cenário do descobrimento”. A partir da chegada dos portugueses ao continente americano, os indígenas “desaparecem”, os alunos não fazem a mínima ideia do que teria ocorrido nos séculos seguintes com os diferentes grupos (bem como seus descendentes) que habitavam as terras que viriam a se tornar o território brasileiro. (SILVA, 2015, p. 21).

A matriz disciplinar, que trata do ensino de História no Estado do Piauí, orienta o ensino de História no Piauí, “o que deverá ser aprendido; o que deverá ser ensinado; como deverá ser ensinado; o que deve ser avaliado”.

No primeiro ano do ensino médio, nos primeiros conteúdos referentes à pré-história, deve ser aprendido como diferenciar a organização do trabalho, caracterizando as formas que assumem ao longo do tempo, e os movimentos sociais em diferentes contextos e deverá ser ensinada a humanidade antes da escrita, ressaltando as comunidades primitivas no Brasil e no Piauí. Deverá ser ensinada, realizando debates a partir dos textos trabalhados, e avaliada a capacidade de analisar e discutir textos e documentos históricos.

Além disso, no contexto que compreende as cidades do Território Serra da Capivara, é comum os professores realizarem aulas-passeio, levando os alunos ao Museu do Homem Americano e/ou no Parque Nacional Serra da Capivara na cidade de São Raimundo Nonato, ou no Parque Nacional Serra das Confusões na cidade de Caracol. A região é o berço do “homem Americano”, foi palco das primeiras experiências sociais no continente americano, se constituiu tanto com grupos “pré-históricos” quanto grupos históricos. O ensino acabou se concentrado mais nos indígenas do passado, os indígenas pertencentes ao subsolo e peça de museu.

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No segundo ano do ensino médio os alunos “devem” aprender compreender a questão da terra, comparando as diversas formas de propriedade ao longo da história, bem como a organização fundiária e os movimentos ligados a ela. E serão ensinados os conflitos entre indígenas e colonizadores; as lutas entre sesmeiros e posseiros; a formação do Piauí; estrutura econômica, social e política do Piauí colonial e a escravidão no Piauí. Como caminho para o ensino, “deve-se” identificar diversas expressões culturais e formas de representação e avaliar as habilidades de fazer a leitura criteriosa de mapas, fotografias e pinturas para entendimento de fatos históricos. Ainda referente à segunda série devem ser ensinados assuntos como a separação de Portugal. O processo de independência no Piauí. A constitucionalização do Império. A regência; disputas entre as correntes políticas: centralismo e federalismo, as rebeliões regenciais. A balaiada no Piauí; O segundo Reinado no Brasil: a economia cafeeira. A crise da pecuária no Piauí. A estruturação urbana e a transferência da capital para Teresina. A navegação do rio Parnaíba; A educação das relações Étnico-Raciais e o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira, e História e Cultura Africana. A História da cultura Afro-brasileira e a formação social piauiense. História de lutas e resistência.

Já no terceiro ano, deve ser ensinados assuntos como: o Piauí na República Oligárquica, a crise da República Oligárquica, a classe social e o movimento sindical, cangaceiros e fanáticos, a Coluna Prestes no Piauí, tenentismo, e os movimentos culturais; O Piauí no contexto da Revolução de 1930, o Estado Novo e sua implicação no cotidiano piauiense, as interventórias, a crise extrativista e de navegação fluvial do Parnaíba, Piauí e integração, Piauí e integração nacional, e os movimentos sociais.

Publica-se a história do processo de independência no Piauí, e o índio não aparece; publica-se a o Piauí na República Oligárquica; e o índio não aparece; publica-se enfim a história do Piauí, e o índio pouco aparece. Os indígenas, que tanto contribuíram para a formação do povo piauiense, quase não aparecem na história ensinada.

Conhecer a História indígena é condição para o entendimento da formação da sociedade piauiense. Os conteúdos selecionados para o ensino da história dos índios do Piauí, via de regra, apresentam-se reduzidos a uma extensão da história do colonizador e etnocêntrica. Os indígenas vistos com culturas exóticas, selvagens, sociedade do passado. O ensino de história foi um dos instrumento para silenciar identidades, que devido ao trauma quer subverte-se ao esquecimento.

O ensino de História lançou mão de obras acadêmicas construídas sob a égide dos documentos escritos, pautado principalmente no discurso oficial, dos séculos XVII, XVIII e XIX. A hegemonia da cultura letrada, juntamente com a recorrência de narrativas escrita que

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enfatizam o extermínio das populações nativas do Piauí, nos levou a interrogar tais narrativas, com a pretensão de evidenciar o seu lugar de produção e o tempo e espaço que as essas narrativa escritas querem representar.

Tentando compreender as nuanças desta hegemonia, recorremos ao historiador galês Raymound Williams que considera a hegemonia como:

um conjunto de práticas e expectativas sobre a totalidade da vida: nossos sentido e distribuição de energia, nossa percepção de nós mesmo. É um sistema vivido de significados e valores – constitutivo e constituidor – que, ao serem experimentados como práticas, parecem confirmar-se reciprocamente. [...] Em outras palavras, é no sentido mais forte uma “cultura”, mas uma cultura que tem também de ser considerado como o domínio e subordinação vividos de determinadas classes. (WILLIAMS, 1979, p.113).

Hegemonia vai além de manipulação e doutrinação, não é um caminho singular e sim uma prática complexa, que se renova continuamente, sofrendo resistências e desafiada por pressões (WILLIAMS, 1979).

No que diz respeito às “operações miméticas as quais nos possibilitam entrar em contato como o mundo”, fizemos uso do filósofo francês Paul Ricoeur, dialogando com o tempo e as narrativa. “a experiência temporal e a operação narrativa se enfrentam diretamente, ao preço de um impasse sobre a memória e, pior ainda, sobre o esquecimento, esses níveis intermediários entre tempo e narrativa” (RICOEUR, 2007, p. 17). Iniciaremos a discussão com três obras que serão fontes para entender a problemática dos abusos de memória, na celeuma das narrativas do extermínio.

Duas obras acadêmicas, acerca da temática indígena piauiense, nas disciplinas de Historiografia do Piauí, são recorrentes. Trata-se da obra O índio no solo piauiense, publicado em 1952 por Monsenhor Chaves e Pesquisas para história do Piauí, publicada entre 1966-1972 por Odilon Nunes. Configuram-se entre as primeiras narrativas, e ao tempo que se consolidaram entre as grandes obras da historiografia piauiense. Para destacar o locus de estudo pontuemos como discussão a tese de doutorado de Ana Stela Oliveira, O povoamento colonial do sudeste do Piauí: indígenas e colonizadores, conflitos e resistência.

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1.1 Primeiras narrativas: O índio no solo piauiense

“Pergunta-se até onde vão minhas terras?” A Casa da Torre responde, “siga até onde a vista alcançar”, foi com essas palavras que simbolicamente foi construído o Piauí, considerado na época de sua “colonização” o maior latifúndio do nordeste, assim como a “História do Brasil, a canônica”, a do Piauí não foi diferente, começa inevitavelmente pelo “descobrimento” (CUNHA, 1992).

A Casa da Torre, mais do que uma fortaleza edificada no litoral da Bahia, pertencente à família de Garcia D’Ávila, foi o principal empreendimento na perseguição de indígenas do Nordeste. Seu alargamento em terras nordestinas, deu-se à custa de guerras contra os índios, com intenção de usá-los como escravos nas plantações de cana de açúcar. Fundamentado no regime jurídico das sesmarias, a Casa da Torre se tornou um importante latifundiário do nordeste. Perseguindo os índios, as bandeiras que representavam o empreendimento dos D’Ávilas, cada vez mais expandia seu território, cada vez mais nos sertões de dentro.

A bandeira da Casa da Torre que vamos destacar era liderada por Domingos Afonso Mafrense, conhecido também como Domingos Sertão. Foi um dos principais rendeiros de terras da Casa da Torre, em sua trajetória foi responsável por dezenas e até mesmos centenas edificações de fazendas nos vales do rio São Francisco, rio Piauí e rio Gurgueia. “Siga até onde a vista alcançar”, a cada passo de Domingos Sertão, abria-se um novo horizonte, dava-se mais dois passos, e assim mais terras podia se avistar. Por volta de 1674, conquista praticamente a metade do território do Piauí.

Domingos Sertão não foi o único bandeirante a “desbravar as terras distantes” que hoje é o Piauí. A saga do “período heroico da história do Piauí” 1 foi construída na “aventura de dois bandeirantes” 2

, o outro descobridor trata-se da figura de Domingos Jorge Velho. Liderando a bandeira paulista, foi o primeiro homem “branco” a entrar nas terras do Piauí, foi perseguindo os indígenas que desbravou os sertões nordestinos, muito embora seja mameluco, descendente de índios, suas feições no imaginário coletivo, é retratado como a de um imponente homem branco.

Acabamos de citar alguns personagens que aparecem na obra de Joaquim Monsenhor Chaves intitulada Os índios em solo piauiense publicado em 1952. Chaves traz para a historiografia piauiense como personagens principais, os indígenas do Piauí, em uma

1 Forma como o Odilon Nunes referencia o período de entrada dos bandeirantes Domingos Velho e Domingos Afonso Mafrense em território

piauiense. (NUNES, 2007:178).

2 Trecho do hino do Estado do Piauí, letra: Antônio Francisco da Costa e Silva Música de Firmina Sobreira Cardoso e Leopoldo Damascena

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perspectiva humanista, Chaves é o primeiro historiador ou o pelos menos o mais contundente na defesa dos indígenas, ressalta a importância e a participação dos indígenas na formação étnica do povo piauiense. Em suas narrativas faz críticas aos primeiros governos do Piauí e sua política de extermínio. Pontua também a importância dos jesuítas na manutenção da vida dos indígenas, interrompida posteriormente em 1759 com na expulsão dos jesuítas pela política de Marques de Pombal.

Nossa intenção ao comentar figuras como Jorge Velho e Domingos Sertão, tem como mote situar as intenções da escrita de Monsenhor Chaves, e principalmente como os indígenas aparecem em sua escrita. Salientamos que nossa abordagem, sobre os diversos personagens envolvidos que vai do autor (Monsenhor Chaves) que narra a partir de um tempo (meados do século XX) representando outro tempo (século XVII e XVIII) e dos personagens que chaves narra, estão envoltos a uma “estrutura de sentimento”, Williams nos esclarece que:

O termo é difícil, mas “sentimento” é escolhido para ressaltar uma distinção dos conceitos mais formais de “visão de mundo” ou “ideologia”. Não que tenhamos apenas de ultrapassar crenças mantidas de maneira formal e sistemática, embora tenhamos sempre de levá-las em conta, mas que estamos interessados em significados e valores tal como são vividos e sentidos ativamente e as relações entre eles e as crenças formais ou sistemáticas são na prática, variáveis (inclusive historicamente variáveis), em relação a vários aspectos, que vão do assentimento formal com dissentimento privado até a interação mais nuançada entre crenças interpretadas e selecionadas, e experiências vividas e justificada (WILLIAMS, 1979, p.134).

As relações de experiências são varáveis, e constitutivas, tomamos sentimento como uso, para relacionar a uma consciência prática, uma consciência viva continuamente. As relações dessa consciência que se transforma que sobre tudo é viva (sentimento) estão emersas as tensões das experiências sociais que estão em movimento.

Analisando a obra Os índios em solo piauiense na perspectiva de compreender a construção da narrativa, o contexto e lugar de produção, percebemos as narrativas como arraigadas de interesses e instrumento de poder. Segundo Le Goff “a memória coletiva e a sua forma científica, a história, aplicam-se a dois tipos de materiais: os documentos e os

monumentos”, ancorados na discussão de que todo documento é um monumento, que é um

instrumento de poder, que o documento é ao mesmo tempo verdadeiro e falso. Cabe mostrar as condições de produção do documento, evidenciando o tempo e o espaço social da narrativa. Monsenhor Chaves evidencia elementos importantes, para nossa problemática, ao passo que iniciaremos nossa discussão com uma de suas obras, “o índio em solo piauiense”,

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publicada em 1952, está entre as primeiras narrativas escritas que trata do elemento indígena. A obra está dividido em seis partes: O Piauí no século XVII; Piauí, corredor de migração; Índio do solo piauiense; Hostilidades de Domingos Jorge Velho; As guerras da conquista; Última fase da conquista.

Então, problematizamos a obra.

Ancorado nessas discussões, do caráter temporal das narrativas e suas representações do tempo da experiência humana. Referenciamo-nos a região conhecida no século XVII como “Alto Sertão do São Francisco”, atual estado do Piauí. A região foi o ultimo reduto nordestino a ser colonizado pelo homem branco. A colonização tardia foi um dos fatores para consolidar os vales piauienses como um corredor migratório, de variadas populações indígenas.

O território piauiense está entre uma área de transição, de um lado a bacia do rio São Francisco, região de caatinga, do outro lado está a bacia amazônica. Os índios fugidos da Bahia, Pernambuco, Ceará e de outras regiões do nordeste colonizadas entre os séculos XVI e inicio do XVII, se refugiavam em terras piauienses. Transitavam entre o vale do São Francisco, vale do Parnaíba e vales da bacia amazônica. Monsenhor Chaves considera que:

Esta configuração determinou, sem dúvida, a transformação deste vasto território num corredor de migração para as tribos selvagens, que se deslocavam da bacia do S. Francisco e do litoral nordestino para a bacia do Amazonas e vice-versa. [...] Tupis, Tapuias e Caraíbas, em guerras e contínuas migrações, pisam o solo piauiense cruzando os dois sentidos. (CHAVES apud DIAS, 2010, p.42).

O primeiro ponto que problematizamos, refere-se a uma fala recorrente na historiografia piauiense, aborda também por Monsenhor Chaves, trata-se que o solo piauiense era habitado por inúmeros grupos indígenas, e vertiginosamente o numero de habitantes ia aumentando, devido à fuga dos índios dos vales da Bahia e Pernambuco para os vales piauienses. Nos primeiros tempos da colonização os “índios fervilhavam como formigas nos vales dos rios do Piauí”. No fim do século XVIII e começo do XIX, praticamente não existiam mais. Em nosso tempo é recorrente a ideia de extermínio.

Embora, a discussão de extermínio seja recorrente dentro da historiografia piauiense, pensamos que os depositários de tais prerrogativas exageram nas falas, muitos até mesmo se tornam contraditórios, ou dão como verdades os documentos oficiais. Monsenhor Chaves, homem da igreja aparentemente buscava as contradições dos documentos oficiais, todavia, contradições referentes à importância dos indígenas na formação do Piauí, os índios ainda são vistos em sua narrativa, como sujeitos do passado.

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Monsenhor Chaves, homem da igreja. Envolto as particularidades de seu lugar de fala, por vezes toca no assunto ligado à política pombalina, mostrando seu descontentamento no que se refere a expulsão dos jesuítas. Chaves enfatiza que a perda da tutela dos jesuítas sobre os indígenas, encadeou a “sumaria perseguição, moléstia e extinção “dos povos indígenas.

Os documentos utilizados por Chaves, por vezes documentos oficiais, ou pelo menos de homens ligados a postos oficiais, confirmam suas queixas. Os primeiros governos do Piauí forjaram o extermínio dos nativos: perseguiram, tomaram suas terras, torturam e mataram os indígenas, por fim exterminaram sob o signo da escrita ocidental.

“Historiemos os fatos”.

O início da perseguição contra os índios do Piauí remete ao fim do século XVII. Por volta de 1674, as primeiras bandeiras à procura de índios rebelados do vale do São Francisco, e também de metais preciosos, terras férteis e mão de obra escrava, chegam ao Piauí. Duas bandeiras merecem destaque, uma bandeira paulista comandado por Domingos Jorge Velho, e outra forjada pela Casa da Torre dos Dias Ávila, a bandeira baiana ficou sob comando de Domingos Afonso Mafrense, conhecido como Domingos Sertão.

Monsenhor Chaves nos esclarece que o motivo inicial da vinda dos bandeirantes para terras piauienses, seria essa procura por índios rebelados do sertão baiano.

De 1674 para diante os nossos silvícolas começaram a ser molestados por novas agressões dos brancos, que agora vinham de várias direções. Tribos rebeladas no sertão do S. Francisco trouxeram até aqui, no seu encalço, os guerreiros da Casa da Torre. [...] Perseguindo os Gueguês em retirada, é nessa hora que pisa o solo piauiense um dos capitães e companheiro de conquista de Francisco Dias de Ávila, Domingos Afonso Sertão. (CHAVES apud DIAS, 2010, p.49-50).

As narrativas invocadas, nos leva a exercitar uma memória das moléstias acometidos contra o indígena. A pragmática da memória do extermínio é exercitada, é buscada. Segundo Paul Ricouer (2007, p. 71). “lembrar-se é não somente acolher uma imagem do passado, como também buscá-la, “fazer” alguma coisa” Chaves aponta vários episódios, destacando a forma violenta que os índios eram mortos.

Os selvagens foram surpreendidos nalgum ponto da costa, do lado do Piauí, e facilmente desbaratados. Mas o branco civilizado enodoou a vitória com um ato repugnante de selvageria: consentiu que os índios aliados exterminassem

brutalmente as criancinhas tremembés aprisionadas. É o próprio

Governador, Inácio Coelho da Silva, que relata o nefando crime, em carta para o príncipe regente: “Os índios aliados, travando das criancinhas pelos pés,

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mataram-nas cruelmente, dando-lhes com as cabecinhas pelos troncos das árvores, e de uma maloca, de mais de 300 só escaparam 37 inocentes”[grifo nosso]( CHAVES apud DIAS, 2010, p.50).

Gostaria de esclarecer que, a nossa abordagem é na tentativa de entender os motivos que levaram Monsenhor Chaves a pontuar as agressões sofridas pelos indígenas. Dentro dessa memória exercitada, perceber o uso e no abuso de uma memória que, devido ao trauma, quer ser esquecida. É exercitada e quer ser esquecida. Essa memória choca quando é demasiadamente remetida, quando é demasiadamente convocada, da mesma forma a ausência de memória (o excesso de esquecimento) também indica um abuso de memória, então tanto o excesso de memória quanto ausência de memória (excesso de esquecimento) há um abuso.

Até que ponto o uso da memória no construto das identidades, forjaram de forma coerciva e silenciosa o distanciamento das tradições de um povo? O elemento indígena é a base étnica do povo piauiense. Os costumes, ainda permanecem, todavia, e muito disso no caráter oficial, a identidade não é percebida ou remetida aos povos indígenas. A negação da nomenclatura “índio” seria devido às memórias traumáticas? Estratégia de sobrevivência? Ou o termo “índio” não é significante para esse povo? Sobre memória e identidade Ricouer diz:

O cerne do problema é a mobilização da memória a serviço da busca, da demanda, da reivindicação de identidade. Entre as derivações que dele resultam, conhecemos alguns sintomas inquietantes: excesso da memória, em tal região do mundo portanto, abuso de memória – insuficiência de memória, em outra, por tanto, abuso de esquecimento. Pois bem, é na problemática da identidade que se deve agora buscar a causa da fragilidade da memória assim manipulada. Essa fragilidade se acrescenta àquela propriamente cognitiva que resulta da proximidade entre imaginação e memória, e nesta encontra seu incentivo e seu adjuvante. (RICOEUR, 2007, p. 94).

Continuemos abordagem de Chaves sobre as “moléstias” e sofrimento dos índios. O autor comenta um levante dos indígenas contar os algozes homens branco. Sob liderança de “Manu Ladino”, indígena catequizado por jesuítas, “tribos” indígenas se organizaram numa confederação, tendo êxito em alguns combates, porem sendo derrotada e levando a morte de “Manu Ladino”, em fuga o líder indígena morre afogado quando tentava atravessar o rio Parnaíba. Depois da morte de “Manu Ladino”:

A guerra continuou, porém, encarniçada, no território piauiense, ainda durante alguns anos. Mas aquela fibra de ataque de nossos índios tinha sido

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quebrada em toda a linha. A ação enérgica, e muitas vezes desumanas, dos mestres de campo e dos proprietários particulares de fazendas de gado, tinha aniquilado, definitivamente, as confederações de selvagens. Sucedem-se as reduções e os aldeamentos das tribos, umas vezes sob as ameaças armada dos mestres de campo e dos predadores de índios, outras vezes ao simples apelo pacifico dos missionários, ou de alguma autoridade compreensiva e humanitária que com eles negociava (CHAVES apud DIAS, 2010, p.51).

Em meados do século XVIII fora criada leis que davam liberdade aos povos indígenas, e o governo teria a tutela desses povos. João Pereira Caldas, o primeiro governador do Piauí “encarregado por sua Majestade de proteger os índios contra os jesuítas, inicia a sua gestão com um pedido singular: fazer uma guerra ofensiva aos seus protegidos” (CHAVES apud DIAS, 2010, p.52) em oficio de 1759 tem como queixa que “algumas nações de gentio afligem incessantemente uma grande parte desta consternada capitania, assaltando fazendas, escalando as casas delas e matando toda a gente que encontram” (idem). Seu pedido não foi aceito. Contudo:

Pereira Caldas insistiu: queria uma guerra ofensiva. Isto, pelas leis em vigor, significava guerra geral, escravização legal dos prisioneiros. Ora, a primeira Carta Régia que o governo recebera lhe inculcava coisa muito diferente. Ele deveria secundar os esforços do Desembargador Francisco Marcelino de Gouveia, encarregado por S. Majestade de executar inviolavelmente, na Capitania, as leis de 6 e 7 de julho de 1755, que restituíam aos índios “ as liberdades de suas pessoas, bens e comércio”. O rei manda que se repartissem aos índios as terras competentes para a sua lavora e comércio “nos distritos das vilas e lugares que de novo deveis exigira nas aldeias que hoje têm e no futuro tiverem os referidos índios” ” (DIAS apud CHAVES, 2010, p.52).

Chaves chama atenção para “uma cláusula odiosa” das leis de 6 e 7 de julho de 1755. “Não permitireis, por modo algum, que os regulares (isto é, os jesuítas), que até agora se arrogaram o governo secular das ‘ditas aldeias, tenham nelas a menor ingerência” (CHAVES

apud DIAS, 2010, p.52). A cláusula abriu espaço para uma guerra contra o gentio, no

confisco de terras, e perseguição de índios pernicioso para manutenção da coroa em terras piauienses.

Os Tremembés, por exemplo, privados dos seus antigos protetores, viram as suas terras confiscadas por aproveitadores, que para esbulhá-los nos seus direitos, tiveram a complacência daquelas “pessoas idôneas” que o governador nomeara para protegê-los. (CHAVES apud DIAS, 2010, p.53).

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Nos anos de 1776, João do Rego ataca os Pimenteiras numa guerra que durou quase dez anos, de idas e vindas, com varias excursões contra os perniciosos Pimenteiras, moradores do Sertão das Pimenteiras, a região mais desconhecida pelos predadores de índio. Chaves diz que os Pimenteiras “serão totalmente destroçados em 1783” (CHAVES apud DIAS, 2010: 56). O governo do Piauí diz que a partir de 1815 não existe mais índio no território piauiense.

Por fim registramos nossa discordância, tanto de Monsenhor Chaves quanto do governo do Piauí, no que se trata do extermínio dos indígenas. Nossa justificativa vem das próprias conclusões de Chaves, evidenciando partes da nossa sociedade esquecida pela memória oficial. As “tribos mais agressivas” foram apagadas ou expulsas do território piauiense. As mais “fracas” se adaptaram à convivência com o colonizador, disso resultou a razão de mestiçagem, que é a base de nossas característica étnico (CHAVES, 1998).

Acreditamos que o interesse em exterminar as populações indígenas, seja pelo caráter prático, seja pelo caráter simbólico, vincula-se as lutas por território. Primeiro na busca por minérios e mãos cativas, depois por grandiosos latifúndios na criação de gado. O extermínio foi a justificativa para o governo piauiense desconsiderar as leis de 6 e 7 de julho de 1755, “O rei manda que se repartissem aos índios as terras competentes para a sua lavora e comércio” (CHAVES apud DIAS).

1.2 Primeiras narrativas: Pesquisas para história do Piauí

Pesquisas para história do Piauí é uma obra que comporta quatro volumes, o primeiro

volume que aqui será tratado, foi sistematizado em outras cinco partes: 1 Pré-história. Primeiros contatos com a terra; 2 Primórdios da colonização. Primeiros currais; 3 Colonização e ausência de governo; 4 Primeiros governos; 5 Oligarquia indígena contra delegados de El-Rei. Obra quase exclusivamente concebida nos arquivos públicos do Piauí, Nunes já vem estudando e sistematizando a história do Piauí desde os anos 30, com cunho pedagógico, construindo compêndios da história regional. O primeiro volume de Pesquisas para a

História do Piauí tem origem em 1961 em um contrato firmado com o governo do Piauí, e

finalmente publicado em “1975”.

Diante de inúmeras possibilidades de iniciarmos nossa discussão sobre a obra mais citada da historiografia piauiense, recorremos ao ponto que nos faz acreditar que Odilon Nunes se difere de Monsenhor Chaves, recorremos então à linguagem que constitui sua obra. A linguagem consciência prática imersa sobretudo ao uma ação social nos evidenciam também relações sociais (WILLIAMS, 1979). Em síntese as narrativas de Nunes, nos levam a

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perceber visões “pessimistas” da participação indígena na formação do Piauí enquanto sociedade. Nunes afirma que “o Brasil foi primitivamente habitado por grande população de cultura ínfima e de baixo valor na escala antropológica” (NUNES, 2007, p. 60).

Odilon Nunes e Monsenhor Chaves compartilharam pesquisas sobre a história do Piauí, participaram do Centro de Estudos Piauienses. Enquanto Chaves evidenciam, uma linguagem mais humanista, percebendo o indígena como portador de direitos, Odilon Nunes adjetiva os indígenas como portadores de cultura atrasada. Por vezes diz que os nativos foram os primeiros invasores das terras que hoje é o Brasil, e traz o homem europeu como ser responsável pela colonização das terras, e instrumento de levar a educação aos povos indígenas, sobre tudo de desfazer superstições das tradições dos nativos.

Como já pontuamos, acreditamos que a língua é constitutiva, é consciência prática em transformação, é histórica e socialmente construída. E é partindo dessa perspectiva que buscamos os estudos de Raymond Williams, para fazer o elo entre a linguagem esboçada por Odilon Nunes e a estrutura de sentimentos envoltos a sua forma de se relacionar com sua pesquisa. Em outras palavras se busca seu lugar de produção.

No prefácio da primeira edição, Nunes, de forma objetiva, esclarece como será produzido sua obra, ao que nos leva a problemática do método. Em linhas gerais suas fontes são quase exclusivas, fontes de arquivos, que para ele são fontes primarias e talvez elemento menos propício às distorções do tempo e dos interesses de grupos. Em certos pontos as fontes são encaradas como portadores da verdade, o que nos faz considerar que Nunes era simpático a corrente positivista firmada no século XIX. A contrapelo, não podemos também referenciá-lo na forma pejorativa que muitas vezes é empregado o termo positivista, não do que segue estritamente o manual de Ranke em que os fatos falam por si.

No possível, fugimos às fontes bibliográficas; no possível, recorremos sempre às fontes arquivais. Trabalho individual, sem subsídios de outrem, talvez venha a ser testemunhada distorção na interpretação de um documento. Se porventura incidimos nessa falha, de já pedimos a clemência dos analistas, pois certamente fomos vítimas do exaustivo trabalho, superior a nossa capacidade, e jamais do propósito de adaptar a peça documental ao conceito duma tese (NUNES, 2007, p.13).

Embora se perceba essa forte influencia do pensamento positivista, podemos aferir também, que Nunes estava ciente de novas perspectivas teóricas e metodológicas. Seu trabalho de pesquisa inicia-se nos anos 30 e vão até os anos 70, período que se evidência novas perspectivas de pesquisa, exemplo disso é a abordagem da Revista dos Annales de

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1930. O que sabemos é que Nunes participava de congressos, revisionista da história do Brasil. Ao colocar “panos mornos” em suas eventuais falhas e como ele mesmo diz “novos estudos poderão retificar mesmo passagens deste trabalho. É esta uma das finalidades da História, ciência profundamente revisionista”.

A construção da imagem do índio é uma temática que tange muitas discussões, ora visto como “puro” e “sem maldade”, ora visto como vagabundo, selvagem e malicioso. Nunes (1972) afirma que os índios fervilhavam igual formigas no Piauí e construindo uma visão pessimista do índios no Piauí. Diante das narrativas de Nunes, pontuaremos principalmente a figura de João do Rego Castelo Branco, e o Cabo José Dias Soares, responsáveis pela guerra contra os índios Pimenteiras.

“Historiemos os fatos”.

Os primeiros governos do Piauí, demonstraram grande interesse na perseguição dos indígenas, primeiro com João Pereira Caldas, o primeiro governador do Piauí e depois com Botelho de Castro “um fascinado por Pereira Caldas. Ao assumir o Governo, por mais duma vez, afirmou que, em sua administração, tudo faria para imitá-lo” (NUNES, 2007, p. 169).

Depois da posse de Botelho de Castro, iniciam-se os primeiros confrontos com indígenas nos vales do rio Piauí, que foram apelidados de Pimenteiras, alguns autores acreditam que os Pimenteiras são da etnia caraíba, vindas dos vales do São Francisco. Nunes relata que esses primeiros confrontos vêm de represálias, moradores da região mataram animais de caça dos indígenas.

Logo após sua posse, tribo de índios desconhecidos alarma a ribeira do Piauí, depredando e até mesmo assassinando. A atitude agressiva dos índios, apelidados de Pimenteiras, teve caráter de represália. Foi resultado da desfeita que lhe fizeram os moradores ao matarem um de seus cães de caça. Tudo indica que já estavam eles domiciliados em terras que ficavam entre as cabeceiras do Piauí e as do Gurgueia, quando ocorreram esses fatos (NUNES, 2007, p.169).

Sabemos que os interesses em um confronto entre indígenas e moradores de fazendas, serviam para atiçar a vinda dos predadores de índios. Os conflitos eram a oportunidade de se fazer uma guerra ofensiva contra os indígenas, pois como bem lembra Odilon Nunes sobre a política dos primeiros governos do Piauí:

João pereira Caldas, desde que chegou ao Piauí, demonstrou grandes interesses na perseguição do indígena isso ficou esclarecido em seu primeiro ofício, de 30 de setembro, ao Capitão – general do Estado. Nesse documento

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elogia Francisco Marcelino de Gouveia porque deu sossego à Capitania fazendo prender os facinorosos, e impondo respeito à lei. Mas acrescenta que “essa tranquilidade se não entende pelo que toca aos contínuos insultos com que algumas nações de gentios afligem incessantemente uma grande parte desta consternada Capitania, assaltando várias fazendas, escalando as casas delas, e matando toda a gente que encontram, desordem que me é impossível evitar, principalmente não tendo ordem de S. Majestade para fazer guerra a esses bárbaros, e ainda que creio me virá na próxima frota, não a poderei executar sem necessário concurso dos índios da Serra de Ibiapaba, compreendendo muito bem que sem eles é tudo frustrado” (NUNES, 2007, p. 157).

De acordo com Nunes, os atritos com os indígenas tinham aspectos esporádicos e de pouca durabilidade. Mesmo tendo aspectos eventuais, há uma política intensiva contra os indígenas, é expedida uma escolta de 30 homens para policiar as cabeceiras do rio Piauí. Nesse contexto, por volta de 1771, João do Rego liderando 150 homens fazia rondas nas margens do rio Parnaíba, e tudo isso sem autorização para guerra ofensiva (NUNES, 2007, p.170).

O rio Parnaíba é o acesso do nordeste com a bacia amazônica, todavia, “era finda a missão de João do rego no Baixo Parnaíba. Sua missão histórica seria mesmo nos agrestes e caatingas, no preamento do índio” (NUNES, 2007, p.157).

Há farta documentação referente aos Pimenteiras, são o grupo indígena mais citado em documentos referentes aos dois primeiros governos do Piauí, quase sempre remetendo-os como excursionista dos veles do Piauí e depredadores de currais (NUNES, 2007. p.176).

João do Rego foi o grande responsável, por levar a guerra aos Pimenteiras, nas literaturas é conhecido como “el matador”. Já se passara o governo de Botelho de Castro, segundo governador do Piauí, agora é estabelecido uma junta trina para governar. A junta trina se dirige a João do Rego, convidando-o para participar dos trabalhos administrativos, todavia, ele alega motivos de saúde, se afastando assim dos trabalhos administrativos.

A política de João do Rego era a mesma dos primeiros governos, pleitear expedições contra os indígenas, levando a guerra contra os Pimenteiras:

Projeta-se, então, uma entrada contra os Pimenteiras, a qual é confiada a João do Rego, sempre propenso a movimento dessa natureza. Talvez servisse a iniciativa apenas de alvissareiro pretexto aos desajustados compartes de governo, para que celebrassem uma trégua em suas discórdias. (NUNES, 2007, p.178).

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