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Sistemas de Mediação Familiar

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Academic year: 2021

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SISTEMAS DE MEDIAÇÃO FAMILIAR

Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Direito com

Especialização em Justiça Alternativa

Orientadora: Prof. Doutora Mariana Luisa Pereira de Castro

Guimarães Sampayo

Anabela Quintanilha

COIMBRA Março 2012

(2)

RESUMO

O presente trabalho tem por objectivo discorrer sobre o desenvolvimento dos sistemas de mediação familiar em Portugal, enquanto um dos primeiros meios de resolução alternativa de litígios instituído no nosso país.

O movimento de implementação destes mecanismos, simultaneamente, alternativos e complementares do sistema judicial, é irreversível face ao contexto socioeconómico nacional e internacional.

Sistemas privados e públicos de mediação familiar devem co-existir como oportunidade de escolha e diversidade de caminhos à disposição do cidadão, que procura solução para os seus conflitos familiares.

Palavras – Chave: Mediação familiar. Mediador profissional. Sistema público. Serviços privados.

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ABSTRACT

The goal of this work is to study and draw conclusions on the development of family mediation systems in Portugal, as one of the first means of alternative dispute resolutions implemented in our country.

The implementation process of these systems, simultaneously alternative and complementary of the judicial system, is irreversible in light of the current national and international social and economic situation.

Private and public family mediation systems should co-exist, providing to citizens different choices and a diversity of ways to solve their family disputes, when looking for a solution to those disputes.

Keywords: Family mediation, professional mediator, public system, private services.

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Índice

ÍNDICE ... 4 ÍNDICE DE FIGURAS ... 6 ÍNDICE DE TABELAS ... 7 ABREVIATURAS ... 8 1 INTRODUÇÃO ... 9

1.1 Meios Alternativos de Resolução de Litígios... 10

1.1.1 A Arbitragem ... 12

1.1.2 A Conciliação ... 14

1.1.3 A Negociação ... 16

1.1.4 Conceito de Mediação ... 18

1.2 Processo metodológico do trabalho ... 20

1.2.1 A motivação pessoal ... 20

1.2.2 A pertinência do estudo ... 20

1.2.3 Delimitação do Problema de Investigação e Problemas Associados ... 21

1.2.4 Questões a Analisar ... 22

1.2.5 Procedimentos Metodológicos ... 22

2 MEDIAÇÃO FAMILIAR... 23

2.1 Origens da Mediação Familiar ... 23

2.1.1 A Mediação Familiar em Portugal – Percurso Histórico ... 24

2.1.2 A Mediação Familiar e a Desjudicialização ... 27

2.2 Conflitos na Mediação ... 29

2.2.1 Tipos de Conflitos que Suscitam o Recurso à Mediação Familiar ... 29

2.2.2 Identificar Situações que Tendencialmente Podem ser Encaminhadas para Mediação ... 29

2.3 O mediador... 30

2.3.1 Perfil para ser Mediador ... 31

2.3.2 Funções do Mediador ... 34

2.3.3 Princípios Éticos e Deontológicos ... 39

(5)

2.3.5 Formação do Mediador ... 41

2.4 Natureza da Mediação Familiar ... 50

2.4.1 Voluntariedade, Consensualidade e Participação directa ... 50

2.4.2 Modelos de Mediação ... 52

3 OS ACORDOS DE MEDIAÇÃO ... 57

4 VANTAGENS E CONSTRANGIMENTOS DO ACTUAL SISTEMA DE MEDIAÇÃO FAMILIAR EM PORTUGAL ... 61

4.1 O Sistema de Mediação Familiar Público em Portugal ... 61

4.2 O Sistema de Mediação Familiar Privado em Portugal e na Europa ... 65

5 CONCLUSÃO ... 72

BIBLIOGRAFIA ... 74

WEBGRAFIA ... 78

ANEXOS ... 80

Código Europeu de Conduta para Mediadores ... i

Directiva 2008/52/EC do Parlamento e do Conselho Europeu de 21 de Maio de 2008 ... ii

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Índice de Figuras

Figura 1 Níveis de confiança necessários ao desenrolar do processo de

mediação. ... 41

Figura 2 A equidistância funcional do mediador - imparcialidade. ... 47

Figura 3 Os filtros virtuais dos valores do mediador - neutralidade. ... 48

Figura 4 Pontos de atendimento do SMF publicados no sítio do GRAL. ... 64

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Índice de Tabelas

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Abreviaturas

ADR – Alternative Dispute Resolution C.C. – Código Civil

C.P.C. – Código de Processo Civil

DGAE - Direcção Geral da Administração Extrajudicial DGPJ – Direcção Geral da Política de Justiça

Directiva 2008/52/CE - Directiva 2008/52/EC do Parlamento Europeu e do Concelho da União Europeia de 21 de Maio de 2008

EUA - Estados Unidos da América GMF- Gabinete de Mediação Familiar

GRAL - Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios LJP – Lei dos Julgados de Paz, Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho MARL - Meios Alternativos de Resolução de Litígios

Recomendação N.º R (98) 1 - Recomendação n.º R (98) 1 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros sobre Mediação Familiar, de 21 de Janeiro de 1998

OTM – Organização Tutelar de Menores SMF – Sistema de Mediação Familiar

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1 Introdução

Pretende-se com este trabalho analisar a situação da mediação familiar em Portugal enquanto Meio Alternativo de Resolução de Litígios (MARL), nomeadamente como se tem implementado entre nós, que vantagens lhe são reconhecidas, e que caminho se lhe deve desenhar em prol d e uma maior procura por parte do cidadão e dignificação da actividade do mediador.

Ao longo das páginas seguintes, começaremos por fazer um enquadramento dos Meios Alternativos distinguindo, sumariamente, o conceito dos quatro mais importantes e com alguma relevância entre nós: a arbitragem, a conciliação, a negociação e a mediação.

Passaremos a uma abordagem das origens da mediação e do seu percurso histórico, integrando a questão da desjudicialização de diversos temas, retirados dos tribunais por razões conceptuais ou por razões de descongestionamento e necessidade de celeridade processual.

Apresentaremos a motivação pessoal para a abordagem deste tema , justificando a oportunidade e necessidade de ser mais debatido e divulgado, uma vez que Portugal se encontra num momento estratégico para estes estudos, atento o contexto europeu e a obrigatoriedade de transposição de normas referentes à resolução alternativa de litígios, para o ordenamento jurídico interno.

Procuraremos elencar questões a analisar e tipos de conflitos adequados para uma intervenção mediadora em lugar de intervenções adversariais , para de seguida passarmos a demonstrar quem é o mediador, que perfil, que funções, que princípios deve respeitar, no desempenho de uma actividade, que desejamos se torne uma prática profissional credível e pacificadora da sociedade.

Depois de abordarmos a natureza da mediação familiar para que melhor se entendam as suas virtuosidades, dedicaremos algumas reflexões ao fim desejável, ainda que não obrigatório, de um processo de mediação, que é o Acordo. Que forma e que exequibilidade legal pode ter um acordo celebrado entre as partes em confronto, com a ajuda de um terceiro, que não intervém na tomada de decisões.

E finalmente chegamos a uma temática ainda menos trabalhada, mas de grande pertinência no contexto europeu e no quadro jurídico e económico português: a

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organização do sistema público de mediação familiar e a vantagem de se desenvolver um sistema privado, ainda que possa co -existir com um sistema público mais residual.

Questionaremos a necessidade de legislar em matéria privada e buscaremos contributos de países da Europa com mais tempo de experiência nestes serviços, ainda que alguns tenham publicado muito recentemente os diplomas de transposição das normas preconizadas pela Directiva Europeia em matéria de conflitos transfronteiriços, civis e comerciais.

Ficarão sugestões, mas também muitas interrogações e matéria para reflectir.

1.1 Meios Alternativos de Resolução de Litígios

Pese embora o facto do poder judicial ter aumentado a oferta de meios, qu er em quantidade, quer em qualidade, à disposição do cidadão (mais tribunais, especialização da competência, mais juízes, mais funcionários, mod ernização administrativa e tecnológica1), o aumento exponencial da conflituosidade e da sua complexidade ao longo das últimas três décadas, provocou uma desestabilização no sistema jurisdicional.

A elevada litigância, que parece ser apanágio das sociedades modernas decorre, antes de mais, do reconhecimento de mais direitos, da maior exigência do cidadão no respeito por esses direitos e da complexa teia de relações interpessoais, que se estabelecem por força da vivência nas ditas sociedades modernas2.

Estes factores levam a que, cada vez mais, se recorra à tutela judicial para garantia dos direitos que nos assistem, contudo, esse crescente recurso aos tribunais, que apesar de algum esforço de actualização, mantêm um processo pesado, é, em parte, responsável pela crise da justiça a que se assiste desde há

1 VARGAS, Lúcia, Julgados de Paz e Mediação – Uma Nova Face da Justiça, 2006,

Almedina, Coimbra, p.37, afirma neste sentido : “O presente modelo de reforma implica o

reforço da política de qualificação, através da formação contínua dos téc nicos de justiça, do desenvolvimento e da informatização dos tribunais, estimulando a sua ligação em rede, entre si e aos restantes sistemas do sector da justiça, bem como das possibilidades abertas pela Internet”.

2 VARGAS, Lúcia ibidem, op. cit., p.318, na mesma senda “Os cidadãos em democracia,

ganham consciência dos seus direitos e procuram na justiça um substituto para velhas resignações ou conformismos. Um maior número de alfabetizados estimula, de igual modo, a procura de uma melhor defesa de direito s, sendo convocado o sistema formal para a resolução dos conflitos emergentes.”

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alguns anos, não só entre nós, mas um pouco por todo o mundo. O número de processos entrados nos tribunais portugueses nos últimos anos, tem crescido desmesuradamente e as consequentes pendências judiciais também.

Vivendo-se hoje tempos marcados pela celeridade dos acontecimentos, os tribunais tornaram-se incapazes de dar respostas adequadas em tempo útil e este tornou-se um campo propício à procura de novas formas de fazer justiça, mais próxima, mais rápida e com uma maior participação dos destinatários. Não se trata apenas de descongestionar tribunais, mas, primordialm ente, diversificar os meios disponibilizados ao cidadão em matéria de realização de justiça, procurando-se assegurar uma boa relação entra a qualidade da decisão final obtida, o tempo e os custos dispendidos nessa obtenção. É aferindo este equilíbrio que se pode falar de uma boa justiça e não quando a decisão é boa em si, mas chega fora de prazo, ou quando, por prescrição até nem chega. O desenvolvimento dos MARL não dispensa a continuação das necessárias reformas no sistema judicial, nem significa a desvalorização do processo judicial, bem pelo contrário, complementa-o e permite maior eficácia das suas respostas. Vejamos, por exemplo, situações em que durante a pendência de uma acção judicial se permite o recurso a meios alternativos como sejam o caso das acções de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em que o processo pode ser suspenso para recurso à mediação familiar, como prevê a Organização Tutelar de Menores no seu art. 147.º-D3, ou o caso da mediação com jovens delinquentes, prevista na Lei Tutelar Educativa e que ocorre dentro do próprio processo, nos termos do seu artigo 42.º4.

Assim, paralelamente ao poder judicial, se criaram uns e se reinventaram outros meios alternativos de resolução de conflitos.

3 Este artigo foi introduzido na OTM em 1999 e estatui que “em qualquer estado da causa e

sempre que o entenda conveniente, designadamente em processo de regulação do exercício do poder paternal, oficiosamente, com o consentimento dos interessados ou a requerimento destes, pode o juiz determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação. O juiz homologa o acordo obtido por via da mediação se este satisfizer o in teresse do menor”.

4 QUINTANILHA, Anabela, Um olhar sobre a mediação com menores na Lei Tutelar

Educativa, in Volume Comemorativo do 10 anos do Curso de Pós -Graduação em Protecção de

Menores Prof. Doutor Pereira Coelho, 2008, Coimbra Editora, Coimbra, p. 1 70, “a LTE vem,

na base de princípios de humanização e de respeito pela dignidade do menor atribuir -lhe direitos e garantias de defesa que até então lhe eram negados. O art. 42.º, integrado em sede dos princípios gerais do processo tutelar educativo, é dis so um exemplo ao consagrar a mediação como um recurso ao dispor, não só da autoridade judiciária, mas também do menor.”

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Porque estes meios surgiram já na década de 70 nos Estados Unidos, são vulgarmente designados por ADR (alternative dispute resolution) e englobam tanto a mediação, como a negociação, a arbitragem ou a conciliação.

Os referidos meios, assentes em princípios fundamentais de acesso à justiça, constituem um verdadeiro caminho alternativo5 à via judicial, que acaba por a complementar6 e trazem significativas vantagens em termos de eficácia, de celeridade, de simplificação da tramitação processual, de proximidade, de participação activa dos destinatários na própria realização da justiça, de maior adequação das respostas aos interesses e necessidades do cidadão e de menores custos quer económicos quer emocionais.

Em Portugal, estes meios começam a desenvolver-se nos anos 90 e os primeiros exemplos disso são a criação de Centros de Mediação e Arbitragem e o Gabinete de Mediação Familiar7.

1.1.1 A Arbitragem

Poderíamos chegar ao conceito de arbitragem reunindo os requisitos que a própria lei exige para que aquela se possa concretizar. Optámos, porém, por mencionar a autora Lúcia Vargas que a define como uma forma de resolução alternativa de litígios em que as partes confiam a decisão de uma questão que as opõe a um ou mais árbitros, desde que em número ímpar, organizados em tribunal arbitral. Isto é, não são as partes que decidem a questão, mas sim um terceiro, escolhido por estas, a quem compete proferir a decisão8.

Constituindo uma alternativa aos tribunais judiciais, a arbitragem é, contudo, o meio que mais se aproxima daqueles, nomeadamente no que respeita ao poder do terceiro interveniente no processo a quem cabe tomar a decisão. Essa decisão é definitiva e tem o mesmo valor e eficácia que qualquer sentença

5 FARINHA, António e LAVADINHO, Conceição, Mediação Familiar e Responsabilidades

Parentais, 1997, Almedina, Coimbra, p. 41 “Face ao sistema judicial, a mediação familiar apresenta-se como forma alternativa e complementar de resolução dos conflitos inerentes á dissociação familiar.”

6 FARINHA, António, et al., ibidem, op. cit., p. 42 “Existe no entanto uma relação de

complementaridade entre ambas, compatibilizando-se quer em momento anterior, quer em momento posterior à da utilização da via judiciária. A mediação familiar pode sempre ter lugar em qualquer um desses momentos se, quando e na medida desejada pelos interessados. A mediação familiar contribui para melhorar a justiça de família, possibilitando uma maior celeridade e eficácia das decisões judiciais e, assim, o descongestionamento processual nos tribunais e a melhoria das suas estruturas e do seu funcionamento.”

7 GMF, criado pelo Despacho n.º 12368/97 de 25 de Novembro. 8 VARGAS, Lúcia, op. cit., nota 1, p.46

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proferida num tribunal judicial de primeira instância9, assim, em caso de ser incumprida por uma das partes, pode a parte lesada propor uma acção executiva no tribunal judicial.

O árbitro está obrigado a aplicar a lei ao caso concreto, a não ser que os litigantes lhe confiram o poder de julgar segundo a equidade, o que não acontece em todos os meios alternativos de resolução de conflitos.

A vantagem deste meio alternativo de resolução de conflitos está na maior simplicidade e consequente rapidez da tramitação processual, isto porque, nomeadamente, se privilegia a discussão oral da causa e os prazos são significativamente mais curtos.

O recurso à arbitragem pressupõe a existência de uma convenção anteriormente celebrada entre as partes, em que se comprometem a recorrer ao tribunal arbitral, caso surjam conflitos no âmbito previamente definido.

Apesar destas características, consideramos a arbitragem como um verdadeiro meio voluntário e alternativo ao judicial, uma vez que previamente ao seu recurso, terá de haver acordo das partes na escolha desse meio para lhe submeter o dirimir do conflito que as opõe.10

Pelas suas especificidades tem sido um caminho utilizado essencialmente por pequenos litígios de consumo, atenta a sua simplicidade e muita vezes gratuitidade e por outro lado são escolha frequente de grandes causas comerciais, pela celeridade, que acaba por se traduzir em poupança económica face à demora judicial.

A nova Lei da Arbitragem Voluntária é demasiado recente, foi publicada em 14 de Dezembro de 2011 e neste espaço apenas consideramos os aspectos mais relevantes em matéria de comparação dos diferentes MARL. Assim, diremos que os árbitros poderão julgar segundo princípios de equidade se as partes nisso acordarem e diremos, também, que as sentenças proferidas em tribunais

9 BARROCAS, Manuel Pereira, Manual de Arbitragem, 2010, Almedina, Coimbra, p. 34,

acerca desta questão “A arbitragem é administrada por pessoas privadas investidas de

poderes conferidos por pessoas ou entidades privadas – as partes do litígio – a quem um factor externo – a lei – reconhce valor decisório, vinculativo, na soluçaõ do litígio.”

10 CRUZ, Rossana, Mediação familiar - Limites Materiais dos Acordos e o seu Controlo pela s

Autoridades, 2011, Coimbra Editora, Coimbra, p. 43 “Todavia, não podemos descurar a vontade consensual dos intervenientes em submeter o litígio ao critério de um árbitro, tal vontade poderá ser encarada como uma franja da voluntariedade deste sistema.”

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arbitrais, têm a força executiva das decisões dos tribunais estaduais, mas só são recorríveis em determinadas situações, previstas na lei11.

1.1.2 A Conciliação

A conciliação como MARL é, na concepção de Lúcia Vargas, um meio informal em que as partes, com a intervenção de um terceiro, tentam encontrar uma solução para o seu conflito. O terceiro conduz o processo conjuntamente com as partes, convidando-as a discutir os pontos divergentes e auxiliando -as a que cheguem voluntariamente a um acordo12.

Este é um meio alternativo que se pode mostrar eficaz na resolução de conflitos objectivos, mas que dificilmente o será no tratamento de conflitos subjectivos , por não ser sua finalidade aprofundar as razões subjacentes ao próprio conflito . A Conciliação existe no nosso país, normalmente, como uma fase num processo e não como um processo autónomo. Será o que se passa nalguns casos no tradicional processo judicial e nas tentativas de conciliação que o juiz promove entre as partes e com mais evidência nos Julgados de Paz13. Trata-se de o próprio juiz, que tem poderes para impor uma decisão na caus a que lhe é submetida, tentar antes disso, aproximar as partes nas suas pretensões fazendo ressaltar os pontos fortes e fracos de cada uma delas e alertando -as para o facto de no final se for ele a decidir, os interessados se poderem encontrar perante uma solução que se enquadra no paradigma do ganhador/perdedor.

À semelhança da arbitragem, também nos termos do art.º 26.º, n.º 2 da LJP podem as partes acordar que o juiz decida segundo princípios de equidade.

11 Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro

“Artigo 39.º

Direito aplicável, recurso à equidade; irrecorribilidade da decisão

1 — Os árbitros julgam segundo o direito constituído, a menos que as partes determinem, por acordo, que julguem segundo a equidade.

4 — A sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável.”

12 VARGAS, Lúcia, op. cit., nota 1, p.53

13 Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho , artigo 26.º “1 - Compete ao juiz de paz proferir, de acordo

com a lei ou equidade, as decisões relativas a questões que sejam submetidas aos julgados de paz, devendo, previamente, procurar conciliar as partes”

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Na verdade a própria solução encontrada em sede de conciliação pode não satisfazer completamente cada uma das partes, mas na sua procura foi dado um espaço privilegiado às partes que contribuíram para a construção dessa solução. Aqui o terceiro profissional, é um elemento fortemente interventivo que pode pressionar as partes na tentativa de flexibilizar as suas posições, que pode sugerir soluções ou cláusulas, que, não obstante serem suas, podem integrar o acordo das partes.

Não podemos ignorar que o facto de o terceiro não estar no mesmo plano de poder dos interessados, constitui um elemento condicionante e persuasivo da aceitação das suas opiniões por parte dos litigantes.

Pelos poderes conferidos ao conciliador, não podemos concordar com Vezzulla, que define o conciliador como um profissional imparcial14, pois ao propor cláusulas da sua autoria para integrar o acordo não está a prescindir de tomar posição no processo, mesmo que não seja essa a vontade de alguma das partes intervenientes.

A solução, que por via da conciliação for alcançada, é homologada pe lo juiz e terá o mesmo valor e a mesma força executiva que a sentença teria nesse processo.

Outra coisa serão os processos autónomos de pura conciliação, que não existem entre nós, mas que poderão ser inseridos em tribunais multi -portas como um MARL destinado a causas, mais objectivas, que careçam de menor aprofundamento emocional, onde não exista uma necessidade de preservar relações interpessoais e que serão encaminhados após prévia triagem, como sucede nalguns Estados dos EUA15.

14 VEZZULLA, Juan Carlos, Mediação - Teoria e Prática, Guia para Utilizadores e

Profissionais, 2004, Agora Publicações, Lisboa, p. 83 “A conciliação como técnica, exige a intervenção de um profissional que domine a investigação e a escuta e mantenha a sua imparcialidade para que, sem forçar as vontades das partes, as convença das vantagens de alcançar um acordo, que mesmo não sendo totalmente satisfatório, lhes evite complicações futuras em que ambas perderão tempo e dinheiro.”

15 O programa Multi-portas de resolução de litígios no Tribunal Superior do Distrito de

Columbia tem uma história longa e de sucesso. Em 1976, o Prof essor Frank Sander da Harvard Law School sugeriu que os tribunais abordassem o problema do rápido crescimento de pendências desenvolvendo novas alternativas ao julgamento. O professor idealizou “porteiros” que iriam avaliar a que “porta” cada caso em particular se deveria dirigir. O Distrito de Columbia foi uma das primeiras três jurisdições a implementar esta ideia”.

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Entre nós a aproximação que temos deste sistema, são os Julgados de Paz, que sendo tribunais, contêm dentro da sua estrutura serviços autónomos de Mediação e, por outro lado, o Juiz de Paz quando, não havendo recurso á mediação ou não tendo aí sido alcançado acordo, recebe o caso para julgamento, tem por força do n.º 1 do artigo 26.º da Lei 78/2001 de 13 de Junho o dever de previamente conciliar as partes.16

1.1.3 A Negociação

Quando se fala de meios alternativos de resolução de conflitos consideramos, também, a negociação como tal. De facto, a negociação constitui ela mesma uma forma de procura de solução para um conflito, mas é normalmente utilizada quando está eminente, ou até já pendente um processo judicial.

É o que acontece quando, por exemplo, se negoceia com uma seguradora uma indemnização, ou com uma entidade patronal uma rescisão de um contrato. A especificidade deste meio alternativo encontra-se no facto de as partes interessadas serem elas próprias os actores do processo de negociação, quer por si mesmas, quer através dos representantes por si escolhidos, que podem constituir peça determinante no sucesso da negociação, dadas algumas dificuldades da negociação levada a cabo pelas próprias partes interessadas17.

Ainda que a negociação seja dirigida por profissionais – como por exemplo, advogados – aqueles serão sempre partes interessadas no resultado do processo, porque agem em nome e no interesse do cliente. Não se trata, pois, de um processo em que o profissional seja imparcial e neutro, uma vez que tem interesse directo no desfecho do processo.

Outra diferença a salientar na negociação tem a ver com o valor da decisão alcançada. Estamos perante um processo que por si só não tem força vinculativa, embora as partes possam acordar na transformação do acordo por essa via obtido, num verdadeiro contrato vinculativo.

16 VARGAS, Lúcia, op. cit., nota 1, p. 88, “Dada a sua natureza híbrida, os Julgados de Paz

representam já um avanço no sentido de se caminhar para um sistema multiportas, uma vez que congregam uma proposta de resolução de litígios alternativos à justiça tradicional, através da mediação, com aspectos próprios de um tribunal comum, designadamente por via do julgamento”.

17 Vezzulla, Juan Carlos, op. cit., nota 14, p. 82 “As dificuldades no relacionamento, os

conflitos ocultos difíceis de pôr a descoberto na sua real dimensão, a confusão dos participantes sobre o verdadeiro projecto da negociação, podem perturbar e impedir que as partes alcancem um acordo.”

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O modelo de negociação, cujo resultado mais se aproxima da satisfação dos interesses de todos os intervenientes, é a negociação cooperativa desenvolvida em Harvard por Roger Fisher e William Ury e com clareza, apresentada n o seu livro “Getting to yes”18.

Esta forma de negociar é de grande utilidade no processo de mediação e por isso mesmo utilizada na fase desse processo em que, uma vez alcançadas várias propostas de solução, as partes as devem negociar para, por eliminação d as menos viáveis ou menos vantajosas, chegarem à melhor solução negociada. Esta situação levou a que, no início, a mediação fosse designada de negociação assistida ou negociação alargada. Na verdade a mediação é diferente e no nosso entender já ganhou autonomia, que não se compadece com qualquer confusão com a negociação enquanto método de resolução de litígios .

O ser humano gere no seu quotidiano situações de conflito, sem percepcionar que está a utilizar conceitos e estratégias estudadas. Para Jesuíno “a negociação é, essencialmente, um processo de tomada de decisão num contexto de interacção estratégica ou de interdependência"19.

Na negociação há uma interacção dos protagonistas que constatam a divergência das suas posições, a interdependência da resolução e o desejo de alcançar uma solução satisfatória para ambos, num quadro de ganhos recíprocos, com a consciência de que não se fazem meras concessões perdendo de vista os interesses de cada um.20

Conferimos a esta forma de estar na resolução de litígios, uma estreita ligação com a atitude assertiva dos intervenientes e uma equilibrada auto-estima, caso contrário perder-se-ão em concessões que não lhes permitirão ver as suas necessidades satisfeitas.21

18 Obra publicada em 1981, pela Penguin Group, U.K. e reimpressa em 1991

19 JESUÍNO, Jorge Correia, A Negociação: Estratégias e Tácticas, 1992, Texto Editora, Lisboa, p. 7. 20 URY,William, O Poder de um NÃO Positivo, Como dizer NÃO e mesmo assim chegar ao

Sim, 2008, Livros de Hoje, Publicações D. Quixote, Lisboa, p. 21, neste sentido afirma ser “…premente poder dizer Não de um modo positivo, que permita às pessoas defe nderem o que valorizam sem destruir as suas relações”

21 URY,William, ibidem, op. cit., p. 270, “O último passo no processo - negociar para

chegar ao Sim – conduz-nos ao Sim. Começamos a viagem dizendo Sim aos nossos interesses intrínsecos e terminamo-la ajudando o outro a dizer Sim a um resultado positivo que satisfaz esses interesses. A chave está em construir uma ponte dourada, facilitando ao outro dizer Sim a uma relação mais saudável.”

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1.1.4 Conceito de Mediação

O conceito de mediação é muito consensual, pouco diferindo de autor para autor e de país para país22. Contudo, pela sua originalidade metafórica e por a entendermos bastante ilustrativa faremos aqui alusão a Six para quem “A mediação é, em primeiro plano, vontade: uma vontade de abrir caminhos, de construir pontes, de estabelecer ligações onde elas não existem, permitindo que as pessoas ou grupos se unam, permitindo, também, que um ser encontre o caminho de si próprio”23.

De um ponto de vista mais técnico e generalizado, passaremos a definir mediação, enquanto meio de resolução de conflitos alternativo e complementar aos meios judiciais, como um processo em que um profissional qualificado auxilia os participantes do conflito a encontrarem, por si próprios, uma solução satisfatória e consensual para o litígio que os opõe.

Não deixaremos de apresentar a noção trazida por John Haynes, um dos primeiros teorizadores da mediação a publicar, nos EUA, sobre este assunto e para quem “a mediação é um processo em virtude do qual um terceiro, o mediador, ajuda os participantes a resolver uma situação de conflito, que se expressa num acordo consistente, numa solução mutuamente aceitável e estruturada, de modo que permita a continuidade das relações entre as pessoas envolvidas no conflito”. Acrescenta ainda que “o processo de mediação é a condução das negociações de outras pessoas, e o mediador é quem dirige as negociações, quem organiza a discussão dos pontos a resolver”.24

A mediação familiar, que é objecto central do nosso trabalho, c onsiste, essencialmente, num método estruturado de comunicação, assente nas teorias sistémicas, em que o profissional procura a verbalização das necessidades dos sujeitos, num ambiente de proximidade, um ambiente solto, um ambiente sem tensões de poder e sem juízos de valor, com vista à obtenção de um acordo

22 Disponível em www.unam-cms.com veja-se o Code d’Éthique et de Déo ntologie des

Médiateurs: “A mediação é um processo de acompanhamento não autoritário de ajuda na

tomada de decisão, que tem por objectivo a responsabilização e a autonomia das pessoas numa situação litigiosa ou não, no quadro ou fora do quadro de uma inter venção judicial”

23 SIX, Jean- François, Dinâmica da Mediação, 2001, Del Rey, Belo Horizonte.

24 Haynes, John, Fundamentos de la Mediación Familiar, 1995, Gaia Ediciones, Madrid, p.

11. Referências ao papel da negociação, tal como Haynes aqui afirma, levaram a que no início a mediação fosse, principalmente nos EUA, apelidada de “negociação assistida”.

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construído pelas partes, que sendo participantes do conflito mantêm o poder de sobre ele decidir a melhor solução comum.

Este conceito pressupõe, como elementos essenciais, a existência de um conflito, dois ou mais participantes que demonstram vontade de encontrar uma solução adequada, uma terceira pessoa externa ao conflito, devidamente qualificada e sem poder na tomada de decisões referentes às soluções finais. Na mediação o protagonismo é dos conflituantes como participantes activos da gestão do seu diferendo. À mediação cabe restabelecer uma comunicação funcional para abrir espaço ao caminho que as partes hão -de percorrer na procura da solução, que do seu ponto de vista, seja a mais justa, e exequível. Apesar da mediação familiar ter o seu aparecimento associado, em Portugal como nos EUA, ao aumento do número de divórcios, à demora na resolução judicial desses processos, aos custos económicos e emocionais dos mesmos, ao afastamento de um dos progenitores em relação aos filhos menores e ao congestionamento dos tribunais, veio a mostrar-se como meio adequado à resolução de outros conflitos desde que envolvam oponentes ligados por laços de família. Até mesmo conflitos aparentemente laborais, terão uma melhor resolução em sede de mediação familiar, do que noutros contextos, uma vez que a maioria das nossas empresas são empresas familiares e quando surgem conflitos, o peso das emoções e dos afectos é muito forte quando comparado com as questões de mera legalidade.

A mediação familiar é o meio de resolução de conflitos onde o acolhimento emocional tem lugar privilegiado25 e se o seu conceito não levanta grandes divergências, já outras questões ligadas ao tema não são de todo pacíficas e muito haverá ainda para reflectir, analisar e construir.

25 FARINHA, António,et al. op. cit,nota 5, p. 73, neste sentido afirma “o divórcio e a

separação, sendo eventos jurídicos, são antes de mais eventos pessoais que se expressam por interesses e expectativas relevantes para o direito mas também por interesses não jurídicos de natureza afectiva, emocional, material, cultural e social. Uma visão exclusiva ou estritamente jurídica e judiciária não se mostra, por isso, c apaz de abarcar o conflito familiar na sua inteira dimensão e complexidade. Nessa perspectiva estrita, os aspectos conflituais não jurídicos subsistem por resolver e, pela sua íntima interconexão com os aspectos jurídicos, actuam, naturalmente, no sentido da inviabilidade de soluções consensuais e da ineficácia da decisão judicial.”

(20)

1.2 Processo metodológico do trabalho

1.2.1 A motivação pessoal

Desde logo a temática geral escolhida “Mediação Familiar”, prende-se com interesses pessoais de aprofundamento de conhecimentos e de reflexão sobre eventuais modelos ou sistemas mais aperfeiçoados e mais dignificantes da actividade do mediador, assim como discorrer sobre questões de maior controvérsia entre os mediadores.

Sendo uma área à qual temos dedicado muitas horas de estudo e de trabalho prático, integrando o serviço público de mediação familiar desde o seu início e, desenvolvendo paralelamente um serviço privado, tendo integrado serviços de mediação de alguns Julgados de Paz durante os seus primeiros cinco anos de existência, estamos longe de entender que nos encontramos num ponto satisfatório de desenvolvimento dos MARL.

Comparando com outros modelos Europeus nossos conhecidos, sabemos que há caminho a percorrer e sentimos vontade de nos comprometermos com ele.

1.2.2 A pertinência do estudo

Neste contexto, sentimos como muito oportuno este trabal ho, uma vez que, existindo mediação familiar em Portugal desde a segunda década dos anos 90, não só não se têm feito estudos, nem divulgação adequados, como têm vindo a ser acrescentados novos campos de actuação a esta temática, que urge compreender, integrar e regulamentar. Por exemplo em 2009 mais uma área temática foi legislada no caminho da desjudicialização, o que a tornou passível de abordagem pela mediação, nomeadamente, os processos de partilha26.

A verdade é que, este tema não tem sido alvo de olhar es científicos que procurem definir a essência dos conceitos próprios desta actividade. Esse estudo será essencial para a aceitação e credibilização da mediação, enquanto

26 Lei 29/2009 de 29 de Junho, Regime jurídico do Processo de Inventário. Diário da

República, 1.ª Série – n.º 123. O Inventário, incluindo o destinado à partilha decorrente d o divórcio, desde que haja acordo das partes será da competência do conservador ou do notário, cabendo ao juiz a homologação do acordo, conforme decorre da conjugação dos art.ºs n.º 1, n.º 3 e n.º 4 desta lei.

A referida lei veio aditar ao C.P.C. os art.º s n.º 249-A, n.º 249-B, 249-C e n.º 279-A, que prevêm o recurso à mediação.

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meio alternativo de resolução de litígios tão viável e garantista quanto qualquer outro.

Por outro lado é necessário fazer uma correcta integração jurídica dos meios alternativos para que estes não constituam uma justiça secundária ou subsidiária.

O estado da justiça em termos de morosidade, complexidade processual e quase exclusividade, justifica o desenvolvimento de políticas judiciais que passem pela criação e incremento de novas formas de resolução de conflitos, que permitam ao cidadão a escolha do caminho mais favorável ao caso concreto. O tempo e os custos económicos e emocionais da resolução de um conflito, devem ser factores de ponderação na escolha desse caminho, que não pode ser exclusivo na sociedade dos nossos dias.

Nestes termos será necessário definir critérios de formação dos próprios mediadores, organismos de controlo da sua qualidade profissional e incrementar mecanismos adequados a esta evolução para um outro estádio da justiça disponibilizada ao cidadão.

Entendemos que esta nova forma de alcançar a justiça, por auto -composição dos litígios, célere e desburocratizada, é a razão principal para percorrermos novos caminhos, depois virão as já apontadas questões político -económicas visadas pelo Memorando da Troika27 e pelo Programa do XIX Governo Constitucional28.

1.2.3 Delimitação do Problema de Investigação e Problemas Associados

O projecto de investigação proposto, integrado no vasto campo do Direito da Família, visa analisar os contornos da mediação familiar em Portugal, com o intuito de potencializar uma maior procura deste meio alternativo de resolução de conflitos por parte das famílias portuguesas, com vista à obtenção de

27 Memorando Troika - Portugal, 3 de Maio de 2011 “7. Condições de enquadramento -

Sistema Judicial. Melhorar o funcionamento do sistema judicial, que é essencial para o funcionamento adequado e justo da economia, através de….(iii) redução da lentidão do sistema, eliminando atrasos de processos e tribunais, facilitando a saída dos mecanismos de resolução extrajudicial.”

28 No mesmo sentido o Programa do XIX Governo Constitucional prop õe-se: “- Desenvolver

a Justiça Arbitral. – Assegurar uma justiça de proximidade e a desjudicialização de conflitos. - …introduzir os ajustamentos que se mostrem necessários à célere resolução da pequena conflitualidade, nos Julgados de Paz”.

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respostas mais satisfatórias e mais aceitáveis, face à inoperância das soluções judiciais e à escassez de intervenção do sistema de mediação familiar público.

1.2.4 Questões a Analisar

Nesta medida, diversas outras questões decorrem da análise principal que nos propomos fazer:

- Que sistemas/serviços de mediação familiar podem coexistir? - Quem pode ser mediador familiar em Portugal?

- Que controlo/disciplina pode ser exercida sobre os mediadores e por quem? - Como valorizar a actuação dos mediadores?

- Que particular utilidade poderá ter a mediação familiar na regulação do exercício das responsabilidades parentais face ao texto actual do art.º 1906.º do Código Civil?

- Que comparação pode existir com outros países mais experimentados neste campo?

1.2.5 Procedimentos Metodológicos

Partiremos para este trabalho desde logo pela recolha de doutrina que tenha relevo para alcançarmos o desiderato de reflexão sobre uma temática muito pouco desenvolvida entre nós. Analisaremos dados estatísticos disponíveis e legislação interna referente à mediação familiar, comparando com modelos estrangeiros e com as mudanças em curso na Europa.

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2 Mediação Familiar

2.1 Origens da Mediação Familiar

A mediação familiar como processo sistematizado de resolução de conflitos familiares nasceu nos anos 70 nos Estados Unidos da América (EUA), no entanto os princípios que lhe subjazem são ancestrais e ainda hoje se encontram nalgumas tribos africanas, na China ou no Japão. Podemos afirmar que a mediação sempre existiu como recurso próprio das sociedades assentes em filosofias de harmonia nas relações humanas, ainda que tenha assumido, ao longo dos tempos, diferentes formas e tenha tido maior ou menor reconhecimento formal.

As suas manifestações mais antigas, encontram-se, decerto, nas funções de dirigentes religiosos como os rabinos Judeus e mais tarde na própria Igreja Católica com tribunais destinados à administração de conflitos .

A essência desta forma de resolução de conflitos assenta na capacidade de um terceiro elemento, alheio à desavença, ao qual é reconhecida sabedoria, respeito, tolerância, e habilidade para pôr os desavindos a falar, lhes abrir o caminho para uma solução, sem que o problema extravase o próprio grupo. Nos EUA foram repescados estes princípios, quando a Justiça se mostrou desadequada em tempo útil à resolução dos conflitos familiares e na ineficácia, a curto prazo, das soluções meramente legais. Assim, assistimos nos anos 70 ao movimento de alguns advogados, nomeadamente Coogler, procurarem juntamente com profissionais da área da psicologia, mecanismos que não só permitissem encontrar as soluções legais, mas também, dar espaço e acolhimento emocional aos participantes no processo, que não se satisfaziam

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com procedimentos adversariais29. Este conceito estendeu-se ao Canadá e depressa chegou à Europa, por via da Grã-Bretanha e daí aos países vizinhos. Vários operadores nesta área da família, valorizaram o método e começaram a trabalhá-lo com base nas suas formações académicas de origem e nas sua s práticas profissionais, o que deu lugar ao que hoje se identifica m como os três grandes modelos/escolas de mediação. Os juristas deram origem ao modelo tradicional de Harvard, assente nas técnicas de negociação bem suas conhecidas e ao peso dado ao Acordo como objectivo a atingir. Os psicanalistas desenvolveram o modelo transformador, dando maior importância à modificação da relação interpessoal, donde o acordo surgirá como consequência dessa mudança, enquanto os psicólogos sistémicos desenvolvem o modelo circular-narrativo, uma vez que se ocupam com maior ênfase das relações emocionais fortes, defendendo que as partes chegam com narrativas diferentes que terão de ser desconstruídas, para se alcançar a história comum donde emergirá o Acordo.

2.1.1 A Mediação Familiar em Portugal – Percurso Histórico

Como referimos anteriormente, em Portugal os MARL começam a desenvolver-se nos anos 90 e as suas primeiras manifestações concretizam-se na criação de Centros de Mediação e Arbitragem e num Gabinete de Mediação Familiar.

A insatisfação dos operadores judiciários, que trabalhavam na área do direito da família quanto à ineficácia das respostas judiciais e o conhecimento de que pela Europa se reproduziam os serviços de Mediação Familiar, levou a que alguns técnicos se deslocassem aos EUA e ao Canadá, para beber na fonte ideias que pudessem adaptar-se á realidade portuguesa. Nessa sequência, surge entre nós uma primeira formação de mediadores familiares que decorreu em

29 BLADES, Joan, Mediation: an Old Art Revitalized , 1984, Mediation Quarterly, no. 3,

Jossey-Bass Editors, San Francisco, p. 60, “A Mediação foi concebida por advogados e

conselheiros insatisfeitos com a incapacidade de satisfazer as necessidades dos seus clientes em processo de divórcio, que não pretendiam um divórcio adversarial tradicional. A maioria dos mediadores são advogados, ou profissionais de saúde mental que arriscaram sair dos seus papéis convencionais para ajudar os clientes a alcançar o que desejavam. Os advogados na área da família ficavam aborrecidos quando um divórcio se tornava numa guerra mesquinha sustentada pelo advogado da outra parte. Advogados, como 0. J. Coogler, presidente e fundador da Family Mediation Association, empenharam -se em desenvolver um processo de mediação, depois de uma árdua experiência pessoal com divórcios adversariais”.

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1994/95 no Centro de Estudos Judiciários em colaboração com Instituto Português de Mediação Familiar. Podemos afirmar que não é despicienda esta proximidade cronológica com a reforma do C.P.C. português, que pretende introduzir um novo princípio de cooperação30.

Desta formação resultaram muitos entusiastas da mediação com vontade de tornar real a disponibilização ao cidadão de serviços de mediação que lhes permitissem diversidade de escolha, responsabilização por essa escolha e envolvimento num processo personalizado de busca de soluções para o caso concreto. Em Janeiro de 1997 constitui-se a Associação Nacional para a Mediação Familiar – Portugal, que em Maio desse mesmo ano organizou um Congresso Internacional, onde logrou ver assinado um Protocolo entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados. Consagrava o referido documento a criação de um Gabinete Público de Mediação Familiar em matéria de regulação do exercício do poder paternal, que viria a abrir portas em 15 de Setembro de 199931.

Em 2007 este Gabinete seria reestruturado pelo Despacho n.º 18778/2007 de 13 de Julho dando origem ao Sistema de Mediação Familiar Público, que hoje está a funcionar em todos os distritos, sendo os espaços físicos para a prática da mediação familiar, cedidos na maioria dos casos, pelas autarquias.

Paralelamente com este Serviço Público, temos assistido à criação de diversos Gabinetes Privados.

É nosso entender que este conjunto de serviços não serve ainda a população portuguesa na sua totalidade, pelo que será de equacionar a possibilidade/necessidade de outros caminhos para se alcançarem níveis mais elevados de recurso à mediação e de satisfação do cidadão.

Em termos de tutela o primeiro serviço de mediação familiar ficou na dependência da Secretaria de Estado da Justiça, contudo, em 2000, com vista ao desenvolvimento e disseminação dos meios extrajudiciais de resolução de

30 VARGAS, Lúcia, op. cit., nota 1, p.39 nesse sentido “ Da análise à evolução do Código de

Processo Civil Português, parece poder concluir-se que os seus princípios estruturantes sofreram uma mutação e estão, actualmente, muito próximos da filosofia que está subjacente aos métodos não contenciosos/adversariais de resolução alternativa de conflitos, designadamente da negociação, da conciliação e da mediação.”

31 Este Gabinete protocolado em 16 de Maio de 1997 veio a ser referenciado no Despacho n.º

12368/97 do Ministro da Justiça, despacho esse que, então, deu origem ao Gabinete de Mediação Familiar.

(26)

litígios já existentes e à criação de novas estruturas, nomeadamente os Julgados de Paz, foi criada a Direcção Geral da Administração Extrajudicial (DGAE), a quem competiu essa tutela, até que, por motivos a que não foi alheia a conjuntura económica e a necessidade de contenção do despesismo público , a DGAE foi extinta dando lugar ao Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios (GRAL), que por idênticos motivos, cada vez mais pertinentes, viu anunciada recentemente a sua extinção. Os MARL, deverão ficar, na nova Lei Orgânica do Ministério da Justiça, sob a tutela da Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ).

Estas mudanças de organização governamental não podem significar, de modo algum, o retrocesso do desenvolvimento dos meios alternativos de resolução de conflitos, porque são úteis, porque são necessários a uma sociedade plural, e porque estamos inseridos num contexto Europeu em que para além de inúmeras Recomendações temos já a obrigatoriedade de transcrever Directivas que impõem o desenvolvimento destas respostas, também elas plurais.

A Recomendação n.º R(98) 1 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros sobre Mediação Familiar, de 21 de Janeiro de 1998, já recomendava aos Governos dos Estados Membros, no seu ponto 11. i. “que instituam ou promovam a mediação familiar, ou se for o caso, reforcem a mediação familiar existente;”.

Este movimento projecta-se como imparável para os países membros da Europa e em Abril de 2002 é publicado o Livro Verde32 sobre resolução alternativa de litígios em matéria civil e comercial, que tem por base a situação europeia dos ADR e os trabalhos da Comunidade Europeia através da consulta aos Estados Membros e outras partes interessadas em promover o uso da mediação. O seu objectivo é essencialmente melhorar o acesso à justiça num ambiente de liberdade e segurança para o cidadão33.

32 Disponível em

http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/site/en/com/2002/com2002_0196en01.pdf

33 Directiva 2008/52/EC de 21 de Maio de 2008 Preâmbulo (5) “O objectivo de assegurar um

melhor acesso à justiça como parte da política da União Eu ropeia para estabelecer uma área de liberdade, segurança e justiça, deve permitir o acesso aos meios judiciais, como aos meios extrajudiciais de resolução de conflitos. A Directiva deve contribuir para um funcionamento adequado do mercado interno, em particular no que concerne à disponibilidade dos serviços de mediação.”

(27)

O Livro Verde procurou respostas para o equilíbrio delicado entre a necessidade de manter a flexibilidade dos Meios Alternativos, garantindo simultaneamente a sua qualidade, e a articulação harmoniosa c om os procedimentos judiciários, levantando questões tão pertinentes quanto a forma de recurso àqueles meios, o problema dos prazos de prescrição, a exigência de confidencialidade, a validade dos consentimentos, a eficácia dos acordos resultantes destes processos, a formação dos profissionais intervenientes , a sua acreditação e o seu regime de responsabilidade.

Em 21 de Maio de 2008 é publicada a Directiva 2008/52/EC do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, que impõe aos Estados a sua transcrição para o ordenamento jurídico interno, o que está a acontecer no actual momento em Portugal, sendo já conhecida a existência de um Projecto de Proposta de Lei que, uma vez discutida, aprovada e publicada virá a regular a Mediação Pública no nosso país.

Concorrem com este dever as já referenciadas cláusulas do Memorando da Troika, que face à conjuntura económica portuguesa e no que concerne ao Sistema Judicial, propõe o uso de Meios Alternativos de Resolução de Litígios fora dos tribunais, como forma de equilíbrio financeiro.

2.1.2 A Mediação Familiar e a Desjudicialização

A mediação familiar é entendida, hoje, como passível de abranger a resolução de qualquer conflito em que os intervenientes sejam membros da mesma família e assim o escolham. Nesta perspectiva o recurso à mediação como forma extrajudicial de resolução de conflitos, potencia a desjudicialização de muitas situações, podendo a solução do problema ficar nas mãos dos pró prios e passar apenas por actos meramente administrativos.

Se tivermos em conta, por exemplo, processos de divórcio, de partilhas entre irmãos ou entre ex-cônjuges, de alimentos a filhos maiores ou emancipados em que um mediador auxilie as partes na autocomposição do conflito, aqueles em

(28)

pouco tempo terão elaborado os acordos, que lhes p ermitirão o recurso directo às Conservatórias de Registo Civil, registando as novas situações34.

Havendo uma boa gestão e implementação séria dos recursos alternativos, os tribunais deixarão de ocupar muito do seu tempo, a resolver questões que não carecem de tutela jurídica, mas será, igualmente verdade que mais justiça será alcançada. Tenhamos em conta a quantidade de cidadãos que prescindem de fazer valer os seus direitos, por meras razões económicas e que outros não levam os problemas à barra do tribunal por desconhecimento dessa possibilidade, como por exemplo, assunto que está na ordem do dia, encontrar acordos familiares para prestação de cuidados a parentes idosos.

A desjudicialização deve ser entendida como uma forma de reduzir as infra-estruturas estaduais destinadas à administração da justiça, sem prejuízo da ampliação do desenvolvimento dos Meios Alternativos de Resolução de Litígios. É preciso aceitar novos desafios de transferência de competências dos tribunais para entidades administrativas públicas ou privadas, com comprovada competência profissional sem que sejam postos em causa os direitos do cidadão. Também não há que recear o renascer ou o criar de novas pro fissões jurídicas, aperfeiçoadas e adequadas para resolução de conflitos, que carecem de um tratamento em tempo e especialidade diferente da que é proporcionada pelos tribunais.

Vozes discordantes, como Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados, em 14 de Março de 2010 afirmou: “O escandaloso processo de desjudicialização da justiça, a que hoje se assiste em Portugal constitui um perigoso retrocesso civilizacional que ameaça os fundamentos do estado e mutila a cidadania. A justiça enquanto valor super ior do estado de direito, deve ser garantida a toda a sociedade através de órgãos soberanos específicos, que são os tribunais. Assim foi desde os tempos mais remotos, pelo menos nas sociedades mais civilizadas.”35

34 FARINHA, António, et al. op.cit., nota 5, p. 71, sobre o assunto: “Não sofre, hoje em dia,

contestação relevante o papel subsidiário e excepcionalmente supletivo do Estado na resolução das questões familiares relativas à separação e ao divórcio e, consequentemente, a visível tendência de desjudiciarização dessas questões.”

35 Disponível em

http://www.inverbis.pt/2007-2011/opiniao/marinhopinto-desjudicializacao.html, consultado em 25.03.2012

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Contudo, outras personalidades reconhecidas no meio das profissões jurídicas, como José Miguel Júdice, também ele Bastonário da Ordem dos Advogados, tem opinião diversa, mais favorável à desjudicialização e defensora duma clara distinção entre os MARL36.

A mediação, tal como afirmado no preâmbulo da Directiva 2008/52/EC “não deverá ser vista, como uma alternativa mais pobre aos procedimentos judiciais, no sentido do cumprimento dos acordos de mediação depender da boa vontade das partes”37.

A estes acordos deve cada Estado dar força legal, a menos que os seus conteúdos sejam contrários à lei.

2.2 Conflitos na Mediação

2.2.1 Tipos de Conflitos que Suscitam o Recurso à Mediação Familiar

Actualmente os conflitos que mais suscitam o recurso à mediação familiar são essencialmente os referentes ao exercício das responsabilidades parentais e mais recentemente os relativos às outras componentes das situações de divórcio, o que se explica essencialmente pelo percurso histórico já mencionado e pela divulgação, ainda que incipiente, relativa àquelas matérias. Estes serão temas objecto do nosso estudo com o intuito de melhor compreender as razões que levam à sua utilização, ao grau de eficácia e concretizar melhores intervenções.

2.2.2 Identificar Situações que Tendencialmente Podem ser Encaminhadas para Mediação

Além dos conflitos familiares acima referidos muitos outros poderão vir a beneficiar das vantagens inerentes aos MARL e, mais concretamente, à

36 JÚDICE, José Miguel, Arbitragem e Mediação: separados à nascença?, Livraria Almedina,

2008, artigo publicado na Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, da Associação Portuguesa de Arbitragem, pág. 61-74: “minha tese é que esta tendência tem de ser contrariada, pois

a mediação e a arbitragem devem ser assumidas pelos teóricos e pelos práticos como modelos de solução de litígios alternativos um ou outro e que nada ganham em se confundirem ontologica ou gnoseologicamente. E, como segunda tese, que durante uma arbitragem ocorrem momentos em que existem condições objectivas favoráveis para uma solução mediada do conflito, e que tais ocasiões não devem ser desperdiçadas, mas os árbitros devem ser considerados “unfit for mediation”.”

37 Directiva 2008/52/EC de 21 de Maio de 2008 Preâmbulo (19). Resulta ainda do artigo 6.º

da Directiva, que os Estados devem promover a concessão de força executória aos acordos alcançados por mediação.

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mediação familiar. Até aqui quase só se têm associado à mediação familiar as situações decorrentes de separação ou divórcio e das responsabilidades parentais. Surge, no entanto, cada vez mais a consciência de que conflitos entre gerações, como por exemplo filhos maiores, que carecem de apoio económico e que têm de recorrer à via judicial para o conseguir, ou conflitos entre irmãos que não conseguem estabelecer regras de apoio a pais idosos, quando estes se tornam dependentes do auxílio de terceiros, serão adequados para uma intervenção da mediação familiar. Outra situação muito apropriada para este meio alternativo de resolução de conflitos é a abertura de heranças com dificuldade em concretizar a partilha. Apesar das suas grandes vantagens face aos meios judiciais, o recurso à mediação familiar, é ainda muito escasso nestas últimas situações apontadas.

Por isso pretendemos identificar formas de incentivar a divulgação e de promover a utilização da mediação, como o meio de excelência para encontrar soluções autocompostas, mais exequíveis, mais rápidas, mais económica s, mais duradouras e que promovam a continuidade das relações interpessoais. Veremos que, quando estamos perante empresas de cariz familiar, até questões revestidas de natureza jurídica laboral, poderão encontrar soluções mais adequadas no contexto da mediação familiar38.

2.3 O mediador

“O Mediador é um importuno que vem sacudir o homem, é um incómodo, alguém que não destrói, mas faz reflectir,

38 Desenvolvendo esta ideia Tania Almeida: “Os teóricos que se dedicam ao tema das

empresas familiares afirmam que, em todo o mundo, elas predominam numericamente, com destaque, sobre as outras empresas. Nelas, a relação de trabalho sobrepõe-se à relação de parentesco, tornando complexa a convivência, assim como as negociações do cotidiano. Os temas da empresa entram na convivência doméstica e familiar e os temas domésticos e familiares entram no ambiente de trabalho. Um diálogo sobre temas deslocados de seu sítio original auxilia na amplificação dos ruídos naturais que integram essas conversas. Como esses indivíduos acumulam identidades – são filhos e gerentes; pais e gestores; tios e chefes de departamento; primos e coordenadores administrativos, nem sempre os diálogos envolvem, exclusivamente, os parentes, em um determinado momento, ou os colegas de trabalho, em outro determinado momento, mas entrecruzam essas identidades, suas necessidades e valores, assim como seus temas. Nesse uni verso aonde co-evoluem familiares, gestores e acionistas, assim como seus híbridos – há quem participe das três instâncias, quem participe somente de duas delas ou de uma única - o diálogo reúne pessoas com interesses diversos e, por vezes, divergentes, sem que elas se dêem conta”. Disponível em

http://www.mediare.com.br/08artigos_16mediacao_familiar.html , consultado em 21.03. 2012.

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faz pensar por si mesmo. Ainda que calado, é um agitador que procura mudança relacional entre as pessoas, que estão congeladas numa posição infecunda.”39

2.3.1 Perfil para ser Mediador

Entendemos o perfil do mediador como o conjunto das características pessoais que permitem desempenhar as funções compreendidas na sua actividade profissional. O mediador deve ser empático, flexível e criativo, ter sentido de humor e formação adequada.

A empatia é a capacidade de compreender os sentimentos e motivações com o Outro e sentir a sua estrutura interna de referência, tentando ver o mundo “como se” fosse o outro, sem se confundir com ele40. Ao estabelecer uma

relação empática com os interlocutores, o mediador gera confiança, pois vai mostrar o seu saber escutar e a sua compreensão, respeitando o sofrimento do outro sem se apropriar dele. Para tal o mediador não dominará a conversação, não dirá que sabe o que sentem, porque de todo o saberá, mas demonstrará o seu interesse profissional genuíno por aqueles a quem destina a sua presença, valorizando a capacidade que detêm para resolução dos seus problemas41,

entrando naquilo que podemos chamar de “relação de ajuda” em termos Rogerianos, ainda que não relação terapêutica. Em suma, o mediador humanizará a comunicação, devendo ter muito clara a diferença entre empatia, simpatia e identificação. A simpatia implica uma cumplicidade de interesses e lealdades comuns, que, tal como a identificação, não se compadece com o desempenho profissional do mediador. Ao identificar-se ou ao simpatizar com o Outro corre o risco de se sentir tão perturbado, tão próximo de um dos participantes do conflito, que não é capaz de o ajudar no percurso da procura de soluções. Diremos que lhe faltará a distância funcional que permite o desempenho de um papel profissional

Para falarmos de flexibilidade partiremos da ideia de Bustelo, para quem em mediação a flexibilidade passa por renunciar a fazer juízos de valor, aceitando

39 SIX, Jean François, op. cit., nota 23, p.220

40 Neste sentido BENJAMIM, A Entrevista de Ajuda, 1996, Martins Fontes, São Paulo, p. 72. 41 No mesmo caminho ROGERS, Carl, Tornar -se Pessoa, 1985, p.43 “a relação de ajuda

pode ser definida como uma situação na qual um dos participantes procura promover numa ou noutra parte, ou em ambas, uma maior apreciação, uma maior expressão e uma utilização mais funcional dos recursos internos latentes do indivíduo.”

(32)

modos de ser e de estar diferentes42. O mediador tem de ser criativo na forma como vai gerindo o processo e na forma como provoca a criação de alternativas. Tem de baixar as exigências em relação aos mediados, que não podem ser tão criativos, quanto seria desejável para um processo de mediação, pricipalmente no âmbito dos conflitos familiares, que envolvem emoções muito fortes, capazes de interferir na capacidade dos mediados vislumbrarem outros caminhos43.

A flexibilidade do mediador deve ser entendida em duas vertentes: primeiro como a capacidade de aceitar modos de ser e de estar diferentes dos seus, e por isso ter flexibilidade para baixar as suas expectativas relativas aos mediados, numa segunda vertente traduz-se na adequação da condução do processo e dos seus tempos a cada caso concreto, sem perder de vista os princípios essenciais deste meio de resolução alternativa de conflitos.

Quanto à criatividade entendemo-la como a capacidade de utilização ou de libertação de conceitos intelectuais fixos e de comportamentos socialmente padronizados, para permitir descortinar caminhos diferentes e motivar os mediados para momentos de “brainstorming”. Se a estas características pessoais se acrescentar algum sentido de humor, que é extremamente útil para quebrar impasses e baixar tensões, então diremos que, proporcionando-lhe a formação adequada, teremos um profissional com perfil para ser o tal terceiro qualificado que auxilia os participantes do conflito a encontrarem, por si próprios, uma solução satisfatória e consensual para o litígio q ue os opõe. Uma outra atitude que, apesar de não ser mencionada por todos os autores, consideramos importante no perfil do mediador, é a assertividade enquanto competência social que nos permite afirmar as nossas pretensões sem desrespeitar o outro. Assertividade é para Castanyer “a capacidade de

42 BUSTELO, Daniel J., La Mediación – Claves para a su comprensión y práctica, 2009,

Tritoma, S.L., Madrid, p. 114, “A fexibilidade é para nós a capacidade de não fazer juízos de

valor a respeito do que os mediados nos manisfestam e expressam. É procurar determinar a partir da escala dos clientes o que é importante ou não para eles.” (tradução nossa).

43 BUSTELO, Daniel J., ibidem, op. cit. p. 116 “Os mediados pelas posições enfrentadas

podem estar bloqueados na sua capacidade de ver alternativas diferentes ou ter outros olhares possíveis sobre o conflito. Somos nós que temos de pôr a nossa capacidade de ver os problemas de outro prisma à sua disposição, mas não por meio de sugestões ou alternativas, antes através de perguntas que os levem a reflectir e chegar por eles mesmos a alternativas possíveis para eles.” (tradução nossa).

Referências

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