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O GÊNERO DA ATIVIDADE DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE SABERES ACADÊMICOS E PRÁTICOS

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O GÊNERO DA ATIVIDADE DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE SABERES

ACADÊMICOS E PRÁTICOS

Josiane Redmer Hinz1

Considerações iniciais

Levando em conta a importância da compreensão de diferentes atividades laborais, bem como da complexa relação entre linguagem e trabalho, neste artigo, apresentaremos algumas reflexões teórico-metodológicas de um projeto em fase de elaboração, a partir do qual se discutirão aspectos referentes ao trabalho do professor de Língua Portuguesa (LP). A proposta da presente pesquisa tem como uma de suas principais motivações a observação do fato de que, de maneira geral, o ensino de Língua Portuguesa tem sido problemático nas escolas. Mesmo havendo um grande número de estudos sobre as diferentes abordagens de ensino de línguas, apontando para a necessidade do trabalho embasado na perspectiva dos gêneros discursivos, inclusive um documento oficial que serve como referência para o ensino de língua (Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa), parece que na prática ainda há muitas dúvidas por parte dos professores em relação ao que fazer e de que maneira agir para que os objetivos da disciplina sejam atingidos.

Dito de outra forma, é possível observar que, apesar de o ensino de Língua Portuguesa estar sendo o foco de muitos estudos na área da Linguística, parece ser consensual, quando se discute sobre questões relacionadas ao ensino/aprendizagem de línguas, mais especificamente no que diz respeito à atuação docente, abordagens e metodologias de ensino, o fato de que há um certo distanciamento entre teoria e prática. Essa é uma constatação proveniente tanto da universidade quanto da escola. De um lado, vários pesquisadores constatam que, muitas vezes, seus estudos não são levados em consideração pelos professores no desenvolvimento de sua prática docente. Por outro lado, no contexto escolar, reclama-se de que as pesquisas realizadas nas universidades pouco se aproximam da prática em sala de aula.

A partir dessa problematização é que desenvolveremos a presente pesquisa, partindo-se do pressuposto de que esse distanciamento (universidade/teoria e escola/prática) não traz benefícios para a realização e aperfeiçoamento do trabalho do professor. Sabemos que não é possível que haja uma relação direta entre teoria e prática, entretanto, questionamos: um maior diálogo entre saberes acadêmicos e práticos pode propiciar um aprimoramento da prática do professor de LP?

Nessa perspectiva, temos como objetivo investigar de que maneira os professores de LP, ao exercerem sua atividade de trabalho, estabelecem um diálogo entre os saberes instituídos (acadêmicos) e os saberes investidos (práticos). A partir dessa discussão, buscaremos apreender características do gênero da atividade do professor de LP, de modo a compreender de que maneira essa atividade é conduzida, ou seja, em quais pressupostos sociais ela é baseada.

Sob o ponto de vista teórico, este estudo está embasado na teoria bakhtiniana (Bakhtin, 1979/2003), que considera a linguagem como essencialmente dialógica, pois

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Doutoranda em Linguística do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS; bolsista PROBOLSAS. E-mail: josirh@gmail.com

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todo enunciado está interligado, de forma mais ou menos aparente, a outros enunciados, por meio de cruzamentos, convergências e divergências de vozes, e nas ciências do trabalho, em especial a perspectiva ergológica, que destaca a heterogeneidade e dinamicidade das atividades de trabalho, visto que são constituídas a partir de um debate constante entre os saberes prévios, dentre os quais estão as normas antecedentes, e a necessidade de adaptações, gerenciamentos, as renormalizações (Schwartz, 2006, 2007) e os estudos da clínica da atividade, abordagem que desenvolve o conceito de gênero da atividade, que, segundo Clot e Faïta (2000), são os pressupostos sociais da profissão.

De acordo com a perspectiva teórica adotada, destacamos a necessidade de propiciar aos trabalhadores, neste caso professores de LP do ensino fundamental da rede pública, espaços para que repensem a sua prática profissional e possam verbalizar sobre ela. Sendo assim, pretendemos utilizar uma adaptação do dispositivo metodológico da autoconfrontação (Faïta, 2005, Clot e Faïta, 2000, Clot et al., 2001), a partir do qual se propõe o confronto, mediado pelo pesquisador, entre imagens de situações de trabalho/trabalhador. Esse procedimento oportuniza aos participantes do estudo a verbalização sobre a sua atividade profissional, tornando-a objeto de reflexão. Além disso, buscaremos oportunizar a discussão, embasada em estudos linguísticos, de questões teóricas relacionadas ao ensino de LP, como é o caso dos gêneros discursivos.

1 Pressupostos teóricos

1.1 Estudos sobre a linguagem 1.1.1 Linguagem e dialogismo

A teoria dialógica do discurso, desenvolvida pelo pensador russo Mikhail Bakhtin e seu Círculo2, desenvolve uma concepção de enunciação em que a língua é considerada em situações concretas de uso, isto é, na interação entre os falantes. Nessa perspectiva, destacamos o caráter dialógico da linguagem, já que toda enunciação é uma resposta no diálogo social, em que a finalidade da língua relaciona-se aos objetivos de sua enunciação, isto é, ela materializa-se de acordo com as necessidades enunciativas concretas, num determinado contexto histórico-social. Sendo assim, a importância da língua não está no sistema linguístico, na sua forma estática/fechada, mas sim na sua utilização em diferentes contextos, devendo-se, portanto, considerar a sua flexibilidade e a instabilidade (Bakhtin/Volochinov, 1929/2006).

De acordo com essa abordagem teórica, o discurso é a “língua em sua integridade concreta e viva”, um fenômeno social complexo, multifacetado, que nasce a partir do diálogo entre discursos diversos (Bakhtin, 1929/1997, p.181). Além disso, é importante destacar que, sob esse enfoque, o discurso, constituído no âmbito do já -dito e orientando-se para o discurso-resposta, é tecido heterogeneamente por uma diversidade de posições sociais, mais ou menos aparentes (Bakhtin, 1934-1935/1998).

É possível afirmar-se, portanto, que, na perspectiva bakhtiniana, todo enunciado é dialógico, visto que, de forma mais ou menos aparente, sempre há uma interligação entre eles. As relações dialógicas dizem respeito às relações de sentido estabelecidas

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O Círculo era constituído por um grupo multidisciplinar, liderado por M. Bakhtin. Além dele, seus principais integrantes na área da linguagem são V. N. Volochínov e P. N. Medvedev (Faraco, 2006).

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entre enunciados, tendo como referência o todo da interação verbal. Essas relações de diálogo podem ser estabelecidas entre quaisquer enunciados postos lado a lado no plano do sentido e mesmo pelos que forem separados um do outro no tempo e no espaço, mas forem confrontados no plano do sentido. Além disso, ocorrem entre índices sociais de valor e são consideradas espaços de tensão entre enunciados (Bakhtin, 1929/1997).

Além de serem essencialmente dialógicos, os enunciados, verbais e não-verbais, trazem a inscrição de um sujeito que, através da relação com o outro, impregna de avaliações sociais o dizer (Bakhtin, 1952-1953/2003). Essas avaliações são também chamadas de acentos de valor (apreciativo) e dizem respeito às posições ideológicas assumidas em relação a outras enunciações, pois nos enunciados “se cruzam, convergem e divergem diferentes pontos de vista, visões de mundo, correntes” (p.300). Assim, pode-se afirmar que há uma relação de interdependência entre a enunciação e a orientação apreciativa. Isso significa que cada elemento da enunciação viva apresenta sentido e apreciação (que pode ocasionar mudança de significação, quando há um deslocamento, uma reavaliação).

Para Bakhtin/Volochinov (1929/2006, p.99), no âmbito do enunciado verbal, “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial”. Dito de outro modo, a palavra é sempre ideológica, pois significa no interior de relações sociais, por seres socialmente organizados, portanto ideológicos. É pela palavra que nos dirigimos ao interlocutor, ou seja, ela sempre parte de alguém e dirige-se a alguém, materializando um espaço discursivo entre os interlocutores: “[a] palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu interlocutor. A palavra é um território comum do locutor e do interlocutor” (p.117).

Nessa perspectiva, a palavra (fenômeno ideológico) concretiza-se como enunciado. Essa realização dos enunciados sempre será afetada por relações sociais e terá sentidos diferentes de acordo com os contextos de utilização. Além disso, é possível afirmar que esses enunciados estarão sempre circulando por meio de gêneros discursivos (Bakhtin, 1952-1953/2003).

1.1.2 O ensino de língua portuguesa e a questão dos gêneros discursivos

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998), o ensino e aprendizagem dessa disciplina é uma prática que depende da articulação entre três variáveis: o aluno, o conhecimento envolvido nas práticas linguageiras e a mediação do professor. Quanto ao aluno, sujeito da ação de aprender, cabe destacar que necessita agir sobre o objeto de conhecimento, segundo elemento dessa tríade, que diz respeito aos conhecimentos discursivo-textuais e linguísticos envolvidos nas práticas sociais de uso da língua. Por fim, temos os terceiro elemento, a atividade prática do professor, que é extremamente importante, visto que cabe a ele mediar a relação entre aluno e conteúdos, planejando, orientando, dirigindo as atividades a fim de proporcionar uma aprendizagem efetiva.

No que diz respeito a essa efetivação da aprendizagem nas aulas de Língua Portuguesa, é estabelecida uma relação entre o ensino de língua materna e o comprometimento com o exercício da cidadania. Segundo os PCNs de Língua Portuguesa (1998), para que se consiga atingir a um dos objetivos primordiais da educação, que é o de desenvolver cidadãos críticos e participativos em nossa sociedade, é necessário que seja propiciado ao aluno o desenvolvimento da sua competência

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discursiva, que corresponde à capacidade de o sujeito usar a linguagem em diferentes situações comunicativas (orais e escritas) produzindo efeitos de sentido variados. Nessa perspectiva, descarta-se uma concepção de língua transparente e homogênea, já que as condições sócio-históricas da linguagem devem ser consideradas.

Sendo assim, a escola pode ser compreendida como um local em que se deve oportunizar acesso a diferentes práticas de linguagem, a fim de que o aluno possa desenvolver sua competência linguística e comunicativa. Para isso, é de fundamental importância a abordagem dos gêneros discursivos, visto que, de acordo com a perspectiva bakhtiniana, nos comunicamos por gêneros ao mesmo tempo em que nossos enunciados configuram-se a partir dos diversos campos de atividade existentes. Dessa forma, é possível compreender que a linguagem é tão “multiforme quanto os campos da atividade humana”, o que não exclui uma certa regularidade no seu uso, que permite as interações verbais (Bakhtin, 1952-1953/2003, p.261). Sob esse enfoque, os gêneros discursivos são definidos como “tipos relativamente estáveis de enunciados” que se organizam no interior das atividades humanas (p.262).

Entretanto, em função de os enunciados terem sua estabilidade “relativizada” na definição bakhtiniana, não podem ser resumidos a simples tipificações. Além disso, uma abordagem que privilegie o trabalho com gêneros discursivos deve considerar sua dinamicidade, heterogeneidade e evolução sócio-histórica, o que, muitas vezes, não acontece por não se ter muito clara a distinção entre gêneros e tipologias textuais (Teixeira e Di Fanti, 2006). Sendo assim, percebemos a necessidade de que os professores de Língua Portuguesa tenham oportunidade de aperfeiçoarem-se e discutir sobre a sua prática, a fim de melhorá-la.

Cabe ressaltar ainda que, de acordo com Bakhtin (1952-1953/2003, p.265), “a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua”. Essa afirmação nos permite pensar em atividades de trabalho com a linguagem que a considerem em situações concretas de uso, ao invés de análises da língua como um sistema fechado, abstrato.

1.2 Estudos das ciências do trabalho 1.2.1 Ergologia

Na década de 80 – período de declínio do Taylorismo na Europa – observou-se a necessidade de adequar o contexto acadêmico às transformações que estavam ocorrendo na sociedade, de maneira geral, e, mais especificamente, nos contextos laborais. Foi então que surgiu a ergologia, tendo como base, de acordo com seu fundador Yves Schwartz, três diferentes perspectivas: a ergonomia da atividade, os estudos de Yvar Oddone e de Canguilhem (Schwartz, 2006).

De acordo com Schwartz (2006), a partir dos estudos da ergonomia que apontam para o distanciamento entre tarefa (regras prescritas ao trabalhador) e atividade (realização dessas tarefas), a ergologia propõe os conceitos de “normas antecedentes” e “renormalizações” para a análise de diferentes contextos laborais, onde sempre são observados “debates de normas”, já que o trabalho é considerado uma “atividade industriosa”.

Nessa perspectiva, entendemos que é preciso, para compreender o que acontece em distintas situações de trabalho, levar em consideração o constante embate entre as

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“normas antecedentes” e as “renormalizações”. Isso se justifica pelo fato de que as normas precedentes à atividade são sempre lacunares, ou seja, elas não dão conta da complexidade do trabalho, que exige constantes renormalizações, visto que é uma atividade humana (o que significa estar sempre em movimento).

Sob esse enfoque teórico, portanto, o trabalho não pode ser concebido como mera execução de tarefas, pois as normas antecedentes são insuficientes e o meio é

infiel. Isso significa que o trabalhador está sempre se deparando com a necessidade de

gerir as instabilidades que caracterizam as atividades, já que sempre há algo de singular no desenvolvimento do trabalho. A esse gerenciamento de variabilidades, Schwartz (2007) chama de “uso de si”. Para o autor,

é preciso fazer uso de suas próprias capacidades, de seus próprios recursos e de suas próprias escolhas para gerir essa infidelidade, para fazer algo. Isso é o que chamo de “vazio de normas”, porque aí as normas antecedentes são insuficientes – visto que não há somente execução. (p.192)

Portanto, o trabalhador ao fazer “uso de si” está revelando a existência das singularidades que constituem sua atividade profissional. Além disso, está demonstrando que “cada um não está em seu lugar somente para executar” (Schwartz, 2007, p.194). O autor apresenta esse uso de si a partir da seguinte dualidade: o “uso de si por si”, de acordo com suas necessidades, ou seja, suas próprias normas, e o “uso de si pelos outros”, que se refere aos que cruzam a atividade de trabalho, as normas científicas, organizacionais e hierárquicas.

Schwartz (2007, p.136) destaca a importância da linguagem nos contextos laborais ao afirmar que “a linguagem no trabalho é rica e o trabalhador a utiliza para regular sua atividade”. Além disso, o autor propõe a distinção entre duas dimensões da linguagem: a comum (é utilizada durante a atividade de trabalho) e a distanciada (baseada na utilização de conceitos, que auxiliam na reflexão sobre a atividade).

Ao mobilizar esses conceitos acerca de sua atividade profissional, o trabalhador pode compreender melhor o seu trabalho, pois através dessa mobilização passamos a entender como nos inserimos nas atividades e na sociedade. Daí a importância dos estudos que levem em conta a complexa relação entre linguagem e trabalho e que oportunizem ao sujeito momentos de verbalização sobre o seu próprio fazer, distanciado da atividade.

1.2.1 Clínica da atividade

Assim como a ergologia, a clínica da atividade, grupo de pesquisa interdisciplinar liderado por Yves Clot e que tem como colaborador o linguista Daniel Faïta, tem incentivado a criação de diferentes espaços de fala para o trabalhador discutir sobre sua atividade profissional e melhor compreendê-la. Os estudos realizados por esse grupo buscam, além de uma aproximação entre a experiência da academia com a vivencial, a produção de conhecimento sobre diferentes contextos de trabalho, tendo como embasamento teórico a articulação entre propostas de Bakhtin e Vygotsky.

Nesse contexto, os estudos da Clínica da Atividade (Clot, Faïta, Fernandez e Scheller, 2001) propõem a compreensão do trabalho a partir de duas dimensões: a “atividade realizada” e o “real da atividade”. A atividade realizada corresponde ao que

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pode ser diretamente observado, o que realmente se faz durante o trabalho. Já o real da atividade diz respeito ao que não foi efetivamente realizado (o que poderia ser feito, o que gostaria de fazer e não conseguiu, o que foi impedido de realizar etc.), porém é considerado importante pelo trabalhador e interferiu na sua atividade.

Cabe ressaltar que, sob esse enfoque teórico, assim como os enunciados, toda a atividade é dialógica, visto que, dentre uma série de atividades, há uma vencedora (efetivamente realizada), que retoma e antecipa muitas outras, havendo, portanto, uma cadeia de atividades. Sendo assim, uma análise que privilegie somente as atividades realizadas não dá conta da complexidade que caracteriza o trabalho humano (Clot, 2004).

Isso faz com que o pesquisador necessite buscar metodologias que proporcionem acesso tanto à “atividade realizada”, quanto ao “real da atividade”, o que exige que o sujeito pesquisado tenha um engajamento efetivo no desenvolvimento da pesquisa. Dentre essas metodologias estão a autoconfrontação simples e a cruzada. Na simples, há o diálogo entre o trabalhador, as imagens gravadas de sua atividade de trabalho e o pesquisador. Já a autoconfrontação cruzada é mais complexa, visto que, mediados pelo pesquisador, dois ou mais trabalhadores, confrontados com suas imagens em situação de trabalho, comentam sobre elas e participam de um debate (Clot, Faïta, Fernandez e Scheller, 2001).

Nessa perspectiva é desenvolvido o conceito de gênero da atividade3, que diz respeito aos pressupostos sociais da profissão. Esses pressupostos evoluem historicamente, exigindo um processo de constante recriação (Clot e Faïta, 2000). Ao tratar desse conceito, Souza-e-Silva (2004) destaca sua importância, visto que corresponde à forma de conduzir o trabalho. Além disso, a autora afirma que os gêneros profissionais englobam a “parte subentendida da atividade, aquilo que os trabalhadores de um dado meio conhecem, esperam, reconhecem, apreciam; o que lhes é comum e o que os reúne sob condições reais de vida” (p.97).

Sob esse enfoque teórico, destacamos que, distanciado de sua atividade laboral, o trabalhador participa de um espaço dialógico de criação de saberes, diante do pesquisador e/ou colegas que partilham conhecimentos e experiências. Tratando-se do trabalho do professor, essas ações de compartilhar experiências e criar saberes sobre a profissão parecem de fundamental importância, visto que podem auxiliar no aprimoramento da atividade laboral. Cabe ressaltar ainda que a verbalização sobre o seu próprio fazer e o do outro faz com que o pesquisador possa ter acesso, por meio de pistas discursivas, a aspectos que remetem ao “real da atividade” dos participantes, que poderão ser posteriormente discutidos nas análises.

2 Aspectos metodológicos da pesquisa

Conforme já foi mencionado, a presente pesquisa será desenvolvida em uma escola pública de ensino fundamental e contará com a colaboração de diferentes professores de Língua Portuguesa que se dispuserem a participar do estudo (em torno de três professores). Nesse contexto, será analisado o trabalho do professor de LP de maneira bastante abrangente. Além de observarmos a “atividade realizada” pelos sujeitos participantes, ou seja, o que eles realmente desenvolvem em suas aulas, será

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O conceito de gêneros da atividade ou gêneros profissionais é baseado na noção bakhtiniana de gênero discursivo.

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dado a eles um espaço de verbalização sobre o seu fazer, em que poderão trocar experiências, abordar aspectos que consideram importantes para a realização de seu trabalho, falar sobre práticas que gostariam de desenvolver (e que muitas vezes são impedidas, em função de uma série de fatores), para que se possa verificar, por meio de pistas discursivas, como é constituído o “real da atividade” desses professores.

Levando em consideração a perspectiva teórica adotada neste estudo, salientamos a importância da criação desses espaços de fala para que o trabalhador, distanciado de sua atividade laboral, possa refletir e discutir sobre ela. Sendo assim, oportunizaremos essa verbalização em duas diferentes etapas: (a) criação de um grupo de discussão e (b) adaptação do método de autoconfrontação.

Em relação à primeira etapa, a participação dos professores em um grupo de discussão, destacamos que terá como objetivo a realização de leituras e debates acerca de questões teóricas relacionadas ao ensino de LP. Já a segunda etapa, adaptação do método de autoconfrontação, consistirá no confronto entre imagens de situações de trabalho de um professor/professores participantes. Serão filmadas algumas aulas de um dos professores participantes do estudo. Essas aulas serão assistidas posteriormente a fim de que, distanciados do contexto de trabalho, os professores comentem e discutam sobre a sua própria atividade e a do seu colega. Dessa forma, haverá debates entre os participantes, mediados pelo pesquisador, em que serão confrontadas opiniões e pontos de vista. A partir dessas duas etapas, buscaremos investigar como se dá o diálogo entre os saberes acadêmicos e práticos no desenvolvimento do trabalho do professor de LP.

Considerações finais

A partir das reflexões iniciais apresentadas neste artigo, salientamos a necessidade de se pensar o trabalho docente em uma perspectiva mais ampla, considerando a complexidade que o constitui. Sendo assim, a presente pesquisa será embasada na teoria dialógica do discurso em articulação com estudos sobre o trabalho e atividade docente, já que, de acordo com Di Fanti (2005, p.20), a utilização da perspectiva dialógica para refletir sobre o trabalho significa “considerar a atividade humana a partir de um princípio relacional, que se constitui [...] pelo não-esgotamento, pela não-exaustividade e pela não-completude do sentido.”

Nessa perspectiva, destacamos que, com esta pesquisa, esperamos contribuir para: (a) compreensão de facetas da complexidade que constitui a atividade laboral do professor de Língua Portuguesa, (b) criação de saberes sobre a profissão docente, a partir da qual poderá haver um aprimoramento de prática dos professores de LP e (c) discussão de questões teóricas, a partir das quais poderão ser desenvolvidas noções, conceitos e metodologias referentes aos estudos da linguagem.

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