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Sumário. Texto Integral. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 3214/18.3T8PNF.P1.S1

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Supremo Tribunal de Justiça

Processo nº 3214/18.3T8PNF.P1.S1 Relator: OLINDO GERALDES

Sessão: 29 Outubro 2020 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA

Sumário

I. Não apresentando os autos qualquer violação do direito probatório material, não pode o Supremo Tribunal de Justiça interferir na decisão da matéria de facto proferida pela Relação.

II. As regras da distribuição do ónus da prova servem, por um lado, para resolver as dúvidas sérias sobre a realidade de um facto e, por outro, para decidir do sentido da ação quando não se provem determinados factos. III. Independentemente da natureza constitutiva, impeditiva, modificativa e extintiva dos factos, compete ao juiz, à luz do princípio da liberdade de julgamento, apreciá-los e valorá-los, em conformidade com as provas produzidas.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

Emergeluz – Serviços de Eletricidade, Telecomunicações e

Metalomecânica, Lda., instaurou, em 30 de outubro de 2018, no Juízo Central Cível de …, Comarca do …, contra Happy Place – Sociedade

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que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 96 000,00, acrescida dos juros de mora vencidos, no montante de € 7 006,68, e vincendos.

Para tanto, alegou, em síntese, que do preço da empreitada de uma unidade industrial, realizada pela A. para a R., esta deixou de pagar uma fatura, no valor de € 96 000,00, vencida em 30 de novembro de 2017.

Contestou a Ré, por impugnação, alegando apenas a dívida da quantia de € 16 000,00. Deduzindo ainda reconvenção, a Ré pediu que a Autora fosse

condenada a pagar-lhe a quantia de € 24 650,00, alegando, para o efeito, defeitos de projeto e de execução, para além do incumprimento do prazo da obra.

Replicou a Autora, concluindo pela improcedência da reconvenção. Foi proferido o despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 2 de abril de 2019, a sentença, que condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 50 000,00, acrescida dos juros legais, desde a citação até integral pagamento, e absolveu a Autora do pedido reconvencional.

Inconformada com a sentença, a Ré apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 20 de fevereiro de 2020, julgando a apelação parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 16 000,00, acrescida dos juros legais, desde a citação até integral pagamento.

Inconformada com o acórdão, a Autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:

a) A Ré alegou pagamentos efetuados por meio de cheques.

b) A alegação constitui um facto extintivo do direito invocado pela A. c) Daí sobre a R. recair o ónus da prova.

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d) O Tribunal da Relação violou de forma grosseira as normas legais, ao “entender” inverter o ónus da prova sem fundamento para tal, entendimento totalmente arbitrário.

e) Que gerou uma decisão surpresa legalmente proibida, nomeadamente pelo art. 3.º do CPC.

f) O ónus da prova inverte-se nos casos previstos na lei.

g) O disposto no artigo 342.º do Código Civil estabelece as regras gerais da repartição do ónus da prova.

h) O artigo 343.º do C.C. refere-se ao ónus da prova em casos especiais, que nenhum deles é o dos presentes autos.

i) O artigo 344.º estabelece as regras referentes à “inversão do ónus da prova”.

j) No caso sub judice, aplicam-se as regras gerais contidas no artigo 342.º do Código Civil.

k) A inversão do ónus da prova não foi comunicada à A.

l) O Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar o modo como a Relação usou os poderes conferidos quanto à modificabilidade da matéria de facto, em

termos de verificar se esses poderes foram utilizados em conformidade com os critérios legais definidos para tal.

m) O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 342.º, 343.º e 344.º, do Código Civil, 3.º, 414.º, 662.º, n.º 1, 615.º, ex vi 666.º, do Código de Processo Civil.

Com o provimento do recurso, a Autora pretende a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença proferida pela 1.ª instância.

A Ré não contra-alegou.

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Neste recurso, discute-se essencialmente os poderes do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria de facto.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1. A A. dedica-se ao comércio, importação, exportação, reparação e assistência técnica de material e equipamento elétrico, eletrónico e de telecomunicações, bem como na indústria de construção civil, e obras públicas, nomeadamente execução de infra-estruturas para redes de

telecomunicações e de distribuição de energia e ainda execução de instalações e manutenção de sistemas elétricos de iluminação, exploração de serralharia civil, mecânica, nomeadamente fabrico, comércio, importação e exportação de artigos em metal e indústria de construção civil e obras públicas,

designadamente, instalação de estruturas metálicas.

2. A R. dedica-se principalmente à atividade de compra e venda de bens imobiliários.

3. No exercício da sua atividade comercial, a A. procedeu à construção duma unidade industrial para a R., a pedido e sob encomenda desta, pelo preço de € 162 601,63, acrescido de IVA, no montante global de € 200 000,00, tendo ambas as partes elaborado o acordo escrito, junto a fls. 5 a 8, datado de 2/5/2017.

4. As partes acordaram que o prazo para conclusão da obra era de noventa dias a partir da data da “consignação da empreitada ou da data em que o dono

da obra comunique a aprovação do plano de segurança e saúde (que deve ser apresentado pelo empreiteiro no prazo máximo de 15 dias) caso esta última data seja posterior”.

5. A R., para liquidação do preço da obra, contraiu um financiamento bancário junto do Banco BIC Português, S. A., no montante de € 200 000,00.

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6. No decurso da obra, a R. solicitou à A. trabalhos e materiais extra, que foram prestados, colocados, faturados, no montante de € 18 097,38.

7. A R. foi procedendo a pagamentos parcelares dos montantes constantes das faturas que, à medida que os trabalhos iam decorrendo, lhes foram emitidas e enviadas.

8. O valor total dos pagamentos efetuados pela R. à A. foi de, pelo menos, € 150 000,00 (cheque de € 100 000,00 do BIC, datado de 16/08/2017; cheque de € 25 000,00 do BIC, datado de 15/10/2017; cheque de € 25 000,00 do BIC, datado de 30/10/2017), correspondentes ao contratado, e € 18 097,38, correspondente aos serviços e materiais extra, tudo num total de € 168 097,38.

9. Para além desses pagamentos, a R. efetuou os seguintes pagamentos:

cheque de € 8 000,00, do BPN, datado de 16/08/2017; - cheque de € 8 000,00, do BPN, datado de 23/08/2017; - cheque de € 7 000,00, do BPN, datado de 27/08/2017; - cheque de € 5 000,00, do BPN, datado de 20/09/2017; - cheque de € 6 000,00, do BPN, datado de 23/09/2017 (aditado pela Relação sob o n.º 8A).

10. A A. emitiu a fatura n.º 1…8/2017, correspondente ao valor de € 96

000.00, que não foi paga pela R., tendo-a devolvido por a considerar incorreta e indevida.

11. A licença de utilização da unidade industrial foi concedida em 17/07/2018. 12. A R. comunicou à A. a existência de uma infiltração de água na cobertura, tendo esta executado trabalhos de reparação.

13. A obra foi concluída e entregue em data não apurada, mas não anterior ao final de agosto de 2017.

***

2.2. Delimitada a matéria de facto, com o aditamento decidido pela Relação, importa então conhecer do objeto do presente recurso, definido pelas

respetivas conclusões, e que se cinge, essencialmente, aos poderes do Supremo Tribunal de Justiça quanto à matéria de facto.

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A Recorrente, na verdade, insurge-se contra o aditamento do facto introduzido pela Relação, na sequência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, que teve como consequência a redução da dívida à quantia de € 16 000,00, e concluindo por pedir a repristinação da sentença proferida na 1.ª instância, e que tinha condenado a Recorrida a pagar-lhe a quantia de € 50 000,00.

Descrita, sumariamente, a controvérsia jurídica emergente dos autos, vejamos então o direito aplicável, nomeadamente em termos de julgamento da matéria de facto pela Relação.

A Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), modificou a decisão relativa à matéria de facto proferida pela 1.ª instância, aditando o facto descrito sob o n.º 9 (n.º 8.º-A do acórdão recorrido), referente a pagamentos efetuados pela Recorrida, a título do preço da empreitada, quando a 1.ª instância tinha declarado tal matéria como não estando provada (fls. 64/65).

No âmbito do conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, concluiu-se no acórdão recorrido:

“Estando disponíveis a este Tribunal os mesmos elementos que foram apreciados e valorados no Tribunal recorrido, de acordo com as regras da experiência e por presunção (cfr. o art.° 351.° do Código Civil, que permite que se estabeleçam factos desconhecidos a partir de outros conhecidos que com aqueles estão numa relação lógica necessária), entende-se ter ficado provado que os cheques em causa se destinaram ao pagamento do preço do contrato de empreitada, que se adita à factualidade provada, mas não que tenha sido a pedido da autora, alegadamente para melhor avanço e

prossecução da empreitada”.

Este segmento do acórdão recorrido espelha, de forma clara, os termos da decisão da matéria de facto da Relação, diversos do alegado pela Recorrente. Na verdade, a Relação, para além de ter ponderado a prova produzida, utilizou também presunções judiciais, para declarar provada a matéria de facto em reapreciação, sendo certo que o podia fazer, nomeadamente ao abrigo dos

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A Relação obteve uma convicção diferente daquela que tivera a 1.ª instância, socorrendo-se do uso de presunções judiciais.

Tanto a apreciação da prova testemunhal como o uso das presunções judiciais cabe apenas às instâncias, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal e revista, interferir em tal, como decorre, designadamente, do

disposto no art. 674.º, n.º 3, do CPC.

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, como decorre também desta última norma legal, está reservada apenas para o caso de violação do direito probatório material (A. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS F. PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, I, 2018, pág. 807). No entanto, não se apresenta, nos autos, qualquer violação do direito

probatório material, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça interferir na decisão da matéria de facto proferida pela Relação.

Por outro lado, os factos resultantes de prova por presunções judiciais também não podem ser sindicados pelo Supremo, dado tratar-se de matéria de facto da competência das instâncias.

Contudo, num plano diverso, pode o Supremo apreciar a legalidade do uso das presunções judiciais, por se tratar de mera questão de direito.

Assim, se a presunção judicial é extraída a partir de facto falso, facto não provado e matéria sem admissão legal de prova testemunhal, ou, por outro lado, se a presunção judicial se revela com manifesta e evidente falta de lógica, pode a questão ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça

(acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de janeiro de 2017, processo n.º 841/12.6TBMGR.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt).

As presunções judiciais correspondem a ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal – arts. 349.º e 351.º, ambos do Código Civil (CC).

As presunções judiciais resultam da experiência geral da vida, das regras da ciência, arte ou técnica (A. VAZ SERRA, Revista de Legislação e de

Jurisprudência, Ano 108.º, 1975/1976, pág. 357).

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estando vedada, por isso, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por incindir sobre matéria de facto da competência exclusiva das instâncias.

A Recorrente alude, na sua alegação, que a Relação procedeu à inversão do ónus da prova e que, por desconhecimento, ficou impedida de produzir prova. A Relação, porém, limitou-se a apreciar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, como lhe competia em face do objeto da apelação, tendo alcançado, nessa ponderação, uma convicção diversa da da 1.ª instância quanto ao facto descrito sob o n.º 9. Essa decisão resultou apenas da reponderação da prova produzida, sem a aplicação de qualquer regra respeitante ao ónus da prova, nomeadamente do disposto no art. 414.º do CPC. A Relação, efetivamente, concluiu pela realidade do facto, ao contrário da 1.ª instância, afastando a dúvida séria que pudesse ter existido antes. Na verdade, as regras da distribuição do ónus da prova, fixadas em termos gerais no art. 342.º do CC, servem, por um lado, para resolver as dúvidas sérias sobre a realidade de um facto (art. 414.º do CPC) e, por outro, para decidir do sentido da ação quando não se provem determinados factos. Tais regras da distribuição do ónus da prova, com efeito, nada têm que ver com o julgamento de facto, porquanto, independentemente da sua natureza constitutiva, impeditiva, modificativa e extintiva, compete ao juiz, à luz do princípio da liberdade de julgamento, apreciar e valorar os factos, em conformidade com as provas produzidas.

Por conseguinte, no acórdão recorrido, plasmando a convicção obtida da reponderação da prova produzida, está fora de causa qualquer inversão do ónus da prova, assim como qualquer decisão surpresa, sendo certo que a Recorrente teve oportunidade, que oportunamente aproveitou, para contra-alegar no âmbito da apelação.

Assim sendo, o acórdão recorrido, ao alterar a decisão relativa à matéria de facto, não violou qualquer disposição legal, designadamente as especificadas pela Recorrente, pelo que carece de fundamento a revista.

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I. Não apresentando os autos qualquer violação do direito probatório material, não pode o Supremo Tribunal de Justiça interferir na decisão da matéria de facto proferida pela Relação.

II. As regras da distribuição do ónus da prova servem, por um lado, para resolver as dúvidas sérias sobre a realidade de um facto e, por outro, para decidir do sentido da ação quando não se provem determinados factos. III. Independentemente da natureza constitutiva, impeditiva, modificativa e extintiva dos factos, compete ao juiz, à luz do princípio da liberdade de julgamento, apreciá-los e valorá-los, em conformidade com as provas produzidas.

2.4. A Recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo

pagamento das custas, por efeito da regra da causalidade, consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

2) Condenar a Recorrente no pagamento das custas.

Lisboa, 29 de outubro de 2020

Olindo dos Santos Geraldes (Relator) Maria do Rosário Morgado

Oliveira Abreu

O Relator atesta que os Juízes Adjuntos votaram favoravelmente este acórdão, não o assinando porque a sessão de julgamento decorreu em

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