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Metáforas do Medo. Morgana de Abreu LEAL *

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Metáforas do Medo

Morgana de Abreu LEAL*

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo mostrar a presença de metáforas conceptuais do medo em quatro contos da chamada literatura do medo, que compreende os gêneros literários gótico, de horror, de terror, sobrenaturais, etc. Para tal, apresentaremos a Teoria da Metáfora Conceptual (LAKOFF & JOHNSON, 1980; KÖVECSES, 2010; EVANS & GREEN, 2006 etc.), algumas visões sobre o que é o medo artístico (FRANÇA, 2011), e o Grupo de Estudos sobre o Medo como Prazer Estético. Em seguida, analisaremos algumas metáforas conceptuais do medo, como já dito anteriormente, para então sugerir que a análise das metáforas conceptuais ajuda a compreender a conceptualização do modelo cognitivo idealizado do medo em narrativas ficcionais, o que pode vir a ser uma prolífica área de estudos interdisciplinares entre a Linguística Cognitiva e os Estudos Literários.

Palavras-chave: Literatura do medo; linguística cognitiva; metáfora conceptual; modelo cognitivo idealizado.

1. INTRODUÇÃO

  O presente trabalho foi concebido pela união da Linguística Cognitiva com os Estudos Literários. Ao estudar a chamada “literatura do medo”, surgiu a questão da produção, como efeito de leitura, da emoção do medo no leitor. Daí, a análise de metáforas conceptuais que ativassem o modelo cognitivo idealizado do medo apresentou-se como um possível caminho para verificar como a linguagem e a cognição têm papel na produção do medo artístico.

                                                                                                                         

*  Mestranda em Linguística da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Orientadora: Prof. Dra. Tânia Maria Gastão Saliés.    

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A Teoria da Metáfora Conceptual foi proposta por George Lakoff e Mark Johnson em seu livro Metaphors We Live By, de 1980. Sua premissa básica é a de que a metáfora não é mero recurso estilístico, mas uma maneira de conceptualizar a própria experiência humana. Neste artigo apresentaremos os conceitos inerentes à metáfora conceptual sob a ótica de diferentes e complementares autores (ALMEIDA et al., 2010; KÖVECSES, 2010; EVANS & GREEN, 2006; FERRARI, 2011; BERNARDO, 2009 etc.), para então apresentarmos o medo artístico (FRANÇA, 2011). Com a ajuda do Grupo de Estudos Sobre o Medo como Prazer Estético vamos delimitar o nosso corpus – exemplares da “literatura do medo”, que têm em comum sua capacidade ou intenção de causar a emoção do medo como efeito de leitura.

Analisaremos, então, algumas metáforas conceptuais do medo retiradas de contos da literatura do medo, de autores consagrados, como Stephen King, Aluísio Azevedo, Bernardo Guimarães, e de um autor independente, publicado online, chamado Junior Cazeri, para então descrever metáforas conceptuais que estejam ligadas à fascinante emoção do medo.

2. A METÁFORA

2.1. VISÃO TRADICIONAL DA METÁFORA

A metáfora como recurso retórico é objeto de estudo desde a Antiguidade, como podemos constatar na Arte Poética de Aristóteles, do século IV a.C. Inicialmente tratada como figura de linguagem, a metáfora dita “literária” é um recurso expressivo e de estilo utilizado sobretudo nos textos literários.

Ribeiro (2007, p. 346) explica que na metáfora ocorre “o emprego de um vocábulo fora de seu significado básico, em virtude de uma semelhança”. A metáfora é considerada uma comparação sem elementos linguísticos comparativos (ibidem). Kövecses (2010, p. vii-viii) explica que, se consideramos a metáfora somente como figura de linguagem, isso significa que usamos metáforas como recursos linguísticos de estilo, para “embelezar” a linguagem, causar efeitos artísticos e retóricos e para expressar novas imagens, emoções e significados em textos literários.

Kövecses (2010, p. vii-viii) nos apresenta as cinco características da visão tradicional da metáfora: ela é um fenômeno linguístico; é usada com propósito artístico ou retórico; é baseada em uma semelhança entre duas entidades, devidamente

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identificadas e comparadas; como a metáfora é um uso engenhoso de palavras, você tem que ter um talento especial para usá-las dessa maneira; e, por último, já que a usamos para “efeitos especiais”, o nosso cotidiano não depende delas para existir, podemos viver sem elas. Essas características serão desafiadas pela visão cognitivista da metáfora, uma concepção inicialmente proposta por George Lakoff e Mark Johnson em seu pioneiro estudo Metáforas da Vida Cotidiana (Metaphors We Live By, no original), de 1980. É o que veremos a seguir.

2.2. VISÃO COGNITIVISTA DA METÁFORA

Kövecses (2010, p. viii) nos apresenta as características da metáfora a partir da concepção de Lakoff e Johnson: ela é um domínio de conceitos, não de palavras; a função da metáfora é entender melhor certos conceitos, e não tem propósito exclusivamente estético ou artístico; na maior parte das vezes, ela não é baseada em semelhança; ela é usada no nosso dia-a-dia por pessoas comuns, e não somente por pessoas talentosas em contextos especiais de uso da linguagem; e, por último, a metáfora é considerada, nessa visão, um processo cognitivo do pensamento e do raciocínio humano. É assim a metáfora conceptual.

O conceito de metáfora que utilizamos nesse trabalho é o desenvolvido pela Linguística Cognitiva (doravante LC): a metáfora conceptual (cf. ALMEIDA et al., 2010, p. 33-36). A LC vê a metáfora como processo cognitivo. Veja o exemplo:

(1) Nosso relacionamento chegou a uma encruzilhada.

Observe como em (1) o relacionamento pode ser concebido como um viajante que encontrou um obstáculo (EVANS & GREEN, 2006, p. 295). De acordo com Almeida et al. (2010, p. 35), a metáfora permite conceber e imprimir ideias abstratas, desempenhando um papel de destaque para o sistema conceptual humano. Podemos conceptualizar dois domínios conceptuais (amor e viagem), aproximá-los, e conceber um como outro (AMOR É UMA VIAGEM)1. Para Lakoff e Johnson (apud Kövecses, 2010,

p. ix), a metáfora é conceptual em sua natureza, pois, como no exemplo acima, duas expressões linguísticas “capturam” aspectos do mesmo conceito, o amor, através de                                                                                                                          

1 Assim como Kövecses (2010), Lakoff (2003), Evans e Green (2006) e demais autores

adeptos da Linguística Cognitiva, usamos versalete para indicar que aquele sintagma não acontece na língua, mas representa uma metáfora conceptual. Enquanto isso, usamos o itálico para indicar uma expressão linguística metafórica.

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outro conceito, a viagem. Esse é um dos motivos para a metáfora ser considerada uma ferramenta cognitiva cotidiana, e não mais especial e exclusiva do imaginário literário (KÖVECSES, 2010, p. xi).

Faz-se necessária uma breve interrupção para explicarmos o conceito de domínio conceptual. De acordo com Miranda (2009, p. 82-86), domínios conceptuais são conjuntos de conhecimentos prévios e estruturados, social e culturalmente produzidos, relativamente estáveis e que podem ser identificados e evocados em eventos discursivos, e são flexíveis conforme as necessidades da instanciação. A construção do significado, portanto, se realiza nessas estruturas armazenadas na memória semântica permanente (LANGACKER, 1987, p. 147, apud FERRARI, 2011, p. 49), que formam os domínios.

Retornando ao assunto “metáfora conceptual”, quando observamos um link metafórico entre dois domínios, a ele chamamos mapeamento – ou mapping em inglês (LAKOFF, 2006, p. 190). A metáfora para a LC é, então, uma propriedade do pensamento: “entende-se que as expressões linguísticas metafóricas são o reflexo visível de um mecanismo cognitivo que consiste em estabelecer uma vinculação conceptual entre domínios distintos.” (ALMEIDA et al., 2010, p. 34). Essa visão das expressões metafóricas admite, necessariamente, que a metáfora está no uso comum da linguagem, e não é recurso poético apenas.

No exemplo (1), podemos verificar que há dois domínios conceptuais, amor e viagem. Eles têm nomes especiais: domínio-fonte e domínio-alvo. Veja o que afirma Kövecses:

o domínio conceptual no qual encontramos as expressões [linguísticas] metafóricas para entender outro domínio conceptual se chama domínio-fonte, enquanto o domínio conceptual que é entendido dessa maneira se chama domínio-alvo. (KÖVECSES, 2010, p. 4, grifos do autor).

O domínio-alvo é AMOR, enquanto o domínio-fonte é VIAGEM; a expressão

linguística metafórica é relacionamento chegou a uma encruzilhada e a metáfora conceptual é O AMOR É UMA VIAGEM. Na estrutura de evento metafórico, podemos dizer

que “relacionamento” representa um papel de “viajante” dentro da “viagem”.

Kövecses também afirma que as metáforas conceptuais geralmente utilizam um conceito mais abstrato no domínio-fonte e um mais concreto e físico no domínio-alvo. Para ele, “as nossas experiências com o mundo físico servem de fundamentação natural e lógica para a compreensão de domínios mais abstratos” (KÖVECSES, 2010, p. 7).

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Kövecses (2010), após uma ampla pesquisa, descobriu que os domínios-fonte mais comuns no mapeamento metafórico são relacionados ao CORPO HUMANO, ANIMAIS, PLANTAS, COMIDAS e FORÇA, e os domínios-alvo mais comuns incluem categorias

conceptuais como EMOÇÃO, MORALIDADE, PENSAMENTO, RELAÇÕES HUMANAS e TEMPO.

Essa afirmação tem duas implicações. Uma delas é a motivação – em oposição à arbitrariedade – da metáfora conceptual. Segundo Evans & Green (2006, p. 298), “conceitos-alvo tendem a ser mais abstratos, carentes de características físicas e por isso mais difíceis de entender e falar a respeito [...] domínios-fonte tendem a ser mais concretos e por isso mais imediatamente perceptíveis”. Kövecses assume, assim, que as metáforas conceptuais estão baseadas em experiências humanas corporificadas.

Bernardo (2009) corrobora com a hipótese da corporificação do significado: Na abordagem sociocognitiva, a capacidade linguística não é entendida como um componente autônomo em relação a outras habilidades cognitivas. O significado linguístico é corporificado; surge a partir da capacidade biológica e das experiências físicas e socioculturais captadas do meio ambiente. Nesse sentido, é possível estudar o significado pragmático como parte do aparato cognitivo envolvido na conceptualização e não externo a ele, já que o significado social se desenvolve internamente a partir de modelos e processos cognitivos particulares dos seres humanos. (BERNARDO, 2009, p. 1106).

Outra implicação é a unidirecionalidade da metáfora conceptual: domínios fonte e alvo não são reversíveis. Mesmo quando as metáforas conceptuais parecem bidirecionais, como PESSOAS SÃO MÁQUINAS e MÁQUINAS SÃO PESSOAS, na verdade são

unidirecionais. Veja os exemplos:

(2) Pedro é uma calculadora humana. (3) Meu computador tem vida própria.

Note como, no exemplo (2), os atributos mecânicos e funcionais são mapeados nas pessoas, enquanto no exemplo (3) é a noção de desejo e volição que é mapeado na máquina. Isso mostra que cada metáfora conceptual é distinta em sua natureza, porque ela conta com mapeamentos diferentes (cf. EVANS & GREEN, 2006).

Somado aos mapeamentos, as estruturas metafóricas carregam consigo conhecimento detalhado. Isso porque aspectos não explícitos dos domínios podem ser inferidos no uso da metáfora conceptual. Veja o exemplo retirado de Evans & Green (2006, p. 299), cuja metáfora conceptual é O ARGUMENTO É UMA VIAGEM:

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(4) Eu me perdi no argumento.

Observe como mapeamentos implícitos do domínio-fonte podem ser inferidos:

PARTICIPANTES correspondem a VIAJANTES, o ARGUMENTO corresponde a uma VIAGEM,

etc. Como no domínio-fonte, os viajantes podem se perder, podem não chegar ao destino, etc. A associação entre fonte e alvo dá origem à implicatura (uma rica inferência) de que esses eventos também podem ocorrer no domínio-alvo ARGUMENTO.

Outro conceito relevante para a TMC é o de esquemas imagéticos. Segundo Pina,

Os esquemas imagéticos são estruturas abstratas e genéricas advindas de experiências sensório-motoras, facultadas pelas características da espécie humana. Essas imagens esquemáticas são de natureza cinestésica, pois dizem respeito a muitos aspectos da atividade do ser humano no espaço, tais como: orientação, movimento, equilíbrio, forma etc. Os esquemas imagéticos mais comuns refletem as experiências de percurso, continente/conteúdo, parte/todo, ligação, centro/periferia, em cima/embaixo, frente/trás, entre outros. (PINA, 2005, p. 1).

A consequência disso para a TMC é que o “pensamento abstrato e o raciocínio, facilitados pela metáfora, são vistos como tendo um esquema imagético e, logo, uma base corporificada” (EVANS & GREEN, 2006, p. 301). Conceptualizamos, por exemplo, o esquema de percurso, que pressupõe uma ida de um lugar para outro (origem, alvo, distância percorrida), baseados na experiência física diária de nos deslocar. Se observarmos o exemplo (1), podemos notar que esse esquema imagético de percurso está presente naquela conceptualização.

Para completar, devemos ainda apresentar o Modelo Cognitivo Idealizado (doravante MCI), teoria semântico-cognitiva proposta inicialmente por Lakoff (em Women, fire and dangerous things: what categories reveal about the mind, de 1987, e revisitada por EVANS & GREEN, 2006, p. 248-285 e FERRARI, 2011, p. 53-55). Vital para o sistema conceptual humano, a categorização, que é “nossa habilidade de identificar similaridades e diferenças perceptíveis entre entidades e então agrupá-las” (EVANS, GREEN, 2006, p. 248) está diretamente relacionada com os MCIs, que por sua vez são “representações mentais estáveis que representam teorias sobre o mundo” (idem, p. 270, grifo no original). Os MCIs guiam processos cognitivos como a categorização e o raciocínio. Em resumo, para Lakoff, nosso raciocínio depende de modelos cognitivos pré-existentes, i.e., já categorizados, e idealizados, ou seja,

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construída pelo contexto sócio-histórico-cultural no qual estamos inseridos, e não necessariamente presente na natureza (EVANS, GREEN, 2006, p. 270).

De acordo com Lakoff (apud FERRARI, 2011, p. 53-55), os MCIs têm três princípios que os estruturam. O primeiro é a estrutura proposicional, no qual a interpretação requer o acesso a conhecimento prévio enciclopédico da experiência humana, levando em consideração as bases físicas e culturais. Os esquemas imagéticos vêm a seguir. Fundamentam a estrutura conceptual por nossa experiência do espaço ser estruturada com base nos esquemas imagéticos de contêiner, frente-trás, parte-todo, etc. O terceiro princípio é metafórico e metonímico, ou seja, a estrutura do MCI pode ser projetada por uma metáfora ou por uma metonímia.

Após apresentarmos os princípios mais importantes da metáfora conceptual, seguimos com o nosso próximo assunto: o medo.

3. O MEDO ARTÍSTICO

O medo fascina. Ouvir um barulho na sua janela no meio da madrugada dá aquele friozinho na espinha. Pensar que o mundo pode acabar em 2012 como previram os maias tira o sono de alguns. Saber que você mora numa região metropolitana perigosa, e que a qualquer momento você pode ser assaltado na sua rua deixa você seriamente preocupado com a sua segurança – e a de seus familiares. O sofrimento que o medo traz é real. Mas quando você lê Stephen King, Edgar Allan Poe, ou até mesmo alguns contos de Machado de Assis, você sente o arrepio sem estar sujeito ao perigo real. É o trabalho da imaginação que o faz sentir o medo, mesmo que ele esteja longe de você, e, principalmente, não possa atingi-lo.

Quando a nossa imaginação nos leva a sentir o medo do personagem, estamos entrando no campo do medo artístico. É uma “emoção estética”, um “efeito de recepção”, um “resultado produzido por um artefato (a obra literária) concebido para suscitar essa emoção específica”, que o escritor construiu em seu texto para fascinar o leitor com a ideia de infringir-lhe medo (FRANÇA, 2011, p. 66).

Considerar a composição artística como máquina de produzir efeitos

permite-nos considerar o medo tanto em sua dimensão textual – a elaboração artesanal – quanto em sua dimensão ligada à recepção – os sentidos culturais do medo. Além disso, abre espaço para a integração do autor nesse processo, como alguém capaz de manipular ao menos alguns

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dos elementos constitutivos da produção de sentidos na literatura. (FRANÇA, 2011, p. 67)

E é nessa última citação que vislumbramos a união dos Estudos Literários com a Linguística Cognitiva: como foi proposto, vamos analisar metáforas conceptuais que revelem o medo, retiradas de contos da literatura do medo, mostrando ao leitor desse trabalho que, à medida que o texto literário ativa nosso MCI do medo, ao descrever os perigos que os personagens se submetem na narrativa, vamos encontrar também metáforas conceptuais que estejam ligadas a esse sentimento tão fascinante.

4. O GRUPO DE ESTUDOS SOBRE O MEDO COMO PRAZER ESTÉTICO

Os Estudos Literários há muito refletem sobre esses efeitos de recepção na literatura. Sobre o Grupo de Estudos sobre o Medo como Prazer Estético, coordenado pelo Prof. Dr. Júlio França, Professor Adjunto de Teoria da Literatura (UERJ), o próprio grupo explica seus objetivos:

Nosso objetivo é refletir sobre o que chamamos de medo artístico, uma peculiar emoção estética produzida por criações ficcionais. Se as emoções relativas à autopreservação são dolorosas quando estamos expostos às suas causas, quando experimentamos sensações de perigo sem que estejamos realmente sujeitos aos riscos, isto é, quando a fonte do medo não representa um risco real a quem o experimenta, entramos no campo das emoções estéticas. O exercício de tais sensações parece ser capaz de produzir efeitos peculiares (catarse, sublimidade), sobre os quais os Estudos Literários vêm refletindo há séculos.

Nosso corpus de trabalho primário consiste no que temos chamado de literatura do medo – narrativas ficcionais que o senso comum agrupa sob termos concorrentes e sobrepostos, tais como “de horror”, “góticas”, “dark fantasy”, “sobrenaturais”, “de terror”, “fantásticas”, entre outros, mas que manteriam, como elemento comum, a capacidade e/ou intenção de produzir, como efeito de leitura, a emoção do medo. (SOBRE O

GRUPO DE ESTUDOS. Disponível em:

<http://sobreomedo.wordpress.com/about/>. Acesso em: 31 jan. 2012.) Foi o trabalho desse GE que cunhou a chamada “literatura do medo”, caracterizada por narrativas ficcionais que têm como elemento comum a “reconhecida capacidade e/ou intenção de produzir esse efeito característico” (FRANÇA, 2011, p. 58). Inspirados pelo grupo, expusemos aqui algumas de suas teorias para justificar o termo “literatura do medo” e o corpus a ser utilizado para a descrição e a análise das metáforas conceptuais.

(9)

5. METÁFORAS DO MEDO

Nossa proposta, então, é destacar e investigar algumas metáforas conceptuais relacionadas ao medo que aparecem em exemplos da literatura do medo. Esperamos que as expressões metafóricas que ativam o MCI do medoestejam presentes na narrativa que estamos investigando.

Comecemos com um autor consagrado no gênero literário “terror/horror”: Stephen King (2008). Em seu conto “O último degrau da escada”, no momento em que Larry (narrador personagem) vê sua irmã quase caindo da escada, ele diz:

(5) Estava morrendo de medo [...] (KING, 2008, p. 364)

Observe como em (5) o medo pode ser concebido como uma doença. Na metáfora conceptual MEDO É DOENÇA, portanto, temos o domínio-fonte DOENÇA e o

domínio-alvo MEDO. Outra evidência que corrobora com essa metáfora conceptual é a

fala de Larry logo em seguida:

(6) “Sabe, até hoje não consigo assistir a um número de acrobacia aérea no circo, nem mesmo na TV. Fico de estômago embrulhado.” (ibidem).

Lembre o que discutimos sobre o medo na seção 3: imaginamos que o pior pode acontecer, e isso nos traz conseqüências físicas. É a lembrança do medo sentido por Larry naquele momento de perigo que o faz ficar de estômago embrulhado; portanto, essa também é uma expressão metafórica da metáfora conceptual MEDO É DOENÇA. Veja

a ilustração das projeções metafóricas:

Domínio-fonte Domínio-alvo DOENÇA MEDO

Esquema 1 – Representação de projeções metafóricas 5 e 6

Já no conto “Demônios”, de Aluísio Azevedo, temos a seguinte expressão metafórica:

(7) E apoderou-se de mim o medo do incompreensível; o medo do que não se explica; o medo do que não se acredita. (AZEVEDO, 2010, p. 133)

ENFRENTAR O PERIGO

LEMBRAR DE UM PERIGO PASSADO MORRER DE MEDO

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O medo, aqui, tem características de seres vivos, mais especificamente humanas, já que se apodera do personagem narrador do conto. E, como todo ser vivo, o medo vem e vai:

(8) Veio-me então o receio de que eu, daí a pouco, não pudesse reconhecer o caminho [...] (idem, p. 140).

No conto “A Dança dos Ossos”, de Bernardo Guimarães, o personagem, que está escutando a fantástica história sobre um esqueleto dançante que Cirino lhe conta, o questiona:

(9) Mas quem sabe se não foi a força do medo que te fez ver tudo isso? (GUIMARÃES, 2010, p. 52)

No conto “A última curva”, de Junior Cazeri, o personagem narrador, em um momento tenso na narrativa, diz:

(10) Tentei me enganar, pensando que eu queria música por estar feliz, mas era o medo que exigia uma distração. (CAZERI, 2010, online)

E, mais adiante:

(11) [...] meu medo tinha me obrigado a abandonar um ser humano que precisava de ajuda numa estrada deserta. (ibidem)

Observe como nos exemplos (7) a (11) o medo tem características humanas: ele se apodera, vem e vai, tem força, exige, obriga. Mais especificamente, tem características do comportamento humano e, no caso de ir e vir, tem até pernas. Sugerimos, portanto, a metáfora conceptual MEDO É SER HUMANO. Veja as projeções

metafóricas no esquema abaixo:

Domínio-fonte Domínio-alvo SER HUMANO MEDO

Esquema 2 – Representação de projeções metafóricas 7 a 11.

TEMMÃOS

TEMPÉS/SELOCOMOVE TEMFORÇAFÍSICA

ESTÁACIMANAHIERARQUIA ESTÁACIMANAHIERARQUIA

MEDOSEAPODERA

RECEIO/MEDOVEIO

FORÇADOMEDO

MEDOEXIGE

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Observe que nessas projeções metafóricas o domínio-fonte SER HUMANO

caracteriza o domínio-alvo MEDO em termos de certos comportamentos e atribuições

físicas humanas. Ele tem pernas e braços, por isso pode se apoderar, vir. Ele tem força física, por isso pode ter força. Por fim, ele está acima na hierarquia, então pode exigir, obrigar.

Com essa rápida análise, podemos perceber como as metáforas conceptuais estão presentes no nosso dia-a-dia, muitas vezes imperceptíveis. Se elas estão na nossa linguagem comum, também estão presentes na nossa literatura. Pelo princípio da projeção metafórica, podemos perceber como a linguagem é utilizada para projetar um conceito em outro, facilitando o processo de conceptualização, a produção de efeitos na narrativa e tornando-a compreensível para aqueles que dividem os MCIs como seus conhecimentos enciclopédicos intrincados no momento sócio-histórico-cultural no qual os falantes se encontram.

6. CONCLUSÃO

Nesse artigo apresentamos as principais características da metáfora conceptual, sua relação com a cognição e com a conceptualização. Apresentamos também como nós, seres humanos, percebemos os perigos, onipresentes em nossa condição sócio-cultural e humana, e como esses perigos nos levam à emoção do medo. O medo real dá lugar ao medo artístico a partir do momento em que optamos por consumir artefatos culturais, em especial a chamada literatura do medo, pelo simples prazer estético. E já que estamos falando de narrativas escritas, por que não pesquisarmos como a linguagem e a cognição, aqui representadas e exemplificadas pelas metáforas conceptuais, ajudam os escritores a produzir o efeito desejado?

Esperamos que tenhamos conseguido demonstrar nesse breve artigo que as metáforas conceptuais estão intimamente ligadas ao sistema cognitivo e, por isso, são muito importantes para o processo de conceptualização, que, por sua vez, ajuda na construção do efeito “medo” para o leitor daquele gênero literário.

Pela característica interdisciplinar desse artigo, concluímos que Estudos Linguísticos e Estudos Literários podem caminhar de mãos dadas. Analisar aspectos linguísticos e cognitivos nas narrativas ficcionais pode apresentar um prolífico caminho

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para pesquisas de ambas as áreas. Especialmente se estamos lidando com as emoções humanas, como o medo, no nosso caso.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Referências

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