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Os álbuns em vinil como fontes de pesquisa histórica sobre o Carnaval

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Academic year: 2021

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Os álbuns em vinil como fontes de pesquisa histórica sobre o Carnaval

Milton Moura

O que me levou a propor esta contribuição ao X Encontro de História da ANPUH foi a constatação de que os estudos históricos sobre manifestações culturais, especificamente, neste caso, a pesquisa no âmbito da história social da cultura, deixam ver uma certa indisposição a considerar como fontes de pesquisa recursos não escritos ou digitalizados a partir da escrita. As próprias imagens fotográficas ou animadas costumam ser considerados a partir de sua fixação.

No caso específico da pesquisa sobre a sobre história das práticas musicais, seja dos processos de construção da música no nosso meio e suas relações, seja de sua identificação com processos de construção identitária, costumam ser considerados, a partir da segunda década do século XX, os registros fonográficos, como os álbuns – doravante chamados discos ou vinis – que materializam a produção musical. Com efeito, é difícil saber o que se tocava ou cantava no passado anterior e que não deixou registro de imagem e som, nem mesmo o registro fonográfico. Algumas facilitações, se permitem certo conforto no manejo didático, não oferecem segurança.

É o caso do “domínio público”. Às vezes, um trecho musical é veiculado assim através de um registro fonográfico identificado, datado e verificável. O samba – ou maxixe? – Pelo Telefone foi registrado na edição da Casa Edison por Manuel Pedro dos Santos, mais conhecido como Baiano. A composição é de Ernesto dos Santos e Mauro de Almeida e provavelmente foi prensada para o público em 1916, posto que o lançamento aconteceu em 20 de janeiro de 1917.

A fonte, como costumamos dizer, é segura. No disco de acetato, pode-se ler “Bahiano & Coro” como intérpretes. Um ouvido mais inquieto, contudo, vai identificar na faixa musical duas unidades distintas. A primeira, mais conhecida, se refere a um jogo clandestino no Largo da Carioca, centro do Rio de Janeiro. Conota também, numa forma bem humorada, uma negociação entre um poder constituído legalmente, qual seja, a polícia, e os praticantes da

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jogatina. A segunda, nitidamente diferente, consta de versos que possivelmente eram cantados com palmas, num ambiente comunitário, de modo semelhante ao que acontece com o samba de roda do Recôncavo Baianos e certos tipos de partido alto do Rio de Janeiro. Podemos nos contentar simplesmente com o dado da gravação e do lançamento, satisfeitos e confortáveis com a fonte levantada, fotografada, gravada, disponível na Internet? A primeira parte da composição tal como gravada é urbana; a segunda, se não propriamente rural, diz respeito a um Rio de Janeiro cheio de quintais, fontes, riachos e hortas, onde se faziam festas de caráter familiar ampliado, com quadrinhas singelas e aparentemente ingênuas. Jamais saberíamos quando teria sido composta essa segunda parte de Pelo Telefone. Afinal, são narrativas de domínio público...

Não creio que seria tão importante assim identificar a autoria dessas quadrinhas, que se perde na capilaridade da tradição oral. O que gostaria de destacar, aqui, é a relatividade do registro e a insuficiência de considerar apenas a fonte tal como se coloca, de maneira vetusta, imponente, resistindo às décadas, citada inúmeras vezes por tantos pesquisadores. No caso de Pelo Telefone, somente o interfaciamento de estudos considerando diversos aspectos do mundo carioca no início do século XX poderia aportar algumas pistas de compreensão da gênese dessa fascinante composição. Talvez o menos importante seja a datação cronológica precisa. Interessa, aos efeitos de uma história social das práticas musicais, compreender como essas composições são gestadas, administradas, intercambiadas e divulgadas, e como se inserem na teia de relações dessa população que mantinha práticas musicais e coreográficas que, por sua vez, transpassavam toda a sociabilidade, envolvendo família, trabalho, sensualidade, religião, enfim, toda a vida social, da qual a cultura pode ser vista como uma intrigante sinédoque plena de significações, seguindo a intuição de Roger Chartier:

O que toda história deve pensar é, pois, indissociavelmente, a diferença através da qual todas as sociedades separaram, do cotidiano, em figuras variáveis, um domínio particular da atividade humana, e as dependências que inscrevem de múltiplas maneiras, a invenção estética e intelectual em suas condições de possibilidade (CHARTIER, 2002, p. 94. Grifos no original).

O mesmo autor circunscreve ainda um pouco mais a tarefa de estudar manifestações culturais, referindo-se a possibilidades e constrições:

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[...] o objeto fundamental de uma história que visa a reconhecer a maneira como os atores sociais dão sentido a suas práticas e a seus discursos parece residir na tensão entre as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades e, de outro lado, as restrições, as normas, as convenções que limitam – mais ou menos fortemente de acordo com sua posição nas relações de dominação – o que lhes é possível pensar, enunciar e fazer (ibidem, p. 91).

Recorrer a uma citação de Chartier não resolve o nosso problema: o que cantavam e tocavam nossos intérpretes do passado? Entretanto, pode ajudar a nos situar no emaranhado de questões, procedimentos e resultados em que nos situamos. José Ramos Tinhorão (2000), em diversas passagens, não somente pontua como lamenta que não sabemos precisamente o que cantavam e tocavam os sujeitos das descrições maravilhosas que temos de festas e demais ocasiões. Em contrapartida, os aspectos plásticos e cênicos receberam desde o século XVI, no caso das sociedades brasileiras, registros muito interessantes.

Duas manifestações registradas na Bahia, nos anos 60 do século XVIII, podem ser visitadas aqui.

A primeira corresponde a parte das comemorações, na Vila de Santo Amaro da Purificação, em 1760, do casamento da princesa Maria, que viria a ser rainha de Portugal. O relato se chama Relação das Faustíssimas Festas que celebrou a Câmera da Villa de N. Senhora da Purificação, e Santo Amaro da Comarca da Bahia.... (CALMON, 1982). Descreve com pormenores os aspectos plásticos e cenográficos, organizacionais e políticos, do cortejo solene, incluindo o bando anunciador.

No dia dez se distinguírão muito os Alfaiates, pois ricamente vestidos fizerão trez contradanças pelas ruas ao som de acordes instrumentos depois de observarem atenciosamente a mesma politica, que com os Paços do Conselho havião praticado os Carpinteiros. No dia onze, fizerão os Çapateiros, e Corrieiros a sua demonstração em hua dança de ricas, e vistosas farças, que em nada cedia á dos Alfaiates, e discorrêrão pelas ruas ao som de varias rebecas déstramente tocadas. (CALMON, 1982, p. 51-52) Depois de tomarem ambos o assento destinado, lhe fizeram fala os Sobas, e mais mascaras da sua guarda, sahindo depois a dançar as Talheiras, e Quicumbis ao som dos instrumentos próprios do seu uso, e rito. Seguio-se a dança dos meninos Indios com arco, e frecha. (idem, p. 58)

Sabemos que instrumentos eram tocados, mas não podemos alcançar a música propriamente dita que praticavam... O mesmo se observa na descrição de uma coroação de rei na freguesia de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, no ano de 1765. O documento

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se chama Ofício do governo interino para o Conde de Oeiras, no qual informa dos excessos praticados por um grupo de Ilhéus que se haviam reunido sob a designação de Irmandade do Espírito Santo. (ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL, 1914). Vejamos:

Foi-se engrossando o número dos devotos, incitados do tambor e dos pandeiros, cantigas e facecias de ditos e de acções, de que se gostava muito; concorrendo os tendeiros e alguns mercadores com esmolas avantajadas para um festejo de ruído. Animados com o bom successo, hião aos domingos ás várias freguezias fazer cantar com musica huma missa, saindo a comitiva numerosa e o homem que fazia o papel de Imperador coroado, ao qual os sinceros parochos vinhão receber com capa pluvial á porta da Igreja, lançando agoa benta ao dito e fazendo-lhe venia o iham conduzindo até o fazer sentar em huma cadeira de braços, tendo-lhe armado e levantado espaldar para mais decencia; e com a mesma solenidade os vinhão acompanhando á saída athé a porta. (ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL, parágrafo 2).

Cheguemos ao século XX. Algumas passagens literárias oferecem descrições preciosas do ponto de vista cênico e organológico, ou seja, relativo aos instrumentos musicais utilizados. Vejamos um texto de Xavier Marques, lançado em 1897 como Boto e Companhia e reeditado pelo autor como O Feiticeiro, em 1922:

No banco mais comprido, os pretos se dispuseram segundo a ordem decrescente dos atabaques. Na ponta da fila, aquele cujo ar traía a dignidade de mestre de capela prendia entre os joelhos o grande atabaque de seis palmos. Aos instrumentos de percussão seguiam-se as cabaças vestidas de redes de búzios, prontas a rolar nas mãos fouveiras que as empalmavam. No extremo da linha, ficava o mais moço, aguardando o momento de ferir o gã metálico. Chegou esse momento. A música, em surdina, parecia interpretar o sentimento de temor e respeito que pairava, deveras, sobre a sala. As ancilas dos orixás, de olhos fitos no invisível, sentindo já a atração de um mistério nascente, moveram-se a compasso, antes rosnando que cantando. (MARQUES, 1975, p. 34-35).

Vejamos também o que Jorge Amado escreve em Jubiabá, em 1933, também sobre uma cerimônia de Candomblé:

E Exu, como tinham feito o seu despacho, foi perturbar outras festas mais longe, nos algodoais da Virgínia ou nos candomblés do morro da Favela. Num canto, ao fundo da sala de barro batido, a orquestra tocava. Os sons dos instrumentos ressoavam monótonos dentro da cabeça dos assistentes. Música enervante, saudosa, música velha como a raça, que saía dos atabaques, agogôs, chocalhos, cabaças (AMADO, s/d, p. 100).

A esta altura, o prezado leitor poderia estar a se perguntar por que a presente contribuição, cujo título remete aos álbuns de vinil, até agora se referiu a registros de

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acontecimentos de que não temos gravações de imagem ou de som, e cuja sonoridade pode ser reconstituída, em parte e também com os recursos da imaginação, mediante a atenta e cuidadosa consideração dos elementos aí associados. Já digo por que.

A facilidade de acesso aos registros fonográficos, seja em acetato e vinil, seja no formato CD ou pendrive, seja através de cada audição pela Internet, não é suficiente, como poderia parecer, para uma abordagem mais completa daquilo que chamamos, na linguagem comum do cotidiano, a música: “aquela música”, “a música que está naquele disco”. É claro que o acesso a uma gravação torna muito mais confortável o acesso à peça musical. No entanto, o que se coloca aos nossos ouvidos – e aos nossos também, no caso dos registros de vídeo – precisa ser sempre contextualizado e assumido como incompleto. Inclusive no próprio levantamento da fonte fonográfica. Uma peça musical pode ter diversos registros, com diferentes arranjos e interpretações. O que escolher? Pode ocorrer que não sabemos como foi gravada uma canção originariamente. As gravações que nos chegaram podem ser desdobramentos ou recriações originais dessa gravação originária, que permanece tão distante dos nossos ouvidos como os sons dos cortejos acima relatados de Santo Amaro da Purificação e do bairro de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador. O que está disponível no fabuloso arsenal do Youtube é, muitas vezes, o registro de uma peça musical num show em que a peça recebe uma interpretação consideravelmente diferente da originária. E o link costuma apenas informar o nome do(s) compositor(es) e do(s) intérpretes.

Antes de considerar isto tão somente uma limitação, proponho que consideremos a composição no fluxo de suas diversas interpretações, capturando indícios e informações de seu percurso histórico na busca de suas conexões com outras interpretações da mesma ou de outras composições, o que poderia revelar ao pesquisador curioso interfaciamentos notáveis que podem não parecer evidentes à primeira vista. Estamos assim diante de uma grande variedade de possibilidades de descobertas e interpretações via observação da intertextualidade. Pena que não seria possível desdobrar a vertente da intertextualidade num texto tão pouco extenso.

Esta metodologia não é uma facilitação empírica. Pelo contrário, poderia fazer desanimar o jovem pesquisador que tem a sensação de que ali já está a fonte, pronta para ser estudada: “já achei a gravação dessa música!”. Ora, o que o pesquisador encontrou foi um

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registro – que pode ser um entre muitos existentes ou mesmo disponíveis – de um formato em que a composição lhe chegou aos ouvidos. E mesmo quando encontramos um registro que muito provavelmente é o primeiro de uma composição, muitos indícios ou informações podem estar ali justamente aguardando atenção, como que solicitando seu interfaciamento com outros aspectos presentes em outras gravações.

Passo agora a considerar quatro discos em vinil, a título de exemplos de possibilidades de desdobramento das pistas metodológicas que acabo de propor.

Em 1984, o bloco afro Ilê Aiyê, o primeiro que se estabeleceu com esta denominação no universo do Carnaval de Salvador, lançou seu primeiro vinil. É o primeiro intitulado Canto Negro; o segundo viria em 1991. Trata-se de um documento muito rico, contendo peças de samba de dois tipos: um mais próximo do ritmo das batucadas e outros formatos de bloco carnavalesco espalhados por boa parte da cidade e outro que já evidenciam com nitidez o compasso do bloco afro, com o acento singular no meio do primeiro tempo do compasso. Algumas dessas peças ainda são cantadas hoje em shows de outras bandas e pelo próprio Ilê Aiyê. Um elemento interessante na face interna da capa do disco é a fotografia trazendo a expressão de êxito de vários artistas e dirigentes do bloco, além de Gilberto Gil e Mãe Hilda Jitolu, mãe do presidente da entidade, Antônio Carlos dos Santos – Vovô.

Na contracapa, o destaque vai para a fotografia de uma criança negra com o traje do Ilê Aiyê, como apontando o futuro. No canto inferior direito, junto ao ícone configurado por quatro conchas da costa, vê-se o registro do apoio de uma empresa: “Com o axé total da Odebrecht”, junto à logomarca da empresa. Ora, o desenho da capa frontal, da capa interna e da contracapa aponta bem mais do que apenas um ritmo que emblematizava uma nova forma de presença negra no Carnaval de Salvador, num momento singular de afirmação da autoestima da população afrodescendente. Indica também a importância da conexão estabelecida entre o Ilê Aiyê e uma empresa poderosa que lhe aportou condições favoráveis a veicular sua narrativa musical.

O disco O Movimento, do Olodum, trouxe em 1993 uma novidade relevante na configuração musical da banda. Foi mantido o ritmo do samba-reggae, que há dez anos caracterizava sua musicalidade, sob a regência do Maestro Neguinho do Samba. Foram então

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incorporados instrumentos de sopro, como o sax (alto, barítono e tenor), o trompete, o acordeon, um aerofone, e teclados. Foi necessário um profissional para preparar os arranjos de metais e outro para os arranjos de harmonia. Isto aponta também para uma interface entre os padrões musicológicos da banda, com sua origem no Centro Histórico de Salvador e sua referência marcante à afirmação da Negritude, e outros padrões, praticados em outros ambientes. Ora, isto não é desprezível aos efeitos de compreender os mecanismos de interação entre diferentes setores da produção de música no mundo musical da cidade. Uma busca cuidadosa, que demandaria tempo, poderia identificar a origem dos sopristas e do acordeonista, cotejando esse vinil com outros do mesmo período, para assim compreender os trânsitos tramados no âmbito mais amplo das práticas de composição, interpretação, produção e divulgação de música no campo baiano.

O disco Canção de Oxalá, do Afoxé Filhos de Gandhy, veio em 1996 com elementos que remetem aos itens tradicionais do afoxé e outros que sinalizam mudanças e articulações estéticas. A contracapa traz as fotografias de um grupo de associados no padê de Exu em pleno Largo do Pelourinho; de um associado cuja figura lembrava a do próprio Mahatma Gandhy e que ocupava lugar destacado no cortejo; e da passagem do afoxé pela Praça Castro Alves, configurando o que se chama de “o tapete branco da paz”. Acrescenta ainda elementos de outras origens, como violões, baixo e trompete. Nem todas as faixas trazem o ritmo ijexá, como se costuma dizer acerca do afoxé. Fala Bah é uma composição de Walter Queiroz Júnior, líder do bloco de embalo Jacu, da Barra Avenida, bairro de classe média relativamente associado à aristocracia, nos anos 60 e 70. Por sua vez, a faixa Canção de Oxalá, de Dito, Jorge Zárath e Wesley Rangel, é um samba que lembra mais um samba duro ou um samba de roda. Outra novidade significativa é que a capa traz o peito de um jovem negro com os colares nas cores azul e branco, emblemáticas desse afoxé, portando seu braço direito um adereço de palha e conchas da costa, elemento ritual do Candomblé, também nas cores azul e branco. Esse padrão estético poderia ser visto como a participação dos Filhos de Gandhy na cultura estética da baianidade, que tem como um de seus elementos nucleares a exaltação da sensualidade do jovem e da jovem negros. No caso, o jovem modelo negro não enverga a túnica e o turbante tradicionais do afoxé.

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O disco Humildade, da Banda Laranja Mecânica, em 1987, integra a numerosa produção e divulgação de sucessos fonográficos que caracterizou a axé music nos seus primeiros quinze anos. Formada por músicos jovens, a banda faz um painel com peças oriundas de diversos tipos de bloco de Carnaval, sendo que alguns permaneciam na cena de rua e outros já a haviam deixado. Em Pot-pourri Afro Bahia, interpreta o samba-reggae Salvador não inerte, de Boboco, um dos maiores sucessos do Olodum, na voz de Betão, no início de sua inserção na radiofonia. A faixa Badauê curandeiro, de Tita, se remete ao Afoxé Badauê, cuja breve aparição na história do Carnaval soteropolitano permanece na memória de antigos componentes e hoje vem sendo revisitada por compositores e pesquisadores. A faixa Caia na Real, também de Tita, é uma homenagem ao Barrabas, bloco de embalo do bairro da Liberdade cujo apogeu em termos de volume de associados aconteceu nos anos 70 e 80.

Importa destacar, aos efeitos desta reflexão, a faixa Pot-pourri de Apaches, em que a banda homenageia o compositor Nelson Cara. São reunidos alguns hinos dos Apaches do Tororó, bloco de índio que não se apresentava mais no Carnaval: Pomba Branca, de Nelson Cara; A Tribo e Vinte anos de Apache, de Paulinho Camafeu; O Índio, de Sílvio Mendes e Clarindo Silva; e Bola de Neve, de Almir Ferreira.

Que trânsitos teriam acontecido para que uma turma tão jovem, que não moravam nos ambientes em que esses blocos se formaram e não se identificam propriamente com a militância em movimentos de afirmação étnica, gravasse sucessos de bandas de outras naturezas, algumas em pleno sucesso, outras já fora da rua no Carnaval? É significativo que é uma banda de axé music que realiza esse interfaciamento, com outro padrão de instrumentos musicais e arranjos.

Gostaria de começar a concluir, sem encerrar, esta breve contribuição sobre a importância dos discos em vinil para a pesquisa sobre a história da música e do Carnaval. Permita-me sugerir, prezado leitor, que nem tudo está no Youtube. Só está disponível nesta e noutras plataformas eletrônicas aquilo que aí foi lançado. E na maioria das vezes, quando uma peça é lançada, não se veicula a capa, a contracapa e o encarte. Assim, o pesquisador não tem acesso a informações preciosas sobre o seu objeto de curiosidade.

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Quanto ao CD, a quantidade de peças gravadas nessa mídia torna-se, com o passar do tempo, consideravelmente inferior àquela registrada em vinil. O CD costuma perder sua capacidade de reprodução sonora a partir de cerca de 20 anos, em virtude do desgaste de seu registro magnético.

Então, podemos dizer que, assim como permanece incompleto o nosso conhecimento das práticas musicais, coreográficas, cênicas e plásticas a partir somente dos registros escritos deixados, como vimos no início do presente texto, também resta incompleto o nosso conhecimento dessas práticas a partir apenas dos registros nas plataformas eletrônicas. Como nem tudo está contido aí, cabe a nós continuar garimpando os vinis e CDs que foram guardados pelos colecionadores ou antigos consumidores. E agradecer àqueles que um dia se cansaram de guardar esses discos e os deixaram à venda nos tabuleiros dos centros da cidade, de locais de circulação como as entradas de estações rodoviárias e metroviárias, as subidas das passarelas em vários pontos da cidade ou mesmo as feiras de alguns bairros populares.

E viva o vinil!...

Referências:

AMADO, Jorge. Jubiabá. 10 ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, s/d.

CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.

MARQUES, Xavier. O feiticeiro. 3 ed. São Paulo: Edições GRD; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1975.

TINHORÃO, José Ramos. As Festas no Brasil Colonial. São Paulo: Ed. 34, 2000.

Fontes escritas:

Relação das Faustíssimas Festas que celebrou a Câmera da Villa de N. Senhora da Purificação, e Santo Amaro da Comarca da Bahia pelos augustíssimos desposórios da sereníssima Senhora Dona Maria, Princeza do Brasil com o sereníssimo Senhor Dom Pedro, Infante de Portugal, dedicada ao Senhor Sebastião Borges de Barros, Cavaleiro Professo na

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Ordem de Cristo, Capitão Mor das Ordenanças da mesma Villa, Familiar do Santo Ofício, Deputado actual da Mesa de Inspeção e Acadêmico da Academia Brasília dos Renascidos, por Francisco Calmon, Fidalgo da Casa de S. Majestade e Acadêmico da mesma Academia. Lisboa, na Oficina de Miguel Menescal da Costa, Impressor do Santo Ofício, ano 1762, com todas as licenças necessárias. In: CALMON, Francisco. Relação das Faustíssimas Festas. Introdução e notas de Oneyda Alvarenga e transcrição de Ronaldo Menegaz. Rio de Janeiro: MEC-SEC, FUNARTE, Instituto Nacional do Folclore, 1982.

Relaçam da Embayxada que mandou o poderoso Rey do Angome Kiay Chiri Broncom, Senhor dos dilatadíssimos Sertoens de Guiné, enviou ao Illustrissimo e Excellentissimo Senhor D. Luiz Peregrino de Ataíde, Conde de Atouguia, Senhor das vilas de Atouguia, Peniche, Cernate, Monforte, Vilhaens, Lomba e Paço da Ilha Dezerta; Comendador das Comendas de Santa Maria de Adaufe; e Vila Velha de Rodam, na Ordem de Reyno do Algarve, e actualmente vice-rei do estado do Brasil, pedindo a amizade e aliança do muito Alto e muito Poderoso Senhor Rey de Portugal Nosso Senhor. In: LARA, Sílvia Hunold. Uma embaixada africana na América Portuguesa. In: JANCSÓ, Istvan, KANTOR, Iris (org.). Festa: cultura & sociabilidade na América Portuguesa, v. I, São Paulo: HUCITEC, EDUSP, FAPESP, Imprensa Oficial, 2001, p. 151-165.

Fontes fonográficas:

BANDA LARANJA MECÂNICA. Humildade. Direção artística: Wilton Souto Júnior. Produção artística: Banda Laranja Mecânica e Carlinhos Marques. Rio de Janeiro: Continental, 1987.

FILHOS DE GANDHY. Coração de Oxalá. Direção artística: Wesley Rangel. Salvador: Gravadora WR. 1996. 1 LP 33 1/3 rpm.

ILÊ AIYÊ. Canto Negro. Produção: Gilberto Gil e Liminha. Rio de Janeiro: Polygram. 1984. 1 LP 33 1/3 rpm.

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OLODUM. O Movimento. Produção fonográfica: Warner Music Brasil Ltda / Divisão Continental. Produção Musical: Euzébio Cadoso e Manoel Cruz (Ratinho). Produção: Mauro Almeida. São Paulo/ Rio de Janeiro: Gravadora Continental. 1993. 1 LP 33 1/3 rpm.

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