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CAPÍTULO 1 APRESENTAÇÃO DO ESTUDO. Problema e questões do estudo

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CAPÍTULO 1

APRESENTAÇÃO DO ESTUDO

Problema e questões do estudo

O interesse que a investigação educacional tem manifestado pela figura do professor tem evoluído ao longo do tempo. Se, até à década de 80 do século XX, as atenções dos investigadores estavam direccionadas para os alunos – por se acreditar que residia, essencialmente neles, a compreensão das questões relativas ao sucesso escolar, desempenhando o professor um papel secundário – depois disso, observou-se, tanto no plano internacional como no nacional, uma intensificação do interesse pelo profissional de ensino (Bromme, 1994; Bullough Jr., 2001; Farmer et al., 2003; Gore e Zeichner, 1995; Llinares e Sánchez, 1990; Ponte, 1998, 1999, 2001; Shulman, 1986). Este redireccionar do foco da investigação resulta do reconhecimento da importância do professor no funcionamento do sistema educativo. Esta posição é afirmada, por exemplo, por Ponte et al. (1998b), ao sublinharem que “existe hoje um grande acordo em torno da ideia que o professor é um elemento-chave fundamental do processo de ensino-aprendizagem” (p. 215). Esta crescente valorização do professor no processo educativo arrasta consigo uma reformulação do seu estatuto. A ideia de que ser professor não se reduz ao exercício de uma componente técnica, mas que envolve também a tomada de decisões em situações complexas – fundadas no seu conhecimento e desenvolvidas pelo raciocínio pedagógico – ganha cada vez mais força. O professor surge, cada vez mais, como profissional que desempenha um papel insubstituível na sociedade, alguém que conta (Alarcão, 1996b; Schön, 1983, 1987).

A aceitação da importância do papel do professor no campo educativo tem sido acompanhada de um incremento das preocupações com a sua formação (Ponte et al., 2000). A

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investigação educacional, nomeadamente a do âmbito da Didáctica, tem procurado compreender os problemas e desafios que se colocam neste campo, o que tem originado o levantamento de questões, como por exemplo: Como organizar a formação para que os professores fiquem melhor preparados para o desempenho da sua função? O que deve fazer parte dessa formação? Que contextos são mais favoráveis a essa formação? A abordagem destas e de outras questões está ligada à ideia que se tem de formação (Marcelo, 1999; Ponte, 1998; Ponte et al., 2000; Zeichner, 1993). Debruçando-se sobre esta problemática, Ponte (1998) afirma que a formação está habitualmente ligada à ideia da frequência de dispositivos estruturados, em que a lógica predominante é de fora para dentro, da teoria para a prática, através da transferência de conhecimentos e técnicas numa área considerada carente. Normalmente, distinguem-se dois tipos de formação: a inicial (a que confere habilitações para o exercício da profissão) e a contínua (aquela que decorre ao longo da vida). A necessidade da formação contínua assenta no pressuposto de que a primeira não é suficiente para o exercício profissional durante a totalidade da carreira, tal como é reconhecido no Relatório Delors, pois os professores “precisam de actualizar e aperfeiçoar os seus conhecimentos e técnicas, ao longo de toda a vida” (UNESCO, 2001, p. 139).

Muita da formação que tem sido proporcionada aos professores, nos últimos anos, após a obtenção das habilitações profissionais, nomeadamente em Portugal, tem sido marcada pela noção de curso, a que estão, frequentemente, associadas ideias como reciclar, reformar, corrigir ou suprir lacunas (Ponte, 1998). Os resultados desta formação contínua não têm sido brilhantes, emergindo nos professores um sentimento de insatisfação. Perante isto, questiona-se, de forma legítima, a existência de outras abordagens que permitam pensar melhor o aperfeiçoamento da competência profissional dos professores ao longo da carreira. Diversos autores apontam o desenvolvimento profissional como um conceito mais poderoso para conceptualizar a forma como os professores progridem ao longo da carreira, colocando em evidência dificuldades, necessidades, interesses e sucessos (Burden, 1990; Hargreaves, 1992; Liberman, 1994; Marcelo, 1999; Ponte, 1994a, 1994b; Serrazina, 1998, 1999a). Nesta linha de pensamento, Ponte et al. (1998b) argumentam que “pensar em termos de desenvolvimento profissional não é portanto equivalente a pensar em termos de formação. (...) [Este] conceito representa uma nova perspectiva de olhar os professores” (p. 223). Ao contrário do de formação, o conceito de desenvolvimento profissional liga-se com a ideia de evolução ao longo do tempo, de forma dinâmica, fruto de múltiplas experiências vividas pelo

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professor, numa variedade de contextos e situações, e em que aquele tem um papel activo (Boavida e Ponte, 2002; Fullan e Hargreaves, 1992; Krainer, 1996, 1999, 2001; Liberman, 1994; Marcelo, 1999; Ponte, 1998; Ponte et al., 1998b; Ponte e Boavida, 2004; Saraiva e Ponte, 2003). Neste estudo assume-se, pois, que “o professor deve ser visto como um ser humano com potencialidades e necessidades diversas, que importa descobrir, valorizar e ajudar a desenvolver” (Ponte et al., 1998b, p. 222).

A reflexão teórica sobre o desenvolvimento profissional dos professores coloca à investigação diversos desafios. Este estudo persegue dois deles. Por um lado, diversificar os contextos e dispositivos de desenvolvimento dos professores, já que tem havido uma incidência em estudos empíricos focados em contextos estruturados, em detrimento de outros mais flexíveis. Estes contextos “não têm, no entanto, que seguir uma lógica puramente individualista, ganhando com a participação do professor em processos colectivos” (Ponte et al., 1998b, p. 330). Por outro lado, é imperioso avançar na caracterização do processo de desenvolvimento profissional dos professores, tanto em termos da identificação dos seus elementos fundamentais como, também, da dinâmica que estes estabelecem entre si (Liberman, 1994).

O primeiro dos desafios, relativo aos contextos de desenvolvimento profissional, fez com que tenha optado por estudar o desenvolvimento profissional no âmbito de um projecto de investigação de natureza colaborativa, focado nos problemas emergentes das práticas profissionais dos professores. Os projectos de investigação colaborativa são, por natureza, pouco estruturados, mostrando-se sensíveis à força das circunstâncias que resultam da complexidade das situações sobre as quais se reflecte. No projecto de natureza colaborativa, construído no quadro do presente estudo, fizeram-se duas opções, uma relativa à temática e a outra relativa aos participantes. A escolha da comunicação matemática para tema do projecto decorre de duas ordens de razões: a primeira, de natureza estrutural, por se reconhecer que a comunicação desempenha um papel fundamental na forma como se pensa e concretiza a actividade matemática na aula (Ellerton e Clarkson, 1996; Sierpinska, 1998; Stubbs, 1983, 1987); a segunda, de natureza conjuntural, por se constatar que neste momento a comunicação é um tema pouco debatido pelos professores, tanto ao nível da formação inicial como da formação contínua. Os participantes do projecto são professores do 1.º ciclo do ensino básico. A escolha assenta no facto de ser este um grupo profissional menos focado pela investigação e, também, por haver da parte destes profissionais, em relação à

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Matemática, sentimentos bastante díspares e extremados, passando, nalguns casos, por má relação declarada com a disciplina (Ponte et al., 1998b).

O segundo desafio visado por este estudo refere-se à compreensão do processo de desenvolvimento profissional, tanto ao nível daquilo que o constitui como da sua dinâmica. Este trabalho acompanha a actividade do professor em quatro dimensões fundamentais do seu desenvolvimento profissional: reflexão, conhecimento didáctico (incluindo uma atenção especial às práticas comunicativas), colaboração e autonomia (Krainer, 1996, 1999, 2001; Ponte, 1999; Sanches, 1995).

O conhecimento é uma das dimensões em que se pode manifestar o desenvolvimento profissional do professor e, provavelmente, um dos assuntos mais estudados no âmbito desta temática (Azcaráte, 1998a, 1998b, 1999; Boero et al., 1996; Carter, 1990; Clandinin, 1986; Cochran-Smith e Lytle, 1999a; Elbaz, 1983, 1991; Escudero e Sánchez, 1999; Fiorentini, 2000; García e Llinares, 1999; Llinares, 1994, 1998, 2004; Ponte, 1992, 1995, 1996, 1999; Shulman, 1986, 1993). Num dos trabalhos que mais marcou o estudo do conhecimento do professor, Shulman (1986) propõe o conceito de conhecimento pedagógico de conteúdo, que neste trabalho é designado por conhecimento didáctico (Ponte, 1995), o qual se revela de extrema importância na actuação do professor nas aulas. Diversas interrogações podem ser colocadas sobre ele: Qual a natureza desse conhecimento? Quais as suas fontes? Qual a sua relação com as práticas de sala de aula? A ligação com as práticas é, precisamente, um aspecto importante neste estudo, tendo merecido também a atenção de vários autores (Azcaráte, 1998a, 1998b, 1999; Cochran-Smith e Lytle, 1999a). Diversas concepções da relação conhecimento/prática têm sido desenvolvidas. Cochran-Smith e Lytle (1999a) propõem três: conhecimento para a prática, segundo um modelo de racionalidade técnica; conhecimento na prática, que traz consigo uma nova epistemologia da prática (Schön, 1987), e, por último, conhecimento da prática, em que se assume uma relação mais dialéctica, que concilia teoria e prática e faz dos professores elementos activos neste processo, através da reflexão e da investigação (Adler, 1997; Elliott, 1990, 1994; Jaworski, 1997, 1998, 2001, 2003).

A reflexão é uma outra dimensão importante do desenvolvimento do professor, notando-se particularmente a sua necessidade quando estes profissionais são confrontados com situações problemáticas que escapam à rotina. O movimento do professor reflexivo, que tem vindo a ganhar adeptos no campo educativo – deve grande parte da sua visibilidade ao

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trabalho de Dewey (1933), complementado por Schön (1983, 1987, 1992, 1998) –, assenta no pressuposto que para fazer face à complexidade da vida das escolas, para promover uma melhoria das aprendizagens dos alunos e um sentido de maior satisfação pessoal, os docentes devem desenvolver a sua capacidade de raciocínio pedagógico. A reflexão surge, assim, como um acto de pensamento deliberado, que pode assumir formas e graus diversos. A investigação colaborativa surge, pois, para os professores, como uma possibilidade de reflexão bastante mais exigente do que a reflexão habitual do dia-a-dia (Donoahue, 1996; Oliveira e Serrazina, 2002; Ponte, 2002a).

A actividade profissional dos professores realiza-se no quadro de um sistema educativo, que integra pessoas que executam diversos papéis e que mantêm entre si relações de trabalho. Algumas destas relações assumem um carácter colaborativo, o que requer que os intervenientes desenvolvam atitudes e capacidades consonantes. A capacidade de colaboração é, assim, uma dimensão importante do desenvolvimento profissional dos professores, envolvendo interdependência, construção mútua e responsabilidades partilhadas (Christiansen e Devitt, 1997; Clift e Say, 1988; Friesen, 1997). A colaboração pode, assim, assumir-se como uma forma de os professores fazerem face às dificuldades do seu quotidiano profissional e, também, como um contexto favorável ao exercício da reflexão.

No seu agir profissional, o professor é chamado a tomar decisões que devem decorrer do seu livre arbítrio e apoiar-se no seu raciocínio e conhecimento didáctico (Litle, 1990; Sanches, 1995). O aprofundamento da capacidade de autonomia pedagógica é condição de desenvolvimento profissional do professor, porque coloca nas suas mãos a determinação do que fazer em cada momento, em situações de decisão, tanto isoladamente como em contextos de colaboração.

Este estudo desenrola-se, pois, neste quadro, tendo como objectivo compreender como se desenvolvem profissionalmente professores que ensinam Matemática aos primeiros anos de escolaridade e o que intervém nesse mesmo desenvolvimento, quando estes profissionais se integram num projecto de investigação de natureza colaborativa fundado na problematização das suas práticas. Firmado neste objectivo, o problema do estudo enuncia-se assim:

Como se desenvolve profissionalmente o professor do 1.º ciclo, nas dimensões reflexão, conhecimento e práticas, colaboração e autonomia, no contexto de um projecto de investigação de natureza colaborativa, focado na comunicação matemática?

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a) Que papel desempenha a reflexão no processo de desenvolvimento profissional? a1) Que formas de reflexão são utilizadas pelo professor e com que interesses? a2) Que recursos da reflexão são utilizados ao longo das diversas fases do trabalho? a3) Qual a atitude do professor face à reflexão?

b) Como se desenvolvem as práticas e o conhecimento didáctico da Matemática do professor, num campo específico como o da comunicação na sala de aula?

b1) Que padrões de interacção e que modelos comunicativos estão subjacentes à actividade matemática na aula?

b2) Que conhecimentos didácticos fundamentam a prática e como são gerados?

c) Qual o papel da colaboração no desenvolvimento profissional do professor? c1) Quais as formas de colaboração experimentadas pelo professor? c2) Qual a natureza desse trabalho colaborativo?

c3) Que relação estabelece o professor com os outros profissionais do grupo?

d) Como se desenvolve a autonomia profissional do professor: d1) No contexto escolar?

d2) No contexto do projecto?

e) Como se relacionam as dimensões reflexão, conhecimento e práticas, colaboração e autonomia no processo de desenvolvimento profissional do professor?

Importância do estudo

Este trabalho centra a atenção nos professores. A opção pelo estudo dos professores e, em particular, daqueles que ensinam Matemática aos primeiros anos de escolaridade assenta em diversas razões. Desde logo, porque se reconhece que os professores são figuras centrais na orgânica dos sistemas educativos, pelo que qualquer tentativa que tenha em mente a sua melhoria passa, necessariamente e indiscutivelmente, pela intervenção activa destes profissionais. Este reconhecimento da centralidade do professor na acção educativa tem vindo a reflectir-se num crescente interesse da investigação pela figura daqueles profissionais

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(Jaworski, 1998, 2001; Krainer, 1996, 1999, 2001; Ponte, 2000; Ponte et al., 1998b; Sá-Chaves, 1997; Santos, 2000, 2001). No entanto, no caso português, o interesse dos investigadores da área da Didáctica pelos professores que ensinam Matemática evidencia um apreciável desequilíbrio relativamente à distribuição por níveis e anos de ensino. Embora com tendência para crescer, a investigação da Didáctica da Matemática realizada no nosso país que aborda questões que dizem respeito aos professores e educadores dos primeiros anos de escolaridade tem, ainda, fraca expressão. Grande parte do esforço da investigação tem estado direccionado para os níveis de ensino mais avançados, nomeadamente o 3.º ciclo e o secundário, facto que parece derivar de serem estes os níveis de ensino para que formam as instituições de ensino superior portuguesas, no âmbito das quais têm surgido projectos de investigação em maior número. A necessidade de incrementar a investigação focada na figura do professor que ensina Matemática aos primeiros anos de escolaridade, justifica-se, pois, fundamentalmente, por três ordens de razões.

A primeira, é que a realidade de trabalho do professor do 1.º ciclo tem características distintivas e específicas das dos outros níveis de ensino, pelo que os resultados da investigação realizada em anos mais avançados têm dificuldade em a explicar. A organização das escolas do 1.º ciclo, com o regime de monodocência, concede-lhes características particulares relativamente aos outros níveis de ensino. A juntar a tudo isto, a interioridade de algumas regiões do nosso país e as questões relativas à demografia, conferem ainda mais especificidade a este nível de ensino. Assim, e por um lado, é vulgar existirem professores isolados em pequenas aldeias de regiões do interior de Portugal, afastadas dos grandes centros urbanos. Por outro lado, o abaixamento da natalidade e as deslocações massivas de população para as cidades, têm levado à redução do número de alunos, o que tem tido como consequência a necessidade de um só professor assegurar a regência, em simultâneo, de vários anos de escolaridade – podendo mesmo chegar a atingir a totalidade dos quatro anos do ciclo.

A segunda razão prende-se com a especificidade da formação inicial que os profissionais dos primeiros anos de escolaridade possuem. Até ao início da década de oitenta do século passado, o curso que habilitava para a docência no 1.º ciclo era realizado em instituições de ensino médio, as escolas do magistério primário, não conferindo qualquer grau académico. Com o advento das escolas superiores de educação e, mais recentemente, com a atribuição do grau de licenciado aos diplomados pelos novos cursos de 1.º ciclo, a formação

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destes professores equipara-se à de outros profissionais de níveis de ensino mais avançados. Para além do mais, a formação destes docentes tem um carácter generalista, sendo a Matemática uma de entre outras áreas disciplinares.

A terceira razão de se focar o estudo nos professores do 1.º ciclo decorre da importância destes profissionais no lançamento das bases do poder matemático dos alunos, tanto ao nível do conhecimento matemático como de atitudes e capacidades. A atitude dos alunos face à Matemática, fortemente enraizada em concepções relativas à disciplina e à sua aprendizagem, começa a ser construída desde os primeiros anos, exercendo, muitas vezes, uma influência decisiva no seu percurso escolar, chegando mesmo a condicionar escolhas vocacionais (Ponte et al., 1998b).

De entre o vasto campo de estudo relativo aos professores, este trabalho centra-se no seu desenvolvimento profissional, assumindo-se que este processo é claramente diferente da formação, conceito este que diz respeito a algo bem mais confinado temporalmente, seguindo lógicas tipicamente escolares. Os contextos de formação de professores, tanto inicial como contínua, de natureza estruturada, como, por exemplo, os cursos, têm atraído um considerável volume de investigação (Liberman, 1994; Ponte, 1994d, 1998; Ponte et al., 1998b), o que tem como consequência uma compreensão bastante razoável do que se passa nestes ambientes. Estudar outros contextos de formação, de maior duração e com uma outra lógica relativamente ao papel dos professores, representa, pois, um abrir de novos caminhos. Esta abertura pode resultar num avanço ao nível da compreensão dos processos de desenvolvimento profissional por que passam os professores quando estão envolvidos em outros contextos formativos. O entendimento mais profundo destes processos tem sido apontado como um objectivo da investigação desta área de trabalho, chegando mesmo Fullan (1994) a reclamar por uma teoria do desenvolvimento profissional de professores que permita superar a “superficialidade” de algumas abordagens ao tema.

A participação de professores em projectos de natureza colaborativa tem vindo a mostrar possibilidades de favorecer o seu desenvolvimento profissional (Kapuscinski, 1997; Krainer, 1996, 2001). Estes projectos são, por norma, bastante menos estruturados do que os cursos, exigindo dos professores grande empenhamento, durante um período de tempo razoavelmente longo. Apesar do trabalho, neste campo da colaboração profissional, estar em crescimento (Boavida e Ponte, 2002; Christiansen et al., 1997; Santos, 2000, 2001; Saraiva, 2002), a compreensão do desenvolvimento profissional nestes contextos é ainda limitada,

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especialmente quando envolve parcerias entre profissionais de diversos níveis de ensino. O estudo dos processos de desenvolvimento profissional que os professores do 1.º ciclo vivem em contextos colaborativos é, assim, de particular importância, tanto mais que estes profissionais têm, no seu dia-a-dia, pouca oportunidade de interagirem com outros colegas, dado o individualismo e mesmo isolamento que marca este nível de ensino.

O projecto que serve de contexto a este estudo sobre o desenvolvimento profissional, para além da sua natureza colaborativa, procurou levar os professores a investigarem as suas práticas, a partir da sua problematização. Estudar o desenvolvimento dos professores no contexto de um projecto de investigação da prática reveste-se de grande importância, por três razões fundamentais. Primeira, porque a investigação é um instrumento poderoso de compreensão e acção sobre a realidade (Ebbutt e Elliott, 1998; Elliott, 1990, 1994, 1997; Ponte, 2002a). Depois, porque é uma actividade com pouca expressão no trabalho dos professores e um domínio em que estes exibem concepções fortes relativamente ao seu papel no ensino (Elliott, 1990). Por último, porque apesar da crescente realização de estudos que procuram a compreensão do modo como os professores se envolvem em actividades de investigação a partir das suas práticas (Jaworski, 1997, 1998, 2001, 2003), parece ser, igualmente, importante aprofundar o papel dos contextos de projectos de natureza colaborativa nestes processos de investigação e desenvolvimento profissional.

A importância deste estudo decorre, pois, de se pretender estudar o desenvolvimento profissional dos professores do 1.º ciclo, num contexto duplamente desafiador. Por outro lado, fazer investigação sobre as suas próprias práticas não é uma realidade muito familiar aos professores. Investigar e ensinar são, em grande medida, concebidas pelos professores como actividades distintas e que envolvem também elas protagonistas diferentes. A investigação é percepcionada, por um número apreciável de professores, como uma actividade que está a montante do ensino e que é realizada por investigadores que estão longe da realidade das escolas. O ensino tende a ser visto como o terreno onde se aplicam teorias – um ponto de chegada e não um de partida (Adler, 1992, 1997; Cochran-Smith e Lytle, 1999a; Jaworski, 1997; Ponte, 1998, 2002a).

A escassez de investigação realizada por professores sobre as suas práticas liga-se, também, com a falta de hábitos de colaboração profissional. Sendo a reflexão e, especialmente, a investigação actividades particularmente exigentes, a lógica individualista que domina a cultura docente não favorece, antes pelo contrário, a sua promoção junto dos

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professores. Assim, estudar o desenvolvimento profissional de professores em contextos de investigação colaborativa, reveste-se de particular importância, uma vez que permite analisar o modo como estes relacionam conhecimento didáctico, reflexão e práticas e, igualmente, como desenvolvem as suas capacidades de autonomia – na tomada de decisões – e de colaboração profissional – na sua relação com outros profissionais do ensino.

A Matemática é uma das áreas disciplinares do 1.º ciclo. Juntamente com a Língua Portuguesa, assume um papel estruturante na formação dos alunos, facto a que é dado relevo no respectivo currículo. Apesar disso, a Matemática é, para muitos professores, uma área particularmente problemática e fonte de preocupações e dificuldades (Ponte, 1992). Esta situação parece estar ligada à formação matemática que tem sido proporcionada a estes profissionais (Ponte et al., 1998b), onde nem sempre se tem conseguido promover a construção de um conhecimento didáctico poderoso, em que a componente da Matemática esteja presente de forma equilibrada. No âmbito do conhecimento didáctico da Matemática, a comunicação ocupa um lugar importante, dado que esta é um elemento fundamental do processo de ensino-aprendizagem. A comunicação tem reflexos, sobretudo, no conhecimento relativo aos processos de aprendizagem (Sierpinska, 1998) e à instrução (Bauersfeld, 1988, 1994; Cobb, 1995, 2000; Cobb et al., 1997; Cobb e McClain, 2001; Wood, 1994, 1998a, 1998b, 2000). Para além do mais, a comunicação ganha uma importância especial no 1.º ciclo dada a própria organização curricular, pois pode favorecer a desejável articulação entre as diversas áreas disciplinares. Duas outras razões justificam a opção pelo estudo da acção comunicativa do professor do 1.º ciclo, na área da Matemática. A primeira é que, apesar de se assumir que a comunicação é um elemento fundamental no ensino da Matemática, esta não tem nas práticas de formação – tanto inicial como contínua – correspondente relevo (Almiro, 1998; Menezes, 1996). A segunda, prende-se com a necessidade de alargar o conhecimento nesta área da Didáctica da Matemática, face ao reduzido número de estudos (Ellerton e Clarkson, 1996).

Em resumo, a importância deste estudo decorre de: (a) os professores do 1.º ciclo constituírem um grupo profissional importante, com identidade própria, mas ainda pouco estudados; (b) os professores se desenvolverem profissionalmente ao longo da carreira e este ser ainda um processo largamente incompreendido; (c) os projectos colaborativos poderem ser um bom contexto para favorecer o desenvolvimento profissional dos professores, tendo, no entanto, merecido menor atenção da investigação, comparativamente com outros modelos

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e dispositivos de formação mais estruturados; (d) a investigação conduzida por professores sobre as suas práticas, em contextos colaborativos, apresentar um potencial formativo que é importante alargar, procurando-se perceber, nomeadamente, a sua ligação com a actividade de ensino; e (e) a comunicação ser uma vertente importante na actividade matemática da aula, que suscita, aos professores dos primeiros anos de escolaridade, problemas que é necessário aprofundar.

Organização do estudo

O relatório deste estudo desenrola-se ao longo de 12 capítulos. O primeiro – Apresentação do estudo – dá a conhecer o problema e as questões do estudo, apresenta as razões que estiveram na sua base e das quais decorre a importância deste trabalho. A parte I – Quadro teórico –, inclui os capítulos 2, 3, 4 e 5, respectivamente, Conhecimento e reflexão na actividade dos professores, Autonomia e colaboração de professores, Desenvolvimento profissional e formação e Comunicação matemática. A parte II – Estudo empírico – inclui os restantes 7 capítulos: Metodologia (cap. 6), Projecto de investigação colaborativa (cap. 7), Estudos de caso (caps. 8, 9 e 10), Discussão e interpretação de resultados (cap. 11), e, por último, Conclusões e recomendações (cap. 12).

O capítulo 2 – Conhecimento e reflexão na actividade dos professores – apresenta os conceitos fundamentais relativos ao conhecimento didáctico e à reflexão dos professores que ensinam Matemática, bem como resultados de estudos empíricos e de trabalhos de pendor mais teórico.

Colaboração e autonomia de professores ocupa o capítulo 3 e inclui a discussão de conceitos relativos à autonomia e à colaboração profissionais e, a partir da revisão feita, apresenta as formas que podem assumir na actividade dos professores.

O capítulo 4 – Desenvolvimento profissional e formação de professores – começa por uma secção relativa à profissão de professor, para, de seguida, discutir os conceitos de formação e desenvolvimento profissional. Depois de apresentar alguns modelos e processos de desenvolvimento profissional, centra a atenção na investigação conduzida por professores, em ambientes de natureza colaborativa, em torno das suas práticas.

O capítulo Comunicação matemática encerra a primeira parte do estudo. Inicia-se com a discussão de um conjunto de conceitos relativos à comunicação matemática, para depois

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analisar o papel que a comunicação desempenha em algumas teorias de aprendizagem e respectivas consequências para a Didáctica da Matemática. Na parte seguinte deste capítulo, são apresentados instrumentos para analisar a acção comunicativa na aula de Matemática, como os modos de comunicação e os padrões de interacção.

A parte II inicia-se com a Metodologia. Neste capítulo discute-se a orientação metodológica da investigação, de natureza qualitativa e interpretativa, e a opção por um design de estudo de caso. De acordo com estas opções, enunciam-se os procedimentos metodológicos, nomeadamente as técnicas de recolha e análise de dados. O capítulo 7 – Projecto de investigação colaborativa – detalha alguns procedimentos de ordem metodológica referentes à edificação do contexto do estudo, em três momentos: a preparação, o desenvolvimento e a reflexão sobre o trabalho realizado.

Os capítulos de 8 a 10 albergam os estudos de caso dos professores – Ana Miguel, Jorge e Matilde – estando cada um deles estruturado em cinco secções: retrato e percurso profissional; reflexão na actividade profissional do professor; comunicação: práticas e conhecimento; colaboração profissional; e autonomia profissional. Embora estes capítulos tenham um forte registo descritivo, deixando ver os significados que os professores atribuem às suas experiências de desenvolvimento profissional, incluem também um registo analítico de primeiro nível.

Nos dois últimos capítulos, avança-se nos processos de análise e interpretação. O capítulo 11 – Discussão e interpretação de resultados – promove a análise cruzada dos três estudos de caso, tendo em conta o problema e as questões do estudo. O capítulo final – Conclusões e recomendações – está organizado em três secções: re-apresentação do estudo; conclusões do estudo; e, pontes para o futuro. Na primeira, retomam-se o problema, as questões, os conceitos basilares e a metodologia do estudo; na segunda, apresentam-se as conclusões do estudo e, por último, na terceira, tecem-se recomendações, tanto para a investigação como para a formação de professores.

Antes da bibliografia e dos anexos, elaboro uma reflexão que representa uma tentativa de compreensão do meu próprio processo de desenvolvimento profissional decorrente deste trabalho. Para facilitar a leitura e sistematizar as ideias fundamentais do estudo, são realizadas, ao longo do relatório, sínteses das secções principais.

Referências

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