DENNYS ANDRADE
Pequeno Teatro da
Civilização Ocidental
1ª Edição - 2019
© BKCC Livros
Adquira a versão física em bkcc.com.br
PERSONAGEM ATO OFÍCIO
Dário I Criador mesopotâmio
Ciro I Criador mesopotâmio
Fedímia II Mulher persa
Pársis II Sacerdote persa
Bardiron II Pedreiro persa
Ártos e Améstris II Homens persas
Cléripe III Homem grego
Címon III Político grego Tesefião III Político grego
Marcos IV Fazendeiro romano Antonius IV Filho do faz. romano Ermesinda V Rainha asturiana Fruela V Príncipe asturiano Vimarano V Príncipe asturiano Guilhaume VI Camponês francês Jacques VI Camponês francês Jean VI Senhor feudal francês Miguel VII Escultor português Oliveira VII Burguês português Pierre VIII Deputado francês Olivier VIII Deputado francês Raul VIII Deputado francês Louis VIII Popular francês Henri VIII Popular francês Margaret IX Operária inglesa Dorothy IX Operária inglesa Wanda IX Operária inglesa Igor Milosov X Marinheiro russo
Peter X Juiz russo
Raskov X Militar russo Arthur XI Fiscal brasileiro
Guilherme XI Aux. de fiscal brasileiro Rafael XI Empresário brasileiro Pâmela XII Professora americana Bárbara XII Estudante americana Jordan XII Estudante americano Peterson XII Estudante americano
Erik XIII Homem holandês
Nicholas XIII Homem holandês
Introdução
Os personagens retratam importantes eventos da civilização
Ocidental como os primeiros escritos e as primeiras leis; dramatizam a origem de conceitos como ética e moral, certo e errado, a origem dos reinos, da democracia e do populismo; abordam de maneira lúdica e simples como o comércio gerou riqueza, incitou revoluções e moldou o nosso mundo.
Os treze atos e seus diálogos contém apenas uma cena simples.
Estão organizados em uma sequência de encenações
pormenorizadas que dramatizam a origem dos nossos costumes ou dos eventos que nos levaram a importantes processos históricos e suas consequências.
As épocas abordadas nos treze pequenos diálogos são:
I. PRÉ-HISTÓRIA – Das Pedras às Letras II. MESOPOTÂMIA – Das Letras às Leis
III. PERÍODO CLÁSSICO – Das Leis à Cultura IV. ANTIGUIDADE – Da Cultura à Barbárie V. FEUDALISMO – Da Barbárie às Nações
VI. IDADE MÉDIA – Das Nações ao Absolutismo VII. RENASCIMENTO – Do Absolutismo à Burguesia
VIII. REVOLUÇÕES – Da Burguesia aos Estados Nacionais IX. LIBERDADE – Dos Estados Nacionais à Prosperidade X. TOTALITARISMO – Da Prosperidade à Servidão
XI. GLOBALISMO – Da Servidão aos Metacapitalistas XII. DIGITAL – Dos Metacapitalistas à Internet
XIII. FUTURO – Da Internet e Além
A quantidade de personagens foi adequada de modo a sobrepor a elevada média de alunos por sala de aula no ensino médio brasileiro
1
. Dessa maneira, abre-se a possibilidade para que todos os alunos
de uma sala da aula ou escolares de salas distintas participem da encenação.
Cada ato possui um diálogo e grau de dificuldade específico – baixo, moderado ou alto –, de modo que é possível montar as cenas
acordo com a habilidade de atuação
2, de expressão ou as características pessoais de cada aluno. O número de falas, de palavras complicadas ou de frases longas, mais difíceis de serem memorizadas, é diferente para os personagens de uma mesma cena. Ao final do livro, há uma Tabela de Habilidades em que é possível consultar os graus de dificuldade e melhor distribuir os papéis.
Os atos são precedidos por um narrador que faz a leitura inicial. Ele descreve os personagens dentro da cena e fornece os elementos necessários para o entendimento e a contextualização da ação na construção da nossa identidade como civilização.
Seguindo o pensamento de que nada está no ambiente político de um país que não esteja primeiro na sua literatura
3e tendo em mente que educar é um processo vagaroso e trabalhoso, este livro vai no sentido oposto da educação assimilada pelas vias rápidas e impensadas. O(s) aluno(s) precisa(m) ler os diálogos, compreender o contexto, entender qual a cena e o papel que mais se adequa às suas características e habilidades para, então, montar a cena do ato e treinar e repetir o diálogo à exaustão até garantir que tudo saia na mais perfeita sincronia na hora da apresentação.
Estudar requer concentração. Se os alunos forem capazes de
percorrer esse caminho, serão capazes de refazê-lo para tudo o que for importante, seja na vida pessoal ou profissional, compreendendo o seu papel de responsáveis pelo futuro de sua comunidade.
São Paulo, agosto de 2019.
Prólogo (Narrado)
Para que inventamos os números e as letras? De onde surgiu a ideia de justiça e as primeiras leis? Quem definiu o conceito de ética e moral, certo e errado? E o conceito de democracia? De onde
vieram os reis? Como surgiu o comércio e como o comércio do excedente gerou a riqueza, incitou revoluções e moldou o nosso mundo? Moldou quem nós somos?
Este Pequeno Teatro da Civilização Ocidental propõe estimular o imaginário dos alunos por meio de dramatizações de alguns dos mais importantes eventos da humanidade. Tudo aquilo que um dia foi o presente e em cujo tempo presente está enraizado.
Nós somos o resultado de um processo evolucionário de
conhecimento, hábitos e cultura - e ao mesmo tempo – apenas um pequeno elo em uma sequência infindável de pessoas que trilhou o seu caminho até aqui. Apesar de sua extrema importância, as
idades de ouro das grandes civilizações são apenas "cumes que emergem do infinito oceano dos tempos primitivos"
4. Entre esses rochedos íngremes, há a vastidão da penúria ingênua e o grande hiato dos tempos.
A proposta desta peça é fazer do espectador uma testemunha da sua própria história, no sentido original do termo grego HISTOR:
aquele que vê, o sábio ou conhecedor, como fonte primária do próprio conhecimento. Uma vez testemunha dos processos originários, ele poderá correlacioná-los ao sentido da palavra
HISTORIE, termo grego cunhado por Heródoto para o caminho do conhecimento advindo da indagação
5e da pesquisa.
Somos a única espécie a pensar no imaterial e nas considerações
metafísicas da própria existência. Tal tenacidade permitiu à nossa
espécie não apenas sobreviver a quatro eras glaciais de quase
100.000 anos cada mas também garantir as bases da própria civilização ocidental. Temperança e resiliência são características exclusivas da motivação pela convicção – a mesma convicção coletiva cuja superioridade moral e de ideais conduziram os gregos às extraordinárias vitórias em Maratona e Salamina
6contra o
colossal império persa.
Tudo isto fez parte das escolhas de nossos antepassados, faz parte do que nós somos hoje e será parte do que decidiremos ser
amanhã. É essa travessia pela HISTÓRIA que nos permite buscar responder às célebres perguntas: “Quem somos?”, “De onde
viemos?” e “Para onde vamos?”.
ATO I
(Narrado)
Pré-História - Das Pedras às Letras
Há 2,5 milhões de anos, o Homo abilis aprendia que usar a pedra lascada é bom para cortar e caçar. Pouco mais de 1 milhão de anos atrás, com uma cabeça 50% maior, o Homo erectus controlava o fogo e deixava a África para encontrar o mundo. O Homo sapiens moderno surgiu há 200 mil anos e evoluiu rapidamente. Há 40 mil anos, já se comunicava como nós; há 35 mil anos, criava esculturas e pintava deusas femininas; há 8 mil anos, dominava a fundição dos metais mais fortes e resistentes para logo depois, há 4 mil anos, fixar-se definitivamente à terra. Deixou de viver em pequenos
grupos caçadores-coletores para criar animais, cultivar plantas e....
escrever! Eis o início de nossa história.
Descrição da cena:
Entra Dário, com uma tábua de argila contendo anotações, e se encontra com Ciro, que carrega um cesto de ração para dar aos leitões.
DÁRIO
Ei, Ciro, você me deve um leitão!
CIRO
Mas, Dário, eu já lhe dei dois leitões, como combinamos.
DÁRIO
O combinado é que metade da ninhada da porca marrom seria
minha.
CIRO
Sim, foi o combinado.
DÁRIO
Veja, está anotado aqui na tábua de argila (mostrando a tábua).
CIRO
Deixe-me ver (observando atentamente).
DÁRIO
Veja aqui, fizemos quatro marcas para a porca de Aurélio e fizemos outras seis marcas para a nossa porca.
CIRO
Sim, eu me lembro.
DÁRIO
Nossa porca teve seis leitões! Veja (passando as marcações com o dedo): uma, duas, três, quatro, cinco, seis marcas!
CIRO
Acho que me confundi contando as falanges
7, eu marquei a porca errada.
DÁRIO
Tudo bem! Fizemos bem em marcar a quantidade de leitões de cada animal.
CIRO
Foi uma excelente ideia essa de fazer marcas na argila!
DÁRIO
Só pensei num modo de controlar a criação e calcular a quantidade de ração a cada 4 danna
8(8 horas).
CIRO
Venha comigo Dário, vamos falar com Aurélio e buscar o seu leitão!
ATO II
(Narrado)
Mesopotâmia - Das Letras às Leis
Sem precisar deslocar-se para buscar alimentos, o homem deixou de ser nômade e fixou raízes no solo. Nas terras do “Crescente Fértil”, ele aperfeiçoou as técnicas de irrigação e ampliou a agricultura. A produção de excedentes favoreceu o crescimento populacional e o florescimento do comércio. A crescente
urbanização e os avanços tecnológicos levaram ao estabelecimento de sociedades cada vez mais complexas, organizadas em cidades- estado politeístas com suas leis, classes sociais e governantes divinos.
Descrição da cena:
Sacerdote Pársis caminha e encontra Fedímia a gritar. Ártos e Améstris caminham próximos e se aproximam.
FEDÍMIA
(entra desconsolada) Agamenon morreu! Agamenon está morto!
PÁRSIS
O que houve? Como foi que Agamenon morreu?
FEDÍMIA
A casa dele desmoronou, caiu sobre ele! Ele ainda gritou por
socorro, mas quando o retiraram de lá, ele... (em prantos) já estava morto.
PÁRSIS
Eu conheço Agamenon. A casa dele foi levantada pelo mushkenu
9Bardiron ou por seu ajudante wardu
10?
FEDÍMIA
Bardiron. Foi o próprio Bardiron.
PÁRSIS
Pois tragam a mim Bardiron, o que construiu a casa de Agamenon!
ÁRTOS/AMESTRIS
Sim, meu sacerdote! (ambos fazem referência e saem, retornando com Bardiron)
BARDIRON
Aqui estou meu sacerdote, mandou me chamar?
PÁRSIS
Sim, Bardiron. Diga-me: foi você quem construiu a nova casa de Agamenon?
BARDIRON
Sim, meu sacerdote. Apesar das nossas brigas, tornamo-nos grandes amigos, tal qual Enkidu e Gilgamesh
11. Mas por que a pergunta?
PÁRSIS
Agamenon está morto.
BARDIRON
Que tragédia!!! (mãos à cabeça) Como ele morreu?
FEDÍMIA
A casa que você fez caiu sobre ele!
BARDIRON
(desconsolado) Não! Não...
PÁRSIS
Bardiron, conheces teu castigo
12?
BARDIRON
Sim... (respira fundo, pausa longa) “Se a casa que o construtor levantou caiu e causou a morte de seu dono, o construtor será morto. Caso o filho do dono morra, o filho do construtor será morto”...
PÁRSIS
Apenas Agamenon morreu?
FEDÍMIA
Sim, meu sacerdote.
PÁRSIS
Pois levem Bardiron. Antes de dar a sentença, eu quero ver o corpo frio de Agamenon.
ÁRTOS/AMESTRIS
Sim, meu sacerdote. (Ártos e Améstris saem, carregando Bartiron)
ATO III
(Narrado)
Período Clássico - Das Leis à Cultura
Das civilizações suméria e egípcia, passando pela união das cidades-Estado gregas, pelo império persa e a difusão da cultura helenística
13até chegar ao grande apogeu de Roma, o homem evoluiu de sua religiosidade e formas geometrizadas para a busca filosófica e naturalista. Nesse salto espetacular ele desenvolveu conceitos como cidadania, democracia e metafísica, chegando até mesmo a flertar com a teoria atômica
14e o heliocentrismo
15. Ao tentar descrever o seu mundo por meio da reflexão, o homem elevou a ciência, as artes e a cultura a níveis não superados nos quinze séculos seguintes.
Descrição da cena:
Cléripe debate com senadores uma proposta de escolha para os cargos públicos que fosse ainda mais democrática e justa que a eleição pelo voto.
CLÉRIPE
Senadores e demais homens livres aqui reunidos, fica a pergunta:
como vamos resolver esse impasse?
CÍMON
Caro Cléripe, todos os senhores aqui presentes podem votar e ser votados. Não existe forma mais perfeita e mais democrática de escolha.
CLÉRIPE
Senador, não estamos dizendo que a escolha pelo voto seja ruim.
Apenas mostrando que ela não é justa o suficiente.
CÍMON
Como não é justa? O próprio Clístenes
16não seria mais ousado!
(indignado) TESEFIÃO
Um momento senador Címon, deixe-o falar.
CLÉRIPE
Todos os homens livres, ricos e pobres, podem votar e ser votados.
Porém, o poder político permanece sempre com as mesmas famílias.
CÍMON
A fortuna de algumas famílias não é motivo de desonra, é uma virtude que deve ser valorizada!
TESEFIÃO
Concordo, senador Címon, o poder e a riqueza de um homem não são motivo de desonra.
CÍMON
Obrigado, senador.
TESEFIÃO
Porém, a riqueza herdada ou adquirida tampouco é uma virtude, mas rende sempre muitos votos. Cléripe tem um ponto interessante.
CÍMON
Caro senador, está afirmando que eu não tenho virtude necessária para o cargo por ser de uma família aristocrática?
TESEFIÃO
De modo algum! Apenas recordei que a virtude que queremos é
somente aquela adquirida pela prática recorrente da ética, quando
se pratica o correto mesmo sem a obrigação de fazê-lo.
CLÉRIPE
Pelo mesmo motivo, não devemos votar em um bom pagador de impostos. Não existe virtude na ética passiva, quando se age involuntariamente ou por coerção.
CÍMON
E qual é a sua proposta, caro Cléripe? O que poderia ser melhor do que a escolha pelo voto??
CLÉRIPE
Caros senadores, eu proponho um método que trate a todos igualmente, sob as mesmas regras e sem distinção: um sorteio!
TESEFIÃO
É realmente uma proposta interessante, entretanto, como todos poderiam participar, não corremos o risco de escolher alguém sem a virtude necessária?
CLÉRIPE
Todos os homens livres podem participar do sorteio, mas, o
escolhido deverá ser virtuoso e cumprir com os critérios atuais
17. CÍMON
Não vai funcionar, podemos sortear alguém que more longe, no interior ou no litoral. Não podemos depender de alguém que ficará a maior parte do tempo ausente da assembléia...
TESEFIÃO
Todos os cidadãos têm o direito à palavra, à igualdade das leis e à participação política. Caso precise, podemos pensar em alguma forma de compensação financeira.
CLÉRIPE
Ninguém deverá ser penalizado em seu direto à plena democracia.
Perfeito, senador! Acho que conseguimos.
ATO IV
(Narrado)
Antiguidade - Da Cultura à Barbárie
A civilização romana atingiu o seu ápice. Atravessou da Monarquia para a República e desta para o Império. Pela conquista e
assimilação, lançou as bases da sociedade moderna, dominando do Atlântico à Arábia, da Bretanha à África. Tal magnitude e riquezas concederam poderes absolutos a governos cada vez mais populistas e totalitários. Uma sequência de políticas assistencialistas,
interferências econômicas, redistribuição de terras produtivas,
subsídios de alimentos, desvalorização monetária e, por fim, o
colapso financeiro, debilitaram de maneira irreversível o Império. A guerra civil e as invasões bárbaras encerraram o rito de transição e o início da era medieval.
Descrição da cena:
Marcos entra em cena com semblante raivoso e carregando uma tocha. Seu filho Antonius o para, tentando entender a situação.
ANTONIUS
O que vai fazer, meu pai? Onde vai com essa tocha?
MARCOS
Venha, vou lançar fogo aos galhos secos! Não fico esta terra nem mais um segundo!
ANTONIUS
Vai queimar a colheita? (mãos à cabeça, sem acreditar) MARCOS
Custa-me mais para colher do que o preço que e pagam por ela! E agora querem minhas terras? Que fiquem com as cinzas! (ateando fogo)
ANTONIUS
Do que viveremos, meu pai?
MARCOS
Vamos buscar do que comer nas filas de cereais! (apontando para longe) Se até o rico Cônsul Censorino vai fazer fila com os escravos e buscar o que lhe foi tirado à força, por que nós não podemos?
ANTONIUS
E por que não cobra as dívidas dos que te devem?
MARCOS
Eles não me devem mais… (cabisbaixo) O Imperador perdoou todas
as dívidas. Não temos mais uma única moeda a receber.
ANTONIUS
Então eu me alistarei na Legião! Sei que não tenho idade mas não me importo, já aceitaram outros. Trarei comida...
MARCOS
Ah... a Legião… (pensativo) O último reduto da moral e da virtude romanas. Pois que sobraram apenas escravos e mercenários, logo estaremos dependendo dos bárbaros! (risada irônica)
ANTONIUS
Soube que muitos godos já o fazem, meu pai. Lá nas províncias do leste...
MARCOS
Tragam os bárbaros para defender Roma... e será o seu fim!
(cerrando o punho) A República está desmoronando e os senadores
disputando para ver quem dá mais pão e circo... Vamos, filho, ajude-
me a juntar os galhos...
ATO V
(Narrado)
Feudalismo - Da Barbárie às Nações
O Império despedaçou-se. Pilhagens e ataques bárbaros criaram uma época de total desagregação social. Não havia mais segurança nas rotas comerciais e as comunicações cessaram por completo.
Era o início do feudalismo: as pessoas fugiram das cidades para o campo e encontraram abrigo ao redor das igrejas católicas
espalhadas pelo território. Voltaram ao escambo, à agricultura de subsistência e completaram o processo de ruralização e de
esvaziamento das cidades. As terras do antigo império viraram espólios de guerra, divididas entre os estrangeiros vitoriosos. O sistema feudal esfarelou o poder político de volta para as
comunidades autônomas, baseadas em relações de dependência servil e de fidelidade entre os camponeses vassalos e os senhores feudais encastelados. A Alta Idade Média presenciou o
assentamento desses povos e o surgimento das nações, bárbaras ou cristãs, pela espada e bravura dos seus reis.
Descrição da cena:
Ermesinda, esposa de Afonso I, terceiro rei das Astúrias, senta-se com seus filhos Fruela e Viamarano para contar-lhes mais uma vez sobre a origem visigoda da família e sobre como seu avô Pelayo expulsou os mouros da região e foi aclamado rei pelos asturianos.
FRUELA
Minha mãe! (abordando Ermesinda, que entra) Poderia contar mais uma vez a história da batalha de Covadonga? Por favor.
VIMARANO
Sim, minha mãe, por favor!
ERMESINDA
Vocês gostam da história de seu avô, não?
FRULEA
Sim, senhora, é fascinante! A minha preferida depois de Alarico
18. VIMARANO
Eu gosto muito das duas!
ERMESINDA
Claro, meus filhos, eu conto. Sentem-se. (todos sentam) FRUELA
Conte desde o início, desde Vitiza!
ERMESINDA
Tudo bem. Vitiza foi um rei visigodo que governou por apenas oito anos e morreu muito jovem.
VIMARANO
Vitiza morreu com apenas trinta anos, não é, mãe?
ERMESINDA
Isso. Quando o rei morreu, os nobres indicaram o nome do seu filho Áquila para o trono, mas Don Rodrigo, o Duque de Bética, não
aceitou.
FRUELA
Sim, porque os reis visigodos não eram hereditários, eles eram eleitos.
VIMARANO
Ainda bem que os príncipes asturianos não têm esse problema, né, Fruela?
FRUELA
Nunca teremos, irmão. Certeza absoluta
19.
ERMESINDA
Bom, continuando. Os oponentes de Don Rodrigo contrataram soldados bérberes
20para tentar recuperar o trono...
FRUELA
Traidores! (cortando a história) ERMESINDA
... na decisiva batalha de Guadalete
21. FRUELA
Desculpe.
ERMESINDA
Quando o exército visigodo ainda era três vezes maior, os irmãos de Vitiza, Don Oppas e Sisberto, traíram seus colegas e passaram para o lado muçulmano.
FRUELA
Covardes... Além de não conseguirem o trono, ainda tornaram os muçulmanos senhores de quase toda a Andalus
22!
VIMARANO
Mas aí vem o vovô!
ERMESINDA
(rindo) Sim, meu querido. O governador mouro enviou o próprio Don Oppas, irmão de Vitiza, para negociar a rendição. Como não
aceitaram, ele enviou uma expedição punitiva e eles fugiram para as montanhas
23.
FRUELA
Eu nunca faria acordo com esse traidor.
ERMESINDA
Seu avô Pelayo e um grupo pequeno de homens foram perseguidos
e atraíram os mouros até as montanhas, para a entrada da gruta de Covadonga onde pediram proteção a uma imagem da Virgem Maria.
VIMARANO
Dizem que a intervenção divina foi decisiva! Eram apenas 300 asturianos contra 1400 mouros!
ERMESINDA
A entrada da gruta de Covadonga era estreita e difícil, o que anulou a vantagem numérica dos mouros. Seu avô liderou pessoalmente o contra-ataque descendo para o vale enquanto outras frentes
atacavam com pedras e flechas de cima dos cumes e bloqueando a retirada.
VIMARIANO
E é verdade que só sobraram dez asturianos?
ERMESINDA
Sim, é verdade. Mas foi o suficiente para animar o povo que se rebelou e começou a expulsar os mouros das nossas terras.
FRUELA
E o vovô virou o primeiro rei das Astúrias! (levantando sua espada de madeira)
ERMESINDA
Isso mesmo. Os bravos asturianos, agora livres, proclamaram o seu avô Pelayo como o seu rei e assim teve início o Reino das Astúrias!
VIMARANO
Vovô é um herói! (palmas) FRUELA
Bravo! Bravo! (palmas)
ATO VI
(Narrado)
Idade Média - Das Nações ao Absolutismo
O status social da nova aristocracia estava baseado em valores
como lealdade, coragem e honra. Dona das armas e das terras onde
servos e os vassalos podiam cultivar e habitar em troca de tributos,
proteção militar e econômica, seu poder cresceu exponencialmente,
eliminando a intermediação do sacerdócio e culminando na fundação
das monarquias absolutistas. Essas dinastias familiares disputavam
e unificavam grandes territórios da Europa através das guerras ou de
laços consanguíneos ao mesmo tempo em que tornavam-se cada
vez mais dependentes do Terceiro Estado, os chamados “burgueses livres”.
Descrição da cena:
Guilhaume e Jacques lideram os camponeses que protestam diante do senhor feudal Jean, protegido pelos portões. O imposto extra é a gota d’água e partem para invadir e saquear o castelo.
GUILHAUME
Por Deus, passamos fome!
JEAN
Calma, calma! O Rei já ordenou novo empréstimo para compra de víveres e de grãos nos burgos vizinhos.
JACQUES
Minha filha tem fome! Os doentes estão morrendo!
JEAN
Daremos o que comer aos famintos e inválidos. Acalmem-se de uma vez!
GUILHAUME
O clima ruim estragou a colheita e matou nossos porcos. Não sobrou nada!
JACQUES
Que se distribua o estoque dos nobres! Pelo menos, deem de comer aos órfãos e viúvas! (empurrando o portão) Queremos comida!
JEAN
Escutem! Os estoques reais não duram muito. A talha
24tampouco foi suficiente para alimentar a nobreza ou os clérigos, quiçá o povo!
GUILHAUME
Por que Deus nos abandonou? Como permitiu que seu povo
passasse fome? Não é divino o Rei? Não é?!? (começam a empurrar o portão)
JEAN
Acalmem-se, estão fora de si!
JACQUES
Não queremos mais desculpas! Queremos comida! Onde está a comida???
JEAN
Esperem! O Rei já vem tentando resolver a situação!
GUILHAUME
Mas como? (param, atentos) JEAN
Os recursos logo estarão aqui e, com uma... taxa extra, logo pagaremos a obrigação...
JACQUES
Mais impostos?!? Basta!!! (enfurecidos) Não vamos tolerar mais abusos!
GUILHAUME
Chega de fome! (o povo derruba os portões e invade o castelo) JACQUES
Vamos tomar o que é nosso! (saem de cena perseguindo Jean)
ATO VII
(Narrado)
Renascimento - Do Absolutismo à Burguesia
O poder pela espada havia muito se deslocou da aristocracia. Esta não era afeita ao cultivo da inteligência – restrito aos clérigos –, tampouco ao cultivo da terra – coisa de servos ou arrendatários –, nem mesmo ao cultivo dos negócios – ocupação de judeus e
burgueses. O fim das invasões bárbaras, a produção de excedentes e o crescimento populacional proporcionaram o surgimento de um comércio incipiente. De pequenas feiras temporárias de dentro dos feudos, tornaram-se grandes e permanentes, transformando o
entroncamento das principais rotas em verdadeiros Burgos. Nessas novas cidadelas fortificadas, de pessoas livres do jugo da nobreza, surgiu uma pequena elite burguesa economicamente independente, capaz de emprestar dinheiro aos reis e aos senhores feudais em dificuldades. O poder começou a mudar de mãos e a romper com as estruturas medievais.
Descrição da cena:
Oliveira chega à oficina de Miguel, que trabalha sentado, esculpindo o anjo que Oliveira lhe encomendou para entregar de presente ao pai de sua futura esposa.
MIGUEL
Sr. Oliveira, que bons ventos te trazem à casa deste humilde amigo?
OLIVEIRA
Deixe de modéstia Miguel, bem sabes que teu ego não faz jus ao
teu talento.
MIGUEL
És mui gentil, Sr. Oliveira. Mas se viestes buscar a tua encomenda para o vosso casamento com a Marquesa Catarina, ainda não terminei.
OLIVEIRA
Pois que se aprume, Miguel. O tempo é curto!
MIGUEL
Se queres que a arte iguale em beleza a virtude que procuras, não me apresse.
OLIVEIRA
Decerto, Miguel! Quero que todos vejam neste anjo a expressão da minha virtude.
MIGUEL
A plena expressão do belo está na proporcionalidade, Sr. Oliveira.
Deus se apraz em todas as coisas e a arte é uma das formas (apontando para cima) d´Ele tocar a alma humana.
OLIVEIRA
Está bem, Miguel, não vou te atrapalhar. Sabes que não há beleza neste mundo que retribua o dote que receberei de minha amada noiva.
MIGUEL
Por que se importas tanto em ser marquês, Sr. Oliveira? Tens mais dinheiro do que toda a nobreza junta. Que grandeza mais quer provar?
OLIVEIRA
Caro Miguel, bem sabes que não tenho sangue judeu. Tampouco
meus antepassados se ocuparam em qualquer tipo de ofício
mecânico
25. Desculpe...
MIGUEL
Não me ofendes, não te preocupes.
OLIVEIRA
... e mesmo assim, me julgam como um inferior, não importa o quão rico eu seja.
MIGUEL
A mim, basta a liberdade que tenho aqui no burgo e saber que todos esses culottes
26dependem de ti para viver, meu amigo.
OLIVEIRA
Pois a mim não basta ter o poder de fato, quero o poder de direito.
E, para tal, eu preciso ser um “marquês”.
ATO VIII
(Narrado)
Revoluções - Da Burguesia aos Estados Nacionais
A consolidação dos reinos feudais como centros de poder
duradouros em torno da expansão e da unificação dos Ducados foi determinante na formação dos estados europeus. As guerras
exigiam taxas e impostos cada vez mais altos, o que aumentava a pressão da burguesia ascendente por participação e poder político.
Esse processo, de criação dos Estados Nacionais, ocorreu de
maneira gradual em direção ao parlamentarismo, ou abruptamente, com a ruptura radical com a monarquia. O fim da Idade Moderna foi marcado pela conquista da liberdade mas também por muito
sangue.
Descrição da cena:
Deputados franceses debatem sobre o confisco de propriedades e a abolição de taxas e impostos enquanto populares ovacionam os mais radicais e atacam os que insistem na prudência.
PIERRE
Segundo os direitos naturais, todos os homens são iguais. O camponês não é inferior ao senhor em cuja terra ele trabalha.
LOUIS
Quem não trabalha pelo próprio pão não merece a terra!
HENRI
A terra deve ser de todos!
OLIVIER
Sim, esses senhores já exploraram o povo por muito tempo! Vamos
confiscar propriedades deles e pôr fim à posse hereditária de todas as terras!
LOUIS Apoiado!
PIERRE
Sugiro ir além! Vamos abolir todos os impostos e taxas, e todos serão livres para decidir o quanto podem pagar.
LOUIS Fantástico!
HENRI
Um viva para Emannuel!
LOUIS e HENRI Viva! Viva!
RAUL
Calma, senhores. Tenham calma, não tomemos medidas
precipitadas. Temo que esse modelo de arrecadação não será suficiente para cobrir as despesas básicas.
HENRI
Não seja covarde, Raul! A revolução não é para covardes!
RAUL
Estou sendo razoável. Muitos não pagarão e o peso das contas cairá sobre poucos patriotas.
LOUIS
Traidor! Diga logo, é contra a revolução?
HENRI
Quer parar na guilhotina?
RAUL
Não, de modo algum!
OLIVIER
Milhões de franceses sofreram com impostos abusivos e agora fazem sua liberdade com as próprias mãos!
RAUL
Mãos sujas de sangue...
PIERRE
A liberdade exige uma renovação completa! Novas ideias, novas leis, novos costumes... É preciso destruir tudo para poder criar um novo mundo!
RAUL
A violência tolerada em nome do benefício público é sempre insaciável. Eu me nego a aprovar tal coisa! (Retira-se, sob vaia geral)
OLIVIER
Não lhe deem ouvidos! O terror é apenas a justiça imediata, é assim que a República derrotará os inimigos da liberdade!
LOUIS e HENRI
(Bradam exaltados) O-Li-Vier! O-Li-Vier! O-Li-Vier!
ATO IX
(Narrado)
Liberdade - Dos Estados Nacionais à Prosperidade
A ruptura radicalizada da Revolução Francesa encaminhou-se rapidamente para uma ditadura jacobina com suspensão das garantias civis, terror e assassinatos. O processo da Revolução Inglesa limitou o poder do monarca e garantiu os alicerces
institucionais do Estado: liberdade comercial e científica, impostos controlados, proteção da propriedade privada e segurança jurídica.
Enquanto a ruptura francesa idealizou a ideia dos direitos universais
e da liberdade dos indivíduos, foram os ingleses que puseram esse
conceito em prática. A burguesia chegou ao poder e, visando à liberdade comercial, iniciou um período sem precedentes de crescimento econômico e de elevação do padrão de vida das pessoas comuns. Os processos iniciados, de ruptura ou pressão, armados ou pacíficos, nos levaram a transformações sociais irreversíveis.
Descrição da cena:
Margaret chega para trabalhar na fábrica têxtil após ausência de dois dias e encontra-se com Dorothy e sua vizinha Wanda, uma viúva sem filhos.
WANDA
(surpresa) Olha só quem voltou!
MARGARET
Olá, Wanda. Achou que eu não viria?
WANDA
Seu marido deixou você voltar para a fábrica?
MARGARET
Richard não pode me obrigar a ficar em casa. Emma já trabalha, e eu não vou ficar lá sozinha. Você sabe bem como é.
DOROTHY
Pelo menos Emma não está nas minas! Aquele lugar é horrível!
MARGARET
Verdade, Dorothy. Com o salário do Richard mais o meu, ela não vai precisar trabalhar nas minas. Ele torceu o nariz, mas viu que era melhor para Emma.
WANDA
Estão dizendo que você está usando roupas de algodão? É
verdade?
DOROTHY
Deixa de ser fofoqueira, sua viúva ranzinza!
MARGARET
Tudo bem, Dorothy. Eu estou usando sim Wanda, olhem. (mostrando parte da roupa de baixo)
WANDA
Coisa de pobre... (desdenhando) DOROTHY
Para Wanda! Deixa-me ver... (observando) E é confortável?
MARGARET
É outra vida! (aliviada) E é muito mais barato, posso até lavar. Não preciso me preocupar se vai gastar, não vou deixar para a Emma.
DOROTHY
A minha roupa de lã (mostrando a resistência da roupa) veio de minha irmã, que herdou de nossa mãe. Ela mesma quem fez!
WANDA
Como uma mulher de verdade deve fazer!
DOROTHY
Não é muito confortável como a sua, mas, como não lavamos, está durando. É grossa e esfarela, tem alguns buracos mas dá para usar.
WANDA
Seu marido concorda que você use essas roupas baratas?
MARGARET
Com o dinheiro do meu trabalho, nós comemos e me sobra um
pouco para eu fazer o que quiser. Não é da conta dele, muito menos da sua!
WANDA
Pois eu acho de extremo mau gosto.
DOROTHY
Para você tudo é de extremo mau gosto.
WANDA
Mulher de família tem é que cuidar do lar para seu marido e da educação das crianças. Não tem que trabalhar!
DOROTHY
Daqui a pouco ela vai querer que voltemos ao campo como nossos avós, para puxar boi, dormir cheios de pragas e até passar fome de vez em quando.
MARGARET
Prefiro minha roupa de algodão barato! (Margaret e Dorothy riem) WANDA
(resmungando) Miséria... Deus me livre!
ATO X
(Narrado)
Totalitarismo - Da Prosperidade à Servidão
As políticas liberais implantadas na Idade Contemporânea
possibilitaram o avanço da tecnologia, o aumento da produtividade e do excedente de produção, multiplicando exponencialmente a
riqueza e o poder econômico da burguesia. Tal condição permitiu e sustentou uma complexa rede de alianças, tratados e acordos político-militares que resultaram no surgimento de vastos impérios continentais e suas colônias. Políticas expansionistas e uma
crescente corrida armamentista culminaram em duas guerras
mundiais e levou o século XX a testemunhar a pulverização de impérios e a extinção de dinastias seculares. Nações fragilizadas viram a ascensão dos piores regimes totalitários.
Descrição da cena:
Igor Milosov é julgado e condenado pelo Tribunal Militar por
participação na Revolta de Kronstadt
27, durante a guerra civil russa, em 1921.
PETER
Declaro aberta a sessão especial do Tribunal Militar.
RASKOV
Que entre o réu, Igor Milosov (que entra e se senta) PETER
O senhor é acusado de insubordinação às ordens do Comitê de Petrogrado, incitação à desordem pública, de organizar uma revolta contrarrevolucionária de objetivo monarquista
28com o apoio dos Brancos
29e conspiração estrangeira. O senhor tem algo a declarar em sua defesa?
IGOR
Eu chamo os 15 mil russos: marinheiros, soldados e camponeses que exigiram liberdade em frente à catedral de Santo Nicolas
30! Eu chamo Trotsky! E o que foi prometido em outubro de 1917: todo poder ao povo! Não ao partido, ao povo!
PETER
Eu declaro o réu culpado pelos crimes citados.
IGOR
Os bolcheviques traíram a revolução! (levantando-se) PETER
O réu será enviado para o campo de trabalho corretivo em Solovki
31.
IGOR
Nós queremos eleições livres para os conselhos sovietes! O fim da censura, das ameaças, do racionamento de comida...
RASKOV
(interrompendo Igor) Não cabe ao senhor questionar as ordens do Comitê Central.
IGOR
Ordens? De um comitê bolchevista não eleito pelo povo? Que
dissolve e substitui os sovietes que não comandam
32? Que querem nos impor a sua ditadura?
RASKOV
O senhor liderou uma revolta contrarrevolucionária para destruir o partido Bolchevique!
IGOR
O partido nunca quis a democracia, os bolcheviques querem o poder!
Querem controlar o povo e transformar todos em escravos!
RASKOV
Não foi o próprio Trotsky que disse que “a ditadura do proletariado justifica-se a si mesma, praticando e fazendo”?
PETER
Caso encerrado! Pode levar o condenado. (Raskov sai levando Igor).
ATO XI
(Narrado)
Globalismo - Da Servidão aos Metacapitalistas
A inexorável expansão econômica pós-guerras extrapolou as fronteiras internacionais em busca por novos mercados e tornou alguns burgueses agora não mais capitalistas mas metacapitalistas, tão formidavelmente ricos que não tinham mais interesse em se sujeitar aos riscos inerentes ao sistema capitalista. Passaram a
flertar com o Estado buscando proteção contra a livre competição e o
ônus da inovação constante. Refugiaram-se na forma de monopólios
e de oligopólios institucionalizados, dissolvidos na burocracia e na
repressão social assegurados pela proteção dos grandes e pesados
"castelos" modernos. O poder deslocou-se da produção da riqueza para o controle político-social.
Descrição da cena:
Arthur manda confiscar toda a produção de queijos e Guilherme carrega o material para a viatura enquanto Rafael protesta em vão.
RAFAEL
O senhor não pode levar meus queijos! Larga isso!
ARTHUR
Eles estão fora do padrão sanitário. Toda a produção será confiscada e incinerada. Pode levar, Guilherme.
GUILHERME Sim, senhor!
RAFAEL
Padrão sanitário? Meus queijos são famosos em toda a Canastra!
Minha família é queijeira há três gerações. Nosso queijo é premiado até na França! Como pode dizer que está fora do padrão?
ARTHUR
Recebemos uma denúncia de que as suas instalações são inadequadas (lendo). Pelo que constatei aqui, o banheiro dos funcionários não possui um vestiário adequado.
GUILHERME
Só tem dois banquinhos e um cabideiro... Como é que podem trabalhar assim? (balançando a cabeça, em desaprovação) ARTHUR
Vou ter que apreender toda a sua produção de queijos, sinto muito.
RAFAEL
Meu banheiro o quê?!? O que tem a ver o meu queijo com um
vestiário idiota? Larga esse queijo! (arrancando o queijo da mão de Guilherme)
ARTHUR
Eu apenas fiscalizo. Vejo aqui que o senhor também perdeu o prazo de adequação após ter recebido a notificação por escrito (conferindo novamente os papéis). Pode levar, Guilherme.
GUILHERME
Sim, senhor. (retirando o queijo das mãos de Rafael) RAFAEL
Já gastamos uma fortuna para regularizar a produção: azulejamos a sala de ordenha, cobrimos e cimentamos o curral, levantamos
edículas para processar, maturar, embalar e expedir o queijo...
ARTHUR
Não é suficiente...
RAFAEL
Não tenho mais espaço. Não tenho de onde tirar dinheiro. Estou todo endividado por causa desses regulamentos idiotas e você ainda quer levar os meus queijos? Eu vou falir! (desesperado)
ARTHUR
Eu apenas fiscalizo. É para o bem dos consumidores que o Estado garanta a qualidade do queijo produzido.
RAFAEL
Mas você mesmo experimentou e disse que meu queijo era
excelente! Não é verdade, Guilherme? E devolve esse queijo aqui!
(disputando o queijo com Guilherme) GUILHERME
(soltando o queijo) – É, disse mesmo chefe.
ARTHUR
Eu disse, mas isso foi antes da fiscalização. Pegue o queijo,
Guilherme. E guarda esse ai no porta-luvas. (Guilherme solta uma
risada, enquanto toma o queijo de Rafael e o leva para o veículo)
ATO XII
(Narrado)
Digital - Dos Metacapitalistas à Internet
Apesar do monopólio das palavras, do controle midiático e da onipresença na comunicação, os grandes "castelos" tremem.
Despistando a banalização do desejo, o patrulhamento ostensivo da linguagem e da relativização moral, rachaduras estalam nas
fortalezas metacapitalistas. Gritos histéricos desatinam do coletivo submisso ante a ousadia da ressurgente (con)tradição. A Internet surge como um novo “burgo livre”, desafiando o secularismo e o monopólio da opinião. O povo passa a se expressar sem
intermediários e a espiral do silêncio é quebrada, desafiando o poderio do estamento global.
Descrição da cena:
A professora Pâmela fala sobre aquecimento global e que sua aluna Bárbara tem um estudo interessante sobre como os ciclos solares afetam o clima. A professora lhe pede que compartilhe com a classe.
PÂMELA
Bárbara, poderia se levantar?Gostaria que você repetisse para a classe o estudo que você me mostrou sobre o aquecimento global que estamos estudando.
BÁRBARA
Não precisa professora (diz, envergonhada).
PÂMELA
Pois eu achei muito interessante e que seria importante compartilhar
com todos. (Virando-se para a classe) Bárbara me mostrou um
estudo relacionando a quantidade de manchas solares em cada ciclo solar e a média da temperatura na Terra. Correto?
BÁRBARA Sim professora.
PÂMELA
Bárbara, levante-se! (levanta) Você me mostrou no intervalo um estudo relacionando a quantidade de manchas solares em cada ciclo solar e a média da temperatura na Terra. Correto?
BÁRBARA
Sim (desviando o rosto, de vergonha).
PÂMELA
A conclusão da Bárbara é que a interferência antrópica
33na alteração do clima não se compara à importância da atividade do Sol.
JORDAN
Essa aí é doida, professora! (grita do fundo da classe) BÁRBARA
Cala a boca, Jordan!!!
PÂMELA
Quieto, Jordan! Bárbara, eu gostei da sua pesquisa, olhe para mim:
nunca será seguro dizer o que pensa mas é um preço melhor do que ser escravo da opinião alheia.
PETERSON
(levantando a mão) Professora, eu discordo! Primeiro que todo mundo sabe que o clima está esquentando por causa da poluição e que precisamos salvar o planeta. Depois, porque a Barbara é boba mesmo. Ela assiste a uns vídeos idiotas na Internet e só diz
asneiras.
PÂMELA
Bárbara, o que você me mostrou é importante para o tema da aula.
São dados reais e você nunca deve se calar quando diz a verdade.
Podem te chamar do que for, mas não podem te chamar de mentirosa.
JORDAN
(Murmurando) Mentirosa... (Peterson segura a risada).
BÁRBARA
Não sou mentirosa! (respira fundo) A verdade é que cada ciclo solar tem aproximadamente 11 anos e estamos no pico máximo de
manchas e de temperatura do ciclo solar atual...
PÂMELA
...o que explica parte do aumento da temperatura nos anos
recentes. Ao mesmo tempo... (apontando para Bárbara continuar) BÁRBARA
...ao mesmo tempo, a quantidade de manchas vem diminuindo faz três ciclos solares e se a tendência continuar podemos entrar em uma época de temperaturas mais baixas. É isso! (Jordan e Peterson boquiabertos).
PÂMELA
Mandou bem, garota (aplaudindo)!
JORDAN
Aí... (desdenhando) nada a ver isso ai...
PETERSON
Cala a boca, Jordan. Professora, explica melhor. Quer dizer que não importa o que o homem faça ou deixe de fazer, não dá para salvar o planeta?
PÂMELA
Significa que o homem pode e deve conservar o ambiente, cuidar do
seu microclima, mas que nós não podemos controlar o clima global.
PETERSON
Mas e aquele vídeo do Al Gore e todo aquele aquecimento que o gás carbônico faz, que acabamos de ver? E ela diz que a
temperatura ainda vai cair?
PÂMELA
Ela quer dizer que a quantidade de radiação do Sol que chega à Terra está diminuindo e que isso vai contribuir para baixar a temperatura global...
BÁRBARA
...e também que o Al Gore estava certo quando mostrou a relação histórica entre temperatura e gás carbônico.
JORDAN
É! Eu gostei do lance dele subindo na escadinha... (rindo) BÁRBARA
Ele só “esqueceu” (fazendo aspas com as mãos) de dizer ali que é a temperatura que sobe antes e só depois de 200 a 800 anos é que o gás carbônico aumenta na mesma proporção.
PÂMELA
Eu vou repassar o vídeo e quero que vocês reparem que ele não sobrepõe os dois gráficos. Depois, para casa, quero que estudem os termos “correlação” e “casualidade”.
PETERSON
Quer saber, Bárbara, gostei. Depois me passa o link desses seus vídeos malucos
34, eu quero dar olhada.
BÁRBARA
Legal, Peter. Valeu!
ATO XIII
(Narrado)
Futuro - Da Internet e Além
As pessoas desafiaram o poder do Estado. A “eterna vigilância” que garante a nossa liberdade foi sendo aperfeiçoada e chegamos à sua quase perfeição. A Internet flerta com uma desavergonhada
comunhão público-privada – suas maiores redes sociais utilizam filtros de conteúdo e censura visando ao “bem-estar” e à “proteção”
do público. A rede submete artistas, intelectuais e populares ao autopoliciamento, à autocensura, quase que ao “crime de
pensamento”
35, tentando eliminar todas as opiniões com “potencial conflitivo”. A tecnologia que libertou o indivíduo do poder do Estado é cada vez mais uma extensão do seu próprio corpo, entorpecendo seus sentidos e suborna-o de uma maneira muito mais owerlliana, uma espécie de nova espiral de silêncio e escravidão.
Descrição da cena:
Nicholas pede ajuda a Erik para encontrar o livro de um autor banido das redes sociais e ignorado pelas grandes lojas.
ERIK
Encontrei! Não tem na Amazon, mas tem neste site australiano.
Olha. (mostrando) NICHOLAS
O livro dele custa só 3 dólares? Com envio e tudo? Esse livro está esgotado faz anos! Virou raridade depois que o autor foi banido das redes sociais.
ERIK
Não, o e-book! Para que você vai querer um livro físico?
NICHOLAS
Eu tenho a sensação de que assimilo melhor quando leio a versão impressa. O fato de eu segurar, sentir o cheiro, lembrar das
marcações... tudo ajuda.
ERIK
Passado, cara! Para que levar um tijolo desses para cima e para baixo quando num e-reader
36você tem todos os livros do mundo!
Olha, na Amazon tem uma lista de leituras recomendadas sobre o assunto.
NICHOLAS
Eu não curto ler a versão digital, é impessoal, frio. E essa lista que passaram não tem nada a ver com as ideias dele, é o oposto, inclusive.
ERIK
Mas você vai ter a mesma informação do livro físico, de um modo bem mais fácil.
NICHOLAS
Para que que eu vou me esforçar em tentar interpretar uma sentença se no digital eu clico e aparece uma explicação mastigada?
ERIK
Ah, eu adoro! Quando me interesso por um personagem, eu já clico no nome, vejo quem é o ator, a sinopse do livro, entrevistas, tudo!
Não perco nada!
NICHOLAS
Continue lendo assim e tudo para você será superficial e
passageiro, logo não vai mais conseguir ler nada que for mais denso ou exigir maior concentração.
ERIK
Eu sou prático! Quero entender algo? Digito no Google e pronto.
Estou com fome? Falo “pizza” perto do celular e já vem uma promoção da pizza que eu mais gosto.
NICHOLAS
(imitando Erik) Paro de usar o meu cérebro e pronto!, virou uma ameba, cada vez mais preguiçosa.
ERIK
Eu quero é cada vez ter que decidir menos. Ter as coisas mais rápidas, na mão, sem planejar ou ter trabalho. Quero é tempo livre, mais liberdade!
NICHOLAS
Quando você deixa os outros decidirem por você, a liberdade vira escravidão
37e você nem percebe. Se você não decide nem sobre a própria vida, como vai saber tirar algo de bom de um livro?
Pano (Narrado)
No momento em que o homem cunhou um traço em um pedaço de argila e disse “Isto é um porco”, ele não apenas transformou uma coisa em uma ideia mas começou a criar simbologias e padrões, crenças e posturas que compartilhadas por muitos trouxeram harmonia, criaram culturas e uniram povos.
Por sua vez, o homem moderno é um refém do imediatismo. Ele despreza os aspectos formais, as regras de conduta ou a substância das formas – um pedaço de argila riscada é nada mais que isto.
Esse “individualismo” não demanda mais uma simbologia, padrão
ou imaginação.
Sem a necessidade de referências o relativismo reina e as palavras se separam das realidades conceituais. Onde o individualismo e a desarmonia predominam, quando uma quipá
38é apenas uma touca e a hóstia
39meramente um pedaço de pão, a imprecisão e o
exagero imperam – o pai não entende mais o filho.
Precisamos reabilitar nossa identidade cultural, ancorar novamente nossos vínculos comunitários e resgatar o sentido original das
palavras. Este é o objetivo deste Pequeno Teatro, o de “relacionar
os grandes eventos da história a um puro e nobre sonho metafísico,
que os estudantes hão de levar ao longo de suas vidas como uma
abóboda protetora sobre seu sistema de valores”
40.
Posfácio
(Para aprofundamento dos alunos)
O Ato XIII é uma crítica ao presente e também ao futuro próximo da civilização ocidental, em fase de uma quase secularização da
cultura e da busca frenética por algum ideal que dê sentido para a vida moderna. Época tal em que a pessoa pode negar sua
individualidade e qualquer contradição moral interna em nome de algum coletivismo com unidade de propósito impalpável, como
"justiça social" ou "igualdade universal".
O ganho de produtividade derivado do avanço tecnológico subsidia o aumento do tempo livre e da liberdade. A supressão das
dificuldades primárias básicas como a falta de alimentos, de medicação ou de abrigo, aliado à ausência voluntária de
responsabilidades naturais potencializam uma sociedade cada vez mais egoísta, hedonista e sensitiva.
O declínio do interesse pela administração pública e pela virtude como prática recorrente da ética tem efeito imediato em sua fonte primária: o núcleo familiar.
A alienação resultante da combinação entre riqueza, ausência da culpa individual (substituída pela responsabilização coletiva), do uso político do lumpemproletariado
41e o descompromisso com as
obrigações morais anula o interesse individual contra alguma modalidade mais totalitária de controle social ou de formato de governo. A vertiginosa ocidentalização da China comunista e seu Estado tecnocrata orwelliano é um exemplo concreto da referência
“liberdade é escravidão”.
Contudo, o Ato XIII é um capítulo aberto. Uma mera especulação sobre as trilhas possíveis e imagináveis para a civilização ocidental.
Embora a tendência Sensitiva
42domine a atual conjuntura cultural, sua evolução foi repleta de reveses históricos e a convergência para um sistema Sensitivo Tardio está longe de ser um consenso, pelo contrário, a convergência dos filósofos históricos parece acreditar em um estágio sequente mais espiritual (Julian Huxley), um novo desenvolvimento do cristianismo ou um tipo de síntese entre o Leste e o Oeste (Arnold Tonybee).
Deixo meu convite aos leitores-atores para substituírem o diálogo do Ato XIII por sua própria versão de futuro se assim o desejarem. Seja uma questão de décadas ou séculos, sobre um renascimento de valores éticos, morais, altruístas e religiosos, seja um período de caos, anarquia, niilismo e irracionalismo.
O importante é ater-se a um futuro de evidências plausíveis, embasadas pelo conjunto das experiências humanas. Antes de valorizar as infinitas possibilidades tecnológicas, proteger o livre arbítrio individual. Antes de pensar em soluções definitivas e
irreversíveis, garantir que nossas heranças ancestrais permitam às
gerações seguintes fazer as suas próprias escolhas, colherem seus
próprios erros e acertos.
Tabela de Habilidades
QF - Quantidade de falas
QP - Quantidade de Palavras43 FL - Frases longas44
PD - Palavras difíceis GD - Grau de dificuldade