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O Estado de São Paulo

Sexta-feira, 28 de abril de 2000

500 anos, erros e acertos da comemoração

Marcelo de Paiva Abreu*

Os observadores mais inocentes acreditam que as manifestações organizadas pela oposição, ou com o seu apoio mais ou menos ativo, terminaram por arruinar as comemorações de meio milênio da viagem de Cabral ao Brasil. Outros, certamente mais cínicos, mas provavelmente mais próximos da verdade, terão chegado à conclusão de que o comportamento primitivo dos que se opuseram ativamente à efeméride, desviaram críticas à mediocridade da celebração. Com base no que se viu, caso não tivesse havido qualquer manifestação de protesto quanto à oportunidade ou formato das festas comemorativas, o governo teria sido alvo de críticas pertinentes, não quanto à repressão a manifestações populares, mas quanto à natureza pífia das comemorações programadas.

É bem conhecido o argumento do asno de Buridã, igualmente sedento e faminto, que colocado entre um balde d’água e um cocho de aveia, morre sem ter capacidade de optar entre beber e comer. O governo parecia encaminhar-se para um desfecho deste tipo, com grande dificuldade em optar entre uma celebração convencional, vulnerável à temida acusação de elitismo, e a opção de uma festa verdadeiramente popular que celebrasse os feitos nacionais tal como percebidos pelas massas. Foi, mais uma vez, salvo das conseqüências de suas deficiências decisórias pela postura totalmente reativa, e truculenta, de seus críticos. O ideal teria sido uma comemoração que incluísse em doses adequadas um programa convencional e uma celebração popular, que acomodasse de forma digna e genuína as demandas de representação de minorias secularmente oprimidas: índios, negros, pobres.

O lado convencional poderia abranger, por exemplo, a rememoração de análises que valorizaram as efetivas conquistas quanto à formação de um Estado nacional e, ao mesmo tempo, sublinharam as limitações do legado português, inclusive quanto às discutíveis raízes de uma democracia racial tendo em vista a importância crucial da “pureza de sangue” como critério essencial para a ascensão social no império lusitano. Para não escolher ao acaso, e concentrar a atenção em uma unanimidade “pré-brasilianista”

injustamente esquecida, poder-se-ia pensar na republicação de pelo menos algumas das magníficas obras de Charles Boxer sobre o Brasil holandês, sobre a disputa pelo controle do Atlântico Sul no Brasil e em Angola, ou sobre o século de ouro em Minas Gerais. Ou, talvez, a reprodução de versões decentes de músicos nacionais desde o barroco mineiro, passando pelo Padre José Maurício e pela encenação das óperas de Carlos Gomes, sem esperar pelo interesse de companhias estrangeiras. Ou a reedição de virtualmente centenas de clássicos brasileiros esquecidos: poetas, romancistas, ensaístas, estadistas.

Ou, ainda, o resgate de filmografia ameaçada, inclusive documentários, e sua apresentação sistemática ao grande público, inclusive na forma de vídeos. Ou a

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reabilitação da Biblioteca Nacional, adaptada à revolução dos meios de reprodução e de comunicação.

A exposição Brasil Redescoberto, ponto culminante das comemorações até o momento, indica caminhos que poderiam ter sido trilhados pela comemoração oficial, enfatizando a diversidade cultural como elemento crucial de formação da “nacionalidade”. Por outro lado, se feita com suficiente antecedência, a efetiva mobilização política para celebrar a efeméride poderia ter viabilizado consulta eficaz à sociedade civil quanto às modalidades desejadas de celebração popular e teria retirado substância da fácil exploração política das deficiências das iniciativas do governo.

E a despeito da inépcia de lado a lado há o que comemorar. Especialmente se o cretinismo histórico for abandonado e a avaliação que se faça do Brasil pós-1500 seja ancorada na comparação com outras experiências nacionais. Mal ou bem nos mantivemos à margem de guerras religiosas, guerras civis, genocídios coloniais e holocausto, e, em grande medida, das grandes guerras generalizadas, para citar apenas alguns dos desatinos do último meio milênio. É certo que a herança lusa foi em certos aspectos madrasta: exorbitância da ação normativa do Estado, ordenha do Estado por interesses privilegiados, baixa valoração da educação, escassez aguda de virtudes cívicas, excesso de influência clerical, espíritos empresariais restritos à comercialização. É certo, também, que secularmente o crescimento econômico do Brasil dependeu da manipulação de instrumentos que garantiam a alguns, em detrimento da maioria, a extração de benefícios do Estado. E que a distribuição dos frutos do desenvolvimento quase sempre penalizou os mais pobres.

Depois de prolongado titubeio, a aceleração do crescimento começou a ganhar impulso com a expansão do café e, mais ainda, com a industrialização substitutiva de importações.

Não custa repetir que entre 1900 e primeiro choque do petróleo o desempenho brasileiro relativo ao crescimento só foi superado pelo Japão e pela Finlândia e continuou bastante razoável até 1980. Mesmo com as conhecidas iniqüidades do modelo de extração de benefícios do Estado, o crescimento havia sido suficientemente rápido para atenuar as críticas. Mas, desde 1980, a economia marcou passo, com a renda per capita estagnada. A partir do início dos anos noventa, a insatisfação com a estagnação levou ao início de um programa de reformas que foi acelerado depois de 1994. Ganhou consistência o diagnóstico de que o modelo, de fundas raízes lusas, baseado na apropriação das prebendas do Estado, se havia exaurido. E de que era necessário reconstrui-lo com alguma dose de liberalismo -- conspícuo pela sua ausência no retrospecto histórico brasileiro -- para retornar a uma trajetória de crescimento sustentado. Esta deveria ter sido a tônica das celebrações do governo. Reconhecendo as limitações do passado e indicando o seu compromisso na construção da base que sustenta as esperanças no futuro.

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*Marcelo de Paiva Abreu é professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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