Renovação Carismática Católica – Renovação da Família
Luciane Cristina de Oliveira - Doutoranda FCLAr/UNESP Sob orientação Profa. Dra. Lucila Scavone
A pesquisa original teve como meta compreender os motivos que levaram um movimento religioso, a Renovação Carismática Católica, retomar, com ênfase, a preocupação com o escatológico, ou seja, do fim último da humanidade. Porém nesta comunicação é proposto um novo olhar do objeto, será analisado como os/as carismáticos/as, em especial as mulheres, promovem as transformações das relações familiares, análise possível pelos dados da pesquisa de campo realizada durante o mestrado, em especial na observação participante dos rituais e nas entrevistas.
Gênese da Renovação Carismática Católica
O Concílio Vaticano II foi promovido com o objetivo da religião, neste caso, católica adaptar-se à modernidade (Berger, 2001, 11), deixando de vê-la como uma ameaça, para compreendê-la de uma forma legítima. Essa reinterpretação originou o declínio da importância da religião na vida da sociedade. Como reação a secularização disseminada no catolicismo, um grupo de docentes e discentes, de uma universidade americana, em 1967, promoveu um retiro, onde os integrantes buscavam um refúgio das descrenças e desesperanças no mundo sagrado do Espírito Santo. O novo Pentecostes1 gerou em suas vidas certeza de que milagres eram reais e tinham iminência em acontecerem e a obrigação de serem testemunhados.
Dessa forma nasceu o pentecostalismo católico, ou a Renovação Carismática Católica2, composta por um estrato social da classe média3, que testemunha nos rituais dos Grupos de Oração as transformações ocorridas após o encontro com o Espírito Santo. Os/as
1 No dia de Pentescostes, 50 dias após a ressurreição de Jesus Cristo, os apóstolos estavam reunidos, quando línguas de fogo pousaram sob suas cabeças, representando o sopro do Espírito Santo. (At 2, 1-4)
2 Inicialmente, o movimento era conhecido como pentecostalismo católico. No Brasil, pela crença que essa expressão poderia dar azo a interpretações errôneas, pois pentecostal era a designação pejorativa referente aos evangélicos, adotou-se a expressão Renovação Carismática Católica, em que o nome Renovação provém do termo renascidos no Espírito Santo, fazendo uma clara referência aos Pentecostes. (Carranza, 2000, 35)
3 Nas classes baixas também é encontrado esse movimento religioso, em proporções menos significativas, no entanto, o crescimento nos meios populares tem uma tendência cada vez maior (Benedetti, 2001, 55).
carismáticos/as são fieis que têm um nível escolar, em sua maioria, de médio a alto, no entanto, eles/as não se vêem recompensados no mundo pelos esforços despendidos, estão muitas vezes submersos no mundo de desemprego, amedrontados pela violência ou pela falta do sentimento de solidariedade. O grande refúgio dessa população são os Grupos de Oração, pois é onde os milagres acontecem, os/as fieis aliviam a tensão cotidiana, suavizam os sofrimentos, se reconhecem como família e testemunham as mudanças enfatizando o antes e o depois de serem carismáticos ou, nas palavras do movimento, eles são reconvertidos4 ao catolicismo.
Grupo de Oração, o Ritual
Os/as carismáticos/as revivem o Pentecostes através do ritual dos Grupos de Oração. O ritual é um instrumento decisivo desse processo de „rememoramento‟(Berger, 1985,53). A magia é revivida através da entonação de louvores ao Espírito Santo – ápice do movimento, assim o milagre nasce num universo encantado, com uma liturgia menos racional, tendo a emoção fluindo e o sobrenatural mais em destaque (Campos, 1995, 100). A mensagem religiosa sacraliza um cotidiano banal. Transforma em interpretação divina as experiências miúdas de dor e de alegria (Benedetti, 1998,194). Esses Grupos de Oração, nas palavras de uma líder carismática: são as meninas dos olhos da Renovação.
Os Grupos de Oração, apesar de terem como orientador maior um membro da hierarquia eclesiástica5, são liderados por leigos/as, são diversos líderes, um em cada comunidade.
Eles/as são pessoas com qualidades especiais ou, tomando emprestada a definição de Weber de líderes carismáticos, eles/as devem ganhar e manter a autoridade exclusivamente provando a força de vida deles/as, são portadores de dons específicos do corpo e do espírito, sendo estes considerados sobrenaturais e não acessíveis a todos (Weber, 1992, 287).
4 Na linguagem carismática mesmo a maioria de seus fiéis tendo nascido no catolicismo, somente agora eles praticam efetivamente os dogmas dessa religião, portanto são os „reconvertidos‟(Prandi, 1997; Carranza, 2001)
5 Um dos mais importantes líderes carismáticos brasileiros é Pe. Jonas Abib, que coordena a Comunidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista, um nome de expressão para o movimento carismático. (Prandi, 1997, 112)
Objeto da Pesquisa
Os dados de nossa pesquisa de campo do mestrado foram coletados no Grupo de Oração Hesed, da cidade de São Carlos, que se localiza a 240 km da capital paulista. As particularidades que levaram a eleição deste grupo foram: primeiro a líder do movimento ter sido socializada dentro do movimento carismático pelo Pe. Jonas Abib, ainda quando morava em Lorena, cidade vizinha a Cachoeira Paulista, aonde se localiza a Comunidade Canção Nova fundada pelo Padre; o grupo Hesed é o responsável pela disseminação do discurso da Renovação, além do formador de novos líderes carismáticos.
O trabalho de investigação do grupo foi promovido através do acesso a livros do movimento, além da leitura de teóricos que guiaram a análise dos resultados finais; a observação participativa dos Grupos de Oração, Seminários de Vida, Cenáculos, Retiros, e as entrevistas realizadas com fiéis de diversos níveis de envolvimento com o Grupo, foram fundamentais para compreender como os fiéis apreendiam o discurso carismático, em especial as rígidas normas morais, verificar a opinião dos fiéis sobre o tema proposto. A metodologia da história de vida foi utilizada para a pesquisa apenas com a líder do Grupo, tendo como o objetivo compreender melhor a origem do grupo Hesed. Além dos fiéis foram também entrevistados 6 padres, e o bispo diocese de São Carlos, Dom Joviano.
Volta a esperança, em troca volta as normas
Apesar da nova fonte de vida estimulada pelo retorno das esperanças necessárias para o cotidiano, é rígida a cobrança da atitude dos/as seguidores/as da Renovação Carismática.
Eles/as devem levar de modo radical seus conceitos de vida moral, em especial quanto às questões relativas à sexualidade, que deve ser praticada apenas com o objetivo de procriação Para eles, o coração deve estar livre de tentações e do pecado.
Assim a sexualidade no universo carismático é voltada para moralizar e disciplinar os impulsos sexuais, quando não se torna numa demonização da afetividade e da orientação sexual como último recurso para frear aquilo que, na
concepção da sexualidade, a RCC (Renovação Carismática Católica) condena como pecado(Carranza, 2000, 152).
A mulher carismática é o agente de socialização do movimento, ou seja, ela estabelece o perfeito encaixe entre o papel feminino à área doméstica e à atividade religiosa, cuidando da alma da família, limpando o pensamento pecaminoso e imprimindo o caminho da retidão às suas vidas. A maior parte das/os líderes carismáticos são mulheres. As carismáticas realizam um trabalho persistente para levarem seus maridos aos Grupos de Oração, assumindo a função proselista de os converterem ou reconverterem à Igreja; com isso, muitas vezes, elas tornam-se tolerantes e passivas em relação aos conflitos familiares, buscando as forças necessárias para o trabalho das emoções na Renovação Carismática, estabelecendo em seus lares a aceitação, por parte, em especial, de seus maridos, da função de mediadoras entre a família e as práticas religiosas.
Maria – ícone da Renovação
Maria tem um papel de grande importância no movimento, ela é o diferencial entre os católicos e os protestantes. O culto a Maria é uma exaltação da a figura de uma mulher que foi o veículo de Deus para trazer a boa nova ao mundo e livrá-lo, dessa forma, da marca do pecado original deixado por Adão e Eva. No catolicismo carismático, a imagem de Maria vai além da de virgem submissa, ela é tida como a mulher que disse não ao pecado ou como a única ponte inquestionável entre Deus e os homens, entre o espírito e a carne, por isso, a persistência no discurso do cuidado com o corpo. (Rodhen, 1996)
Maria é relembrada e louvada como a intercessora na Renovação Carismática, conforme o discurso que é sempre proclamado pela líder:
Tudo nós devemos pedir primeiro a Nossa Senhora, pois um pedido da mãe o Filho não nega, como já foi-nos provado na festa de casamento que Maria pediu a Jesus que socorresse a família dos noivos, pois o vinho estava no fim. Assim também devemos fazer.
Pedir à nossa Mãe que nos ajude a enfrentar as aflições do dia-a-dia. (Oliveira, 2003, 34) Dessa forma, a mulher é proclamada como a pessoa que deve cuidar da família e estar atenta às necessidades e transformações, além de trabalhar para que os ventos da modernidade não afetem a mente de seus/suas filhos/as levando-os ao pecado.
Conclusão – Renovação da Família
Toda essa transformação esperada pelo fiéis do movimento necessita de tempo para que a regularidade e previsibilidade na reiteração do discurso tenham resultado. Nas conversas, as mulheres atribuem „nítidas‟ mudanças decorrentes da participação religiosa quanto à harmonia familiar, pois é a solidez da fé que estabelece o „milagre‟ da aceitação dos maridos e filhos/as das novas e rígidas normas religiosas adotadas pela esposa. Na Renovação Carismática Católica o conceito de antes e depois, ou seja, quando ele/elas eram impuras/os e depois quando buscaram a renovação de suas almas, é um marco em suas vidas e, conseqüentemente, na renovação das relações familiares, que é comum ser testemunhada com muita emoção e devoção.
Nesse clima, os/as fiéis estabelecem a idéia de jogo de poder de transformar a família. Ao se falar de jogo, pressupõe-se que suas regras são de domínio dos jogadores, mas, na verdade, o que se realiza é a sacralização do conceito de família burguesa, tradicional e nuclear, onde as mudanças, se acontecem, são de forma lenta, em um movimento espiral, tendo a mulher como um agente transformador persistente, avançando e recuando de tal forma a não causar impacto na estrutura familiar.
Bibliografia
BENEDETTI, Luiz Roberto. Templo,Praça,Coração – A articulação do campo religioso católico. São Paulo, 1988. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação de Sociologia. USP
_________, “Pentecostalismo, Comunidades Eclesiais de Base e Renovação Carismática.”
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BERGER, Peter. O Dossel Sagrado. 1985, 3ª ed. São Paulo: Paulus.
________, Rumor de Anjos. 1997, 2ª ed. revista. Petrópolis: Vozes
CAMPOS, Luís de Castro Jr. Pentecostalismo – sentidos da palavra divina. 1995. São Paulo: Ed. Ática.
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OLIVEIRA, Luciane Cristina de Oliveira. Visões do Inferno – A temática escatológica na Igreja Católica Contemporânea no Brasil. São Carlos, 2003. 91f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal de Carlos.
PRANDI, Reginaldo. Um Sopro do Espírito: a renovacão conservadora do catolicismo carismático. 1997. São Paulo: EDUSP.
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Revista de Estudos Feministas, vol 4, nº1/96
WEBER, Max. “A Sociologia da Autoridade Carismática”. In: GERTH e MILL. Max Weber. Ensaios de Sociologia. 1982, 5ª ed. Rio de Janeiro: LTC.
