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Reflexos da acumulação entravada na região amazônica

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Reflexos da acumulação entravada na região

amazônica

Monografia – 1º Semestre / 2009

Beatriz Mickle Griesi – Nº USP: 5915062

Prof. Csaba Deák

(2)

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo analisar em que medida o processo de acumulação entravada, enquanto base material da reprodução ampliada da

sociedade de elite brasileira, se reflete sobre a configuração da região amazônica.

Tal análise será realizada no que diz respeito à diferenciação da Amazônia dentro do espaço nacional e às incompatibilidades entre as atividades econômicas lá desenvolvidas e as especificidades da região – incompatibilidades que também vão contra a tendência crescente de preocupação com questões no âmbito da preservação ambiental.

Tendo em vista a interpretação de tal situação, a compreensão de conceitos que exprimem a especificidade da reprodução da sociedade de elite brasileira – entendida como distinta da burguesa – mostra-se fundamental. Como explica Deák

1

, à época da Independência, a sociedade colonial (de origem vinculada à metrópole) cria condições internas para sua reprodução, cuja base institucional é o Estado – criado exatamente para a manutenção do status quo ante –, enquanto sua base material é a acumulação entravada. Com uma Constituição (1824) de forma liberal e conteúdo elitista e a transferência da dívida externa que Portugal contraíra com a Inglaterra para o recém-formado Estado brasileiro (o que

assegurava a remessa de uma parcela do excedente produzido para fora do país), garantia-se a manutenção da ordem econômica e social e, principalmente, da dominação da antiga elite colonial.

Assim, em termos econômicos, é estabelecida desde então a acumulação entravada, a qual a preconiza a expatriação de excedente em detrimento de sua acumulação no mercado interno. De maneira similar à exploração colonial, “no processo de acumulação entravada uma parte substancial do excedente é

continuamente retirada e enviada além das fronteiras, ao invés de ser incorporada à reprodução ampliada. No entanto, ainda assim, há uma certa acumulação

(correspondente à parte não expatriada do excedente), sendo essa última uma condição [...] imposta pelo próprio princípio de maximização do excedente expatriado”

2

.

Dessa forma, surgem antagonismos entre a expatriação do excedente e a tendência para ampliação da reprodução local, de modo parecido com os antagonismos da época colonial – porém com o importante fator diferencial de que os defensores da expatriação não mais constituem forças externas, e sim a própria elite brasileira.

1 DEÁK, Csaba. Acumulação entravada e a crise dos anos 80. In: DEÁK, Csaba & SCHIFFER,

Sueli. O processo de urbanização do Brasil. São Paulo, Edusp/Fupam, 1999.

2

Idem, ibidem. p. 5

(3)

Na dialética da acumulação entravada – a qual se diferencia da acumulação capitalista de uma sociedade burguesa por não sustentar a primazia e a

generalização da forma-mercadoria – sucessivas crises são impostas como meio de reasserção da primazia da expatriação de excedente sobre a acumulação.

Toda essa lógica se fundamenta no princípio de que uma “acumulação desimpedida no mercado interno tanto requeriria quanto induziria o pleno desenvolvimento das forças produtivas e em particular o fortalecimento da burguesia, que em última instância acabaria por desafiar a dominação da elite enquanto classe”

3

, situação que é então impedida a todo custo.

Compreendida assim a forma através da qual a sociedade de elite brasileira vem se reproduzindo desde a época colonial e frisado o papel do Estado como

instituição fundada na Independência para assegurar a manutenção de seu status quo, podemos avançar para a análise da situação da região amazônica em meio ao processo de produção

4

do espaço nacional.

Produção do território amazônico e acumulação entravada Enquanto detentor do controle sobre os elementos de organização do espaço – tais como fronteiras, estratégias militares, cidades, redes de transporte e

comunicação entre localidades, dentre outros – o Estado constitui elemento fundamental no processo de produção do espaço nacional. Cabe a ele a função de controlar o que deve ser distribuído ou integrado e, lembrando seu papel na garantia de manutenção do status quo, fica claro que o espaço resultante de tal produção será reflexo dos interesses das classes dominantes. Nas palavras de Martinoli, “o espaço produzido reflete as relações de poder e os interesses desta sociedade, o modo de produção capitalista vigente e também o modo de

reprodução desta sociedade”

5

.

Nesse sentido, o processo de produção do território amazônico, assim como a produção do espaço nacional como um todo, encontra-se inserido na lógica da acumulação entravada do Estado. Isso se verifica historicamente, através de uma

3 Idem, ibidem. p.6

4 Em sua pesquisa, Simone Martinoli identifica dois momentos no processo de incorporação e

integração do território brasileiro, a saber: a constituição do território nacional (da Independência até a primeira década do século XX, quando são definidas as últimas fronteiras) e a produção do espaço brasileiro propriamente dito (da Revolução de 30 até meados da década de 70). O primeiro deles, que se caracteriza pelas conquistas territoriais e definição de fronteiras, não chega a

enriquecer de modo substancial a análise a que o presente trabalho se propõe, bastando por ora dizer que a antiga elite colonial, agora imperial, permaneceu detentora do controle sobre o

movimento de ampliação do território e sobre as formas de apropriação da terra. A Amazônia teve suas fronteiras estabelecidas em tal contexto e seu papel nos anos do Império esteve relacionado à construção da ideologia de uma integridade do território nacional em consonância com o mito da

“Ilha Brasil” criado na época.

5 MARTINOLI, Simone. Espaço nacional e Amazônia: a concepção do Estado brasileiro. In: O

Estado brasileiro e o processo de produção do espaço no Acre. Tese de doutorado. Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004. p.39

(4)

análise dos movimentos oscilatórios de avanços e retrocessos que marcaram a política econômica brasileira e se refletiram no processo de produção do espaço nacional dos anos 1930 até meados da década de 1970. O discurso mantido pelo governo federal nesse período sempre foi no sentido da ocupação, organização e integração do território nacional tendo em vista a homogeneização do espaço nacional e a formação de um mercado interno unificado no país, objetivos a serem atingidos através da implantação de infra-estrutura de comunicação e de

transportes. Porém, como se deram de fato as práticas econômicas das diversas fases de governos federais frente a esse posicionamento comum para a produção do território do Brasil? E ainda: estando a Amazônia inserida nos planejamentos de produção e integração do espaço nacional, quais as características do espaço produzido na região, findo o processo?

Segundo Martinoli, a produção do espaço nacional teve início a partir da

Revolução de 30 justamente por esta romper com os interesses agrícolas da elite dominante que conseguira, através da Proclamação da República e da concepção descentralizada do federalismo

6

instituído, reafirmar suas bases de sustentação e manter ao longo de toda a época do café o modo de produção vigente até então, em detrimento aos interesses do processo de industrialização.

Agora, com Getúlio Vargas, juntamente com a estruturação do aparelho burocrático do Estado, eram lançados planos de desenvolvimento econômico, transportes, obras públicas e que visavam atender ao interesse geopolítico de defesa nacional. Tais planos estavam associados de forma direta à substituição das atividades agrícolas e ao papel cada vez mais importante que a

industrialização incipiente, concentrada mais a Sudeste, tomava na economia brasileira. Como afirma Martinoli, “A indústria em ascensão necessitava de um mercado interno constituído, que, assim como a ocupação territorial, era caracterizado pela dispersão, fragmentação e por vezes, pelo isolamento”

7

. Quanto às medidas de planejamento de integração da região amazônica, Vargas promoveu uma política de colonização com assentamento para a produção

agrícola que almejava garantir uma ocupação menos dispersa e mais atrelada ao solo que aquela gerada pelas atividades extrativistas predominantes na região até então. Sua política justificava-se no argumento geopolítico de necessidade de garantia da segurança e soberania nacionais, “apesar de Vargas não negá-la como um elemento no processo da expansão das forças produtivas”

8

.

6

Vale ressaltar a afirmação de Mori sobre a importância fundamental que o federalismo instituído com a República teve no “enfraquecimento do caráter unitário do Estado, evitando que a mudança do regime pudesse conduzir a um processo de unificação econômica efetiva do país, e, portanto, à eliminação dos entraves à acumulação. Na negação dos avanços havidos no processo de

integração ao longo do Império, o movimento carregou as marcas de um recuo político em relação à efetivação de um projeto nacional”. MORI, Klára Kaiser. Centralização e descentralização. In:

Brasil: urbanização e fronteiras. Tese de doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1966. p.134.

7

MARTINOLI, Simone. Op. Cit. p.59.

8 Idem, ibidem. p.85.

(5)

No período subseqüente, Juscelino Kubitschek deu continuidade à linha de planos voltados para a integração e homogeneização do território brasileiro iniciadas pelo governo Vargas, tendo a abertura de rodovias nacionais como principal

instrumento para tal e a construção de Brasília também como importante passo na consolidação da integração do interior do país. A nova capital, no que concerne à integração da Amazônia ao território nacional, era vista como plataforma para a ocupação da região, enquanto a abertura da rodovia Belém-Brasília consistiu no primeiro passo em direção a uma efetiva conexão do território amazônico com as regiões mais ao sul do país, reorientando o sentido dos fluxos que até então eram balizados pela rede hídrica amazônica.

Esquema dos fluxos e ocupação na Amazônia segundo rios e rodovias. Fonte:HERVÉ, Théry Situações da Amazônia no Brasil e no Continente. Estudos Avançados (USP), vol. 19, nº 53. p.37-49 (2005).

Com seu Programa de Metas (1956), Juscelino dava novo enfoque à economia brasileira, impulsionando e privilegiando o desenvolvimento da indústria no setor privado e estrangeiro, promovendo acelerado processo de urbanização no país e elevando o índice populacional urbano. Porém, é necessário atentar para a

importante transformação que se configurava então, para a qual Schiffer alerta: se,

por um lado, as diretrizes do Programa de Metas de JK “induziram o aceleramento

do processo de unificação do mercado nacional com vistas a viabilizar a expansão

da industrialização [...], por outro, conduziram este processo de modo a restringi-

(6)

lo, gerando uma acumulação entravada”

9

. Essa restrição era dada na medida que Kubtischeck, diferentemente de Vargas, não investia no crescimento da indústria nacional, mas fomentava uma industrialização associada ao capital estrangeiro e que criava com ele vínculos de dependência.

Verifica-se, dessa maneira, uma brusca alteração da política do Estado (ainda que dissimulada pela continuidade da orientação desenvolvimentista) que constituiu um dos entraves aos quais a economia brasileira foi submetida ao longo de sua história. Como bem afirma Mori, tais alterações “têm ocorrido sempre em

momentos em que a nova capacidade produtiva instalada, o novo parque industrial, a ampliação das infraestruturas já atingiu um nível que permitiria o alargamento da base de participação de camadas mais abrangentes da população na riqueza gerada, incorporando-as ao mercado de consumo” – situação

sistematicamente desmantelada no processo de reprodução da sociedade de elite brasileira através de sua base na acumulação entravada.

No de governo de Goulart, devido ao período de crise, diretrizes políticas não chegaram a ser implantadas. Após o golpe de 1964, estendeu-se no regime militar um período que pode ser caracterizado por um novo e intenso processo de

centralização do poder, durante o qual ações estatais de planejamento central promoviam políticas que interferiam em todos os âmbitos da economia do Brasil,

“no sentido de recolocação da elite brasileira no sistema capitalista, especialmente através da associação às empresas privadas estrangeiras”

10

. Foi durante esse período que o Brasil experienciou seu “milagre econômico”, com auge em 1973 e declínio da taxa de crescimento e desaceleração da economia a partir de então.

Durante o regime militar, teve início um “processo de modernização conservadora da atividade agrícola, organizado sobre a grande propriedade produtora de

matéria-prima para exportação ou para o setor industrial. Esta modernização da atividade agrícola promoveu o processo de assalariamento do trabalhador rural e a instituição do crédito rural, que desestruturaram o tradicional processo de

produção agrícola e geraram o exército de reserva de mão-de-obra rural e urbano, localizado próximo às áreas urbanas”

11

.

No que diz respeito à Amazônia propriamente dita, uma série de planos sucessivos começaram a ser desenvolvidos nesta época, caracterizando uma interferência que se mostraria mais efetivamente perceptível na região

12

. Todos os

9 SCHIFFER, Sueli. As políticas nacionais e a transformação do espaço paulista 1955 – 1980. Tese

de doutorado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1989. p.30. Apud: MARTINOLI, Simone. Op. Cit. p. 62.

10 MARTINOLI, Simone. Op. Cit. p.63.

11

Idem.

12

Interferência essa sentida também do ponto de vista negativo do desmatamento. Segundo dados do INPE, se de 1500 até 1970 cerca de 2% da floresta amazônica tinham sido destruídos, no curto período de 1970 a 2000, já foram desmatadas mais cerca de 14% de massas vegetais nativas, sete vezes mais em 30 anos do que nos 470 anos anteriores! Fonte: LOUREIRO, Violeta

Refkalefsky. Amazônia: uma história de perdas e danos, um futuro a (re)construir. Estudos Avança-

dos (USP), vol. 16, nº 45. p.107-121 (2002). p.113

(7)

planos seguiam o mesmo discurso de até então, da integração e ocupação da região amazônica como meio de assegurar a defesa da segurança e soberania nacionais num local de tantas fronteiras e de fazer a região passar a integrar um mercado único nacional em constituição.

Podemos afirmar que, de modo geral, as principais medidas estabelecidas por todos os planos eram: a abertura de rodovias de âmbito nacional e regional (dentre elas a Transamazônica, a Perimetral Norte, a Cuiabá - Rio Branco e a Cuiabá-Santarém),com o planejamento de promover ocupação ao longo de seus eixos, investimento na construção de hidrelétricas, estabelecimento de pólos de produção agropecuária de grande porte e incentivo da migração de nordestinos para a região.

PIN – Programa de Integração Nacional Rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém

Exemplos de duas rodovias planejadas à época da ditadura. Fonte: BRASIL, Presidência. I Plano

Nacional de Desenvolvimento. 1971.

(8)

Eixos criados pelas rodovias planejadas para a Amazônia em diferentes épocas. Fonte: HERVÉ, Théry Situações da Amazônia no Brasil e no Continente. Estudos Avançados (USP), vol. 19, nº 53.

p.37-49 (2005).

Quanto a esse último ponto, Kohlhepp afirma que, diante da situação de rápido aumento das tensões sociais no Nordeste na década de1970 dada pela

negligência quanto à necessidade da reforma agrária e agravada por secas desastrosas, a Amazônia era vista como uma “alternativa à reforma agrária” à medida que “um acordo de estratégia geopolítica que combinava programas de exploração da infra-estrutura e econômicos na Amazônia com um projeto de colonização para o assentamento de nordestinos sem-terra” fazia com que a região fosse “vista como escape espacial para os conflitos sociais não-

solucionados”

13

.

13

KOHLHEPP, Gerd. Conflitos de interesse no ordenamento territorial da Amazônia brasileira.

Estudos Avançados (USP), vol. 16, nº 45. p.37-61 (2002).p. 37

(9)

A Amazônia no período abordado era tida como a nova fronteira econômica brasileira, para onde se poderia expandir agronegócios de grande porte, com sentido empresarial, e como uma “terra sem homens para homens sem terra”, nas palavras do general Médici. Nesse sentido, a região amazônica encontrava-se totalmente inserida na lógica da acumulação entravada em seu estágio extensivo, como fica claro nas palavras de Ianni: “Isto significa, evidentemente, que o

desenvolvimento da Amazônia seria preferível ao do nordeste. [...] Enquanto o sistema econômico puder crescer de forma horizontal, dilatando sua fronteira e integrando áreas que passariam a funcionar como exportadoras de bens

primários, ele pode dar-se ao luxo de postergar o desenvolvimento de regiões- problemas”

14

.

Ao final da década de 70, os planos para integração nacional, que incluíam a Amazônia, foram diminuindo até que no inicio dos 80, foram abandonados. A partir daí, o enfoque que vem sido tomado pelas políticas com relação à região

amazônica tem sido no sentido da defesa de aspectos ecológicos e medidas em relação à preservação do meio ambiente, postura que se mantém até os dias de hoje e só se reforça com as crescentes pressões da mídia e da crítica

internacional quanto ao desmatamento da Amazônia.

Em suma, apesar de todas as iniciativas no sentido de unificar o mercado brasileiro – num movimento de integração e homogeneização do espaço da Amazônia em relação ao espaço nacional –, se por um lado a região foi integrada como parte do território do Brasil, por outro, ela até hoje se apresenta como

diferenciada no contexto do país. Assim, por exemplo, sua densidade demográfica apresenta-se historicamente como bem mais baixa que a média nacional. Se em 1970 a média brasileira era superior a 11 hab/km

2

, a ” média deste índice na região norte era de 1 hab/km², podendo chegar a 0,50 hab/km² em Rondônia, enquanto na região sudeste era de 43 hab/km²”

15

. Atualmente, a região possui uma densidade demográfica de 4,2 habitantes por km

2

(sendo 1,8 hab/km

2

no Amazonas), o que corresponde a uma grande discrepância se comparada à porção do território ocupada pela Amazônia: mais de 5 milhões de km

2

, representando 59% do território brasileiro.

Martinoli afirma que, “se do ponto de vista das relações econômicas o período 1930-1980 foi marcado por movimentos oscilatórios provocados pelo processo de acumulação entravada no Brasil, o processo de produção do espaço [iria] refletir justamente estas oscilações. Apesar dos muitos investimentos ocorridos no período, entre eles a expansão da infra-estrutura energética, a implantação de rodovias e a criação de municípios, o processo de integração territorial e de alargamento do mercado nacional, o processo de produção do espaço nacional

14

IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1971. p.254-255. Apud: MARTINOLI, Simone. Op. Cit. p.97-98.

15

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 1971. Censo demográfico do

Brasil - Acre. VIII Recenseamento Geral - 1970. Rio de Janeiro. Apud: MARTINOLI, Simone.

Op.Cit. p.92.

(10)

não envolveu o território brasileiro de maneira homogênea, refletindo justamente o processo de acumulação entravada no Brasil”

16

. Schiffer explica tal situação entendendo as desigualdades na distribuição espacial das atividades produtivas e da renda como elemento intrínseco à acumulação capitalista, mais que uma herança do passado colonial, interpretação que colocaria as causas fora do ambiente nacional. Mais do que isso, ela acredita que tais diferenciações constituem particularmente “instrumentos auxiliares para o controle do

desenvolvimento das forças produtivas internas como forma de manutenção da classe dominante”

17

, integrantes assim do processo de acumulação entravada que caracteriza a reprodução da sociedade de elite brasileira.

O que se verifica, por tanto, é que o processo de acumulação entravada deixou suas marcas sobre a produção do espaço amazônico (inserida no processo de produção do espaço nacional) à medida que este não ocorreu de forma linear ou desimpedida e resultou na homogeneização e diferenciação do espaço nacional.

Esta dupla deve ser entendida no sentido de que a Amazônia foi, em termos de território, de fato integrada ao espaço nacional, porem se diferencia em relação às demais regiões brasileiras – afinal, como Deák bem explicita, não se pode

comparar dois lugares não pertencentes ao mesmo espaço

18

. No caso da

Amazônia, além das oscilações, “a expansão do mercado nacional ficou marcada também por sua estrutura econômica, baseada na instituição do Estado, o que se configurou como um limitador à expansão desimpedida da forma-mercadoria”

19

. A ação do Estado nesse papel é sentida de forma mais direta na região à medida que o “processo de produção do espaço estruturou Estados e municípios sobre a estrutura institucional deles próprios, dependentes dos orçamentos públicos e dos repasses e financiamentos do governo federal”. Martinoli ainda revela que em alguns casos, como no Acre, a instituição do Estado consiste na base econômica principal e o maior empregador da população. Os poderes de engessamento do Estado aí são ainda maiores, o que só colabora para uma diferenciação e falta de continuidade da Amazônia frente ao restante do espaço nacional.

A conseqüência é um território que, de fato, permanece como uma realidade distante a nós, “isolado”em seus quase 5 milhões de km

2

de verde, com muitos trechos de rodovias incompletos ou ainda não pavimentados, ocupação dispersa

16

MARTINOLI, Simone. Op.Cit. p.72.

17

SCHIFFER, Sueli T. Ramos. 1999. São Paulo como pólo dominante do mercado unificado nacional. p.73-110. In: DEAK, C., SCHIFFER, S. T. R., (orgs.), O processo de urbanização no Brasil. Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. p.101.

18

“[...] diferenciação e homogeneização vão de par – uma particular localização se diferencia de qualquer outra somente por ambas pertencerem ao mesmo espaço, que é suficientemente homogêneo para incluir uma e outra – duas localizações não pertencentes ao mesmo espaço não são diferentes: elas não se comparam. Homogeneização e diferenciação formam a unidade

dialética do processo de produção do espaço.” - DEÁK, Csaba. 1985. Rent theory and the price of urban land, King’s College. Phd thesis. Cambridge,1985. p. 102-3. Apud: MARTINOLI, Simone.

Op. Cit. p.96.

19

MARTINOLI, Simone. Op. Cit. p.94.

(11)

ao longo do vasto território e ausência de uma integração direta de fato, em termos de circulação, acessibilidade e condições urbanas com o resto do Brasil.

Atividades econômicas na Amazônia e acumulação entravada Num plano paralelo ao que foi explorado no primeiro item, poderia-se avaliar em que termos o processo de acumulação entravada exerceria influência sobre o caráter das atividades econômicas desenvolvidas na região amazônica. Pudemos perceber, através da perspectiva histórica acima abordada, que o governo federal desenvolveu ao longo de décadas (em especial das últimas 30) sucessivos planos para o desenvolvimento econômico e integração da região amazônica ao mercado nacional. Como resultado, a economia da região permanece até hoje embasada principalmente na criação de gado, mineração, plantação de soja e exploração de madeira voltadas majoritariamente para a exportação.

[MAIS DADOS SE PUDER]

Em consonância com o olhar mais voltado para as questões de ordem ambiental que vem sido lançado sobre a Amazônia desde a década de 80, como já foi sublinhado acima, estudiosos apontam que as atividades desenvolvidas na região mostram-se inegavelmente incompatíveis com as peculiaridades locais - apesar do caráter de latifúndio de exploração ter sido continuamente reforçado pelos planos federais para a região ao longo do tempo.

Ainda sem entrar no mérito das conseqüências de âmbito social, é possível afirmar que “atividades econômicas tão diversas como a pecuária, a exploração madeireira, a mineração, a garimpagem e outras, que apresentam diferentes impactos sobre a natureza, vêm sendo desenvolvidas indiferentemente sobre áreas de florestas densas, nascentes e margens de rios, regiões de manguezais, nas planícies em encostas, em solos frágeis ou nos raros solos bem

estruturados”

20

. Essa indistinção dos diversos ecossistemas que compõe a natureza aparentemente homogênea da Amazônia causa uma série de danos e desperdícios dos recursos naturais.

Desmatamento de florestas nativas.

Foto: José Luís da Conceição/AE

20 LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia: uma história de perdas e danos, um futuro a

(re)construir. Estudos Avançados (USP), vol. 16, nº 45. p.107-121 (2002). p.122.

(12)

Fonte:<http://www.estadao.com.br/amazonia/destruicao_tragedia_ja_destruimos_17.htm>

Além de não constituir um todo homogêneo, a Amazônia não é uma fonte inesgotável de recursos que consegue se recompor por si própria, como o mito construído ao longo do tempo leva a crer. Apesar de muito ricos, os ecossistemas amazônicos estão assentados paradoxalmente sobre um solo raso, mal

estruturado e extremamente pobre, que é alimentado pelos nutrientes da matéria orgânica em decomposição sobre ele. Dessa forma, o uso de tais terras para a plantação ou para a criação de pastos para o gado se mostra desinteressante tanto do ponto de vista ambiental – por demandar a retirada de importante cobertura vegetal que sustenta o solo amazônico – quanto do ponto de vista econômico – pois o rápido esgotamento de tais solos diminuem o tempo de exploração útil dos terrenos e exigem um constante deslocamento para novas terras ainda férteis.

Por outro lado, recursos que são sabidamente abundantes na região e cuja exploração seria de extremo interesse para o mercado brasileiro (pelo menos do ponto de vista econômico), inclusive como base para o desenvolvimento de outros setores da economia interna, não são aproveitados. É o caso, por exemplo, do potássio utilizado para a fabricação de fertilizantes: apesar de possuirmos

reservas do mineral às margens de regiões de exploração agrícola mais ao sul e leste da região amazônica, as quais já poderiam diretamente ser revertidas na produção de fertilizantes de uso local (minimizando os impactos do garimpo e diminuindo custos de transporte), a importação de fertilizantes continua sendo um dos principais ônus sobre a produção agrícola brasileira. “Hoje, o Brasil importa 90% do potássio que consome, destinado à fabricação de fertilizantes, gastando com isso mais de US$ 1 bilhão ao ano, diz o geólogo Daniel Nava, da Segrha, citando dados apresentados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM)”

21

. Caso parecido é o da importação de silício no Brasil em detrimento da exploração das reservas nacionais.

Devido ao seu caráter de grande porte e sua produção voltada para o exterior de modo geral, as atividades que embasam a economia da Amazônia acabam por não se reverter em benefícios sentidos pela população como um todo na região.

Como nota Loureiro, “pouco se tem beneficiado das exportações em geral, já que a maioria dos impostos não fica retida na região”

22

. Segundo ela/ a autora, isso faz parte de uma tendência histórica da região amazônica sempre ser mais “rentável”

ao exterior (seja ele a Metrópole, as demais regiões do Brasil ou os outros países) do que este o tem sido à região. Para mostrar como a riqueza lá produzida não se fixa no local, Loureiro nos apresenta alguns dados: enquanto o PIB do Pará sofreu um aumento expressivo de 121% no período de 1975 a 1987, elevando se de US$

2,408 bilhões para US$ 5,332 bilhões, a renda per capita que era de US$ 946,83

21

SANT’ANNA, Lourival. Um tesouro a explorar. Artigo do Jornal Estado de São Paulo Online, acessado em 29/05/09.

22

LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Op.Cit.p.108.

(13)

(1975) passou para US$ 959,01 (1987), com um crescimento relativo de apenas 1,29% no período.

Por fim, se de fato, como Loureiro afirma, “os governos têm esperado que os investimentos para os quais contribuem sob a forma de facilidades, subsídios, incentivos e infra-estruturas de apoio venham a compensar, largamente, no longo prazo, os empréstimos contraídos para esse fim”

23

, essa esperança é derrubada pela queda sistemática do preço de produtos semi-elaborados no mercado

mundial. Desde a década de 60, a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) já tinha provado por meio de estudos a tendência histórica da queda

contínua do preço de produtos primários ou semi-elaborados no mercado mundial, afirmando que somente agregaria valor e lucro a produção de produtos

industrializados. Nas palavras de Loureiro, “torna-se, portanto, difícil compreender por que, décadas depois, políticos e técnicos de nível nacional e regional, e

dirigentes do Banco Mundial e de bancos brasileiros continuam a insistir no

modelo de produção de bens semi-elaborados na região. Resta perguntar: a quem beneficia essa política, realmente?”

Se as explanações demonstradas acima são aparentemente controversas, elas se tornam plausíveis quando observadas sob a óptica da acumulação entravada.

Obviamente, tais políticas são adotadas pelo Estado para permitir a reprodução da sociedade de elite brasileira, no sentido da manutenção do status quo, lembrando mais uma vez que este foi exatamente seu papel assumido quando de sua criação à época da Independência. O Brasil garante, através das políticas econômicas para a Amazônia, coordenadas dentro de uma lógica para o país inteiro, sua inserção no mercado mundial (às custas de um alto endividamento), com a expatriação de excedente e a dependência em relação a conglomerados

internacionais, os maiores compradores. Por outro lado, “empresas internacionais consorciadas ao capital nacional controlam o preço no mercado interno”

24

,

enquanto quem paga por tudo isso acaba sendo sempre a população local de rendas mais baixas.

Segundo Loureiro, “o atual modelo não levará ao desenvolvimento, porque os novos empreendimentos estão constituídos à base de enclaves de produção de semi-elaborados para exportação. Eles não se integram à economia da região e não produzem efeitos em cadeia, isto é, não induzem à instalação de novos empreendimentos decorrentes dos primeiros, porque visam, simplesmente, a exportação de bens num estágio primário ou de semi-elaborados”

25

. Em outras palavras, as atividades empreendidas na região dentro da sistemática da acumulação entravada, não permitem a acumulação o alargamento da base produtiva a ponto de generalizar a forma-mercadoria e fazer elevar as condições de subsistência da força de trabalho.

23

Idem, ibidem. p.117

24

Idem.

25

Idem, ibidem. p.118

(14)

Uma das consequências desse panorama é o agravamento das desigualdades sociais na região, reforçando a impossibilidade de ascensão social que já destruiu as esperanças de tantos migrantes buscando melhores condições de vida na região. O subsídio do governo, inclusive em termos de infra-estrutura, continua, assim como nos anos dos grandes planos para a Amazônia, voltado a atender interesses do grande agronegócio, em detrimento às necessidades reais da população local.

Protesto de agricultores na Reserva Raposa Serra do Sol. Foto: Dida Sampaio/AE

Os conflitos são acirrados quanto à posse de terras: “plantadores de soja, impulsionados pelas forças do mercado global, estão convertendo as terras dos pequenos proprietários, expulsos para a nova fronteira, em áreas de cultivo mecanizado”, enquanto “nas partes sul e leste da Amazônia, [onde] predominam sistemas de colonização, produção agrícola e criação de gado em grandes propriedades, [...] existe uma situação de conflito para a agricultura de pequena escala e os posseiros”

26

. Além disso, diversas tribos indígenas vêm perdendo sistematicamente seus territórios e sendo transferidas para reservas indígenas sem a menor distinção entre as populações e seus diferentes costumes, num total desrespeito quanto aos seus modos de vida tradicionais.

26

KOHLHEPP, Gerd.Op. Cit. p.52

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Campo de arroz alagado na Fazenda Providência, nas terras indígenas da Raposa Serra do Sol e de São Marcos. Foto: Tiago Queiroz/AE

Por fim, há ainda os enormes custos ambientais a serem pagos por um desenvolvimento econômico que não só não leva em consideração as

peculiaridades da região, seus potenciais e sua diversidade de ecossistemas, mas que mostra-se incompatível com o tipo de solo da região, que não explora

espécies nativas e impõe uma homogeneidade da lógica de produção em larga escala que é totalmente oposta à riqueza da biodiversidade amazônica.

Assistimos à destruição, cada vez mais acentuada e acelerada, de um bem natural de riqueza e diversidade inigualável, devastando, inclusive, estoques de recursos naturais enormes que poderiam de fato auxiliar no desenvolvimento da região comprometido a uma preocupação com o meio ambiente e a população local.

Conclusão

O território amazônico brasileiro, como se configura hoje, apresenta vários reflexos do processo de acumulação entravada pelo qual a sociedade de elite brasileira se reproduz, uma vez que o elemento fundamental produtor do espaço – o Estado – é também a instituição a qual cabe garantir a manutenção do status quo. Tais reflexos apresentam-se tanto na configuração de um espaço que, apesar de integrante do Brasil, ainda se diferencia bastante do restante do espaço nacional;

quanto na implementação de atividades econômicas que não levam em conta às particularidades da região.

A presente situação é fruto de uma abordagem da Amazônia sempre distante, sob um ponto de vista do homem de fora, que não leva em consideração as

especificidades da região nem as reais necessidades de sua população, mas que

vem buscando, historicamente, tirar o maior proveito possível dessa terra tão

diversa e rica – porém sem se preocupar em dar nada em troca. Dessa relação

distante e sempre com o caráter de dominação e exploração, assim como do

próprio território produzido, em suas diferenciações e situação apartada do

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restante da realidade brasileira, surge a estranha sensação de sermos estrangeiros em nossas próprias terras, de tão distante e mistificada que a realidade amazônica ainda se apresenta para nós.

Em última análise, poderíamos afirmar que o processo de acumulação entravada, ao estabelecer uma lógica que atende apenas aos interesses de uma restrita classe social dominante, garante não só a reprodução da sociedade de elite e seu status quo, mas cria condições também, no caso específico da Amazônia, para a perpetuação de uma abordagem da região sempre do ponto de vista de olhares externos a ela – seja da Metrópole portuguesa na sua exploração como colônia, seja da Federação brasileira, tirando proveito econômico da região dentro do princípio de acumulação entravada.

Referências bibliográficas

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