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CAPÍTULO QUINTO A ADOLESCÊNCIA E SUAS PRERROGATIVAS NA FORMAÇÃO DA SUA IDENTIDADE SOCIAL

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Academic year: 2021

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A ADOLESCÊNCIA E SUAS PRERROGATIVAS

NA FORMAÇÃO DA SUA IDENTIDADE SOCIAL

0. Premissa

O interesse pela adolescência do tempo presente implica empenhar-se, antecipada-mente, pela formação de homens e mulheres de amanhã como recursos indispensáveis para o desenvolvimento da sociedade do ponto de vista moral, intelectual, espiritual, económico e cultural. O futuro de uma sociedade justa, equilibrada e renovada depende, em parte, do tipo de investimento formativo e educativo que se faz em prol da nova geração, ainda, em fase evolutiva. Daí a necessidade de uma análise, quer teórica quer empírica, que mire conhecer a condição real da adolescência, em particular a de cabo-verdiana. Além do contexto sócio-geográfico e cultural em que se situa Cabo Verde, uma abordagem sobre a adolescência faz parte de um sentir colectivo que abrange todas as expectativas da visão ocidental da sociedade moderna e pós-moderna. Apesar de muitos estudos sobre a delimitação de uma faixa etária que caracteriza a adolescência nas suas fases inicial (de 11 aos 14 anos), média (de 15 aos 16 anos) e final (de 17 aos 19 anos), período bastante discutível, pensamos que essa forma de delinear as três fases entra num critério compatível com o crescimento e desempenho das tare-fas dos adolescentes cabo-verdianos. Esta opção espelha objectivamente os dados recolhidos nas escolas secundárias de alunos que abrangem uma faixa etária de 11 aos 21 anos de idade, não espelha somente o período de preparação para a vida adulta, mas, também, momento de risco e perigo de fracasso perante enormes problemas pessoais e sociais que os afectam.

A adolescência é uma etapa de crescimento humano que implica ultrapassar, pelo próprio indivíduo, um conjunto de crises inerentes ao seu estado natural de mudanças biológi-cas, psicológicas e comportamentais, enquanto, sujeito activo, criativo e situado no seu con-texto sócio-familiar. Nesta perspectiva, é importante que encaremos a adolescência mais como um resultado interactivo entre a dimensão bio-psíquica e a dimensão sócio-cultural do que uma simples acumulação de fases cronológicas, cuja demarcação, onde começa e onde

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termina, é sempre um resultado opinável e crítico. Se por um lado, há uma certa concordância de que a adolescência inicia com a puberdade, doutro lado, é justo que se diga que conclui com o surgimento de autonomia, coerência e responsabilidade que permite o indivíduo rela-cionar com o seu meio ambiente, assim como está patente na visão de A. Palmonari, o qual, é de parecer que a adolescência conclui quando o indivíduo está em condições de estabelecer relações significativas com os outros, com grupos de referências mais próximos, com o pró-prio ambiente de vida mais amplo, quer do ponto de vista sexual e afectivo, quer do ponto de vista operativo e institucional1. Trata-se de uma visão plausível e humanista que engloba ou coaduna com outras posições apresentadas por outros estudiosos, como é o caso de S. Freud que afirmou que o indivíduo é adulto quando está em condições de amar e trabalhar e de E. Erikson que, entretanto, reformulou a posição de Freud, dizendo que amar implica estabelecer uma relação de intimidade com uma outra pessoa e cada uma é dotada de uma identidade específica (homem o mulher), e que o permite, também, fazer opções responsáveis e coerentes com o seu próprio desempenho social2.

Na conjuntura social e cultural de Cabo Verde, a adolescência era encarada no pas-sado (antes da Independência Nacional de 5 de Julho de 1975) como uma etapa de vida for-temente marcada pela preparação à vida laboral e familiar quer para os que ficam no País quer para os que emigram. Notava-se nos adolescentes de então (sem uma formação específica) uma vida robusta do ponto de vista físico e psicológico e pronto a assumir responsabilidade em prol da família e no trabalho para a sustentação da casa a partir dos 17 e 18 anos. E com a implementação do Ensino Secundário no tempo actual e com menos acesso ao emprego e tra-balho, essa etapa é caracterizada por um longo tempo de estudo e permanência no seio fami-liar (de 25 aos 30 anos). Isso dificulta a assunção de responsabilidade famifami-liar e de ser criativo e activo na vida social, apesar de terem filhos e com a vida sexual activa. A forma de encarar a adolescência cabo-verdiana neste contexto sócio-cultural revela muita carência no processo do seu desenvolvimento para atingir a maturidade psicológica e moral. Daí a necessidade de um estudo pedagógico, psicológico e sociológico in loco sobre a adolescência cabo-verdiana a fim de poder encontrar linhas estratégicas e metodológicas para reverter a situação que está sendo cada vez mais um “problema fenomenal” quer na escola secundária quer na família.

O estudo teórico que vamos apresentar sobre a adolescência, neste capítulo, não pre-tende ser repetitivo, mas fazer surgir um quadro de referência que justifica, como ponto de partida, os dados que serão analisados na III Parte sobre a vivência dos estudantes cabo-verdianos do Ensino Secundário nas suas múltiplas facetas. O facto de envidar por essa

1 Cf. A. P

ALMONARI, Gli adolescenti: né adulti, né bambini, alla ricerca della propria identità, Bologna, Il Mulino, 2001, p. 7.

2 Cf. E.E

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dade humana põe em evidência que estamos perante uma realidade complexa, mutável e exi-gente segundo as épocas e circunstâncias. Mais do que estudar e analisar a adolescência, em si, trata-se de desafiar um percurso formativo que servirá de suporte e de apoio para todos os educadores (pais e professores) cabo-verdianos que lidam com os adolescentes no seu dia a dia. Portanto, o estudo da adolescência é sempre uma nova senda que se abre para conhecer melhor a humanidade presente em cada indivíduo e a sociedade, na qual, se encontra inserido. E mais, a adolescência é um termómetro de uma geração que permite comparar com a geração antecedente e compreender melhor a geração sucessiva. Esta dimensão qualitativa de uma etapa humana é fundamental para rever as estratégias e as metodologias nas áreas educativas, sobretudo, na família e na escola secundária.

Ao longo deste capítulo debruçaremos sobre as características peculiares que mar-cam a vivência e a experiência do adolescente, mas, com o intuito de relevar a exigência e a necessidade de uma formação psicossocial no seu ambiente vital e socializante para que ele se sinta protagonista no desempenho das suas tarefas evolutivas. De facto, cada adolescente é interpelado, intrínseca e extrinsecamente, a dar respostas às grandes questões existenciais: quem sou? Onde estou? Para onde vou? Neste momento, procuraremos pôr à luz alguns ele-mentos teóricos que caracterizam a sua identidade psicossocial e sexual, e projectual em vista de poder apresentar as linhas operativas e seus conteúdos na IV Parte deste estudo que devem nortear o crescimento moral, pessoal-profissional e social dos alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde.

1. A adolescência como evento crucial do ser humano

O estudo de uma categoria existencial do ser humano não significa desvinculá-la do resto da sua existência. Antes, o percurso existencial do ser humano deve ser analisado na sua totalidade e compreendido a partir do seu sistema unitário e interactivo. É por essa razão que preferimos enquadrar a adolescência como “evento crucial” do ser humano no seu percurso evolutivo, cuja compreensão permite uma análise da sua natureza estrutural interna e do seu contexto sócio-cultural, no qual, o adolescente se encontra inserido. A adolescência é o desa-brochamento da fase anterior (infância), com o aparecimento de novas características que se confluem na estruturação da personalidade do indivíduo em crescimento, e que permite uma maior interiorização de modelos culturais e comportamentais, a manifestação objectiva e sim-bólica de sentimentos e emoções, e uma visão mais realista e aberta do mundo que o circunda. Não se trata de um evento todo pacífico, antes, na opinião de A. Palmonari e G. Sarchielli, a

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adolescência é a idade da tempestade emocional, enamoramentos irracionais, ódios cegos, tomadas de posições extremas, confiança sem medida na própria força, desespero da própria limitação, voracidade intelectual e sentimental, renúncia de momentos românticos até chegar a autodestruição3. Não obstante essa proliferação de características interactivas presentes numa etapa volúvel, há que ter presente a permanência de elementos constantes (biológicos) que acompanham todo o processamento da transformação do indivíduo. De facto, o ser huma-no é em constante transformação biológica, psicológica e comportamental.

Se observarmos a sociedade cabo-verdiana veremos que houve uma mudança subs-tancial na postura comportamental e psicológica dos seus adolescentes, pelo facto de que anteriormente a adolescência tradicional era mais compacta e controlada pelos pais e pelos adultos vizinhos. Do ponto de vista educativo, os filhos eram considerados de toda a comuni-dade circunvizinha, portanto, todos aprendiam a obedecer e exercitar os seus impulsos mediante a autoridade de pessoas significativas e adultas, em geral. E no tempo actual, verifi-ca-se que os adolescentes são mais conflituosos com pais e adultos, pouco respeitosos das regras e normas familiares e sociais, e são mais inclinados à frustração devido a carência afec-tiva, pouco poder económico numa sociedade suscitadora de necessidades, e têm pouca opor-tunidade de elevação de conhecimento cultural. Isso faz com que os adolescentes se tornam mais agressivos, arrogantes, intransigentes consigo mesmos, com os pais, professores e adul-tos e, às vezes, envidam pelos comportamenadul-tos desviantes. Essa forma de encarar a adoles-cência partindo do seu contexto vital e do tipo da socialização (base) de cada época sócio-cultural, pode-se concluir com M. Mead que a adolescência é um fenómeno culturalmente específico e não universal4. As atitudes comportamentais dos adolescentes, de facto, reflectem a estrutura e o sistema valorativo cultural e religioso de cada sociedade e de cada época.

Com a transformação rápida da sociedade actual do ponto de vista económico, cultu-ral, religioso, somos induzidos a rever a condição da adolescência num outro prisma da reali-dade que se aponta cada vez mais complexa e diversificada, segundo o estilo de vida, a situa-ção familiar, condisitua-ção profissional e laboral dos pais, divisão de classes e estruturas sociais e de trabalho, ressurgimento de novas seitas religiosas. Daí o reaparição de tipos diferentes da adolescência presente na mesma sociedade, de modo que o estudo da condição da adolescên-cia pressupunha um conhecimento objectivo da sociedade, da situação familiar e de outros factores (pluriculturalismo e sincretismo religioso) que directa ou indirectamente influenciam o seu processo evolutivo. Partindo dessa visão sociológica, a adolescência é considerada um período de vida duma pessoa em que a sociedade «deixa de considerar o indivíduo (masculino

3 A.P

ALMONARI –G.SARCHIELLI, Evoluzione degli studi sull’adolescenza, in A. PALMONARI (ed.), Psicologia

dell’adolescenza, Bologna, Il Mulino, 2001, pp.15-43, p.16.

4 Cf. M.M

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ou feminino) como criança e, todavia, não lhe atribui status, tarefas e funções que são pro-priamente de adultos»5. Isso demonstra que a sociedade aceita a adolescência não somente como uma categoria, em si mesma, mas como uma componente estrutural da própria socieda-de.

A forma de situar a adolescência como evento crucial do ser humano tornou-se, tam-bém, objecto de estudo a nível psicológico, mais concretamente a nível psicanalítico. E quem procurou determinar uma fase que espelhasse esse período foi S. Freud, o qual deixou eviden-te que a adolescência inicia com a puberdade6. Todavia, foi a filha, A. Freud quem reconhe-ceu as mudanças inerentes à puberdade. A adolescência é uma fase que mexe profundamente com o indivíduo e faz emergir nele a energia do seu instinto, e ao mesmo tempo, aparece o seu Eu a desempenhar a sua tarefa para controlar o impulso conflitual. A psicanalista observa ainda, que desse conflito provém êxito positivo para a formação de carácter e casos de êxito insatisfeito que poderão contribuir para o emergir de sintomas nevróticos7. Para além da con-textualização social e cultural dos adolescentes, a sua posição analítica contribuiu para expli-car, em parte, um conjunto de fenómenos comportamentais que tem por origem problemas de natureza psico-afectiva, muitas vezes, inconscientes.

Nessa perspectiva psicanalítica deparamos com a posição de P. Blos que tenta expli-car o expli-carácter dos adolescentes, isto é, o aspecto da personalidade que modela as respostas de cada indivíduo aos estímulos que provêm quer do ambiente quer de si mesmo. A formação de carácter começa na infância e tornar-se-á mais estável na adolescência. Portanto, o autor aponta quatro desafios na formação de carácter do indivíduo na adolescência. Antes de tudo, o

processo de individualização que permite o adolescente distanciar-se dos pais para estabelecer

novas relações de aproximação extra-familiares; a aquisição estável de si mesmo com demar-cação precisa entre si e mundo dos objectos; a perda de rigidez do seu superego edípico; uma maior estabilidade de ânimo e de auto-estima com menos dependência de apoios externos. E no que se refere a separação dos pais, ser independente não equivale a fugir e distanciar-se fisicamente, mas enfrentar a dificuldade e a fadiga desse processo de separação e representa-ção dos pais que se encontra dentro de si mesmo. Em segundo lugar, a reelaborarepresenta-ção e o

con-trolo dos traumas infantis que permite o adolescente de se integrar a si mesmo (eu) e

incre-mentar sempre mais a sua auto-estima. Um terceiro desafio, é a continuidade do eu como fun-ção integrativa e de estímulo no processo do desenvolvimento, dando a sensafun-ção de cumpri-mento da formação do próprio carácter. Enfim, a formação da identidade sexual é a

5

A. HOLLINGSHEAD, Elmtown’s yout, New York, Wiley, 1949, pp. 6-7, cit. por A.PALMONARI –G.SARCHIELLI,

Evoluzione degli studi sull’adolescenza..., p. 21.

6 Cf. S.F

REUD, Tre saggi sulla teoria sessuale, Torino Boringhieri, 1970. 7 Cf. A.F

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condição para a formação de carácter, isto é, torna o indivíduo capaz de prosseguir as suas relações afectivas fora do contexto familiar8. Esse modelo contribui num certo sentido para a compreensão de certos comportamentos e atitudes do adolescente, em geral, como resultado da sua percepção e interiorização de valores comportamentais adquiridos no seio familiar e na sociedade em geral.

Perante o referido enquadramento verificámos que todos estão unanimemente de acordo que a adolescência é um período de “transição” e que merece ponderação e cuidado educativo de toda a sociedade, especialmente, da família, da escola secundária e doutras agências que dela se ocupam. Para que as agências educativas possam ter um conhecimento objectivo e realista da condição da adolescência é oportuno que tenham em consideração as ciências humanas e sociais que, segundo a referência de K. Lewin, A. Palmonari e G. Sar-chielli apontam que se deve situar a adolescência na sua dimensão de vida do ponto de vista geográfico, espaço e tempo; de compreender a estruturação do seu carácter tendo em conside-ração a colocação da sua categoria entre a infância e a fase adulta; de perceber toda a trans-formação corpórea e sexual; de entender todas as manifestações das atitudes comportamen-tais: timidez, agressividade, sensibilidade, instabilidade, conflito entre atitudes e valores, esti-lo de vida e ideoesti-logias, posições radicais e extremistas, falta de clareza e articulação cogniti-va9. Partindo dessas conotações, é possível apresentar um quadro específico que retrata as mudanças características do adolescente, sobretudo, na sua dimensão biológica, psicológica e sócio-familiar.

1.1 A mudança bio-social do adolescente

Assim como foi sublinhado, a adolescência é um período de transição, uma fase de crescimento que toca a todos os seres humanos, então, é natural que esse processo comporte um conjunto de mudanças e transformações do indivíduo não somente em termos de relações familiares e psicológicas, mas também, do ponto de vista físico. Neste parágrafo tentaremos realçar alguns aspectos chaves da adolescência condizentes com a puberdade e que nos permi-tirão analisar, mais em profundidade, os dados que reflectem a condição juvenil dos estudan-tes do Ensino Secundário de Cabo Verde. É justo que se entenda a adolescência num processo progressivo de mudanças que implicam incerteza, perda, euforia, ânsia, satisfação e insatisfa-ção. De facto, a mudança implica, aparentemente, perder aquilo que é familiar, conhecido e

8 Cf. P.B

LOS, L’adolescenza in una prospectiva psicoanalitica, Milano, Angeli, 1971. 9 A.P

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seguro para um confronto com a novidade, o desconhecido e o imprevisto. É nessa passagem qualitativa e de confrontação, que o indivíduo é colocado, antes de tudo, a confrontar-se con-sigo mesmo, com o seu próprio estado psicossomático.

Na verdade, o período de crescimento físico e maturação sexual que põe fim a fase infantil e leva o indivíduo para dimensões, formas e potência sexual típica dos adultos é denominado “puberdade”. E para um melhor esclarecimento, ocorre estabelecer uma diferen-ciação dos termos que, muitas vezes, parecem sinónimos: puberdade, pré-adolescência,

ado-lescência. Nota-se que a puberdade e a adolescência são dois conceitos bastante distintos

entre eles, no sentido de que a puberdade é uma passagem da condição fisiológica da criança à condição de adulto, ao passo, que adolescência é a passagem de status social da criança a status de adulto. Embora a puberdade tenha a sua conotação específica (sexual) não se reduz somente à questão de maturação sexual, mas, também, às transformações orgânicas com diversas funções. Portanto, a puberdade é um período, no qual, se realizam diversas mudanças de tipo morfológico, fisiológico e sexual. No que diz respeito à pré-adolescência, denotam-se do ponto de vista psicológico dois critérios que a caracterizam, apesar da divergência de opi-niões: critério cronológico que a situa numa faixa etária de 10 aos 14 anos; critério biológico que acentua a transformações somáticas que intercorrem nesse período. Na perspectiva socio-lógica, pré-adolescência não seria uma idade de transição, mas em transição, tendo em consi-deração os seus naturais percursos que levam o indivíduo a reelaborar a própria identidade pessoal e social. Conforme o inquérito efectuado nas escolas secundárias de Cabo Verde, nota-se que a primeira faixa etária dos alunos de 11 aos 14 anos – pré-adolescência ou primei-ra adolescência – passa pelas situações, proporcionalmente, não indiferentes das outprimei-ras fases sucessivas, média (de 15 aos 18 anos) e final (de 17 aos 21 anos). Exemplo de alguns variá-veis de como o(a) aluno(a) se sente em relação ao colega de sexo diferente (cf. Cap. VIII, Tab. 14), demonstra, claramente, a necessidade de intervenção educativa e de orientação psi-co-pedagógica durante todo o período da transformação ou de mudança sexual e psicossocial do adolescente. Portando, a adolescência é um período que engloba todas essas fases para demonstrar que as tarefas evolutivas não acontecem de forma mecânica e estática (uma vez para sempre), mas, progressivamente acompanhando o ritmo de cada indivíduo. De facto, na adolescência acontece a maturação das capacidades de análises, de introspecção, a definição da própria identidade, dos valores, de opções, e consente uma progressiva reorganização. Daí que a diferenciação sobre a puberdade, pré-adolescência e adolescência é apenas uma questão de natureza terminológica e não de substância10.

10 Cf. G.S

PELTINI, Dall’infanzia all’adolescenza: pubertà e sviluppo fisico, in A.PALMONARI (Ed.), Psicologia

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Trata-se de conotações que descrevem, também, o percurso do adolescente cabo-verdiano. Todavia, quer numa fase quer noutra, estão entrelaçados os factores biológicos e sociais que concorrem para o desenvolvimento harmonioso do indivíduo. Por isso, é justo que a adolescência seja caracterizada como uma mudança bio-social, embora haja um certo desní-vel entre a maturidade física e social nos adolescentes do tempo actual. É urgente que a famí-lia, a escola e outras agências, se consciencializem desse desnível, criando condições para que a maturidade do indivíduo encontre um estado de equilíbrio bio-social durante esse percurso do desenvolvimento.

Ao referirmos a puberdade, nota-se que o desenvolvimento físico é, objectivamente, uma mudança que caracteriza a primeira fase da adolescência manifestando os elementos típi-cos de cada um dos géneros. Para o género masculino é visível o crescimento dos testículos, de pénis, pêlos púbicos, manifestação de ejaculação, crescimento em estatura, mudança de voz, aparecimento de barba; e para o género feminino aparece a primeira fase do desenvolvi-mento do seio, pêlos púbicos, alargadesenvolvi-mento de anca, crescidesenvolvi-mento em estatura, primeiro ciclo de menstruação. Cerca de três ou quatro anos após os sinais visíveis da puberdade, as modifica-ções principais podem ser consideradas concluídas, apesar do organismo continuar o seu per-curso natural consoante a estruturação endógena de cada indivíduo11. Entretanto, é justo que se diga que as meninas estão mais predispostas biologicamente a transformar-se do que os rapazes. E sobre a especificidade e o desenrolar desses contributos evolutivos serão desenvol-vidos na IV Parte deste estudo com fins pedagógicos e didácticos.

Uma abordagem à volta da puberdade no tempo actual deveria ajudar as instituições educativas e seus agentes num processo formativo com os adolescentes acerca da importância do “corpo humano”. Não basta apontar os elementos biológicos que caracterizam os géneros (masculino e feminino) e as razões causais da evolução e das suas funções, mas que o corpo de indivíduo faz parte duma construção mental que serve como ponto de referência para esta-belecer relações com o espaço, tempo e o mundo que o circunda. Neste quadro de referência, G. Speltini utiliza o conceito de “identidade corpórea” que exprime o conjunto de característi-cas, elementos, conhecimentos, qualidades que o indivíduo atribui ao próprio corpo e que têm uma conotação afectiva12. Daí a necessidade de compreender o próprio corpo como uma estrutura pessoal do ser homem e mulher no tempo presente e não pensar no corpo, apenas, como objecto de exibição (mis, publicidade, passagem de modelo etc.), de gozo e satisfação sexual num momento precioso como é o da adolescência ou juventude.

11 Cf. K.S.B

ERGER, Lo sviluppo della persona: período prenatale, infnazia, adolescenza, maturità, vecchiaia, Bologna, Zanichelli, 1996, p. 317.

12 Cf. G.

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1.2 Os aspectos psicológicos das mudanças no adolescente

A condição sócio-cultural cabo-verdiana não consentia, no passado, um diálogo aber-to e franco com os adolescentes sobre a sua condição (feminina e masculina) e transformações biológicas, simplesmente, por questão de pudor e tabu. Na maioria dos casos, sobretudo, os do sexo masculino arranjavam-se à sua maneira própria de se informar sobre os aspectos con-dizentes com as suas transformações (físico e sexual), e as meninas eram orientadas pelas tias (pessoas adultas) sobre algumas precauções à volta das suas mudanças biológicas. Falar de assuntos conotados com a vida sexual estava fora do repertório das instituições educativas. E com a evolução socio-política, económica e cultural do país, a maioria dos adolescentes cabo-verdianos são informados sobre o percurso do seu desenvolvimento biológico, especialmente, os aspectos condizentes com a sua sexualidade. De facto, 88,9% dos alunos entrevistados nas escolas secundárias de Cabo Verde já tiveram informações e a educação sexual nas famílias e nas escolas (cf. Cap. VIII - Fig. 13).

Não obstante as informações veiculadas pelas escolas e famílias, nem todos os ado-lescentes assimilam e aceitam as transformações do seu corpo como algo de natural. Antes, são normais os sintomas de preocupação como é o caso de «desmorfofobia evolutiva»13 quan-do aparecem desarmonias no aspecto físico de um aquan-dolescente mesmo que sejam temporárias e provisórias. E segundo os dados que pesquisamos entre os alunos adolescentes, verificamos que 12,8% não estão completamente contente com o seu aspecto físico e 2,6% não gostam absolutamente do seu físico. Dos alunos que não gostam completamente do seu aspecto físico é mais visível nas meninas (14,5%) do que nos rapazes (10,9%) (cf. Cap. IX – Tab. 36). São dados que confirmam alguns aspectos psicológicos sobre a diferenciação no processo do cres-cimento dos adolescentes. É de salientar, que diversas pesquisas à volta das considerações sobre o próprio físico mostram que a imagem corpórea tem uma influência positiva ou negati-va sobre a concepção de si mesmo, em particular, sobre a auto-estima consoante o nível de satisfação positiva ou negativa14.

Além disso, é possível constatar outros aspectos que apontam para a precocidade (9 anos para os rapazes e 10 anos para as meninas) e a retardação (de 15 aos 17 anos para as meninas e de 16 aos 18 para os rapazes) do desabrochamento da puberdade nos adolescentes. Apesar das divergências de opinião, algumas pesquisas sobre os aspectos psicológicos das mudanças físicas nos adolescentes delinearam elementos interessantes que caracterizam quer

13 Cf. G.

SPELTINI, Dall’infanzia all’adolescenza: pubertà e sviluppo fisico..., p. 104. 14 Cf. W.A. S

CHONFELD, La strutura corporea e la sua representazione negli adolescenti, in problemi

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os rapazes quer as meninas. Antes de tudo, acharam que os rapazes que tiveram transforma-ções físicas de forma precoce têm vantagens psicológicas do ponto de vista pessoal (satisfação em relação às mudanças corpóreas, comportamentos mais maturos, controlados e equilibra-dos), relacional (maior popularidade entre os pares e posição de leadership); ao passo que, os rapazes com atraso nas suas transformações parecem ter menos vantagens psicológicas (sen-tem-se insatisfeitos em relação ao seu corpo, crise de identidade frequente, dependências comportamentais, ansiedade, pouca confiança em si mesmos e menos popularidade entre os grupos de pares). Em relação às meninas parece menos consensual, e nota-se que há mais problemas de adaptação às transformações precoces do que às transformações retardadas. De facto, as meninas desenvolvidas precocemente parecem ser mais dependentes, retraídas socialmente, nervosas, presas pela crise de identidade, insatisfeitas e com pouca popularidade entre as suas coetâneas. E para as meninas que se transformam tardiamente, as pesquisas apontam alguns aspectos psicológicos bastante positivos: são mais activas e expressivas, têm maior controlo dos seus impulsos e com menos crises de identidade15.

Estas características são notáveis nos adolescentes cabo-verdianos, porém, não são únicos factores determinantes nos comportamentos dos adolescentes. Antes, são reforçadas positiva ou negativamente pelas posições sociais e condições económicas familiares na determinação das atitudes comportamentais tipicamente feminina e masculina. Partindo das referências pesquisadas, pode-se afirmar que as transformações biológicas precoces ou retar-dadas são causas de preocupações quer para os adolescentes quer para os seus familiares. A precocidade e a retardação são condições que influenciam directa ou indirectamente as atitu-des comportamentais do indivíduo em crescimento. No que se refere aos rapazes as transfor-mações precoces influenciam positivamente no desenrolar das suas tarefas evolutivas, tornar-se homem, hábil e empreendedor em relação à família e à sociedade. Essas transformações causam preocupação nos pais, pelo facto, que os filhos adolescentes se sentem arrogantes, reivindicativos da própria liberdade, estar fora de casa, perigo e risco de emitir comportamen-tos anti-sociais. Também, a precocidade nas meninas é uma preocupação para os pais que vêem nelas perigo e risco por ser atraente do ponto de vista sexual16.

Partindo destas considerações, podemos verificar que no parágrafo sobre a emanci-pação dos estudantes adolescentes, a faixa etária de 11 aos 14 anos (75,2%) gosta de sair à noite um pouco mais do que às outras faixas de 15 aos 16 anos (73,4%) e de 17 aos 21 anos (74,4%). Isso comprova as posições teóricas e hipotéticas referidas (cf. Cap. IX – Tab. 46). E no que diz respeito às transformações precoces nas meninas deparamos, através dos factos

15 G.

SPELTINI, Dall’infanzia all’adolescenza: pubertà e sviluppo fisico..., p. 107-108. 16 Idem., p. 111.

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observáveis, que a maioria de gravidez precoce nas escolas secundárias de Cabo Verde acon-tece com as meninas desenvolvidas precocemente. Nesse período, é importante que elas tenham um maior conhecimento de si mesmas, do seu corpo e das perspectivas realizáveis para a sua vida futura.

1.3 As mudanças físicas e suas repercussões sócio-familiares

Além dos aspectos psicológicos apontados de forma sintética, são verificáveis muitos outros, ligados às mudanças biológicas dos adolescentes, inerentes à sua vivência familiar, escolar e cultural. Assim como foram anotadas, anteriormente, que as transformações biológi-cas do indivíduo em fase de crescimento não acontecem de forma isolada como se se tratasse de um problema unicamente pessoal, antes, pelo contrário, trata-se de condições que têm as suas repercussões em todas as áreas sociais que envolvem os adolescentes: escola, família, grupo de pares e outros meios sociais. Pode-se atestar que o indivíduo, passando por essa fase da adolescência, facilmente está em situações de sentir mais o peso das suas transformações físicas quando é interpelado a prestar tarefas escolares (conflito com o professor), a relacionar com grupo de pares (brigas), a assistir os pais que passam por momentos críticos (separação, divórcio).

Independentemente dessas circunstâncias, a adolescência é um período caracterizado pelos conflitos que o indivíduo instaura com os pais, professores e adultos, em geral. Em rela-ção ao contexto familiar, estas noções estão bem explícitas quando K. S. Berger afirma que as modificações físicas da puberdade juntamente com a emergência dos impulsos sexuais e o desejo de maior liberdade de acção aumentam a distância entre pais e filhos adolescentes, par-ticularmente, entre mãe e filhas17. Nessa fase de transformações, urge a necessidade de uma família compacta e bem constituída para que possa fazer frente aos conflitos que naturalmente surgem como factores de crescimento, de autonomia e de libertação.

Nota-se que as mudanças físicas na adolescência não repercutem somente a nível individual, mas, também, a nível de relações e de espaço temporal. Partindo dessa conotação teórica, verifica-se que em Cabo Verde os adolescentes passam por situações sócio-familiares que pesam substancialmente sobre as suas transformações físicas. De facto, deparamos que muitos estudantes adolescentes vivem situações familiares irregulares, união de facto 35,2%, e pais separados-divorciados 29,1% (cf. Cap. VII, fig. 9); alunos que vivem com parentes, 17,8%, devido a emigração dos pais (cf. Cap. VII, fig. 7). A frequência da escola secundária

17 K.S.B

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para muitos adolescentes (40%) que vivem nas aldeias implica percorrer a distância de horas (cf. Cap. VII, fig. 3). De facto, são situações que não contribuem para que os adolescentes possam viver o seu período desenvolvendo as suas tarefas evolutivas com serenidade e equilí-brio emocional e psico-afetivo. Estas conotações estão espelhadas, segundo a posição de G. Speltini na teoria de acumulação de eventos que causam stress18.

De facto, são situações que poderão desmotivar os alunos adolescentes dos seus compromissos escolares e familiares e torná-los mais agressivos e irreverentes incentivando mais conflito inter-gerações e inter-pares. Por isso, os problemas dos adolescentes a nível de relações são extremamente complexos e devem ser interpretados e compreendidos a partir da conciliação entre os aspectos intrínsecos do seu desenvolvimento biológico e as áreas que fazem parte do seu ambiente social.

2. A identidade do adolescente: Quem sou?

Algumas considerações teóricas à volta da transformação bio-social do indivíduo introduzem-nos numa outra visão real da forma como o adolescente percepciona si mesmo e o mundo que o circunda, isto é, a sua identidade psicossocial. Isso significa que o seu desenvol-vimento biológico caminha de forma integrada com o seu desenvoldesenvol-vimento cognitivo, psico-afectivo e social. Por isso, é bastante lógico que façamos algumas apreciações sobre a sua identidade procurando compreender a questão existencial do adolescente no seio de uma sociedade com as suas tarefas, funções e culturas que o modelam, conforme o género, e num mundo de coisas e perspectivas que condicionam as suas opções e decisões pessoais e colecti-vas. É uma exigência fundamental quando o adolescente se coloca a si mesmo a seguinte questão: Quem sou? Não se trata de uma pergunta que exige uma resposta imediata. Antes, trata-se de uma questão de crescimento. Porque, é ao longo do seu desenvolvimento progres-sivo que o indivíduo encontrará resposta com sentido de maturidade física, intelectual, moral, psicológica. A resposta realiza-se na estruturação da própria identidade psicossocial.

A adolescência, como já foi referida anteriormente, é um período que permite ao indivíduo reorganizar o seu pensamento (do concreto ao abstracto), representar-se como um ser diferente das figuras interiorizadas no ambiente familiar, escolar e social. Essa forma de ser autónomo no seu modo de pensar e em relação aos outros e de identificar-se consigo mesmo, faz com que o adolescente se sinta em condições de compreender as causas das situa-ções que lhe aparecem na sua vivência quotidiana e o tornam capaz de exprimir um juízo

18 G.

(13)

directo e explícito contradizendo com o dos outros (adultos). Trata-se de um período em que o adolescente alarga o horizonte do seu conhecimento, com uma vontade férrea de conhecer outros âmbitos geográficos, realizar interesses sociais e culturais, e de abrir-se às novas expe-riências afectivas, ao projecto de vida profissional e social. Portanto, a adolescência é um evento crucial em que o indivíduo fará distinção entre o “ideal” (o mundo da criança) e o “real” (o mundo de adulto) para se perspectivar o futuro. O processo desta distinção entre os vários níveis da realidade verifica-se todas as vezes que o ser humano projecta qualquer coisa de importante e complexo19. Nessa óptica, é importante que os adolescentes percebam que a opção de um projecto fundamental é algo que dura por toda vida e que define a sua identidade existencial no momento presente não obstante o condicionalismo de tantos outros factores pessoais, sociais e ambientais.

Com a consciência de que estamos perante um universo humano (adolescência) que não nos permite abranger todos os aspectos, e em consonância com o nosso estudo empírico, abordaremos de forma sintética os seguintes aspectos teóricos mais condizentes com a sua dimensão psicossocial e conforme as expectativas e os objectivos do estudo: desenvolvimento cognitivo, identidade pessoal e social, relacionamento familiar e grupo de pares.

2.1 O desenvolvimento cognitivo do adolescente

Embora saibamos que o contexto sócio-cultural, ambiental e familiar tenha a sua importância no processo do desenvolvimento cognitivo do indivíduo, o estudo que pretende-mos, nesse sentido, é um pouco generalizado pelo facto de que em Cabo Verde o percurso dessa fase é encarada a partir duma visão eminentemente ocidental. O próprio sistema do Ensino Escolar cabo-verdiano espelha toda a implementação metodológica e conteúdos segundo as linhas de orientação curricular portuguesa (Europa). Portanto, o enquadramento teórico sobre o processo cognitivo dos adolescentes estará em sintonia com tudo aquilo que gostaríamos de verificar empiricamente (III Parte deste estudo), sobre a vivência familiar, escolar, social dos estudantes adolescentes cabo-verdianos e a sua forma de perceber-se, de comportar-se e de relacionar-se com os outros e com o seu meio ambiente. Assim como a maturação bio-social tem a sua valência preparatória para a vida adulta, também, a maturação cognitiva que se verifica na adolescência torna o indivíduo mais adulto no seu modo de anali-sar e de raciocinar sobre as coisas do mundo e sobre as suas expectativas.

19 A.P

ALMONARI, Gli adolescenti: né adulti, né bambini, alla ricerca della propria identità, Bologna, Il Mulino, 2001, p. 53.

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As teorias que sustentam o processo cognitivo do sujeito apontam, antes de tudo, para o conceito de representação ou codificação, no sentido em que permite a acção entre o ambiente e a elaboração da resposta que o sujeito faz. O indivíduo inserido no seu meio ambiente abstrai elementos significativos segundo as suas representações e expectativas, que serão descodificados e integrados harmoniosamente segundo o seu nível de desenvolvimento. Nesta perspectiva, a representação cognitiva que o sujeito elabora é mais importante que o próprio ambiente através do qual opera a codificação cognitiva, precisamente, porque a res-posta do sujeito não está em contacto directo com o ambiente, mas, mediante a representação cognitiva. Portanto, a integração das diversas representações cognitivas formam aquilo que podemos denominar “estrutura cognitiva do indivíduo”20. Todavia, não se trata de estrutura fixa e estática, mas tende a desenvolver-se ao longo dos tempos segundo as relações interde-pendentes que o sujeito vai instaurando com o seu ambiente de modo activo, criativo e racio-nal, segunda as suas expectativas, interesses e convicções pessoais.

Entre os teóricos da teoria cognitiva, deparamos antes de tudo com o seu máximo exponente J. Piaget que reconhece no adolescente a capacidade de pensar em termos de possi-bilidade em vez de realidade concreta21. A aquisição de um pensamento lógico e abstracto não acontece de improviso, mas, é consequência do desenvolvimento progressivo da fase infantil à fase da adolescência. Na opinião de F. Carugati, J. Piaget reconhece que entre os 7-8 anos e os 11-12 anos o indivíduo constitui uma lógica de acções reversíveis devido à construção de um certo número de estruturas estáveis e coerentes, as quais são consideradas sistema de clas-sificação, de ordem segundo os critérios de série, números naturais, sistemas de medida de comprimentos e superfícies, relações projectivas, certos tipos de causalidade física, as opera-ções de conservação. Embora seja um verdadeiro raciocínio, nota-se que ainda se trata de ope-rações concretas porque as crianças precisam de objectos concretos nos quais possam aplicar tais operações; entretanto, estas operações concretas permitem pôr em relação próxima um elemento com outro semelhante e que não seja muito diferente. Somente a partir dos 12 anos começa a emergir a nova lógica de raciocínio em termos de hipóteses formuladas verbalmente sem a manipulação de um objecto concreto22.

Partindo desse pressuposto pode-se dizer, em geral, que na segunda fase da adoles-cência (15 anos) o indivíduo já está em condições de compreender e criar princípios gerais ou regras formais para explicar abstractamente muitos aspectos condizentes com a sua

20 A.A

RTO,Psicologia dello sviluppo. I. Fondamenti teorico-applicativi, Roma, Aipre, 1999, p. 205.

21

Cf. J.PIAGET et al., Dalla logica del fanciullo alla logica dell’adolescente, Firenze, Giunti-Barbera, 1971, p. 336.

22 Cf. F.C

ARUGATI, Sviluppo cognitivo e ragionamento, in A.PALMONARI (ed.), Psicologia dell’adolescenza, Bologna, Il Mulino, 2001, pp.127-167, p. 127.

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cia pessoal, e assim chega ao pensamento operativo e formal. A capacidade de distanciar-se daquilo que considera verdadeiro e falso para argumentar com base nas diversas premissas, torna os adolescentes mais interessantes e hábeis, quer como participantes numa conversação intelectual, quer como companheiro num debate23. Entretanto, não são de excluir, na opinião de J. Piaget, alguns factores condicionantes que poderão retardar esse processo, precisamente, como no caso de poucos estímulos por parte dos adultos e figuras significativas (pais, profes-sores) durante os períodos do seu crescimento: motora-sensorial, pré-operatório e operatório concreto. Todavia, não significa para J. Piaget que as estruturas formais sejam resultados do processo de transmissão social. Antes, ele mesmo formulou hipóteses de que existem factores endógenos e espontâneos em cada indivíduo normal, sem omitir, porém a cooperação e reci-procidade com o ambiente estimulante na busca de um justo equilíbrio. Nesta perspectiva tem-se evitado de fazer da estrutura formal um puro inatismo ou representações colectivas. Em segundo lugar, admitiu o caso de aptidões de cada indivíduo, em que se nota alguns mais propensos para as disciplinas que exigem lógica e raciocínio (matemática, física) e outros estão mais inclinados para a literatura, a arte ou as actividades que exigem menos esforço racional. Enfim, é de opinião que todos os adolescentes estão em condições de construir o seu pensamento formal mesmo que seja entre os 15 aos 25 anos segundo os seus interesses pes-soais e profissionais24. Certamente, o autor propende para essa terceira formulação hipotética, porque, a construção de um pensamento formal depende dos interesses e da objectividade que o sujeito tem na sua mente e não de algo estranho e alheio.

Além da posição de J. Piaget, surgiram outros seus discípulos e opositores com objectivo de esclarecer, detalhadamente, a estruturação do pensamento formal tendo em con-sideração todo o processo do arco evolutivo do indivíduo recorrendo aos modelos, esquemas que determinam várias fases do crescimento (J. Pascual-Leone, 1970; R. Case, 1985). Estes e outros autores, em vez do modelo da lógica de Piaget, preferiram fazer uma abordagem sobre a elaboração da informação demonstrando que as prestações cognitivas dos adolescentes variam segundo os variáveis contextuais25.

Sempre na linha evolutiva, deparamos com a teoria de J. Bruner, o qual, defende que no processo do pensamento maturo o indivíduo passa por três formas de representação:

execu-tiva, icónica e simbólica. O adolescente utiliza a forma simbólica para melhor explicar as

informações, elaborar conceitos, hipóteses, conhecimentos como modo de manipular e incidir sobre a realidade de forma mais abrangente. Ainda defende que os processos mentais têm um

23 K.S.B

ERGER, Lo sviluppo della persona..., p. 333. 24 Cf. F.C

ARUGATI, Sviluppo cognitivo e ragionamento..., p. 139-140. 25 Cf. L.C

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fundamento social e que a cognição humana é influenciada pela cultura, sobretudo, na sua dimensão simbólica, material e convencional. Portanto, a cultura forma a mente dos indiví-duos, antes, é algo de intrínseco e não qualquer coisa que se sobrepõe à natureza humana26.

Por questão da sua abrangência, omitimos a elaboração mais detalhadas das posições destes e outros autores, procurando apenas, contextualizar algumas posições que retractam os dados empíricos sobre o âmbito do estudo em curso da adolescência cabo-verdiana no seu contexto social, familiar e cultural.

Apesar da constituição estável do pensamento formal dos adolescentes, como já foi mencionado, o adolescente depara com um conjunto de obstáculos de natureza familiar, cultu-ral e ambiental que deve superar para conseguir atingir o seu justo equilíbrio. No caso dos adolescentes cabo-verdianos, conforme a pergunta que foi colocada aos alunos adolescentes (em que coisa se sentem diferentes de quando eram crianças?), e segundo os dados empíricos, verificamos que 48,6% depende menos dos pais; 26,2% reflecte mais interiormente; 36,3% sente que a sua opinião é escutada (cf. Cap. IX, Tab. 38). Embora não se trate de dados para explicar a estrutura do pensamento formal, em si mesma, são características que evidenciam o processo de crescimento, sobretudo no que discerne a autonomia racional de pensar e de agir. Certo é, que os adolescentes em geral, e cabo-verdianos em particular, sentem uma profunda necessidade de estímulos intelectuais para que possam desabrochar harmoniosamente o seu mapa cognitivo. Isso é devido ao facto que a maioria dos estudantes adolescentes vive num ambiente familiar (baixo nível de escolaridade) e social (meios rurais) com poucos recursos intelectuais e culturais.

Não obstante estas carências de estímulos inerentes, o adolescente depara com a potencialidade do seu pensamento que o leva a manifestar claramente a sua ambição, desa-brochando num puro egocentrismo de tipo idealista. É a partir dessa constatação que acabará, fazendo experiência, confrontando a sua idealização e as figuras significativas interiorizadas, posteriormente, com a realidade concreta, com os objectivos e meios para realização das suas ideias, muitas vezes, irrealizáveis. Do ponto de vista educativo, é importante que o indivíduo seja acompanhado e apoiado na formação da sua estrutura cognitiva que o torna capaz de aco-lher as informações e de elaborá-las como recursos necessários para a superação das dificul-dades e das crises inerentes à essa fase de vida. Portanto, é normal que os alunos adolescentes admitam que estão em condições de pensar interiormente como categoria indispensável para conhecer melhor si mesmo e aquilo que é capaz de realizar como projecto pessoal e profissio-nal, independentemente de modelos interiorizados. É neste ponto nevrálgico que deve despon-tar apoio formativo na família e na escola, capaz de orientá-los para um discernimento

26 Cf. J.B

(17)

vo e criativo do ponto de vista pessoal, profissional e social, a fim de poder conseguir cons-truir a sua identidade psicossocial sem sobressaltos.

2.2 A construção de identidade do adolescente

Prosseguindo na relevação dos aspectos teóricos condizentes com as expectativas que caracterizam a vivência da adolescência cabo-verdiana, é de maior interesse uma aborda-gem simples e pedagógica à volta da sua identidade como critério indispensável para melhor compreender o seu profundo interrogativo: quem sou? De facto, a construção do conceito de “si mesmo” e de auto-reflexão de forma mais aprofundada acontece através da ampliação do próprio horizonte cognitivo e do uso de pensamento hipotético-dedutivo que o adolescente faz no seu quotidiano. Portanto, “quem sou?” é uma condição crucial que permite ao adolescente representar-se a si mesmo de forma orgânica e estrutural, a relacionar-se com os pais e grupo de pares de forma autónoma, independente e consciente27. Como todos os adolescentes, assim também, os de Cabo Verde passam por essa condição natural do seu desenvolvimento. Toda-via, a evolução do conceito de si mesmo abarca todo o arco evolutivo (infância, adolescência e adulta) mediante um processo de diferenciação e integração do ponto de vista pessoal e social.

Conforme alguns estudos inerentes ao conceito de “si”, nota-se que o conhecimento de si mesmo se organiza com base em dois critérios fundamentais. Antes de tudo, a represen-tação de si mesmo como ser único implica sentimento de diferença em relação aos outros e ao próprio ambiente circunstante. O sentimento de diferença é essencial porque permite a tomada de consciência de si mesmo e em relação aos outros. De facto, é mediante a confrontação que o indivíduo se identifica consigo mesmo entre os outros. Em segundo lugar, a representação de si como objecto único é coerente e estável: sobre esta certeza psicológica o indivíduo fun-damenta o sentimento de unidade e de identidade de si mesmo. Por conseguinte, a identidade de um indivíduo é aquilo que o faz sentir o que é no espaço e no tempo28.

Após estas considerações preliminares, vamos focalizar o aspecto teórico da “identi-dade da adolescência” tendo em vista, como chave de orientação e reflexão, o modelo de E. H. Erikson, o qual, tentou caracterizar essa fase de identidade (adolescência) que é fortemente marcada pela interacção social primária com grupo de pares, que culmina na amizade heteros-sexual; estado de moratória condizente às tarefas dos adultos; crise de identidade,

27 Cf. A.P

ALMONARI, Gli adolescenti..., p. 52. 28 F.G

ARELLI, et ali., La socializzazione flessibile. Identità e trasmissione dei valori tra i giovani, Bologna, Il Mulino, 2006, pp. 244-245.

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ção das soluções dos quatro estádios precedentes (confiança de 0 a 1 ano; autonomia de 1 aos 2 anos; iniciativa de 3 aos 5 anos; industriosidade de 6 à puberdade) num sentido de coerên-cia de si mesmo. Também, pode-se acrescentar que o estádio de identidade (adolescêncoerên-cia) tende a desabrochar de forma harmoniosa ou não noutros estádios de intimidade (idade adulta à juventude), de geratividade (idade adulta à maturidade) e integridade (idade adulta à velhi-ce). Nota-se, ainda, que o autor aponta para cada um dos estádios a sua crise psicossocial cor-respondente (confiança verso desconfiança; autonomia verso vergonha, dúvida; iniciativa ver-so sentimento de culpa; industriosidade verver-so inferioridade; identidade verver-so confusão de tarefas; intimidade verso isolamento; geratividade verso estagnação; integridade verso disper-são29. Portanto, se o indivíduo conseguir superar de forma equilibrada e com sucesso os está-dios tende à maturidade psicológica.

Se partirmos das referências apresentadas sobre os oito estádios evolutivos, facilmen-te evidenciamos a importância desfacilmen-te modelo para compreendermos que a construção da iden-tidade não é somente uma tarefa individual, mas, também social, devido às influências da cul-tura e do ambiente que incide no desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo. Na perspectiva de E. H. Erikson, «a identidade do eu, no seu aspecto subjectivo, é a consciência da estabilidade da força sintética do Eu, do estilo da própria individualidade, e isto coincide com a continuidade do significado que se investe na pessoa importante do ambiente mais pró-ximo»30. Nesse sentido, a identidade do eu assume a função de integrar os aspectos indivi-duais e sociais, e tem por finalidade manter a unidade e centralidade da pessoa e garantir a flexibilidade em relação ao ambiente. Portanto a sensação de ter uma identidade pessoal depende da percepção da continuidade da própria existência no tempo e no espaço e da forma como os outros reconhecem essa continuidade.

Na óptica do autor, se observarmos a adolescência no seu estado natural veremos que se trata de um período fortemente caracterizado pela tensão entre a identidade e confusão ou

dispersão da identidade, e o indivíduo põe em discussão tudo aquilo que tem adquirido

ante-riormente. Isso demonstra, claramente, que a adolescência é uma fase que tende à construção da própria identidade, enquanto redefinição global e dinâmica da própria perspectiva de vida conforme aos estímulos e às expectativas que provêm do seu ambiente social. Embora algu-mas figuras e modelos significativos interiorizados durante a sua infância não sejam mais objectos do seu ideal, o adolescente está em condições de pensar e escolher algo para a sua realização futura do ponto de vista pessoal, profissional e social. E com a nova identidade o adolescente descobre a importância de ser fiel a si mesmo, o valor da nova etapa conseguida

29 Cf. E.H.E

RIKSON, Infânzia e società, Roma Armando, 1968. 30 Idem., p. 35

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como oportunidade de prosseguir um futuro seguro e aberto a uma maior integração da sua personalidade. E é neste percurso de conseguir encontrar-se consigo mesmo que o adolescente procura desenvolver uma identidade sexual, moral, política e religiosa, relativamente, estável, coerente e matura31.

É nessa fase decisiva da vida que poderá acontecer a crise de identidade, enquanto confusão da própria tarefa, aliás, o risco de não conseguir integrar de forma original e pessoal as próprias identificações, as diversas expressões de si mesmo, as suas tarefas desenvolvidas nas diversas situações. Neste caso, acontece aquilo que se poderia dizer “identidade dissolvi-da”, isto é, uma personalidade fragmentária que não mete raiz num sólido núcleo agregante. Também, nesta fase deparamos com adolescentes que envidam por outras formas de identifi-cação de si mesmo com valores e atitudes negativos presentes na sociedade. Os adolescentes que embatem com a delinquência e comportamentos desviantes acabam por construir aquilo que, ainda, E. H. Erikson denominou de “identidade negativa”, expressão que designa a busca de uma identidade fundada nas identificações ou funções socialmente indesejáveis e perigo-sas32. Na perspectiva do autor, a assunção de identidade negativa por parte dos adolescentes depende das circunstâncias vividas em família e no meio ambiente como forma de reivindica-ção para serem tomados em considerareivindica-ção como diversos daquilo que deles se espera.

Partindo do modelo de E. H. Erikson, o estudioso J. Marcia (1966;1980) elaborou quatro estados principais de identidade (aquisição, preclusão, difusão e moratória) que permi-tem o estudo aprofundado sobre o adolescente em relação à própria família, a si mesmo (seus interesses) e aos outros. Os estados apontados entrelaçam com duas dimensões, experiência e

compromisso de vida afectiva, relacional, laboral e valorativa, que são importantes na

cons-trução da identidade do adolescente. Seguindo estas categorias apontadas, L. Camaioni e P. Di Blasio, apresentam algumas considerações acerca da formação da identidade do adolescente. Assim, o indivíduo poderá atingir uma “identidade realizada” quando o êxito de uma expe-riência positiva é conjugado com um compromisso válido; pode-se verificar “blocos de iden-tidade” quando se verifica pressão sobre compromisso sério, é precoce e não consente uma livre experimentação. Também a exploração incerta e o compromisso que pouco satisfaz podem gerar difusão de identidade, devido a falta de escolha e reflexão por parte do indiví-duo. Enfim, se acontecer uma situação de lentidão e um prolongamento da fase de exploração e avaliação se realiza uma moratória de identidade, caracterizada pela dúvida entre as diversas alternativas que não favorece a operação de uma escolha33.

31 Cf. K.S.B

ERGER, Lo sviluppo della persona..., p. 351. 32E.H.E

RIKSON, Gioventù e crisi d’identità, Roma, Armando, 1992, p. 230. 33 Cf. L.C

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Além da individualização dessas categorias fundamentais para a construção da iden-tidade, seria relevante se apresentássemos uma abordagem empírica sobre a identidade dos adolescentes cabo-verdianos (quem sou?), aliás, a imagem que fazem de si mesmos. Confor-me os dados, verificamos que todos os alunos adolescentes apontaram atributos (categorias) com características pessoais que, num certo sentido, deixam transparecer as suas categorias sociais e as suas tarefas como estudantes (pergunta do questionário nº 88). Nesse caso pode-se realçar os conceitos que coadunam todos os atributos que são apontados (cf. Cap. IX, p. 552) de “identidade pessoal” em concordância com a “identidade social”. De facto, a identidade pessoal reúne as características condizentes à própria pessoa que anotam a sua unidade e especificidade individual, isto é, os seus sentimentos, as suas competências, os atributos cor-póreos, gostos pessoais e outras características da sua personalidade. Além destas, verifica-mos outras que retractam a identidade social dos alunos estudantes apontando claramente a sua pertença às categorias sociais (religiosas, laborais, raças e géneros). E segundo T. Mancini a identidade social pode ser definida como identidade colectiva ou alocêntrica e a identidade pessoal como individualista, privada e idiocêntrica, entretanto, quer uma quer outra não esgo-tam as classificações de conceitos potencialmente disponíveis quando uma pessoa tenta defi-nir-se a si mesma. Ainda, nota-se que há estudos que se inspiram na tradição interaccionista e sócio-costrucionista apontando uma terceira classe de características que compõem a “identi-dade de papel” efectivo, isto é, a imagem que uma pessoa tem de si mesma em vista do papel ou da função que exerce no seio de um grupo social na sua vida quotidiana34.

As características que retractam o conceito ou a imagem que os adolescentes cabo-verdianos têm de si mesmos podem entrar nas seguintes categorias ambivalentes: imagem baixa/alta; imagem positiva/negativa. À base de uma pergunta simples e aberta (quem sou ?), o estudante adolescente deixa perceber como sujeito individual, singular, livre e autónomo que passa por uma fase de construção da própria identidade e, por isso, mostra-se livre para opinar sobre as características que espelham os seus sentimentos interiores e as suas formas de pensar, enquanto, indivíduo inserido no seu meio social, familiar, ambiental e grupo dos coetâneos. Apesar da autonomia e diferenciação que aparecem nesse arco evolutivo é indis-pensável o apoio familiar para que o adolescente construa a sua verdadeira e autêntica identi-dade e procure modaliidenti-dade justa para as suas opções de vida futura quer do ponto de vista pessoal quer do ponto de vista profissional.

34 T.M

(21)

2.3 O conflito de geração: pais e filhos adolescentes

O evento da transformação económica e cultural, vigente na sociedade moderna e pós-moderna, está sendo um factor influente no relacionamento familiar, e faz com que as relações entre pais e filhos sejam encaradas numa outra perspectiva diferentemente do que era anteriormente. E no contexto familiar cabo-verdiano, nota-se uma passagem progressiva nesse tipo de relacionamento em que os pais conseguem ainda ter um certo controlo sobre os filhos adolescentes, quer através do diálogo e da negociação (mais visível nos pais com nível de formação académica e com uma posição económica elevada), quer através da imposição, repressão, prémio e castigo (isso nota-se nos pais com pouco nível de escolaridade). O aspec-to formativo e académico que se tem verificado no país contribuiu para a transformação de mentalidade e de comportamentos de muitos adultos em relação aos adolescentes. Apesar da componente educativa e de outros factores sociais, a presença da adolescência no seio da família é sempre uma questão relevante que põe em causa o estilo de vida, de pensar e agir de cada um dos seus membros.

É na mesma perspectiva de compreender o percurso evolutivo do adolescente na construção da sua identidade, que vamos fazer uma abordagem sobre o tipo de relacionamen-to que existe entre ele e seus pais durante essa fase crucial e crítica. Em relação ao seu ambiente familiar, os estudiosos da adolescência são unânimes em afirmar que se trata de «um evento crítico no ciclo de vida familiar»35. Portanto, o estudo sobre o conflito de geração que se verifica no seio familiar deve ser encarado, antes de tudo, como momento de crescimento e de maturação, quer por parte do adolescente, quer por parte dos pais. E na opinião de A. Pal-monari, a adolescência é «uma empresa evolutiva de conjunto que envolve pais e filhos, que torna possível o recíproco distanciamento sem ruptura irreparável»36. Isso demonstra que a família não é uma instituição estática e inflexível, mas, sujeito à mudança e adaptação activa em relação aos estímulos que provêm quer dos seus membros quer do ambiente social e cultu-ral.

O conflito de geração no seio familiar, mais concretamente, pais e filhos adolescen-tes é uma realidade visível em todas as culturas. Anadolescen-tes de tudo, há uma questão de terminolo-gia que merece ser realçada. Muitas vezes, quando se usa a expressão “conflito” entende-se por discussão, disputa, desavença, desacordo. Isso emerge algumas ambiguidades. Seguindo as linhas de interpretação de J. A. Hall (1987), que distingue o desacordo do conflito, E.

35 B.Z

ANI, L’adolescente e la família, in A.PALMONARI (ed.), Psicologia dell’adolescenza, Bologna, Il Mulino, 2001, pp. 229-250, p. 229.

36 A.P

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Cicognani e B. Zani apontam que o conflito é definido como um tipo de desacordo que é acompanhada da expressão de hostilidade, agressividade e emoções negativas, como ânsia, frustração, sentimento de culpa37. No que se refere à relação entre pais e adolescentes, W. A Collins e outros autores, definem o conflito como «um comportamento de um membro de uma família que é incongruente com as finalidades, as expectativas ou os desejos de um outro membro, gerando oposição recíproca»38.

Embora a adolescência seja uma condição evolutiva equiparada com a de muitos paí-ses do Ocidente, também se verifica que em Cabo Verde a concepção da adolescência em relação ao ambiente familiar assume uma nova configuração e interpretação da posição do adolescente em relação aos pais e vice-versa, assim, como foi salientado no capítulo anterior sobre o papel da família na educação dos adolescentes. Entretanto, é justo que seja salientada que a condição do adolescente, na sua fase final, se encontra num dilema. Se por um lado, reconhece que o indivíduo é maior a partir dos 18 anos do ponto de vista civil e político e goza de autonomia e responsabilidade, doutro lado, a aquisição de uma autonomia efectiva que o leva a optar e decidir o que fazer da própria vida é fortemente condicionada pelo factor económico, prolongamento escolar, falta de oportunidade de emprego e de habitação. Trata-se de uma situação pessoal e sócio-cultural que induz a rever a ideia de conflito entre pais e ado-lescente no tempo hodierno.

O conflito entre pais e adolescentes tem como causa principal o desejo consciente ou inconsciente de emancipação, independência e autonomia. A forma como isso se materializa-va no passado (atitudes de rebeldia contra as normas, abandono ou separação do núcleo fami-liar)39 demonstra que o momento conflitual é sinal de auto-afirmação do indivíduo na sua determinação e na assunção da própria responsabilidade. Ao passo, que no tempo actual a forma de viver esse conflito é menos visível por causa duma permanência prolongada dos adolescentes no seio familiar. De facto, nessa configuração sócio-cultural vigente no território nacional, como noutros países ocidentais, há uma nova perspectiva de encarar a emancipação e a independência dos adolescentes. No sentido em que a emancipação não significa ruptura de laços familiares, mas transformação de relações de forma paritárias e recíprocas;a inde-pendência não significa fugir de casa, mas liberdade afectiva de poder instaurar novas rela-ções (amizade e sexual), liberdade pessoal de assumir a responsabilidade de si mesmo no que

37 E.C

ICOGNANI et al., Genitori e adolescenti, Roma, Carocci, 2003, p. 98. 38 W.A. C

OLLINS et al., Conflict processes and transition in parent and peer relationships: implications for

autonomy and regulation, in “Journal of Adolescent Research” 12,2 (1997), pp. 178-198, citado por E.CICO -GNANI et al., Genitori e adolescenti…, p. 99.

39 No passado, antes da Independência Nacional de 5 de Julho de 1975, a partir dos 16 anos muitos jovens cabo-verdianos procuravam constituir o seu núcleo familiar (sobretudo as meninas), e formas de emigrar e de trabalhar fora do ambiente familiar (sobretudo os rapazes).

(23)

se refere a instrução, trabalho, ideologia política, escolha de profissão e de projecto de vida40. Apesar dessa nova forma de encarar essas características, a adolescência é marcada por momentos não fáceis de gerir os comportamentos e as relações que vão surgindo no seio fami-liar.

Os pais e os filhos adolescentes encontram-se numa encruzilhada que exige de ambos a reformulação de uma nova visão psicossocial para afrontar a situação emergente que é próprio do arco evolutivo: individualização, distanciamento e diferenciação. Além das mudanças biológicas e cognitivas, o adolescente encontra-se, também, num processo de mudança psico-afectiva e comportamental em relação aos seus pais e outras figuras significa-tivas interiorizadas durante a sua infância. A consciência real dessa reviravolta interior no adolescente é causa de perturbação pessoal e familiar, porque, ele sabe que os pais e o mundo dos adultos não representam, mais, algo de omnipotência e omnisciência que fazia parte do seu universo infantil. O conflito interior do adolescente é um despertar para o maior sentido e significado de ser autónomo e diferente daquilo que pensa ou imagina ser idealmente a dos pais e dos outros coetâneos. Essa atitude não só coloca o adolescente em estado de vigilância em relação ao seu passado, como também, a forma como deve encarar o futuro com realismo, consoante o seu recurso humano e material à sua disposição. Perante os filhos adolescentes, os pais percebem que todo o investimento afectivo, educativo e material que foi feito ao logo dos anos da sua infância não é suficiente para contornar a tal mudança que põe em apuro as suas relações. Daí emerge a necessidade de redimensionar um novo quadro de valores que possam orientar os pais e os filhos nas suas relações a um verdadeiro sentido de autonomia comportamental e afectiva. De acordo com alguns autores (B. A. Newman, C. L. Murray, 1983), B. Zani afirma, em geral, que a autonomia comportamental e afectiva precede a auto-nomia sobre os valores, no sentido que a separação e a confiança de si mesmo são essenciais e concernentes aos valores41 que se quer defender.

Embora não haja momentos de grande conflito no que se refere a escolhas dos seus interesses para que os adolescentes cabo-verdianos possam manifestar a sua autonomia de decisão em relação aos seus pais, nota-se um factor bastante pertinente que faz parte dos seus interesses pessoais. Trata-se de “saídas nocturnas” (74,3%) com pouca diferença entre as fai-xas etárias e sexo. Nesse caso emerge um certo conflito com os pais que tentam manter um controlo mais longo, sobretudo, para com os da primeira (11-14 anos) e segundas (15-16 anos) fases da adolescência, e para com os do sexo feminino (cf. Cap. IX, Tabs. 46, 47a -47b). A partir dos factos concretos é fácil deduzir que a percepção que os alunos adolescentes têm da

40 Cf. J.C

OLEMAN, et al., La natura dell’adolescenza, Bologna, il Mulino, 1992. 41 B.Z

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