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Anais do Seminário Nacional de História da Historiografia: historiografia brasileira e modernidade

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Academic year: 2021

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Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: EDUFOP,

Anais do Seminário Nacional de História da Historiografia:

historiografia brasileira e modernidade

O conceito “o homem cordial” na obra de Sérgio Buarque de Holanda1

Oldair Glatson dos Santos Graduando em História pela Universidade Salgado de Oliveira - Campus Belo Horizonte

Uma boa parte dos cientistas sociais que se debruçaram sobre a história do Brasil, numa tentativa de contribuir para uma explicação acerca dessa história, era formada em áreas distintas, como Sociologia, Direito, Economia. Apesar de alguns destes intelectuais não possuírem uma formação acadêmica em História, utilizaram-se da mesma – e muitas vezes com maestria – para traçar suas leituras, interpretações, teorias acerca da formação do Brasil.

Dentre estes intelectuais, três deles se destacaram no panorama do Brasil na década de 1930, sendo chamados, então, de “intérpretes do Brasil”. São eles: Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Sobre os mesmos e suas respectivas obras – Formação do Brasil contemporâneo, Casa Grande & Senzala e Raízes do Brasil – Antônio Candido esclarece que

“(...) podemos considerar chaves, os que parecem exprimir a mentalidade ligada ao sopro de radicalismo intelectual e análise social que eclodiu depois da Revolução de 1930 e não foi, apesar de tudo, abafado pelo Estado Novo”.2

O historiador Francisco Iglésias reforça o coro ao dizer que os três “se não fundam, são os que mais dão material para a constituição da ciência social do Brasil, notadamente no campo da História”.3

1 Este trabalho é resultado parcial de minha monografia, que tem como título: “Construções da história: o conceito o homem cordial na obra de Sérgio Buarque de Holanda”. Apresentado no Seminário Nacional de História da Historiografia: historiografia brasileira e modernidade. Universidade Federal de Ouro Preto: 01 a 03 de agosto de 2007.

2 CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26.

ed. São Paulo: Cia das Letras, 1998. p.9.

3 IGLÉSIAS, Francisco. Sérgio Buarque de Holanda, historiador. In: Sérgio Buarque de Holanda, terceiro colóquio, UERJ. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p.15.

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Dentre os três intérpretes do Brasil, um se destaca, não somente pela teoria que elaborou acerca do país, mas também pelo estilo de sua escrita. Sérgio Buarque de Holanda, de certa maneira, recriou o Brasil ao produzir sua obra mais discutida: Raízes do Brasil. Há, entre historiadores, sociólogos, intelectuais que pensam nosso país, um consenso acerca da importância e relevância desta obra. Livro pequeno, de poucas páginas – principalmente se comparado a Casa Grande & Senzala – segundo Antônio Candido, “se tornou um clássico de nascença”.4

Para o historiador Edgar de Decca, dos três autores citados

“Sérgio Buarque de Holanda desponta como o mais inventivo e instigante. No famoso trio criado por Antonio Candido, todos eles são reconhecidos como redescobridores do Brasil. (...) No entanto, Sérgio Buarque acabou se destacando pela tipologia do ser nacional absolutamente original e controversa.” 5

Dentre os conceitos desenvolvidos pelo historiador paulista, está o que ele denominou de “homem cordial”. O termo, cunhado pelo escritor e poeta Ribeiro Couto, foi explorado com maestria pelo autor de Raízes do Brasil, uma vez que ele,

“(...) para completar a sugestiva idéia de Couto, (...) vai buscar na história de nossa formação social a essência desse ser social que, segundo ele, está desterrado em própria terra. (...) Sérgio reconhece o homem cordial como um ser social e produto de nossa formação histórica.”6

Segundo Sérgio Buarque, a contribuição do povo brasileiro para a civilização seria esta cordialidade. Nas palavras do historiador

“A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definitivo do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal”.7

4 CANDIDO. Op.cit., p.9.

5 DECCA, Edgar de. Cordialidade, cidadania e desterro na obra de Sérgio Buarque de Holanda. In: DECCA, Edgar de, SCHULER, F.Luiz (orgs.). Intérpretes do Brasil: seminário e exposição, homenagem a Sérgio Buarque de Holanda. Porto Alegre: Nova Prova, 2005. p.82.

6 Idem, p.82.

7 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Cia das Letras, 1998. p.146-7.

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Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: EDUFOP,

Esta cordialidade, da qual trata o autor de Raízes do Brasil, não é aleatória, não é fictícia, nem a-histórica. Ela está assentada, segundo José Carlos Reis, num modo de vida rural e colonial brasileiro – modo herdado da colonização portuguesa – que estaria sendo gradualmente superado.8

Fica implícito, nas análises de Sérgio Buarque, não somente a necessidade de se reconhecer a existência dessa cordialidade, mas também a importância em associá-la a fatores históricos que a expliquem. Não se trata aqui de saber se a cordialidade buarqueana é passível de se verificar empiricamente na sociedade brasileira, mas sim de apontar como esse conceito está intrinsecamente ligado ao período histórico em que foi defendido, além de perceber como ele retrata uma necessidade da elite intelectual brasileira em redescobrir o Brasil; um redescobrimento que leve em consideração, principalmente, as características nacionais.

Esse redescobrir o Brasil, por sua vez, foi um dos motivos que levou alguns artistas e intelectuais brasileiros a promoveram a Semana de Arte Moderna, em 1922. Mário de Andrade, Oswald Andrade, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e mesmo Graça Aranha, posteriormente isolado pelo grupo, como nos informa Silviano Santiago9, foram apenas alguns dos nomes representativos dessa nova leva de intelectuais que tentaram pensar o Brasil sob um novo ponto de vista.

Sérgio Buarque também não ficou passivo ante estes acontecimentos; pelo contrário, manteve contato com a vanguarda modernista, travou discussões acerca do modernismo

“divulgando suas propostas nas revistas Klaxon e Estética”, visto que já era, à época, um reconhecido crítico literário.10

Além de citar a participação de Sérgio Buarque nas discussões travadas desde a década de 1920 no Brasil, é lícito também não perder de vista as mudanças políticas e sócio- econômicas que ocorriam no país. O desenvolvimento, ainda incipiente, da indústria, o crescimento das cidades, a mudança de um país agrário para um país em vias de se industrializar gerava uma necessidade de explicações compatíveis com a nova realidade que surgia. Todas estas questões já vinham sendo discutidas pelos intelectuais dos anos 20, especialmente pelos modernistas. No entanto, o historiador parece distinguir-se dos demais em sua análise sobre o Brasil, uma vez que utilizou conceitos até então inéditos para se pensar

8 REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: De Varnhagen a FHC. 8. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p.135.

9 SANTIAGO, Silviano. Mário, Oswald e Carlos, intérpretes do Brasil. In: DECCA, Edgar de, SCHULER, F.Luiz (orgs.). Intérpretes do Brasil: seminário e exposição, homenagem a Sérgio Buarque de Holanda. Porto Alegre: Nova Prova, 2005. p.16.

10 REIS. Op.cit., p.116-7.

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o país. Sua permanência na Alemanha, onde esteve como correspondente jornalístico, possibilitou-lhe manter contato com a sociologia de Max Weber. Os “tipos ideais” weberianos podem ser depreendidos da obra do historiador paulista; para Francisco Iglésias, e outros tantos intelectuais brasileiros, eles foram utilizados pela primeira vez numa interpretação sobre o Brasil.11

Desta maneira, o momento histórico vivenciado pelo autor, as transformações pelas quais passava o país, a busca de uma explicação para o atraso nacional ainda latente, são alguns itens fundamentais para se entender a construção do conceito homem cordial; um termo que tenta dar respostas aos problemas enfrentados pelo Brasil da década de 1930.

Assim, ao pesquisarmos a construção deste conceito, fomos movidos pelo interesse em investigar as razões que condicionam os pesquisadores, intelectuais, cientistas sociais na criação e defesa de termos, conceitos, definições que tentam representar a realidade de determinado momento histórico. O tema surgiu como interesse em tratar as construções realizadas pelos cientistas sociais – e pelo historiador paulista em particular – no tocante à percepção que os mesmos têm da realidade e como esta realidade (em um dado momento histórico) reflete a defesa de suas idéias, seus conceitos, suas teorias.

Julgamos também ser possível, através de nosso objeto de pesquisa, contribuir para a discussão que atualmente se trava acerca das fronteiras que separam (ou que aproximam) os estudos e pesquisas na área da história e da literatura. Até quando um texto histórico pode ser estudado como algo ficcional? Até quando uma ficção pode ser utilizada como fonte histórica? Para Pesavento

“A questão da veracidade e da ficcionalidade do texto histórico está, mais do que nunca, presente em nossa contemporaneidade, fazendo dialogar a literatura e a história num processo que dilui fronteiras e abre as portas da interdisciplinaridade. O texto histórico comporta a ficção, desde que o tomemos na sua acepção de escolha, seleção, recorte, montagem, atividades que se articulam à capacidade da imaginação criadora de construir o passado e representá-lo.”12

Acreditamos que uma pesquisa sobre o tema em questão pode nos ser útil para refletir acerca das fronteiras que perpassam as pesquisas dos cientistas sociais, além de ser possível

11 IGLÉSIAS. Op.cit., p.25.

12 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Fronteiras da ficção: diálogos da historia com a literatura. In: NODARI, Eunice (org.). História fronteiras: Simpósio da Associação Nacional de História. V.2. São Paulo: Humanitas, 1999.

p.820.

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Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: EDUFOP,

avaliar em que medida as escolhas e vivências do pesquisador interferem na construção do conhecimento histórico. Por que o conceito de homem cordial foi pensado e explorado na década de 30 não, por exemplo, na Semana de 1922? Por que o mesmo não foi explorado – na dimensão que o foi por Sérgio Buarque – por um outro historiador, pensador ou literato? Qual a necessidade de se construir um conceito que defina ou, em última instância, que represente a sociedade brasileira?

Julgamos que as respostas a estas questões podem ser encontradas não somente nas circunstâncias particulares dos acontecimentos, mas também na formação intelectual de Sérgio Buarque. O fato de ele ter sido um reconhecido crítico literário, a sua vivência como correspondente na Alemanha, toda sua leitura de mundo, permitiu-lhe ultrapassar, ou pelo menos contribuiu, para uma interpretação dissociada das demais interpretações feitas pelos intelectuais de sua época.13

Sua permanência na Europa, mais especificamente na Alemanha, parece ter-lhe propiciado o contato com intelectuais, historiadores e mais diretamente com a obra de Max Weber, que o influenciou na leitura de viés sociológico que faria em sua obra Raízes do Brasil.

Sérgio Buarque é um intelectual que vive seu tempo, que compartilha experiências com outros pensadores brasileiros – como já indicamos aqui – e que tenta, diante das mudanças que começam a marcar a sociedade brasileira, achar respostas para o atraso do país; ele justifica seus conceitos através da história colonial brasileira e através da utilização de termos provenientes da sociologia.

Desta maneira, o conceito explorado pelo historiador paulista é passível não somente de uma interpretação da realidade brasileira, de uma representação dessa realidade, mas também de uma leitura sobre estas representações e como as mesmas definem um olhar sobre a sociedade em determinado momento.

13IGLESIAS. Op.cit., p.18-9.

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