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A MÁQUINA DO TEMPO DE PELÉ

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A “MÁQUINA DO TEMPO” DE PELÉ

Rafael Casé1

Resumo: A imagem de um ídolo pode permanecer eterna? Em tempos nos quais

megacomputadores e nuvens armazenam uma infinidade de conteúdo, a resposta parece ser obviamente positiva, pelo menos quando se trata da preservação de dados ou imagens sobre ele. Mas é possível ir além de ser apenas mais um verbete numa imensa enciclopédia virtual? Nesse caso a situação é mais delicada, pois exigiria que esse ídolo, independentemente de sua área de atuação, estivesse mais presente no dia-a-dia das pessoas. Nesse artigo vamos mostrar como os jogos eletrônicos de futebol estão prestando esse serviço. Ao disponibilizar para os

gamers avatares de jogadores que brilharam no passado, os fazem continuar

“vivos” e ativos ainda que em estádios gerados por computação gráfica. Neste artigo analisaremos o caso de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, e sua relação com os games que ajudam a manter sua majestade intocada, principalmente entre gerações que não tiveram o privilégio de o assistirem com uma bola real nos pés.

Palavras-chave: Jogos Eletrônicos, Idolatria, Futebol

Abstract: Can the image of an idol remain eternal? In times where

megacomputers and clouds an infinite amount of content, the answer seems to be obviously positive, at least when it comes to preserving data or images about them. But is it possible to go beyond being just another topic in a huge virtual encyclopedia? In this case, the situation is more delicate, as it would require this idol, regardless of his area of expertise, to be more present in our daily lives. In this article, we'll show you how electronic soccer games are providing this service. By making available to gamers avatars of players who were brilliant in the past, they keep them “alive” and active, even in virtually generated stadiums. In this article, we will analyze the case of Edson Arantes do Nascimento, known as Pelé, and its relationship with games that helped to maintain he’s majesty untouched, mostly between the generations that didn’t had the privilege of watching him with an actual soccer ball at his feet.

Key words: Eletronic Games, Idolatry, Soccer Introdução

O esporte é movido a paixão, seja por parte daqueles que o praticam, seja por aqueles que o admiram. A busca pela superação de limites ou pelo triunfo é sedutora e por conseguinte atrai a atenção de centenas de milhões de pessoas ao

1 Professor Assistente FCS/Uerj e Doutorando em Comunicação Social do PPGCOM-Uerj,

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2 redor do planeta. Questões culturais fazem com que um ou outro esporte tenham maior aceitação em cada país, mas sem sombra de dúvidas o futebol é a modalidade mais popular a nível global. Para justificar essa afirmação basta observar os números divulgados pela FIFA2 (Fédération Internationale de Football Association) sobre a audiência atingida durante a realização do Mundial de 2018, na Rússia. Cerca de 3,5 bilhões de pessoas (mais da metade da população mundial) assistiram à Copa do Mundo, sendo que a final entre França e Croácia atraiu 1,12 bilhão de telespectadores. Estima-se que outras 309,7 milhões de pessoas tenham acompanhado o evento através de plataformas digitais ou em exibições públicas.

A estimativa é que existam mais de 300 mil clubes de futebol, 3 milhões de praticantes em todo o planeta. No Brasil esses números também são superlativos: aproximadamente 650 times profissionais e 30 milhões de praticantes3. Um solo fecundo, portanto, para o surgimento de ídolos, jogadores que se destacam dos demais por sua dedicação, habilidade ou mesmo por sua entrega em campo. Suas trajetórias em determinados clubes é que vão lhes garantir esse status junto à torcida. Contudo, numa época globalizada, como a que vivemos, também há espaço para os ídolos transnacionais, superestrelas do futebol, potencializadas não apenas por seu talento, mas também por toda uma estrutura midiática e mercadológica que os cerca. Independente da grandeza dessa idolatria, como nos mostra Helal, ela passa, obrigatoriamente pelo conceito do heroísmo.

As narrativas das trajetórias de vida dos ídolos esportivos frequentemente focalizam características que os transformam em heróis, enquanto as dos ídolos da música ou dramaturgia, por exemplo, raramente salientam estas qualidades. A explicação para este fato reside no aspecto agonístico, de luta, que permeia o universo do esporte. A competição é inerente ao próprio espetáculo. Ambos, ídolos do esporte e da música, se transformam em celebridades, porém, os primeiros são mais facilmente considerados “heróis”... Os êxitos dos ídolos despertam a nossa curiosidade. Suas trajetórias rumo à fama são “editadas” na mídia, enfatizando certos aspectos, relegando outros a um plano secundário e até mesmo omitindo algumas passagens. No Brasil, as narrativas das trajetórias de vida dos ídolos enfatizam sobremaneira a genialidade e o improviso como características marcantes e fundamentais para se alcançar o sucesso. (HELAL, 2003, p. 19-20)

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https://www.fifa.com/worldcup/news/more-than-half-the-world-watched-record-breaking-2018-world-cup

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3 Neste artigo abordaremos a trajetória de um desses “heróis”: o primeiro jogador a alcançar um patamar de ídolo mundial e que, por isso mesmo, se notabilizou com a alcunha de Rei do Futebol. Estamos falando do brasileiro Edson Arantes do Nascimento. o Rei Pelé, dono de uma trajetória de sucesso que transcende o passar dos anos, afinal, mesmo quase cinco décadas após “pendurar as chuteiras”, esse jogador, que também já recebeu o título de Atleta do Século XX, mantém seu prestígio, tanto que hoje ainda brilha nos gramados virtuais e é idolatrado até mesmo por aqueles que nunca o viram em campo. O videogame é a “máquina do tempo” de Pelé.

Sois rei

O brilho da carreira de Pelé, com suas atuações acima da média, conquistas e gols, muitos gols, gerou, evidentemente, o interesse em torno do garoto talentoso que despontara no Santos Futebol Clube. Após a conquista do sonhado primeiro título mundial pela Seleção, em 1958, na Suécia, o jovem craque, de apenas 17 anos se tornou o centro das atenções.

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4 Figura 1: Cartaz do filme O Rei Pelé, de 1962.

O cineasta, contudo, não estava só na adoção desse discurso, muito em voga nos anos 1960, os chamados “Anos Dourados”. Em Viagem em Torno de Pelé, de 1963, o jornalista Mario Filho apresenta aquela que seria a “biografia do primeiro cidadão do mundo que o Brasil já produziu” (esquecendo, propositalmente, de nomes como Carmen Miranda ou Santos Dumont, por exemplo). O enredo narra a saga de seu protagonista: um menino pobre e negro, que passa por uma série de dificuldades, mas, no final, conquista o seu reinado e também esbanja exaltação aos “talentos únicos” do camisa 10 santista.

Agora, correndo em campo, Pelé se sentia com asas. Não voava, mas se trouxesse as mãos ao peito e mexesse com os cotovelos para cima e para baixo, voaria. Passou por um jogador enorme, era Rossi, não se espantou de ter driblado Rossi. Tudo lhe parecia natural. (RODRIGUES FILHO, 1963, p. 101).

Há quem garanta, como o jornalista Ruy Castro, na biografia O Anjo Pornográfico4, que a primeira ligação entre Pelé e o trono futebolístico se deu em uma crônica do também jornalista e escritor Nélson Rodrigues, irmão de Mário Filho, ainda antes do Mundial da Suécia. No dia 26 de fevereiro de 1958, Santos e América-RJ se enfrentaram pelo Torneio Rio-São Paulo. Quatro gols da vitória por 5x3 foram marcados por Pelé. Tão retumbante foi a atuação que gerou a crônica A Realeza de Pelé.

Depois do jogo América x Santos, seria um crime não fazer de Pelé o meu personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade [Albert] Laurence chama de “o Domingos da Guia do ataque”. Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete

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5 anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento.” (RODRIGUES, 1958)

Não faltaram, em todos esses anos, livros e filmes sobre Pelé. Publicações chegam a quase 20, inclusive escritas por autores estrangeiros. Também há uma autobiografia publicada em 2006. Nas telas, além do filme citado acima, outras três produções foram realizadas sobre o jogador: Isto é Pelé (1974), Pelé Eterno (2004) e Once in a lifetime (O mundo a seus pés, sobre a passagem pelo New York Cosmos5). Pelé também participou de alguns filmes como ator, interpretando papéis de ficção e até aparecendo como ele próprio, como no caso do filme Os

Trapalhões e o Rei do Futebol (1986).

... a análise da relação entre a autobiografia, sua extensão fílmica e a biografia de Pelé não está relacionada apenas ao uso da literatura ou linguagem fílmica sobre uma figura esportiva. Mais do que isso, trata-se de perceber as construções acerca de um jogador negro, no auge de sua carreira, que possivelmente dialogava com os ideais identitários edificados pelos intelectuais brasileiros de então. (CAPARARO, FREITAS JUNIOR, LISE e LISE, 2017, P.365)

Se somarmos a essa produção todo o conteúdo elogioso construído pela mídia esportiva, fica fácil compreender a construção do ídolo Pelé, como ressalta o professor José Carlos Rodrigues no texto O Rei e o Rito, que analisa o simbolismo da partida que marcou a despedida de Pelé da Seleção Brasileira6.

Entre os brasileiros, principalmente, a figura de Pelé assumiu – no interior deste universo de projeções e identificações que se tem revelado o futebol – dimensões a que não raramente se atribui caráter mítico. Sua biografia, objeto de numerosas declamações, tem sido exibida como o relato exemplar do triunfo

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6 das disciplinas e esforços individuais sobre as circunstâncias adversas da vida. Da imagem de Pelé se fez a condensada narrativa da passagem da pobreza à riqueza, do anonimato à fama, da humildade à glória. Sempre através de uma sociedade permeável aos méritos e aos esforços individuais. Contudo, mesmo se o sucesso, que a biografia de Pelé reproduz, correspondesse em sua integridade a eventos factualmente verdadeiros, esta correspondência não aboliria, certamente, a necessidade de considerarmos a existência de outras narrativas ao menos igualmente verdadeiras – silenciadas entretanto – em que os esforços e as disciplinas individuais sucumbiram às circunstâncias adversas. Do confronto dessas biografias possíveis, não seria difícil levantar a hipótese altamente plausível de que a simples escolha da celebração da vida de Pelé corresponde à eleição de uma imagem determinada da sociedade. A uma opção política, portanto.” (RODRIGUES, 1982, P.75-76)

Claro que em quase 60 anos de vida pública, houve vozes dissonantes sobre essa mitificação de Pelé, como a do jornalista Adriano Neiva da Motta e Silva, que sob o pseudônimo De Vaney, lançou, em 1975, o livro A Verdade sobre Pelé. As fantasias, os exageros, o mito e a história de um desertor. Impactado pela recusa do atacante de disputar a Copa do Mundo da Alemanha, no ano anterior, Adriano resolveu passar a limpo a carreira do Rei através de uma extensa pesquisa.

Pelé teria feito jus ao culto, ao fanatismo, à religião da qual se tornou símbolo, imagem e deus? Essa indagação tem resposta neste livro, cujo objetivo é o de preservar a história do futebol brasileiro das deturpações originárias da vertiginosa e comercializada ampliação do mito. (DE VANEY, 1975, prefácio) O livro, uma produção independente, teve uma forte repulsa pelo público e acabou sendo recolhido.

Uma das características de Pelé foi sempre ter utilizado a terceira pessoa para se referir ao seu lado jogador ou ao Edson, pessoa física. E é justamente a atuação fora dos gramados que gera as maiores críticas por parte da opinião pública.

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7 dominado pelas cepas mais covardes do racismo, passou a carreira desagradando secretamente a muita gente. Que ninguém tenha dúvida: há na relativa falta de carinho público que o cerca na velhice uma boa dosagem de vingança. (RODRIGES, 2020)

No artigo Pelé e a glória do mundo, publicado no jornal Folha de S.Paulo, por ocasião do aniversário de 80 anos de Pelé, o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues pede ao leitor que essas críticas ao homem Edson não resvalem no mérito obtido por Pelé nos gramados, segundo ele, algo inquestionável.

É possível - mas convém estudar os autos com cuidado - que Beckenbauer tenha sido mais elegante, Garrincha mais driblador, Maradona mais habilidoso, Zidane mais calculista, Cruyff mais imprevisível, Zico melhor nas cobranças de falta. Pode-se defender num debate - embora a polêmica seja garantida - que o Fenômeno foi mais forte nas trombadas, Roberto Carlos mais mortal no chute de longe, Messi mais limpo no acabamento das jogadas, CR7 mais letal de cabeça. O que não está aberto à discussão é que nenhum jogador da história chegou perto de combinar tudo isso numa enciclopédia de recursos técnicos, físicos e anímicos como Pelé. Se não acredita em mim, pergunte ao Tostão... Junto com o culto a Messi, sabor de sorvete do momento, ganha espaço neste século a ideia de que as proezas de Pelé se deram num tempo em que o futebol era “fácil”. Ainda que fosse verdade (não é), faltaria explicar por que era fácil só para ele.” (RODRIGES, 2020)

Realeza virtual

A paixão mundial pelo futebol e pelos seus ídolos sempre movimentou a economia, fosse através da associação ao esporte através da publicidade, fosse com produtos propriamente ditos. Por isso mesmo a pujante indústria de jogos eletrônicos nunca perdeu a bola de vista. Desde os primeiros lançamentos, na década de 1970, houve uma busca constante de satisfazer os fãs de futebol, evoluindo cada vez mais de acordo com os avanços tecnológicos disponíveis.

O primeiro jogo de futebol da história dos vídeogames foi Soccer, lançado em 1973 pela japonesa Taito. O jogador podia controlar apenas dois jogadores (representados por bastões verticais) que, sobre uma superfície verde, davam “chutes” em direção ao gol. Algo bem semelhante ao Telejogo, surgido no Brasil no final dessa década.

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8 escolhidos. O jogo Pele’s Soccer para o Atari 2600 simulava um campo de futebol visto de cima. Cada equipe tinha três jogadores que se moviam em conjunto na tentativa de marcar um gol.

Figura 2: Propaganda do Atari 5600 estrelada por Pelé.

Mais de uma década depois, em 1993, o Rei estava de volta aos games, desta vez “emprestando” seu nome para um jogo para Mega Drive. Um jogo com muito mais recursos e com visão isométrica do campo. No ano seguinte, a Accolade lançou mais um jogo com a chancela do Rei, Pelé II: world tournament

soccer, que mantinha a mesma visão do campo de seu antecessor.

Figura 3: Jogo Pelé para Mega Drive, de 1993.

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9 uma escola comandada por Pelé. A partir desses ensinamentos, ele é levado a vencer uma série de desafios.

Com o avanço das bandas largas de internet e com a popularização dos

smartphones, Pelé também ganhou um jogo voltado para dispositivos móveis: Pelé, Soccer Legend, com versões para iOS e Android. Nele, mais uma vez o

camisa dez assume o papel de treinador e ajuda o usuário a marcar o maior número possível de gols.

E, em 2020, o Rocket League, jogo da Psyonix que une carros e futebol, fez uma homenagem aos 80 anos do Rei do Futebol, lançando estampas temáticas pata a carroceria e as rodas dos carros, com as cores do Brasil, e a clássica imagem de Pelé dando uma bicicleta, além de diversos hexágonos espalhados pelo carro para representar uma bola.

O Fortnite, um dos jogos cooperativos de sobrevivência mais populares do mundo, tal como a americana da letra da música Lourinha Bombril, dos Paralamas do Sucesso, também se encantou por Pelé. Tanto que lançou em um pacote com skins7 de futebol, além de oferecer o Pelé “Air Punch”, que permite ao jogador dar o famoso soco no ar que ele dava após seus gols. Para lançar as inovações, a Epic Games, promoveu o Campeonato Pelé, em janeiro de 2021. Os 500 primeiros colocados conquistaram, não só o gesto do ex-jogador, como o pacote temático inteiro de graça. Além disso, os três primeiros receberam camisas do Santos Futbol Clube autografadas pelo Rei. A ação promocional contou com um trailer no qual Pelé contava como surgiu a comemoração e como ela marcou sua carreira.

Figura 4: Todo tipo de skin passa a poder comemorar como o Rei

7As skins de Fortnite são opções de customização para o avatar do jogador, já que o jogo não

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10 Nada se compara, no entanto ao jogo FIFA International Soccer, desenvolvido pela empresa americana Eletronic Arts, surgido em 1993. A contínua evolução dos gráficos fez com que se tornasse um dos jogos de futebol mais realista da história, tendo apenas o PES, da japonesa Konami como concorrente próximo.

A partir do FIFA 2018, o jogo passou a oferecer aos gamers a possibilidade de contar com grandes nomes da história do futebol mundial em seus times. No modo Ultimate Team é possível colocar craques de épocas diferentes lado a lado.

Figura 5: Pelé, Yashin e Ronaldo “Fenômeno” no mesmo time.

A tarefa do jogador não é tão simples assim. Para conseguir ter esses ícones do futebol ao seu dispor é preciso pagar por eles, mesmo já tendo desembolsado um bom valor para adquirir o game. O dinheiro, no entanto não é real. A compra do “passe” dessas feras é feita através de moedas virtuais que são distribuídas aos jogadores ao vencer desafios no jogo. Depois disso ele pode comprar “pacotinhos” com cartas de jogadores ou adquirí-las em um mercado virtual. Também há a possibildade de trocas on-line com outros jogadores.

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11 Cada ícone, atualmente, tem três cartas disponíveis. Os três Pelés que podem atuar no FIFA estão relacionados a três momentos diferentes de sua carreira, as Copas de 1958, 1962 e 1970. Nelas estão índíces que ajudam a estabelecer o ranking do atleta, como físico, chute, cabeçada, drible ou passe.

Figura 6: As três cartas de Pelé no FIFA.

Em um comentário para o portal de esportes GE.com, o comentarista Paulo Vinícius Coelho, o PVC, analisou os três momentos vividos por Pelé, retratados nas cartas do Ultimate Team.

Em 1958 e 1959, foi uma época e que Pelé, fez gols em profusão. Artilheiro do Campeonato Paulista de 1958, com 58 gols. Nunca mais ele fez tantos gols em um único campeonato... Ele ainda era franzino, daí a gente ter uma pontuação menor no físico. O Pelé de 58 podia não ter a maturidade, mas ele tinha a exuberância, mesmo sendo franzino, mas com uma capacidade e uma visão de jogo e de gols, anormais pra um garoto tão jovem... O Pelé de 62 já tem 21 anos. Ele é o jogador da exuberância e da potência física. Se você não consegue ver isso claramente com a camisa da Seleção Brasileira, na Copa de 62, pegue o Santos contra o Benfica, o 5x2 e o 3x28... o 5x2 em Lisboa, foi o maior jogo da

história daquele Santos. Aquele jogo em que Pelé pega a bola no meio de campo, tabela, sai na frente do goleiro e desvia, com uma capacidade, uma inteligência, uma força física e uma maturidade.... Pelé já estava maduro, embora extremamente jovem... O Pelé, em 70, tinha 29 anos e um grande desafio... Ele não tinha mais a mesma velocidade, também não precisava, ele tinha mais o cérebro e continuava com o chute cada vez mais calibrado. Depois do fracasso do Brasil em 66, depois de cogitar abandonar a Seleção Brasileira, ele sabia que aquela Copa tinha

8 A terceira edição da Copa Intercontinental foi disputada em duas partidas entre o campeão

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12 que ser a Copa da consagração. E os números que a gente vê na carta são os números de quem decidiu ficar de vez na história. É por isso que até hoje se discute quem foi melhor. Messi pode ter sido melhor que Pelé, Maradona também, Di Stéfano... E sempre a referência é Pelé. Porque só Pelé é Pelé.” (COELHO, 2020) A disponibilização de cartas de ícones do mundo inteiro fez com que surgissem compreensíveis comparações entre o desempenho histórico desses jogadores. A mídia brasileira, por exemplo, se voltou para a batida rivalidade com a Argentina. Bastou, na cotação da versão de 2019, Pelé ficar um ponto à frente de Maradona, para que as manchetes trouxessem de volta a questão de quem foi o melhor da história. Uma preocupação desproporcionalmente brasileira, como mostra o professor Ronaldo Helal em seu texto Jogo Bonito” y “Fútbol Criollo: la relación futbolística Brasil-Argentina en los medios de comunicación”, afinal, os argentinos sempre admiraram Pelé e o futebol brasileiro.

A “admiração” pelo futebol brasileiro é explícita e supera a “rivalidade” dos dois países. Na edição de 24 de junho de 1986 El Gráfico publica uma reportagem de Juvenal9: “Nasce uma

polêmica que não morrerá nunca: Maradona foi mais importante para a Argentina do que Pelé para o Brasil”. O jornalista trabalha com a hipótese de que o Brasil teria conquistado o tricampeonato sem Pelé, mas que a Argentina não teria conquistado o Mundial sem Maradona. Não se hierarquizam as qualidades de um ou de outro. A ênfase é em relação à importância de cada um para seu país. Esse dado é relevante, já que nos pode ajudar a compreender como se foi “construindo” um debate sobre quem foi o “melhor da história”, Pelé ou Maradona. Essa reportagem foi o primeiro registro dessa comparação. Em 5 de junho de 1990, Pelé foi anunciado como colunista do Clarín. A nota, com foto de Pelé e Maradona juntos, diz que se trata da “coluna de quem foi o melhor do mundo na apaixonante atividade de jogar futebol”. Mesmo depois da vitória da Argentina em 1986 e da consagração de Maradona como o “melhor do mundo”, não se estimula o debate sobre quem foi o melhor da história. (HELAL, 2007, p. 5-6, tradução nossa)

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13 Figura 7: Cartas com as cotações de Pelé e Maradona no FIFA19

A comparação não parou por aí. Com relação ao valor de mercado das cartas, o Pelé da Copa de 70 levava enorme vantagem. Ele estaria avaliado em 15 milhões de coins, a moeda do jogo, o dobro do Diego Armando Maradona da Copa de 1986 e dez vezes mais do que outro argentino, Lionel Messi.

O flerte de Pelé com a realidade virtual já vinha de antes, quando o seu mais belo gol, marcado contra o Juventus, no modesto estádio da Rua Javari, em São Paulo, e sem registro de imagens, foi recriado em computador e incluído no documentário Pelé Eterno. Mas foi através do videogame que Pelé conseguiu transpor as barreiras do tempo.

Na comemoração dos 50 anos do gol mil, marcado contra o Vasco, no Maracanã, em 19 de novembro de 1969, a empresa de material esportivo Puma decidiu fazer uma grande ação promocional em homenagem ao Rei.

A marca alemã convocou jogadores de vídeogame do Brasil e do mundo para jogar com o avatar de Pelé e ajudar o Rei do Futebol a marcar mais mil gols, só que dessa vez, virtuais. Bastava aos jogadores compartilhar os gols nas redes sociais com a hashtag #eKingPelé para que fossem contabilizados.

A iniciativa contou com a participação não só de jogadores profissionais de FIFA, os pro-players, mas também de alunos de escolas e escolinhas de futebol que tiveram um dia dedicado a homenagear o ídolo.

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14 “tabelar” com o Rei, nem que fosse em apenas um gol. Prova maior de que a “máquina do tempo” de Pelé funciona e muito bem.

Conclusão

Através deste artigo buscamos mostrar como a indústria de videogames vem ajudando a perpetuar a imagem de Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, através dos tempos e junto a um público que nunca teve a oportunidade de vê-lo atuar.

Se no começo, poucos anos após abandonar os gramados a figura de Pelé era utilizada como chancela e garantia de um produto que atendia às exigências de um ídolo do esporte, com o passar do tempo, a importância comercial da imagem de Pelé ficou cada vez mais restrita ao Brasil. A idade e os problemas de saúde também fizeram com que o Rei estivesse cada vez menos visível na mídia. Mesmo assim sua “marca” continua presente pela força de sua imagem lendária. A criação da categoria Ultimate Team do jogo FIFA fez com que Pelé e de tantos outros jogadores que marcaram a história do futebol ganhassem um novo fôlego10, principalmente entre os mais jovens, público prioritário da indústria de jogos eletrônicos de todo o mundo. Uma iniciativa que demonstra como os jogos eletrônicos também podem ser observados como constituidores de um imaginário sobre o passado.

Craques incontestes à disposição são uma atração a mais para um jogo que é consumido por quem gosta do futebol, não apenas no ambiente virtual, mas, também na vida real. A possibilidade de recolocar essas lendas novamente em campo e sob seu comando agrega um enorme valor ao game.

Pelé, todavia, impressiona, como pudemos expor, por extrapolar as quatro linhas também no universo dos jogos eletrônicos, um fenômeno que, inclusive, pode ser mais explorado em estudos futuros, pois, em meio a uma realidade em que ídolos surgem e desaparecem como meteoritos que riscam o céu sem deixar rastros, um atleta como Pelé, que teve o auge da carreira há cinco décadas permanecer ativo e cobiçado, ainda que de maneira virtual, é um feito

10 No FIFA 21 são 101 jogadores icônicos diferentes, representando 28 países. Oito deles são

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15 impressionante que louva o passado, marca o presente e se mostra aberto a novas perspectivas no futuro.

Referências bibliográficas

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Referências

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