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Judicialização das políticas públicas: uma análise da atuação do poder judiciário e de seus limites no âmbito das ações individuais para a concessão de medicamentos

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Academic year: 2018

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FACULDADE DE DIREITO

CAROLINA SOFIA FERREIRA GOMES MONTEIRO

JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE

DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E DE SEUS LIMITES NO

ÂMBITO DAS AÇÕES INDIVIDUAIS PARA A CONCESSÃO DE

MEDICAMENTOS

Fortaleza

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CAROLINA SOFIA FERREIRA GOMES MONTEIRO

JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E DE SEUS LIMITES NO ÂMBITO DAS

AÇÕES INDIVIDUAIS PARA A CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. CYNARA MONTEIRO MARIANO.

Área: Direito Administrativo . Direito Constitucional . Direito Financeiro.

Fortaleza

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca da Faculdade de Direito

M775j Monteiro, Carolina Sofia Ferreira Gomes.

Judicialização das políticas públicas: uma análise da atuação do poder judiciário e de seus limites no âmbito das ações individuais para a concessão de medicamentos / Carolina Sofia Ferreira Gomes Monteiro. – 2015.

80 f. : il. color., enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Orientação: Profa. Dra. Cynara Monteiro Mariano.

1. Direito à saúde. 2. Medicamentos. 3. Políticas públicas. I. Título.

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CAROLINA SOFIA FERREIRA GOMES MONTEIRO

JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E DE SEUS LIMITES NO ÂMBITO DAS

AÇÕES INDIVIDUAIS PARA A CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Área: Direito Administrativo . Direito Constitucional . Direito Financeiro.

Aprovado em: ____/ ____/ ____

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. CYNARA MONTEIRO MARIANO (Orientadora) Universidade Federal do Ceará (UFC)

Prof. Me. WILLIAM PAIVA MARQUES JÚNIOR Universidade Federal do Ceará (UFC)

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a efetivação das políticas públicas de saúde por meio do Poder Judiciário, sobretudo no que diz respeito ao direito à saúde e à concessão de medicamentos através de demandas individuais. Analisar-se-á tal questão à luz da “teoria da reserva do possível” e do “mínimo existencial”, discutindo-se, ainda, os problemas advindos da proliferação dessas ações individuais de saúde e os limites para a atuação do Poder Judiciário nesses casos.

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ABSTRACT

The present work aims to analyze the enforcement of the health public policies by the Judiciary, especially regarding the right to health and the concession of medications through individual demands. The aforementioned matter will be analyzed according to the "reserve of contingencies theory" and the "existential minimum". This work will also discuss the issues which result from the proliferation of those individual legal health actions and the limits for the Judiciary action in those cases.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... fl. 08

2. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E A ANÁLISE DO SEU

DESENVOLVIMENTO NO BRASIL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... fl. 10

2.1. Histórico do desenvolvimento do direito à saúde no Brasil ... fl. 10 2.2. Classificação jurídica do direito à saúde ... fl 14 2.3. O direito à saúde na Constituição de 1988 ... fl. 20

3. A SUPOSTA INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA APLICAÇÃO

DAS POLÍTICAS PÚBLICAS, O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL ... fl. 26

3.1. A possibilidade de controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário

e a posição dos Tribunais brasileiros ... fl. 26

3.2. O Mínimo Existencial e a Reserva do Possível ... fl. 36

4. O PROBLEMA DO FORNECIMENTO INDIVIDUAL DE

MEDICAMENTOS E OS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A

POSSIBILIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO ... fl. 44

4.1. “Ativismo judicial despreparado” na concessão individual de

medicamentos ... fl. 44

4.2. Limites na atuação do Poder Judiciário na concessão de medicamentos

por meio de decisões judiciais ... fl. 55

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... fl. 66

REFERÊNCIAS ... fl. 72

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1. INTRODUÇÃO

O que se busca, primordialmente, com este trabalho é discutir a judicialização das políticas públicas de saúde, fazendo uma análise da atuação do Poder Judiciário e de seus limites no âmbito das ações individuais cujo pleito consiste no fornecimento de medicamentos pelo Poder Público.

A escolha do tema da pesquisa se deu, principalmente, em razão da experiência da autora como estagiária da Defensoria Pública da União, onde as demandas individuais por medicamentos e procedimentos cirúrgicos, em face da União – e, na maioria das vezes, contra os demais entes federativos, em razão da solidariedade entre eles – eram bastante numerosas.

Observou que os critérios para o deferimento ou não do pleito não eram feitos de maneira objetiva e unificada, de modo que o sucesso ou não da demanda dependia muito mais de sorte em relação ao magistrado para quem a ação seria distribuída do que efetivamente de bons argumentos jurídicos.

Trabalhou em ações em que, por exemplo, mesmo a vida do assistido estando em perigo por causa da ausência da medicação, o pleito fora indeferido, enquanto que, em outros casos, cuja concessão do medicamento não era uma necessidade tão imediata, os remédios demandados eram concedidos, em sede de liminar, inaudita altera pars. Não havia, portanto, um critério pré-estabelecido para o

deferimento ou não do medicamento nas ações individuais; ia, basicamente, da “consciência” de cada julgador.

Com isso, começou a se perguntar: o que significa o “direito à saúde”? Este é um direito fundamental? O Estado tem o dever de fornecer medicamentos às pessoas? Se sim, pode o Poder Judiciário determinar esse fornecimento quando o Poder Executivo se mostra inerte? Se sim, a concessão desses medicamentos pode ser feita de maneira indiscriminada ou há limites para isso? Se há limites, quais são eles ou quais deveriam sê-los?

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que fornece, em contrapartida, outro medicamento para tanto, mas que, segundo as receitas médicas as quais tinha acesso, não era tão eficaz quanto o requerido judicialmente.

Diante dessa situação, começou a notar o problema que surgia em decorrência desse excesso de demandas individuais: o sobrecarregamento do Poder Judiciário com ações extremamente semelhantes; o surgimento de decisões contraditórias, já que alguns assistidos conseguiam o medicamento e outros não; o gasto excessivo do dinheiro público com o tratamento de um grupo limitado de pessoas, quando outros tratamentos, que atenderiam a um número muito maior de pacientes, eram preteridos por causa de decisões judiciais; etc.

Dessa maneira, buscar-se, neste trabalho, analisar as seguintes questões: inicialmente, discutir-se-á o desenvolvimento do Direito à Saúde no Brasil, a fim de descobrir se este sempre foi considerado um direito fundamental ou se essa valoração é uma novidade legislativa recente. Depois, analisar-se-á como esse direito é tratado atualmente pelo ordenamento, principalmente no que diz respeito à Constituição Federal de 1988, discutindo primordialmente se este é um direito fundamental e, se como tal, sua aplicabilidade seria ou não imediata.

Analisar-se-á, ainda, a possibilidade ou não da judicialização das políticas públicas, debatendo acerca de eventual ingerência na discricionariedade da Administração em contraposição ao controle de legalidade exercido pelo Judiciário. Será objeto de pesquisa, também, a questão da efetivação das políticas públicas de saúde à luz da reserva do possível e do mínimo existencial.

Com as questões supracitadas já esclarecidas, discutir-se-ão os problemas que têm surgido com o crescimento excessivo de demandas individuais para o fornecimento de medicamentos e o que tem sido feito – ou que poderia ser feito – para tentar se solucionar tal questão.

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2. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E A ANÁLISE DO SEU DESENVOLVIMENTO NO BRASIL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Antes de ser iniciar a análise da possibilidade ou não, no ordenamento brasileiro, da judicialização das políticas públicas pelo Poder Judiciário, é fundamental o estudo do chamado “direito a saúde”, analisando-se como esse direito se desenvolveu no ordenamento pátrio, se este é ou não um direito fundamental e como o mesmo é tratado pela Constituição Federal de 1988.

2.1. Histórico do desenvolvimento do direito à saúde no Brasil

A saúde, direito expressamente assegurado na Constituição Federal de 1988, foi objeto de uma série de transformações no Brasil até se estabelecer como se conhece hoje no texto constitucional. O estudo sobre como o tema foi abordado durante a História brasileira é importante para esclarecer como se chegou ao modelo atual. ASENSI (2013, p. 131) afirma que é possível se identificar três concepções que foram fundamentais para essa formação, quais sejam, enquanto favor; enquanto serviço

privado ou serviço decorrente de um direito trabalhista; e, por fim, enquanto direito.

A trajetória da saúde pública no Brasil inicia-se ainda no século XIX, com a vinda da Corte portuguesa, período em que eram realizadas apenas algumas ações de combate à lepra e à peste, e algum controle sanitário, especialmente sobre os portos e ruas (BARROSO, 2008, p. 20), mas nada ainda institucionalizado.

A Constituição do Império não regulamentou nem previu como princípio o direito à saúde, refletindo assim a realidade da época: um país sem vigilância sanitária e com reduzido número de hospitais. Vê-se, portanto, que, seguindo o preceito liberal, esta não era ainda uma atribuição estatal.

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verdadeira “sanitarização” da população – daí o surgimento de movimentos populares como a Revolta da Vacina, em 1904, no Rio de Janeiro, após a aprovação pelo Congresso Nacional do Decreto Lei nº 1.261/1904 que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola e autorizava que brigadas sanitárias, acompanhadas por policiais, invadissem o domicílio da população e lhe aplicasse a vacina à força. Durante o período de predominância desse modelo, não havia, contudo, ações públicas curativas, que ficavam reservadas aos serviços privados e à caridade.

Foi somente com a Constituição de 1934, na Era Vargas, que essa concepção da saúde como um favor começou a ser alterada, decorrência, principalmente da ampliação dos direitos trabalhistas, a criação das caixas de assistência e o advento dos planos de saúde privados (ASENSI, 2013, p. 132). Nessa fase, o acesso à saúde se caracterizou como um serviço privado ou um serviço decorrente da condição de trabalhador com carteira assinada; os desempregados, por exemplo, não tinham acesso a quaisquer serviços de saúde. Vê-se que, nesse período, apesar de ainda não haver uma prestação estatal propriamente dita, de maneira ampla e universal, a saúde começa a ser uma reivindicação dos trabalhadores.

Somente a partir da década de 30, há a estruturação básica do sistema público de saúde, que passa a realizar também ações curativas. É criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. Criam-se os Institutos de Previdência, os conhecidos IAPs, que ofereciam serviços de saúde de caráter curativo. Alguns destes IAPs possuíam, inclusive, hospitais próprios. Tais serviços, contudo, estavam limitados à categoria profissional ligada ao respectivo Instituto. A saúde pública não era universalizada em sua dimensão curativa, restringindo-se a beneficiar os trabalhadores que contribuíam para os institutos de previdência (BARROSO, 2008, p. 20 e 21).

Até mesmo aqueles que tinham condições financeiras para pagar um convênio particular ainda estavam pouco assistidos, posto não existir na época uma sólida legislação de proteção ao consumidor, de modo que não raro se observava a utilização de cláusulas abusivas nos contratos de plano de saúde.

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Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 10 de dezembro de 1948, que, no seu artigo 25, I, prevê:

Artigo XXV: 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

Inspiradas por essa tendência, em efeito cascata, várias outras Constituições recepcionaram o tema, como a Constituição Espanhola (art. 43) e a Constituição da Guatemala (art. 93 a 100) (SCHWARTZ, 2001. p. 46).

Apesar disso, no Brasil, a Constituição de 1967 não previu grandes avanços em matéria de saúde e proteção sanitária, determinando tão somente, em seu art. 8º, que era competência da União estabelecer os planos nacionais de educação e saúde (XVI) e legislar sobre a proteção à saúde (XVII, “c”).

CF-1967, art 8º. Compete à União: (...)

XIV - estabelecer planos nacionais de educação e de saúde; (...)

XVII - legislar sobre: (…)

c) Normas gerais de direito financeiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; de regime penitenciário; A partir da década de 1970 começou a surgir o movimento “Reforma Sanitária”, composto por sanitaristas e estudantes que pugnavam pela universalização da saúde, preconizando também que as ações de saúde deveriam ser formuladas não só pelo Estado, mas em conjunto com a sociedade como um todo. A ideia de participação era a tônica do movimento. ASENSI (2013, p. 139) explica bem o que foi esse movimento:

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O que se observava nesse período em que o Brasil encontrava-se sob o domínio dos militares era uma ênfase nas ações curativas em detrimento das ações preventivas, destacando-se fortes traços de autoritarismo. Assim, a principal bandeira levantada pelo movimento da “Reforma Sanitária” foi a ideia de que o indivíduo deve ser visto como uma totalidade bio-sociopsíquica, devendo o mesmo ter acesso tanto às ações curativas como também às ações preventivas, além dos serviços de saúde de baixa, média e alta complexidade.

Foi na década de 1980 que esse movimente ganhou real visibilidade e contou com a adesão de profissionais e estudiosos de várias áreas, o que repercutiu no resultado da Assembleia Constituinte no final da década de 1980.

Dessa forma, foi somente com a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, que o Brasil positivou o tema e finalmente consagrou a saúde como um direito fundamental, impondo ao Estado o dever de concretizá-la e possibilitar seu acesso a todos os cidadãos – vide art. 196 que preconiza que a saúde é um “direito de todos e dever do Estado”. E mais, o direito a saúde foi reconhecido como uma cláusula pétrea (CF-88, art. 60, §4º). Conforme nos ensina ASENSI (2013, p. 134):

A universalização da saúde foi acompanhada de sua institucionalização normativa, o que possibilitou a cristalização de princípios, normas e diretrizes que seriam desenvolvidos nos anos seguintes, cuja expressão mais significativa foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Consagrando a premissa constitucionalmente assegurada, em 1990 foi criada a Lei nº 8.080, que instituiu as regras e princípios que regem o Sistema Único de Saúde, sendo este definido, pelo art. 4º da referida lei, como o “conjunto de ações e serviços de saúde, prestado por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público”, admitindo, ainda, que a iniciativa privada poderá sim participar do SUS, mas em caráter complementar.

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pressupõem uma horizontalização entre o Estado e a sociedade, conforme preceitua o art. 198, I, da CF-88.

E mais recentemente, ainda é possível identificar a influência das instituições jurídicas na consagração do direito à saúde e ao seu acesso por todos, através, sobretudo, da Defensoria Pública, do Ministério Público e das decisões dos juízos de primeira instância e tribunais.

2.2. Classificação jurídica do direito à saúde

Inicialmente, cumpre distinguir “direito” de “garantia”. Conforme ensina BONAVIDES (2004, p. 528) “direito é a faculdade reconhecida, natural ou legal de

praticar ou não praticar certos atos”, enquanto que garantia para o autor seria “o

requisito de legalidade, que o defende contra a ameaça de certas classes de atentados

de ocorrência mais ou menos fácil”. Explicando melhor essa distinção, BONAVIDES

(2004, p. 528) aduz que:

Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjetivas (ainda que possam ser objetivo de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se. Dentro do que se entende por direito, deve-se conceituar o que são os

direitos fundamentais dos homens. A expressão direitos fundamentais (droits

fondamentaux) surgiu na França em 1770, no movimento político e cultural que deu

origem à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 (NOVELINO, 2012, p. 395).

JOSÉ AFONSO DA SILVA (2006, p. 178) conceitua os direitos fundamentais dos homens como:

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jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive, e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais. É com esse conteúdo que a expressão direitos fundamentais encabeça o Título II da Constituição, que se completa, como direitos fundamentais da pessoa humana, expressamente, no art. 17. (grifou-se) Como tal caracterização é muito abrangente, a doutrina costuma classifica-los em “dimensões”, mas devemos ter claro que uma nova “dimensão” não abandonaria as conquistas da “dimensão” anterior, havendo, portanto, uma proibição à evolução reacionária.

Nesse contexto, o direito à saúde, considerado um direito fundamental do homem, pode adquirir várias formas e pode ser observado a partir de diferentes pontos de vistas, o que também altera a sua classificação jurídica. Observe:

Os direitos de primeira dimensão marcam a passagem de um Estado

autoritário para um Estado de Direito, exigindo um absenteísmo estatal e o respeito, sobretudo, às liberdades individuais, como as liberdades públicas e os direitos políticos, de modo que podemos citar como exemplos de direitos de primeira dimensão o direito à vida, à propriedade privada, à liberdade etc. Conceituando tais direitos, BONAVIDES (2004, p. 563 e 564) ensina que:

Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. [...] São por iguais direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual.

Observe, portanto, que, pela classificação trialista dos direitos fundamentais, os direitos de primeira geração são os chamados de “direito de defesa (ou direito de

resistência)” que, segundo NOVELINO (2012, p. 400) são:

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ingerência na autonomia dos indivíduos. São direitos que limitam o poder estatal com o intuito de preservar as liberdades individuais [...], impondo ao Estado o dever de não interferir, não se intrometer, não reprimir e não censurar.

A saúde é um dos principais, senão o principal pressuposto da vida e também um forte elemento caracterizador da sua qualidade ou não. Assim, claramente o direito à saúde é um direito de primeira dimensão. Nesse mesmo sentido aduz

SCHWARTZ (2001, p. 52):

A saúde se conecta ao direito à vida. Nesse sentido, a saúde é direito de primeira geração, direitos que [...] são os chamados direitos individuais, nascidos e caracterizados pela titularidade individual e pelas possibilidades de serem opostos e resistidos contra a vontade estatal.

Por outro lado, a Constituição Federal de 1988 previu expressamente o direito à saúde no seu art. 6º, que traz o rol dos chamados “direitos sociais”. Como a efetivação do direito a saúde pressupõe também uma atuação Estatal para efetivação desse direito (exemplo: construção de hospitais e postos de saúde, contratação da equipe médica, compra dos aparelhos e equipamentos, prestação de medicamentos etc.) – tanto que o art. 196 da CF-88 claramente determina que a saúde seja um dever do Estado –, constata-se que o direito à saúde também é um direito de segunda dimensão.

Talvez seja como direito de segunda dimensão que a saúde mais se destaca, posto ser este um “Direito a prestações”, ou seja, que impõe um dever de agir ao Estado, a fim, de, assim, proteger certos bens jurídicos (como, por exemplo, a vida e a dignidade humana) contra terceiros ou para promover e garantir a fruição desses bens. NOVELINO (2012, p. 401) ensina que essas prestações estatais podem ser:

As prestações estatais (dimensão objetiva) podem ser de duas espécies: I) prestações materiais, consistentes no oferecimento de bens ou serviços a pessoas que não podem adquiri-los no mercado (como alimentação, educação, saúde...) ou no oferecimento universal de serviços monopolizados pelo Estado (segurança pública); ou II) prestações normativas (ou jurídicas), consistentes na criação de normas jurídicas para tutelar interesses individuais, como a regulamentação das relações de trabalho.

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àqueles que deles necessitem, bem como o oferecimento universal do serviço, como, por exemplo, por meio de hospitais e postos de saúde – questão que será o principal cerne do presente trabalho. Ademais, necessária também a prestação normativa, como, por exemplo, o que ocorreu na Lei nº 8.080, que instituiu as regras e princípios que regem o Sistema Único de Saúde (SUS).

A saúde pode, ainda, ser compreendida como um direito de terceira

dimensão – entendido como aqueles direitos transindividuais que transcendem os

interesses do indivíduo e passam a se preocupar com a proteção do gênero humano, tendo esses direitos surgido “como reação ao alarmante grau de exploração não mais da classe trabalhadora dos países industrializados, mas das nações em

desenvolvimento por aquelas desenvolvidas” (SAMPAIO, p. 273). Tais direitos

apresentam, portanto, altíssimo teor de humanismo e universalidade –, uma vez ser este também um direito difuso, posto impossível se determinar seus titulares e ser indivisível seu objeto (a saúde). Ora, ninguém é “dono” da saúde e esta é um patrimônio da humanidade. Isso é tão verdade que o art. 6º, I, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) reconhece a saúde como um dos direitos básicos do consumidor.

CDC, art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

SCHWARTZ (2001, p. 54) vê, também, a saúde como um direito de

solidariedade:

Ainda, podemos pensá-la [a saúde] como um direito de solidariedade, no que restaria ligada ao trabalho e à alimentação adequada (Morais, 1995, p.20). Um direito ligado ao aspecto comunitário, ou seja, a um Estado que busca a construção de uma ordem social e jurídica com fundamento na solidariedade, um Estado de ação positiva, “promocional de cunho transformador” (Morais, 1997, p. 96). Um direito na busca da melhor “qualidade de vida” possível, em conformidade com o consignado no art. 225 da CF/88.

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Com o progresso da genética, segundo entendimento de Noberto Bobbio (2004, p. 10), surgem os direitos de quarta dimensão, com os quais indubitavelmente o

direito à saúde se relacionam, principalmente no que diz respeito à biotecnologia e a bioengenharia.

Por outro lado, BONAVIDES (2004, p. 571) entende que são direitos de quarta dimensão não o desenvolvimento da engenharia genética, mas a informação, a democracia e o pluralismo político. Veja:

São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. Ainda assim, a saúde se liga ao conceito de direitos de quarta dimensão de Bonavides, uma vez que, principalmente no que diz respeito às políticas preventivas, a informação é de extrema importância, pois é somente com acesso à informação que é possível se desenvolver políticas preventivas, como, por exemplo, o que vemos contra a dengue, principalmente no verão.

A saúde também pode ser entendida como um direito de quarta dimensão na concepção de BONAVIDES no que diz respeito à participação política, porque para a consagração desse direito é essencial a participação popular (exemplo: audiências públicas para se definir quais as áreas que estão carentes de maiores investimentos).

Continuando, os direitos de quinta dimensão estão relacionados à realidade

virtual e esta se correlaciona de maneira evidente com o direito à saúde, já que não há saúde sem qualidade de vida. Assim, se o indivíduo possui acesso aos instrumentos básicos que lhe traga o bem estar, dentre os quais podemos sim dizer que os computadores e a internet, haverá qualidade de vida e, com isso, há saúde.

Corroborando com esse entendimento, temos a lição de SCHWARTZ (2001, p. 54 e 55):

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também, direito de quinta geração [porque] [...] também já é possível consultar médicos, psiquiatras, nutricionistas,... online, e isto é, em alguns casos, de forma gratuita. Mesmo que elimine a necessária interação médico/ paciente de forma presencial, em diversos sentidos, essa forma de atendimento leva a saúde aos menos favorecidos socialmente a custos baixíssimos.

A saúde, como um direito fundamental, tem como princípios básicos principais, dentre outros, a universalidade, concorrência, irrenunciabilidade e inalienabilidade.

A saúde é um direito universal, porque se destina, de modo indiscriminado, a todos os seres humanos. Foi com base nessa ideia de universalidade, por exemplo, que se determinou quebra de patente de medicamentos para o tratamento da AIDS e o Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis, uma vez que “antes de

sua ocorrência, o deferimento de pedidos para a obtenção do “coquetel” para o

tratamento da AIDS era extremamente comum no Supremo Tribunal Federal, e os

custos com sua compra, elevados” (MENDES e BRANCO, 2014, p. 628).

A saúde também é um direito concorrente, porque pode ser exercido cumulativamente com outro direito; irrenunciável, porque “alguns deles podem até não

ser exercidos, (...) mas não se admite [que] sejam renunciados” (SILVA, 2006, p.181);

e, por fim, inalienável, porque não se pode aliená-los, posto não terem conteúdo econômico–patrimonial.

Assim, NOVELINO (2012, p. 1052) determinou que:

Por ser indissociável do direito à vida e da dignidade da pessoa humana, o direito à saúde possui um caráter de fundamentalidade que o inclui, não apenas dentre os direitos fundamentais sociais (CF, art. 6º), mas também no seleto grupo de direitos que compõem o mínimo existencial.

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2.3. O direito à saúde na Constituição de 1988

A Constituição de 1988 trouxe inovações de significativa importância na seara dos direitos fundamentais. SARLET (2009, p. 63) afirma que, pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a devida relevância e, finalmente, foi dado aos direitos fundamentais, pelo direito constitucional vigente, o

status jurídico que lhes é devido e que não obteve o merecido reconhecimento ao longo

da nossa evolução constitucional.

Vê-se, portanto, que aos direitos fundamentais foi reconhecida uma força jurídica e não uma mera força moral, simbólica ou política – força jurídica essa que ainda foi potencializada por se tratar de uma norma hierarquicamente superior. Isso é tão verdade que a esses direitos foi reconhecida uma aplicação direta e imediata (CF-88, art. 5º, §1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”), permitindo que o operador do direito, ao se deparar com uma situação em que esteja em jogo um dado direito fundamental, possa, ele próprio, criar meios de dar efetividade a esse direito, independentemente de existir norma infraconstitucional integradora e mesmo contra a norma infraconstitucional que esteja dificultando a concretização do direito (MARMELTSTEIN, 2003, p. 19).

MARMELTSTEIN (2003, p. 19) explica que a esses direitos foi dada uma posição topográfica de destaque dentro da Constituição, sendo elencados, sobretudo, no art. 5º e seguintes da CF-88, uma vez que, nas Constituições anteriores, eles eram enunciados nos dispositivos finais do texto constitucional. Isso, contudo, não significa que só é possível encontrar direitos fundamentais no art. 5º da CF-88; os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os demais decorrentes dos regimes e dos princípios por ela adotados, tampouco dos tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil faz parte.

CF-88, art. 5º. §2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

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aplicação direta e imediata, mas todos aqueles dotados de fundamentalidade, seja ela

formal ou material (SARLET, 2009, p. 74 e 75).

Além disso, foram criados vários mecanismos processuais para garantia desses direitos, como, por exemplo, as ações judiciais contra as omissões legislativas, de modo que se pode dizer que a Constituição Federal de 1988 não buscou tão somente declarar tais direitos, mas também concretizá-los.

Especificamente em relação ao direito à saúde, como já visto, o art. 6º da CF-88 informa que este é um direito social. O art. 7º, IV, por sua vez, determina que o salário mínimo deverá atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, dentre os quais estão a saúde. No inciso XXII do mesmo artigo, tem-se que, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, devem-se reduzir os riscos inerentes ao trabalho.

É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e da assistência pública, bem como proteger e garantir os direitos das pessoas portadoras de deficiência (CF-88, art. 23, II). Por outro lado, é competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre a defesa à saúde (CF-88, art. 24, XII), mas isso não impede que os Municípios, por força do art. 30, I, da CF-88, legislem sobre o assunto, uma vez que inegavelmente a saúde é um interesse local, já que a execução da saúde é, em grande parte, municipalizada (CF-88, art. 30, VII).

A proteção da saúde é tão séria que autoriza intervenção federal sobre os Estados em caso de não aplicação mínima da receita resultante de impostos estaduais nas ações e serviços públicos de saúde (CF-88, art. 34, VII, “e”). No mesmo sentido, admite-se a intervenção dos Estados sobre os Municípios quando estes não aplicarem o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento das ações e serviços públicos de saúde (CF-88, art. 35, III).

(22)

Por fim, reservou ainda uma seção específica sobre o tema dentro do capítulo destinado à Seguridade Social.

A Constituição Federal de 1988 determinou expressamente que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, sendo garantido por meio de políticas sociais e econômicas que busquem prevenir doenças e outros agravos, bem como garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (CF-88, art. 196). Assim, resta, mais uma vez, claro seu caráter universal.

O princípio da universalidade diz respeito ao reconhecimento da saúde enquanto um direito fundamental de todo e qualquer ser humano, cabendo ao Estado garantir as condições indispensáveis ao seu pleno exercício e o efetivo acesso à atenção e à assistência à saúde em todos os níveis de complexidade. Portanto, tal princípio pressupõe uma relação em que os cidadãos têm um direito que se configura como um dever do Estado, sem possibilidade de restrição à sua universalidade. (ASENSI, 2013, p. 143) (grifou-se)

Exatamente por estar diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, o direito à saúde é titularizado por todas as pessoas que estejam no território brasileiro, independentemente de sua nacionalidade. Ademais, deve prevalecer o princípio da isonomia, de modo que não pode haver qualquer tipo de distinção entre os destinatários dessas ações e/ou serviços. Observa-se o ensinamento de NOVELINO (2012, p. 1053):

[o princípio da isonomia] impõe aos poderes públicos o dever de agir fornecendo a todos prestações materiais e jurídicas adequadas à promoção e proteção da saúde, bem como sua recuperação nos casos de doença, independentemente da situação econômica do indivíduo.

As ações e serviços públicos de saúde são considerados de relevância pública, admitindo a Carta Magna que sua execução possa ser feita diretamente pelo próprio Poder Público ou por meio de terceiros, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas de direito privado (CF-88, art. 197). Essas ações integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, popularmente conhecido como “SUS” (CF-88, art. 198, caput).

Esse sistema único de saúde deve ser organizado de acordo com as seguintes diretrizes: 1) descentralização, com direção única em cada esfera de governo

(23)

atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais (princípio da

integralidade); 3) participação da comunidade (princípio da participação popular).

A descentralização (CF-88, art. 198, I) significa que, embora o SUS constitua um sistema único e integre uma rede regionalizada e hierarquizada, a execução dessas ações e serviços de saúde foi descentralizada, de modo que um único gestor responderá por toda a rede assistencial na sua área de abrangência, estando, assim, incumbido de negociar com os prestadores e tomar a frente nas decisões acerca das políticas públicas de saúde. Tal disposição consagra o federalismo cooperativo

adotado pela Constituição de 1988 (NOVELINO, 2012, p. 1056). ASENSI (2013, p. 144) admite que essa descentralização permite uma maior aproximação com a realidade social de cada localidade, tornando as políticas públicas mais efetivas, já que a sociedade civil também participa do processo de formulação, fiscalização e execução das medidas a serem tomadas.

A integralidade (CF-88, art. 198, II) significa que o direito à saúde deve ser cumprido dando-se prioridade às atividades preventivas, sem que, contudo, isso importe prejuízo a serviços assistenciais ou curativos em todos os níveis de complexidade de assistência. Ou seja, a integralidade “engloba ações de promoção, proteção e

assistência na saúde” (ASENSI, 2013, p. 144).

O princípio da participação social (CF-88, art. 198, III) busca democratizar o acesso à saúde, uma vez que são criados canais de participação popular na gestão do SUS em todas as esferas dos entes federativos. Isso é efetivado, principalmente, por meio da atuação dos Conselhos de Saúde.

O art. 198, §1º, da Constituição Federal de 1988 determina que o SUS será financiado por recursos oriundos do orçamento da seguridade social tanto da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, instituindo, assim, a responsabilidade solidária entre eles, o que também já estava positivado nos termos do art. 23, II, da CF-88. Apesar de o principal destinatário dos deveres decorrentes do direito à saúde ser o Poder Público, de modo que os entes federativos são solidariamente responsáveis, NOVELINO (2012, p. 1053) ressalta que “isso não exclui, no entanto, a responsabilidade da família e da sociedade nesta área, cujos papéis são extremamente

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Com o intuito de conferir maior efetividade às ações e serviços públicos de saúde, a EC nº 29/2000 acrescentou os §§2º e 3º ao art. 198, estabelecendo a obrigatoriedade de aplicação de recursos mínimos pelos entes federativos, o que seria definido por meio de lei complementar.

A Carta Magna admite, ainda, que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada (CF-88, art. 199), mas, apesar disso, esta não pode ser compelida a prestar a assistência sem a devida contraprestação. Essas instituições privadas poderão participar de forma complementar no SUS através de contratos de direitos público ou por meio de convênio, devendo-se dar preferências às entidades filantrópicas e às sem fins lucrativos (CF-88, art. 199, §1º).

Isso não significa que as entidades com fins lucrativos não possam participar de forma complementar ao SUS, elas podem, mas, nesse caso, a Constituição lhes veda a destinação de recursos públicos para auxílio ou subvenção (CF-88, art. 199, §2º). Por outro lado, é expressamente vedada a participação, seja direta ou indireta, de empresas ou de capitais estrangeiros no SUS (CF-88, art. 199, §3º).

A Constituição impôs, ainda, ao Congresso Nacional o dever de regulamentar a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplantes, pesquisas e tratamentos, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização (CF-88, art. 199, §4º). Tal regulamentação foi feita por meio das Leis de nº 9.434/1997, nº 10.205/2001 e nº 11.105/2005.

Em seu art. 200, a Constituição fixou as atribuições e competências do Sistema Único de Saúde. Cumpre destacarmos que esse é um rol exemplificativo, que foi posteriormente ampliado e regulamentado pela Lei nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e de outras providências.

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O art. 220, §3º, II, prevê a possibilidade de, através lei federal, ser restringida a propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Por fim, determina também ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e aos adolescentes, dentre outros, o direito à saúde (CF-88, art. 227), sendo permitida a participação de entidades não governamentais nas ações estatais que promovam a assistência integral à saúde da criança, dos adolescentes e dos jovens (CF-88, art. 227, §1º), devendo, ainda, parte desses recursos públicos ser destinados à saúde na assistência materno-infantil (CF-88, art. 227, §1º, I).

Há, ainda, algumas regras tratando de saúde no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, conforme ensina MARMELTSTEIN (2003, p. 19):

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias também possui algumas regras tratando da saúde, como a do art. 53, inc. IV, que assegura aos ex-combatentes da 2ª Guerra Mundial e seus dependentes a assistência médica e hospitalar gratuita, e outras regras que, em geral, preveem percentuais mínimos de alocação de recursos para o setor de saúde (art. 55, 77 e outros) ou tratam do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza, criado pela Emenda Constitucional n. 31, de 14/12/2000, que tem como objetivo viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.

Verifica-se, portanto, que a Carta Magna guarda sintonia explícita com a garantia do “mais alto nível possível de saúde”, previsto no art. 12 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 1966, regularmente ratificado e incorporado pelo Brasil: “ARTIGO 12: 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental”.

(26)

3. A SUPOSTA INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA APLICAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS, O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL

Demonstrado que nem sempre o direito a saúde foi reconhecido como um direito fundamental, que – pelo contrário – tal proteção constitucional ainda é recente e que sua efetivação, na prática, ainda é extremamente defeituosa, cumpre analisar se é possível a efetivação das políticas públicas de saúde pelo Poder Judiciário e, caso seja possível, o que justificaria tal atuação.

Além disso, é preciso analisar também as políticas públicas de saúde à luz do chamado “mínimo existencial” e da “teoria da reserva do possível”, o que será feito no presente capítulo.

3.1. A possibilidade de controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário e a posição dos Tribunais brasileiros

Em que pese o art. 5º, §1º, da CF-88 só falar expressamente dos “direitos e garantias fundamentais” como direitos com aplicação imediata, não podemos realizar uma interpretação meramente literal, mas entender que foi utilizada uma expressão genérica que abrange, inclusive, os direitos sociais. Conforme leciona SARLET (2009, p. 263), “a nossa Constituição não estabeleceu distinção desta natureza entre os direitos de liberdade e os direitos sociais, encontrando-se todas as categorias de

direitos fundamentais sujeitas, em princípio, ao mesmo regime jurídico”.

Nesse mesmo sentido aduz MARMELSTEIN (2003, p. 20):

Dizer também que os direitos sociais não possuem (ou não podem possuir) aplicação direta e imediata por não estarem elencados no art. 5º é um argumento que, apesar de razoável, não convence, principalmente se for levado em conta que a aplicação direta e imediata decorre do princípio da máxima efetividade, que é inerente a qualquer norma constitucional, sobretudo as definidoras de direito.

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Consolidou-se a mentalidade de que não são os direitos fundamentais que giram em torno da lei, mas a lei que deve girar em torno dos direitos fundamentais. Isso significa que

a concretização dos direitos fundamentais deve ser buscada mesmo contra a vontade da lei ou na ausência desta. (grifou-se)

Ademais, boa parte dos direitos fundamentais sociais se enquadra, por sua estrutura normativa e por sua função, no grupo de “direito de defesa”, de modo que não há nenhum problema em considerar os direitos sociais autoaplicáveis (SARLET, 2009, p. 268). Assim, não há dúvidas de que, mesmo quando estivermos diante de direitos sociais que exigem uma prestação positiva por parte do Estado (as chamadas “normas pragmáticas”), estes direitos deverão ser resguardados, mesmo quando lhes faltar, por exemplo, a norma que os regularmente. É o que Luís Roberto Barroso (2008, p. 15) chama de “doutrina brasileira da efetividade”.

Dessa forma, podemos dizer que a norma contida no art. 5º, §1º, da CF-88 impõe aos órgãos estatais a tarefa de maximizar a eficácia dos direitos fundamentais, o que é feito, principalmente, por meio das chamadas “políticas públicas”.

Segundo Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 39) políticas públicas são programas de ação governamental que resultam de um processo ou um conjunto de processos juridicamente regulados, com o objetivo de coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Nesse mesmo sentido, dispõe DANIEL (2013, p. 114):

O conceito de políticas públicas pressupõe modelos de “ações”, “programas” ou “atividades públicas”, evidenciando o comprometimento de todas as funções do Estado com a realização das metas de efetivação dos direitos fundamentais previstos na Carta Constitucional.

Em decorrência da harmonização de poderes, em que os três poderes devem

harmonizar-se para alcançar os objetivos fundamentais do Estado, as políticas públicas ficaram a cargo, principalmente, do Poder Executivo e do Poder Legislativo, posto ser função típica do Legislativo a elaboração das leis e do Executivo a prática de atos de administração.

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garantir a prestação dos serviços públicos – conjunto de atividades este conhecido como “políticas públicas” (BARCELLOS, 2005, p. 10).

Como toda e qualquer ação estatal, a implantação das políticas públicas envolve gasto de dinheiro público e, como os recursos são limitados, cabe ao Poder Público priorizar e escolher onde as verbas disponíveis serão investidas, devendo sempre, é claro, buscar a concretização dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais.

Constata-se, assim, que as políticas públicas são marcadas pela discricionariedade administrativa, que consiste, segundo os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p. 219), nos atos em que “a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá

optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito”. Isso

ocorre por duas razões, quais sejam: primeiro, porque as políticas públicas pressupõem um Estado provedor e, segundo, porque as normas que tratam de políticas públicas são normas pragmáticas previstas muitas vezes na própria Constituição Federal. Isto é, ao mesmo tempo em que as políticas públicas têm fundamento em normas constitucionais de carga semântica consideravelmente aberta, atribuindo maior discricionariedade ao administrador, exigem também uma prestação direta para consecução dos direitos sociais que visa tutelar (DANIEL, 2013, p. 113).

Segundo o princípio da programação do Direito Financeiro, previsto no art. 165, §4º e §7º, da CF-88, o orçamento não deve conter apenas as estimativas para as receitas e despesas do próximo exercício financeiro, mas, também, a previsão de objetivos e metas relacionados à realização das necessidades públicas.

Trata-se de utilizar os orçamentos não apenas como instrumentos para a previsão de receitas e despesas, mas, igualmente, como forma de atingir objetivos almejados pelo legislador constituinte. (PISCITELLI, 2011, p. 39)

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ensino, embora, regra geral, seja vedada a vinculação da receita de impostos a órgãos, fundos ou despesas pré-determinadas.

Art. 167. São vedados: (...)

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para

manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (grifou-se)

A Constituição Federal deixou tão claro a importância da consagração do direito à saúde que, embora, regra geral, o nosso orçamento seja autorizativo, ou seja,

o orçamento não impõe ou não obriga a realização dos gastos nele previstos, de modo

que o Executivo não está jungido a cumprir o que no orçamento foi veiculado” (LEITE,

2014, p. 51), as normas constantes no orçamento que versam sobre os gastos com saúde

são impositivas, isto é, devem necessariamente ser cumpridas, não há margem para

discricionariedade do Poder Executivo. Isso ocorre “não porque [os gastos com saúde estão] veiculadas no orçamento, mas sim, porque [estão] previstas em outros

instrumentos com força normativa mais vinculante do que as normas orçamentárias

(LEITE, 2014, p. 51) – no caso das normas relacionadas à saúde, como já anteriormente explicitado, o art. 198, §2º, da CF-88 e a LC nº 141/2012 determinam os percentuais de sua aplicação pelos entes da federação.

Caso não haja cumprimento do disposto no art. 198, §2º, II e III, da CF-88, a Constituição Federal, em seu art. 160, parágrafo único, autorizou, inclusive, a retenção ou a entrega das transferências constitucionais aos entes federativos, demonstrando mais uma vez sua preocupação em que o Poder Executivo consagre as chamadas “políticas públicas de saúde”.

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legitima a intervenção judicial para coibir prioridades orçamentárias adotadas pelo governo que não efetivam tais direitos.

O objetivo do legislador constituinte foi claro ao prever o art. 167, IV: embora as políticas públicas devam ser analisadas de acordo com o caso concreto, é possível identificarmos a saúde e a educação, mesmo no plano abstrato, como obrigações que devam ser encaradas como prioridades do Estado. Em relação ao direito à saúde, essa razão é óbvia: a saúde está intimamente ligada ao direito à vida, fonte de onde irradiam os demais direitos fundamentais.

Ora, conquanto haja mérito a ser analisado nos atos discricionários, estes se submetem ao controle de legalidade, porque a discricionariedade da Administração está limitada às disposições legais.

O poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou de outra solução é feito segundo critérios de oportunidade e de conveniência, justiça, equidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador. Mesmo aí, entretanto, o poder de ação administrativa, embora discricionário, não é totalmente livre, porque, sob alguns aspectos, em especial a competência, a forma e a finalidade, a lei implica limitações. Daí por que se diz que a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultrapassar esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei. (PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di; 2012, p. 219) (grifou-se)

Nesse mesmo sentido, observa-se a lição de Ada Pellegrini Grinover (2013, p. 130):

A omissão da administração pode ser enfrentada pelo Judiciário, em decorrência do controle que este exerce sobre os atos administrativos, não se tratando de interferência na Atividade do Poder Executivo.

(31)

Ora, isso ocorre porque “quem governa – pelo menos num Estado

Democrático (e sempre constitucional) de Direito – é a Constituição, de tal sorte que

aos poderes constituídos impõe-se o dever de fidelidade às opções do Constituinte

(SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner, 2010, p. 34).

Observe que o desrespeito à Constituição Federal pode ocorrer tanto mediante uma ação estatal quanto mediante a inércia governamental. Tratando sobre o tema na ADPF 45/DF, o Min. CELSO DE MELLO aduz que a omissão estatal diante da imposição ditada pelo texto constitucional implica desrespeito à própria Constituição Federal, o que autoriza a atuação do Poder Judiciário, cuja atuação seria no sentido da garantir a legalidade, posto ser função deste Poder fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos direitos sociais constitucionalmente garantidos.

DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. (...) - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. (...) - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. (...)" (RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) (grifou-se)

Ora, o Poder Judiciário não estaria adentrando no chamado “mérito administrativo”, mas tão somente garantindo a observância dos preceitos constitucionalmente assegurados aos indivíduos e injustamente recusados pelo Estado. Nesse mesmo sentido, tem-se novamente CELSO DE MELLO no julgamento do ADPF 45/DF:

Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.

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mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. (grifou-se)

Contata-se, portanto, que a antinomia atos vinculados × atos discricionários há muito tempo não é mais capaz de solucionar as questões enfrentadas atualmente pelo Estado Democrático de Direito, sobretudo quando se trata de discussões de políticas públicas (DANIEL, 2013, p. 121).

Não se admite mais a discricionariedade como um pretexto para decisões ineficientes, tanto que os tribunais brasileiros têm amplamente admitido a intervenção do Poder Judiciário na efetivação das políticas públicas quando se observa uma desídia por parte da Administração Pública, salientando o “direito à integralidade da

assistência à saúde a ser prestada pelo Estado, de forma individual ou coletiva

(GRINOVER, 2013, p. 130).

AIDS/HIV. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES. LEGISLAÇÃO COMPATÍVEL COM A TUTELA CONSTITUCIONAL DA SAÚDE (CF, ART. 196). PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. (...) O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira,

não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. (...) Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o

mandamento constitucional, frustrando-lhe,

arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. (STF - RE: 271286 RS , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 02/08/2000, Data de Publicação: DJ 23/08/2000 P - 00052) (grifou-se)

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simplesmente cumprindo a sua missão institucional e, assim, demonstrando profundo respeito à autoridade da Lei Fundamental da República.

O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.

Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. (STF - RE: 482611 SC , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 23/03/2010, Data de Publicação: DJe-060 DIVULG 06/04/2010 PUBLIC 07/04/2010) (grifou-se)

Em diversas oportunidades, o Superior Tribunal de Justiça deixou claro que não cabe ao Administrador Público preterir os direitos fundamentais, aduzindo que a realização dos direitos fundamentais não é uma opção do governante e que, por isso, a efetivação de tais direitos não pode ser condicionada tão somente à “vontade política”. Trata-se de um dever daquele e, se este não for devidamente cumprido, cabe ao Poder Judiciário permitir a sua efetivação, por meio do controle de legalidade.

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – ACESSO À CRECHE AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS – DIREITO SUBJETIVO – RESERVA DO POSSÍVEL – TEORIZAÇÃO E CABIMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO COMO TESE ABSTRATA DE DEFESA – ESCASSEZ DE RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA – PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL – ESSENCIALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO – PRECEDENTES DO STF E STJ. (...) Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. (STJ, REsp 1185474/SC , Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 20/04/2010, T2 - SEGUNDA TURMA) (grifou-se)

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saúde e da vida do cidadão necessitado, o bloqueio das verbas públicas e a transferência para a conta corrente do autor, a fim de que este compre o remédio.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA E RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. (...) Possibilidade de bloqueio de valores a fim de assegurar o fornecimento gratuito de medicamentos em favor de pessoas hipossuficientes. (...) (STF - ARE: 807098 RJ, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 28/04/2014, Data de Publicação: DJe-083 DIVULG 02/05/2014 PUBLIC 05/05/2014) (grifou-se)

Ou seja, a realização do direito à saúde é tão importante, que se tem entendido que este direito deve prevalecer em detrimento da regra de imprescritibilidade dos recursos públicos.

Aliás, é tão claro esse dever estatal de garantir o direito à saúde a todos que o posicionamento pacífico dos tribunais é de que há solidariedade passiva entre a União, os Estados e os Municípios nas demandas que envolvam tratamento de saúde ou fornecimento de medicamento pelo Sistema Único de Saúde, de modo que o sujeito ativo poderá exigir de qualquer um deles a efetivação do seu direito.

Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e do Município providenciá-lo. (STF, AI 550.530-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 26-6-2012, Segunda Turma, DJE de 16-8-2012.) (grifou-se)

Isso ocorre porque o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que quaisquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurarem no polo passivo

de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.

De todo modo, em razão da existência da solidariedade passiva ad causam

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e a referida intervenção de terceiros somente é admitida em relação à obrigação de pagar quantia certa, não sendo, portanto, possível conferir-lhe interpretação extensiva para abarcar aquele tipo de situação (CARNEIRO, 2013, p. 112).

Luís Roberto Barroso, contudo, não concorda com isso, afirmando que a legitimação passiva deva ser do ente público que incluiu o medicamento na sua lista, pois, com a elaboração da lista, estariam os entes da federação se autovinculando.

Nesse contexto, a demanda judicial em que se exige o fornecimento do medicamento não precisa adentrar o terreno árido das decisões políticas sobre quais medicamentos devem ser fornecidos, em função das circunstâncias orçamentárias de cada ente político. Também não haverá necessidade de examinar o tema do financiamento integrado pelos diferentes níveis federativos, discussão a ser travada entre União, Estados e Municípios e não no âmbito de cada demanda entre cidadão e Poder Público. Basta, para a definição do polo passivo em tais casos, a decisão política já tomada por cada ente, no sentido de incluir o medicamento em lista (BARROSO, 2008, p. 35). (grifou-se)

Ora, ao deferir uma prestação de saúde incluída entres as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde, o Judiciário não está criando

uma política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento.

Constata-se, portanto, que a omissão injustificada da Administração em efetivar as políticas públicas essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário, principalmente no que diz respeito ao direito à saúde, posto ser a vida o bem máximo de qualquer pessoa, sem a qual os demais direitos não têm razão de ser.

(36)

3.2. O Mínimo Existencial e a Reserva do Possível

A implementação de uma política pública necessariamente pressupõe disponibilidade financeira, de modo que a principal alegação do Poder Público para a sua omissão na consagração dos direitos fundamentais por meio de políticas públicas é a inexistência de verbas para implementá-las, à luz da chamada “reserva do possível”.

A construção teórica da “reserva do possível” (Der Vorbehalt des

Möglichen) têm origem na Alemanha a partir de 1970, consistindo, segundo a lição de

SARLET e FIGUEIREDO (2010, p. 29), na ideia de que a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria condicionada à capacidade financeira do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos – disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público.

Essa ideia de reserva do possível está consubstanciada, sobretudo, no art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), segundo a qual a criação, expansão ou aperfeiçoamento de qualquer ação governamental que acarrete aumento de despesas deverá ser acompanhado de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes e também de declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Cumpre deixar claro que a reserva do possível não se aplica tão somente aos direitos sociais, que, em tese, pressupõem prestações estatais, mas aplica-se também aos direitos de defesa (aqueles que, em tese, exigem uma prestação negativa por parte do Estado). Isso ocorre porque o qualitativo social não está exclusivamente vinculado a uma atuação positiva do Estado na sua implementação e garantia; são sociais também aqueles direitos que asseguram e protegem um espaço de liberdade e a proteção de determinados bens jurídicos para determinados segmentos da sociedade (SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner, 2010, p. 17).

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e efetivação de uma maneira geral. Assim, não há como negar que todos os direitos fundamentais podem implicar “um custo”, de tal sorte que esta circunstância não se limita aos direitos sociais prestacionais. (SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner, 2010, p. 27 e 28). (grifou-se)

Diante da insuficiência de recursos e de falta de previsão orçamentária, o Poder Judiciário determinará que o Poder Público faça constar na próxima proposta orçamentária a verba necessária à implementação da política pública.

Como a lei orçamentária não é vinculante, permitindo a transposição de verbas, o Judiciário também determinará, em caso de descumprimento do orçamento, a obrigação de fazer consistente na implementação de determinada política pública (a construção de uma escola ou de um hospital, por exemplo). Desse modo, frequentemente, a “reserva do possível” pode levar o Judiciário à condenação da Administração a duas obrigações de fazer: a inclusão no orçamento da verba

necessária ao implemento da obrigação e a obrigação de aplicar a verba para o adimplemento da obrigação. (GRINOVER, Ada Pellegrini, 2013, p. 138) (grifou-se)

Tal inclusão, contudo, deve ser excepcional, uma vez que as complexas avaliações técnicas – de ordem médica, administrativa e orçamentária – competem primariamente aos Poderes Legislativo e Executivo (BARROSO, 2008, p. 36).

Apesar disso, os tribunais têm entendido que não basta a mera alegação da falta de recursos, é indispensável que a Administração efetivamente demonstre a ausência de recursos, aplicando-se aqui a inversão do ônus da prova constante no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Referências

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