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Imunidade de jurisdição penal dos agentes diplomáticos

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Academic year: 2017

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GISLENE PINHEIRO DE OLIVEIRA

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO PENAL DOS AGENTES

DIPLOMÁTICOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação “Stricto Sensu” em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Jorge Fontoura .

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TERMO DE APROVAÇÃO

Dissertação de autoria de Gislene Pinheiro de Oliveira, requisito parcial para obtenção do grau de Mestre do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito,

defendida e aprovada, em31 de março de 2006, pela banca examinadora constituída por:

Prof. Dr. Jorge Luiz Fontoura Nogueira

Orientador (a)

Prof(ª). Dr(ª). Maria Elizabeth G. Teixeira Rocha Membro Externo

Prof. Dr. Antônio de M. Borges Membro Interno

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AGRADECIMENTOS

Uma dissertação de mestrado nunca é uma produção individual, sua elaboração envolve a participação direta ou indireta de muitas pessoas e, por elas, tenho muita gratidão. Não poderia, no entanto, deixar de expressar meus agradecimentos a algumas pessoas que me ajudaram de forma especial para a consecução da presente dissertação de mestrado.

Ao Professor Doutor Jorge Fontoura, meu orientador, pelo incentivo, experiência e conhecimento. Expresso o profundo respeito e os maiores agradecimentos, sempre poucos diante do muito que foi oferecido.

À Professora Glória, pela cuidadosa revisão gramatical da dissertação. Ao querido amigo Marco Antônio, pela ajuda valiosa.

Aos dedicados servidores da Biblioteca do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, sempre solícitos e competentes.

Ao secretário Daniel Barra Ferreira e ao Ministro Appio Cláudio Muniz Acquarone Filho, pela atenção e colaboração que me dispensaram quando estive, em 2004, na coordenação-Geral de privilégios e Imunidades do Ministério das Relações Exteriores.

Reconhecidamente, agradeço ao Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por ter fornecido meios para a realização deste trabalho.

Aos amigos da 5ª Vara Criminal, especialmente Andréia e Kênia, que me proporcionaram a tranqüilidade necessária para elaboração da dissertação .

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“Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais

que sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei”.

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RESUMO

A presente dissertação tem como tema a imunidade de jurisdição penal dos agentes diplomáticos e como objetivo último situar, no direito comparado e no Brasil, o pensamento a respeito da matéria. Para tanto, aborda-se, inicialmente, o conceito de soberania, bem como de jurisdição e competência. Prosseguindo-se, examina-se a Imunidade à Jurisdição estatal e das pessoas que estariam imunes, bem como dos privilégios Diplomáticos e Consulares e a possibilidade de renúncia, que deve ser não só de jurisdição, mas também de execução. Após, aborda-se a questão do Estado estrangeiro e a Jurisdição local, detendo-se especialmente no Direito Brasileiro e nas Teorias da Imunidade Absoluta e Relativa. Dando continuidade, são apresentados e discutidos os antecedentes históricos dos privilégios e imunidades diplomáticos, partindo-se do caráter religioso, dos costumes através dos tempos, até serem finalmente incorporados às convenções internacionais e às legislações internas de vários países. No passo seguinte, debate-se a imunidade de jurisdição penal dos agentes diplomáticos, partindo-se de uma perspectiva comparatista até se chegar à doutrina e jurisprudência brasileira, criticando-se o sistema e os abusos diplomáticos. Finalmente, discute-se as imunidades e privilégios no Tribunal Penal Internacional. Trata-se, por conseguinte, de um trabalho eminentemente de pesquisa destinado a analisar , em especial, as duas Convenções celebradas em Viena, uma sobre relações diplomáticas, datada de 1961 e, outra, sobre relações consulares, de 1963, inclusive sob a perspectiva de renegociação das Convenções para que se atenda aos anseios do mundo contemporâneo e da pós-modernidade.

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ABSTRACT

This dissertation aims at the criminal jurisdiction of the diplomatic corps and ultimately seeks to establish, in comparative law and in Brazil, the reflexion on the matter. To this effect, the concept of sovereignity is first explored in addition to those of jurisdiction and competence. The Immunity to State Jurisdiction is examined as well as the diplomatic and consular privileges and the possibility of renunciation, which must not only pertain to jurisdiction, but also to execution. The issue of the Foreign State and the local jurisdiction is the analysed with special focus on Brazilian Law and the Theories of Absolute and Relative Immunity. A historic overview of the background of diplomatica privileges and immunity, based upon the religious character, the moors throughout the times, culminating in their incorporation into international conventions and internal legislation of various countries. The immunity of criminal jurisdiction of the diplomatic corps is discussed , based upon a comparatist perspective with a view to then discussing the Brazilian doctrine and jurisprudence, whereby proposing a critique of the system and diplomatic excesses. There follows a discussion of the immunity and privileges of the International Criminal Court.This is, therefore, a study destined to analyse, in particular, the two conventions signed in Vienna one on diplomatic relations, dating from 1961 and the other, on consular relations from 1963.The perspective of the renegotiation of the two conventions is not abandoned, given the complexities imposed by the contemporary world and the post-modernity.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...1

1 DOS INSTITUTOS IMUNITÁRIOS...4

1.1 . Fundamentos e características...4

1.2. A imunidade de jurisdição...14

1.3 A fragilização da imunidade absoluta...18

2 TERMINOLOGIA. A DICOTOMIA JURISDIÇÃO E EXECUÇÃO ...26

3 ANTECEDENTES HISTÓRICOS ...42

4 A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO PENAL NO DIREITO COMPARADO...53

5 A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO PENAL NA DOUTRINA E NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS ...70

6 A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO NO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL...83

CONCLUSÃO...89

(9)

INTRODUÇÃO

As imunidades diplomáticas são prerrogativas outorgadas aos representantes diplomáticos estrangeiros, observando sempre o princípio da mais estrita reciprocidade, para que obtenham a independência necessária voltada à execução de seus deveres oficiais, sendo medida indispensável para a manutenção das relações internacionais.

As regras de direito das gentes, consagradas ou não por tratados ou convenções, e as práticas de cortesia internacional presidem as soluções de todos os problemas relativos às imunidades diplomáticas e dirimem possíveis conflitos de leis relativas à competência para o julgamento dos delitos praticados a bordo de navios ou aeronaves, de qualquer natureza. Ver-se-á que não resta mais lugar para a ficção da extraterritorialidade, maxime considerando as diferentes normas de direito interno de um país para outro, onde sempre haverá a afirmação de sua própria soberania.

As infrações praticadas pelas pessoas que gozam de imunidade diplomática constituem fonte de preocupação, uma vez que há sentimento de impunidade dele decorrente, constituindo verdadeiro estímulo para que seus autores continuem delinqüindo.

(10)

A presente Dissertação visa estudar a problemática da Imunidade de Jurisdição e de Execução, em especial a imunidade penal diplomática, partindo de uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial, com fulcro, inclusive, no direito comparado.

O tema proposto é controvertido e relevante no campo da Ciência Jurídica, sendo objeto de discussão tanto na doutrina como na jurisprudência, principalmente em se tratando da interpretação de pressupostos históricos, fáticos ou legais acerca da soberania do Estado e das normas contidas em convenções internacionais. Ressaltando a questão da imunidade de Execução e dos abusos dos privilégios e imunidades que, para mim, é o ponto mais delicado.

A abordagem inicia-se mediante uma interpretação do que vem a ser soberania dos Estados, continuando com um conceito doutrinário de jurisdição e competência.

Em seguida, parte-se para uma análise da Imunidade à jurisdição estatal e das pessoas que estariam imunes, bem como dos privilégios Diplomáticos e Consulares e a possibilidade de renúncia, que deve ser não só de jurisdição, mas também de execução.

O trabalho aborda, ainda, a questão do Estado Estrangeiro e a Jurisdição local, detendo-se, em especial, no Direito Brasileiro e nas Teorias da Imunidade Absoluta e Relativa.

(11)

No passo seguinte, busca o estudo deter-se na imunidade de jurisdição penal dos agentes diplomáticos, partindo de uma perspectiva comparatista e, posteriormente, observando-se a doutrina e a jurisprudência brasileira, sempre com tônica crítica ao sistema e aos abusos diplomáticos.

Diante da criação do Tribunal Penal Internacional, conforme Estatuto de Roma de 1998, foi dedicado um capítulo para discussão das imunidades e privilégios, já que o Tribunal é voltado à responsabilização de altas autoridades envolvidas em graves violações aos direitos humanos

O princípio da territorialidade do direito penal sofre flagrante restrição, com os privilégios que podem resultar das chamadas imunidades diplomáticas. Registre-se que, as concessões de tais privilégios nem sempre estão estipuladas em tratados ou convenções, mas também em respeito a regras de natureza consuetudinária do direito das gentes, em que a recepção pelo direito interno se faz de forma tácita ou expressa.

Atualmente, vigem duas convenções celebradas em Viena, uma sobre relações diplomáticas, datada de 1961 e, outra, sobre relações consulares, de 1963, que serão analisadas no decorrer do trabalho, inclusive sob a perspectiva de renegociação das Convenções, para que se atenda às perspectivas do mundo contemporâneo e da pós-modernidade.

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CAPÍTULO I - DOS INSTITUTOS IMUNITÁRIOS

1.1 Fundamentos e características

Não é possível buscar os fundamentos da Imunidade de Jurisdição sem que se fale sobre o princípio da igualdade soberana dos Estados1. Convém, inicialmente, adentrar o conceito e, para tanto, podemos dizer que a soberania é o mais alto poder do Estado existente dentro do seu território, partindo-se da própria acepção do vocábulo que significa

suma potestas, poder supremo, pleno e absoluto.O Estado é dotado de soberania interna (autonomia) e externa (independência). A igualdade jurídica, por sua vez, assegura o efetivo exercício da independência e da autonomia estatais. Neste sentido menciona José Afonso da Silva:

“soberania significa poder político supremo e independente: supremo porque não está limitado por nenhum outro na ordem interna, independente porque, na ordem internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes supremos de outros povos”2

O Estado soberano pratica atos que não podem ser examinados por outro Estado também soberano, face a existência de um dos princípios norteadores do Direito Internacional, qual seja, o princípio da igualdade jurídica , consubstanciada na paridade de direitos e obrigações. Consoante Clóvis Beviláqua, “em rigor não há direito à igualdade, mas todos os Estados têm direitos iguais na comunhão universal”3.

1

A Carta das Nações Unidas (artigo 1º) inclui entre os objetivos da organização, o desenvolvimento das relações internacionais “fundadas no respeito aos princípios de igualdade de direito dos povos”.

2

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.108

3

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Há documentos de cunho universal que tratam do assunto. Destaque-se a Declaração de Direitos e Deveres dos Estados, aprovada pela Resolução 375 da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, em 1949, e a Resolução 2.626 aprovada pelo mesmo órgão em 1970 com o título “Declaração sobre os Princípios de Direito Internacional Referentes às Relações de Amizade e a Cooperação entre os Estados de Conformidade com a Carta das Nações Unidas”. Esta última resolução reitera o princípio da igualdade jurídica dos Estados e estabelece os elementos da igualdade soberana, quais sejam: a) os Estados são iguais juridicamente; b) cada Estado goza dos direitos inerentes à plena soberania; c) cada Estado tem o dever de respeitar a personalidade dos demais; d) a integridade territorial e a independência política dos Estados são invioláveis; e) cada Estado tem o direito de eleger e levar a frente livremente seu sistema político, social, econômico e cultural; f) cada Estado tem o dever de cumprir plenamente e de boa fé suas obrigações internacionais e de viver em paz com os demais Estados.

Com propriedade afirma Francisco Rezek:

“A soberania não é apenas uma idéia doutrinária fundada na observação da realidade internacional existente desde quando os governos monárquicos da Europa, pelo século XVI, escaparam ao controle centralizante do Papa e do Sacro Império romano-germânico. Ela é hoje uma afirmação do direito internacional positivo, no mais alto nível de seus textos convencionais. A Carta da ONU afirma, em seu art. 2, §1, que a organização “é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”. A Carta da OEA estatui, no art. 3, f, que “a ordem internacional é constituída essencialmente pelo respeito à personalidade, soberania e independência dos Estados”. De seu lado, toda a jurisprudência internacional, aí compreendida a da Corte da Haia, é carregada de afirmações relativas à soberania dos Estados e à igualdade soberana que rege sua convivência”4.

O Estado, por ser soberano, encontra-se protegido no que pertine à sua liberdade e está subordinado à ordem internacional, isto é, os Estados não se acham sujeitos

4

(14)

uns aos outros e sim ao Direito das Gentes, que lhes pode assegurar a defesa e o exercício de sua liberdade. É fundamental o respeito às normas do Direito das Gentes para a manutenção da boa convivência internacional. A Constituição brasileira dispõe em seu artigo 4o, inciso V, que a igualdade entre os Estados é um dos princípios norteadores da condução de suas relações internacionais pela nossa República. Em outra esfera, mais precisamente a externa, constata-se a existência de inúmeros tratados que indicam a relevância do princípio da igualdade jurídica dos Estados, citando-se por exemplo o artigo 2o, inciso I, da Carta da ONU e o artigo 9o do Tratado Constitutivo da OEA.

Márcio Garcia ao analisar a questão da imunidade como exceção à regra geral da absoluta jurisdição territorial do Estado, afirma que ela estaria ligada ao princípio da igualdade jurídica do Estado, bem como à noção de soberania, ressaltando, no entanto, que o fundamento original da imunidade encontra-se na cortesia (“comitas”5). E afirma que:

“A matéria ganha contornos mais acentuados se a leitura do fenômeno se dá tendo em vista somente o direito doméstico de tal ou qual país. No Brasil, por exemplo, poder-se-ia invocar dispositivo constitucional garantidor do acesso à via judiciária ( art. 5º – XXXV). O princípio constitucionalmente consagrado do acesso aos tribunais, no entanto, não pode ser aplicado aos Estados estrangeiros sem o seu beneplácito. Como ponderou o Prof. Francisco Rezek, “...o constituinte brasileiro não tem autoridade para nos fazer promessas à custa ou a cargo de soberanias estrangeiras, de ordens jurídicas que não se confundem com a nossa” 6.

Prossegue o ilustre Márcio Garcia asseverando que:

“Em relação ao soberano não há dúvida possível: ele é imune. Pouco importa saber a que título eventualmente tenha se envolvido em tal ou qual questão. Mesmo em assuntos privados, ele goza de imunidade. O pitoresco caso

5

A cortesia internacional, comitas gentium, é uma espécie de compromisso relacionada com a moralidade, mas que, no entanto, deve ser dela distinguida. Implica a boa vizinhança, o respeito mútuo e a renúncia amigável à discussão de questões de ordem técnica, sendo a sua prática exemplificada pela isenção dos representantes diplomáticos de direitos alfandegários.

6

(15)

“Mighell v. Sultão de Johore”, de 1894, é bom exemplo. O Sultão prometeu casamento à senhorita Mighell. Sabe-se lá que favores obteve da referida mulher, bem como de sua família com base na promessa. Desiste da obrigação na vigésima-quinta hora. De acordo com as leis do Reino Unido à época, a quebra do compromisso era passível de indenização. Cuida-se, no entanto, de soberano vestido de imunidade. O Tribunal abdica, assim, de sua função judicante. Cento e cinco anos após, no mesmo país, a regra começa a conviver com exceção. Em precedente, a vários títulos pioneiro, a mais alta instância judiciária do Reino Britânico (“House of Lords”) limita a imunidade absoluta do Chefe de Estado. Cuida-se do Caso Pinochet. O argumento restritivo é, em síntese, a violação grave dos direitos humanos. Nessa hipótese, invocar a imunidade é imprestável, ponderou a maioria vencedora dos “Law Lords”7.

O Estado é soberano para se regular internamente e se expressar externamente. Há, no entanto, restrições impostas pela própria convivência entre os Estados, determinadas pelas convenções internacionais a que estão obrigados, transformadas em leis internas no Brasil, limitando direitos e ampliando deveres.

O tratado é obra do Poder Executivo e somente a ele compete cumpri-lo ou denunciá-lo, se ofender a ordem pública ou for contrário aos interesses do Estado.

Depreende-se que uma lei interna não pode revogar um tratado internacional, senão estaríamos descumprindo um pressuposto básico do ordenamento jurídico internacional, que prevê a hierarquia das normas jurídicas, reconhecendo a superioridade da norma internacional, cuja vigência terminaria apenas com a denúncia ou com o termo.

A questão não é pacífica, há quem adote o princípio lex posterior derrogat legi priori, permitindo que o tratado revogue lei interna, em havendo conflito, e vice-versa, lei superveniente poderia revogar um tratado.

7

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Conforme ensinamento de Wagner D. Giglio:

“[...]na moderna lição dos internacionalistas, “nenhum Estado pode se subtrair a uma obrigação jurídica internacional invocando seu direito interno” (Alfred Verdross). Em suma,prevalece o princípio de que iguais não podem subordinar iguais a seu mando: par in parem non habet imperium”.8

O Estado soberano exerce controle jurisdicional e administrativo em seu território, restringido pelas normas internacionais incorporadas. Hans Kelsen afirma que:

“Se as ordens jurídicas estaduais ou as comunidades jurídicas estaduais por elas constituídas , o Estado, são designadas como ‘soberanas’, isso significa simplesmente que elas apenas se encontram subordinadas à ordem jurídica internacional, que elas são jurídico-internacionalmente imediatas”9.

No Brasil, os tratados, depois de cumpridas as exigências para sua entrada em vigor, são incorporados à legislação. Para serem ratificados, têm de ser aprovados por Decretos Legislativos (que constituem lei federal em nosso sistema constitucional), tornando-se, assim, direito objetivo brasileiro.10 Logo, é impossível falar em soberania absoluta, porque esta sofre restrições e limitações decorrentes do relacionamento interestatal, provenientes do princípio par in parem non habet imperium, ou seja , era invocada entre os senhores feudais que não se submetiam a seus iguais.11

Aplica-se a regra da obrigatoriedade dos contratos, consubstanciada no princípio pacta sunt servanda, constante na Convenção de Viena de 1969, sobre o Direito dos Tratados, que, no entanto, ainda não foi ratificada pelo Brasil.

8

GIGLIO, Wagner D. A Imunidade de Jurisdição. In:Curso de Direito Constitucional do Trabalho. Estudos em Homenagem ao Professor Amauri Mascaro Nascimento. ROMITA, Arion Sayão (Org.). São Paulo: LTr, 1991, v. 2, p. 313.

9

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. Coimbra: 1984, p. 451.

10

A decisão do STF no RE n. 80.004, em que o órgão revê uma jurisprudência de alguns anos e passa a ler o Tratado Internacional como tendo estatura de norma infraconstitucional.

11

(17)

Uma das conseqüências da soberania dos Estados é a imunidade de jurisdição que permite, em regra, a isenção jurisdicional do Estado, tendo como fundamento o princípio da igualdade soberana dos Estados. O Estado goza de imunidade por direito próprio; os agentes diplomáticos, por via indireta, como representantes do Estado. A imunidade dos Estados está fundada no Direito das Gentes e a imunidade diplomática deriva de tratados e convenções internacionais, lastreada na necessidade funcional de bem desempenhar sua missão de representantes dos Estados. Consoante Montesquieu, os embaixadores

“representam a palavra do príncipe que os envia, e esta palavra deve ser livre. Nenhum

obstáculo deve obstar-lhes a ação”.12 A imunidade de jurisdição se estende ainda às organizações internacionais. Segundo Clóvis Ramalhete, “ Essa imunidade à jurisdição do Estado figura, a todos, ser a condição mesma para a plena prática da representação

diplomática entre os povos”13 .Nos termos doutrinários de Vera Maria Jatahy,

“O princípio da imunidade de jurisdição é aquele segundo o qual esta deixa de ser exercida em razão da qualidade do réu. Sendo a jurisdição um exercício da soberania, um Estado soberano não tem como julgar outro Estado igualmente soberano sem o consentimento deste. Como conseqüência o chefe de Estado goza de imunidade em razão de seu aspecto representativo na condição de órgão estatal, assim como as pessoas por ele designadas. A jurisdição normal fica também suspensa ao ser estendido o privilégio pelo direito internacional a determinadas pessoas físicas ou jurídicas em razão das funções internacionais que exercem.”14

Antenor Pereira Madruga Filho afirma que a limitação externa não voluntária é perceptível no fenômeno da imunidade de jurisdição dos Estados soberanos e cita

12

MONTESQUIEU. O Espírito das leis. Brasília: Universidade de Brasília, 1982, p. 521.

13

RAMALHETE, Clóvis. Estado Estrangeiro perante a Justiça nacional. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, n. 4, ano II, vol. II. Rio de Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil,1970, p. 5, setembro/dezembro.

14

(18)

Lorde Millet, membro da Casa dos Lordes, no julgamento do caso Holland v. Lampen-Wolfe,

ocorrido em 20 de julho de 2000. 15

Segundo o mesmo autor:

“[...] o conceito de soberania permanece útil e indispensável à compreensão e à explicação da sociedade internacional e do papel que nela exercem os Estados soberanos. Porém, é preciso dar-lhe um conteúdo móvel, tornando-o ferramenta de análise de uma realidade em transformação e não de uma situação estática e imutável.” 16

Tem-se, assim, que o conceito de soberania deve ser flexibilizado para atender à sociedade universal.

Ainda na busca dos fundamentos da imunidade de jurisdição, mister se faz examinar a conceituação dos institutos da jurisdição e competência.Conceituar e entender os institutos da jurisdição e competência é de suma importância face a confusão entre os conceitos que pode vir a dificultar o entendimento da imunidade de jurisdição, principalmente diante da chamada competência internacional. Registra a doutrina brasileira, inclusive, que na Apelação Cível n. 9.609-SP, julgada em 31 de maio de 1989 no STF, tendo como Relator o Ministro SYDNEY SANCHES , no famoso caso Geni de Oliveira, considerada a decisão judicial de maior relevância sobre a matéria imunidade de jurisdição dos Estados Soberanos,

15

“State immunity, as I have explained, is a creature of customary international law and derives from de equality of sovereign states. It is not a self-imposed restriction on de jurisdiction of its courts which the United Kingdom has chosen to adopt. It is a limitation imposed from without upon the sovereignty of the United Kingdom itself. The immunity in question in the present case belongs to the United States. The United States has not waived its immunity. It is not a party to the Convention. The Convention derives its binding force from the consent of the contracting states. The United Kingdom cannot, by its own act of acceding to the Convention and without the consent of the United States, obtain a power of adjudication over the United States which international law denies it”. MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. A renúncia à imunidade de jurisdição pelo estado estrangeiro e o novo direito da imunidade de jurisdição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 54.

16

(19)

houve uma confusão quanto aos conceitos dos institutos, que no entanto, por um acaso, não veio a interferir no resultado.17

O conceito de jurisdição (poder de dizer o direito) não se confunde com o de competência (grau de jurisdição, medida naquele poder). Rogério Lauria Tucci conceitua jurisdição nos seguintes termos:

“ Jurisdição é uma função estatal inerente ao poder-dever de realização de justiça, mediante atividade substitutiva de agentes do Poder Judiciário – juízes e tribunais -, concretizada na aplicação do direito objetivo a uma relação jurídica, com a respectiva declaração, e o conseqüente reconhecimento, satisfação ou assecuração do direito subjetivo material de um dos titulares das situações (ativa e passiva) que a compõem”18

Jurisdição é o poder, função e atividade de aplicar o direito a um fato concreto, pelos órgãos públicos destinados a tal, obtendo-se a justa composição da lide, Somente o Poder Judiciário detém a jurisdição . Segundo Nádia de Araújo:

“A jurisdição é como um dos elementos da soberania do Estado, e só a este compete determiná-lo. No Brasil, é regulada pela Constituição. No plano internacional constitui princípio assente que ao Estado, na esfera de sua jurisdição, cabe determinar a competência dos tribunais, assim como sua organização, as formas de processo, a execução das sentenças e os recursos contra as suas decisões”19.

A jurisdição, em tese, é ilimitada, mas impossibilita o Estado regular a competência de outro Estado sem violar sua soberania.20

17

Ibidem, p. 73.

18

TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 21.

19

ARAÚJO. Nádia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

20

(20)

Os Estados, autônomos e independentes, exercem jurisdição sobre as coisas e as pessoas que se encontram no seu território. É a jurisdição o poder instituído pelo Estado, poder nacional indivisível, visando restaurar ou manter a paz e a ordem sociais. É a jurisdição una e indivisível: somente o juiz, regularmente investido, exerce a jurisdição. É atividade do juiz quando aplica o direito, em processo regular, mediante a provocação de alguém que exerce o direito de ação.

No silêncio da lei, o exercício da jurisdição arrima-se em dois princípios: o de efetividade21 e o da submissão.

A competência é o poder de fazer atuar a jurisdição quem tem um órgão jurisdicional diante de um caso concreto. Decorre esse poder de uma delimitação prévia, constitucional e legal, estabelecida segundo critérios de especialização da justiça, distribuição territorial e divisão de serviço.

Diversas teorias buscaram dar fundamento jurídico à imunidade diplomática, sobressaindo-se as três principais conforme a verdade jurídica de sua época: extraterritorialidade22, caráter representativo23 e necessidade funcional24. A Convenção de

basicamente importam à atividade jurisdicional são aqueles ocorridos no interior do território do Estado. Um dos limites mais nítidos à jurisdição, portanto, são as fronteiras do território nacional” MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. A renúncia à imunidade de jurisdição pelo estado estrangeiro e o novo direito da imunidade de jurisdição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 81.

21

É aquele em função do qual o Estado deve abster-se de julgar, se a sentença que vier a proferir não tem como ser reconhecida onde deve exclusivamente produzir seus efeitos

22

Também denominada exterritorialidade. Parte no primeiro estágio da presunção fictícia do agente estar fora do território no qual exerce suas funções, e portanto, não estaria subordinado à lei da nação estrangeira onde viva. No segundo estágio, entender-se-ia que o local da missão diplomática representaria uma extensão do Estado acreditante e, portanto, não estaria afeito à jurisdição do Estado acreditado. Esta teoria foi questionada e rejeitada no século passado.

23

(21)

Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 foi orientada pela teoria da necessidade funcional, cujo preâmbulo assim estabelece: “Reconhecendo que a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas sim garantir o eficaz desempenho

das funções das missões diplomáticas, em seu caráter de representantes dos Estados”.

Salvo alguns tratados internacionais que procuram unificar os critérios determinadores da competência internacional (como exemplo o Código Bustamante, artigo. 318 e seguintes, algumas Convenções da Haia), os quais, ratificados, incorporam-se ao Direito Interno, cada país, como ato de soberania, determina a própria competência internacional segundo elementos próprios.

No Brasil, observa-se o critério da competência jurisdicional internacional, fixado nas normas internas de definição da competência territorial para determinação da jurisdição brasileira . O Código de Processo Civil vigente regula a matéria nos artigos 88 e 89. Além destes casos, é de se incluir como outro elemento determinador da competência internacional a vontade das partes, por meio da eleição de foro. O internacionalista Guido Soares assevera ainda que :

“Nos seus aspectos de fazer atuar a lei penal, a jurisdição tem, como regra, o mesmo princípio de abrangência espacial que apresenta quando faz valer a vontade da lei civil: uma base territorial, confundida com o suporte espacial da soberania estatal. Assim, em todas as legislações, a regra fundamental para determinar-se a jurisdição criminal é o lugar onde o delito foi cometido (lex loci commissi), princípio da territorialidade, temperado com os critérios da nacionalidade do delinqüente (princípio da nacionalidade ou personalidade), nacionalidade do bem lesado ou ameaçado ( princípio da defesa, proteção ou real) e universalidade da justiça para os crimes que por

24

(22)

tratados e convenções os países se comprometeram a reprimir ( princípio de justiça cosmopolita ou universal)”.25

Há litispendência internacional quando em tribunais que exercem sua jurisdição em sistemas jurídicos internacionais diferentes corre a mesma ação. Em matéria de Direito convencional vigente para o Brasil, temos a respeito o artigo 384 do Código de Bustamante (Convenção de Havana promulgada pelo Dec. n. 18.871, de 13.8.1929). No mesmo sentido, o art. 7º da Convenção da Haia , de 25 de novembro de 1965, que trata da eleição de foro (não ratificada ainda por nosso país).

1.2 A imunidade de jurisdição

Ultrapassado os conceitos básicos, passa-se a adentrar na seara da imunidade de jurisdição propriamente dita, partindo-se de suas características.

A imunidade de jurisdição é a isenção, a franquia dada por um Estado a outro, dispensando-o de seu poder soberano, permitindo que os atos deste último estejam fora da tutela jurisdicional de atuação do órgão competente do Estado territorial, ressalvada a renúncia expressa desse direito. Conforme entendimento de Teixeira Paranhos.

“Consiste a imunidade de jurisdição na subtração dos atos praticados por agentes dos estados estrangeiros, em seu nome próprio ou em nome do estado que representam, da jurisdição do país onde se encontrem acreditados. Há por conseguinte, dois tipos de imunidade: a pessoal (referente à pessoa dos agentes diplomáticos e assemelhados) e a estatal (referente aos atos oficiais dos estados representados). Das primeiras, cuidam as convenções de havana e Viena. As segundas, encontram seus fundamentos em “uma das mais sólidas regras costumeiras do Direito das Gentes”, consoante se assentou no julgamento do RE 56.466 ( RTJ 66/725) pelo Supremo Tribunal Federal”.26

25

SOARES, Guido Fernando Silva. Das imunidades de jurisdição e de execução. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 25.

26

(23)

A isenção jurisdicional não decorre de ato voluntário tácito, mas de ato volitivo, expresso do Estado e pressupõe, na maioria dos casos, um tratado internacional que o Estado ratifica, incorporando-o ao seu direito interno.

O jurista GUIDO SOARES citando o Prof. Haroldo Valladão explica que:

“imunidade internacional de jurisdição é a isenção para certas pessoas , da jurisdição civil, penal, administrativa, por força de normas jurídicas internacionais, originalmente costumeiras, praxe, doutrina, jurisprudência, ultimamente convencionais, constantes de tratados e convenções”27

Sendo uma restrição aos direitos do Estado, a isenção jurisdicional é hoje reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência e o Direito Internacional estabeleceu normas que a consagram de maneira inequívoca. Nenhum Estado pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado.

As convenções de Viena trazem em seu bojo a inviolabilidade e a isenção fiscal de determinados móveis e imóveis pertencentes ao Estado acreditante, não atingindo o patrimônio particular dos diplomatas e cônsules. Entretanto, “ ali não se encontra norma alguma que disponha sobre a imunidade do Estado, como pessoa jurídica de direito público

externo, à jurisdição local (de índole cível, naturalmente”).28

Segundo Beat Walter Rechsteiner:

“O princípio da imunidade do Estado estrangeiro percorreu uma longa evolução histórica. Foi reconhecido por Bartolus de Sassoferato (1314-1357) como princípio válido no direito internacional, usando a fórmula par in parem non habet imperium para expressá-lo. No decorrer do tempo, o princípio da imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro confirmou-se na

27

SOARES, Guido Fernando Silva. Das imunidades de jurisdição e de execução. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, p, 1.

28

(24)

prática da vida internacional, transformando-se na acepção que hoje se atribui ao conceito”29

A imunidade de jurisdição era, inicialmente, absoluta, possibilitando ao Estado eximir-se do poder jurisdicional de seus pares em qualquer circunstância. Dominava a idéia da imunidade absoluta defendida pela doutrina Gabba, em que:

“todo ato de jurisdição civil ou penal, é um ato de soberania. Se um Estado consente no julgamento dos próprios atos, ainda que sejam atos jurídicos privados, por um Estado estrangeiro, somente por isso o primeiro Estado se submete à soberania do segundo, o que constitui um manifesto absurdo”.30

Há Estados, tais como Filipinas, Japão, Turquia e Suécia, que adotam a imunidade absoluta. A sua primeira formulação foi nos Estados Unidos, em 1812, no caso “The Schooner Exchange v. Mc Faddon”, por Marshall, na Corte Suprema em que se afirma que apenas o próprio Estado pode impor restrição a sua própria jurisdição, bem como que a igualdade e absoluta independência dos soberanos é do interesse comum31.

Na Inglaterra, o primeiro caso em que a matéria é levantada é no caso “The prinz Frederik” (1820) em que o Tribunal afirmou não poder exercer jurisdição.

A sentença que originou a formação da jurisprudência britânica foi o conhecido caso do Parlement Belge (1880), onde o navio pertencente ao governo belga, uma ação de seqüestro, em direito marítimo, foi declarada extinta, dado o reconhecimento de o bem pertencer a um Estado estrangeiro, mesmo que tenha sido empregado para serviços de

29

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 243.

30

JATAHY, Vera Maria Barrera. DO CONFLITO DE JURISDIÇÕES: A Competência Internacional da Justiça Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 29.

31

(25)

transportes de pessoas e mercadorias por empresa privada. Preponderou a tese da imunidade absoluta.32

Até o século XX, a imunidade do Estado e de seus representantes era absoluta. Assim era a prática internacional. Não existia restrição possível, embora a doutrina fizesse reservas. Noticia-se, por exemplo, que o autor neerlandês Cornélius van Bynkershock (1673/1743) era contrário à imunidade em matéria penal quando se tratasse de crime contra a segurança do Estado e não admitia imunidade para atos de comércio33.

Por outro lado, o italiano Albéricus Gentili (1552/1608), exilado na Grã-Bretanha, sustentava a necessidade de restringir a imunidade dos embaixadores, entendendo, inclusive, que só deveria haver imunidade penal para os delitos não consumados34.

A questão modificou-se com a edição do State Immunity Act, 1978, que abandonou definitivamente a teoria da imunidade absoluta dos Estados, conferindo a imunidade ex officio, tendo sido adotada também pelos países integrantes da Commonwealth e, atualmente, mantida apenas pelos países socialistas.

No que respeita ao direito marítimo soviético, os juristas soviéticos e o Governo da Rússia mantêm a posição da total imunidade dos navios estatais da jurisdição estrangeira e da aplicação da lei estrangeira.

32

Idem, p. 113.

33

GARCIA, Márcio Pereira Pinto. Imunidades do Estado: Quem disse que o rei não erra? In:

Advogado:desafios e perspectivas no contexto das relações internacionais. vol. II. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2000, p. 187.

34

(26)

1.3 A fragilização da imunidade absoluta

A teoria da imunidade absoluta, por sua vez, começou a decair na segunda metade do século passado, nos grandes centros internacionais de negócios, face a presença cada vez maior de agentes de soberanias estrangeiras não somente nas funções diplomáticas ou consulares, como também no mercado dos negócios. Por conseguinte, passou a ter um entendimento restritivo de privilégio com a distinção entre atos estatais jure imperii e jure gestionis (também denominado acta jure negotii,)35 distinção essa que pode tomar outras formas de oposição dualista: atos praticados enquanto poder público ou atos de natureza privada.

Parte da doutrina conceitua ato de império como aquele em que o Estado age como entidade soberana; e, quando o Estado se equipara ao particular, teríamos o ato de gestão.

A ilustre professora Maria Sylvia Di Pietro esclarece que:

“o ato de império é aquele praticado pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes.... Atos de gestão seriam os praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares”.36

35

Consoante Guido Soares, em palestra proferida no Conselho da Justiça Federal “Na jurisprudência italiana, depois belga, foi-se desenvolvendo uma doutrina de separação desses atos, caso estes fossem atos de império ou atos de gestão – acta juri imperi, acta juri gestiones ou negotie -, ou seja, se fossem atos de império, seriam absolutamente imunes, porque o Estado estaria no exercício de uma função pública. In parem non habet judiciun, quer dizer, não posso trazer o Estado a essa função. Mas, se for um ato natural que qualquer pessoa possa fazer, um ato de gestão de negócio, então, esses atos seriam passíveis do conhecimento da jurisdição local”. SOARES, Guido. Imunidade soberana: o estado estrangeiro diante do juiz nacional.In: Revista CEJ, v. 4, n. 19, 2001, p. 16.

36

(27)

No entanto, o direito administrativo não tem a exclusividade da definição. Outros ramos do direito estariam em condições de apresentar suas distinções. A questão não é pacífica. Tem-se tentado adotar regra única de distinção, sem êxito. O professor Márcio Garcia comenta a dificuldade de se estabelecer regras de distinção citando exemplos. Vejamos:

“Propôs-se que a “lex fori” deveria determinar quais seriam os atos de gestão. Propugnou-se pela completa abolição de qualquer imunidade estatal. Sustentou-se a necessidade de se disciplinar a matéria mediante edição de listas. Falou-se, por fim, na adoção de critérios tais como o da natureza ou o da finalidade do ato. Nada conclusivo. A prática é, ainda hoje, desconexa. Em derradeira análise, a distinção não tem fundamento sólido. Exemplo a vários títulos didático é o da aquisição pelo Estado de equipamento militar para a tropa (p. ex. uniformes e botas). Como classificar o ato? Quanto à natureza, é comercial. Em relação à finalidade, é de império, já que diz respeito à satisfação de funções próprias às forças armadas. Mas o que fazer com eventual excedente? Vender?

O tema tem a complexidade própria da cena internacional. A crônica do direito das gentes proporciona exemplos que podem ajudar a compreender melhor nossos problemas. Em 1989, a Suprema Corte estadunidense não teve dificuldade em reconhecer a imunidade da República Argentina em ação movida por proprietário de navio avariado pela força aérea daquele país durante a guerra das Malvinas. O uso das forças armadas em conflito bélico é exemplo típico da função estatal, ponderou a Corte. Em outra oportunidade, agora em solo Britânico, o desfecho foi ligeiramente distinto. Estava em jogo a transferência de aeronaves da Kuwait Airways para Iraqi Airways Company realizadas por oficiais iraquianos após a invasão de território do Kuaite. A Corte de Apelação reverteu a decisão de origem ao argumento de que, à vista das “ circunstâncias do caso” (sic), não se tratava de ato de império, mas de gestão”.37

Consoante o ilustre internacionalista Guido Soares em palestra proferida no Conselho da Justiça Federal:

“O primeiro jurista democrático, Vataille, um suíço, reformulou essa regra da imunidade absoluta, dando-lhe uma certa racionalidade. Dizia que as imunidades eram dadas aos enviados do rei, especialmente às missões diplomáticas e aos consulados, não tanto em função da sacralidade da pessoa do rei – o funcionário não era uma extensão ou uma emanação do soberano-,

37

(28)

mas, nempediatur oficium nem pediatur legacio, ou seja, afim de que não se impedisse o exercício da função. Aí já há uma certa racionalidade, havendo uma mutação. Essa regra ficou, e é a que domina”.38

Surgiu, assim, a moderna teoria da imunidade relativa, mais precisamente na Bélgica, no século XIX, a partir de 1840, aceita na Itália, no Egito, na Suíça, na Alemanha, na Áustria, na Jordânia e, atualmente, é consagrada nos EUA39 e em outros países da Europa Ocidental, onde não há imunidade para os atos de gestão.40 Definitivamente consagrada em uma Convenção Européia sobre Imunidades, uma lei federal dos EUA e uma lei do Reino Unido, respectivamente de 1976 e 1978.

Pinho Pedreira, citando o internacionalista argentino Alfredo H. Rizzo Romano, esclarece que a Lei 24.488, de 22 de junho de 1995, do seu país, sobre imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros perante os tribunais argentinos, consagrou a tese da imunidade relativa e adverte:

“ É difícil sustentar que hoje em dia a imunidade absoluta de jurisdição dos Estados possa ser considerada como um princípio geralmente aceito pelas nações civilizadas, um costume ou um princípio geral do Direito Internacional Público. Ainda mais, opina-se que a tese restritiva que distingue entre a atividade jure imperii e a atividade jure gestionis, é a que rege atualmente, para submeter volens noles o Estado estrangeiro envolvido nesta última à jurisdição dos tribunais nacionais”.41

38

SOARES, Guido Fernando Silva. Imunidade soberana: o estado estrangeiro diante do juiz nacional. In: Revista CEJ, v. 4, n. 19, 2001, p. 12.

39

Segundo palavras de Guido Soares em palestra proferida no Conselho da Justiça Federal, “a jurisprudência desenvolveu-se casuisticamente, os Estados Unidos foram o primeiro país que passou uma lei escrita na Common Law.(...)A primeira, For Sovereign Immunity Acts – SAI – como é chamada.”. Imunidade soberana: o Estado estrangeiro diante do juiz nacional. Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários. Volume 19. Brasília: CJF, 2001, p. 16.

40

RECHSTEINER, Beat Walter, Direito Internacional Privado: teoria e prática, 6ª. Ed. , São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 239. No início do século XX, os Estados, em geral, gozavam ainda de imunidade absoluta perante a justiça de um outro Estado. Hoje, porém, reina na doutrina internacional e na jurisprudência dos diferentes países a tese da imunidade relativa ou limitada de jurisdição do Estado estrangeiro. Desde 1989, o Supremo Tribunal Federal reconhece ao Estado estrangeiro, tão-somente, imunidade relativa ou limitada, e os tribunais brasileiros, baseados na decisão da Suprema Corte, orientam-se na mesma direção.

41

(29)

A doutrina e a jurisprudência comparada admitem que um Estado pode renunciar à imunidade de jurisdição.

O Estado estrangeiro goza da imunidade jurisdicional, salvo quando realiza atos de gestão privada. O Estado estrangeiro não goza de imunidade de jurisdição, senão para certos atos ditos de poder público.

A tendência para se adotar a imunidade relativa está em uma carta do Consultor Jurídico do Departamento de Estado norte americano Jack Tate42 ao Procurador Geral, em 1952, não reconhecendo imunidade às atividades privadas de Estados estrangeiros, possivelmente, o primeiro documento oficial a sugeri-la43. Nos EUA foi elaborada lei neste sentido em 197644, revista em 1989.

Os Estados Unidos assumem, assim, posição de vanguarda no que pertine à edição de leis internas sobre o assunto. A Grã-Bretanha foi dos últimos grandes Estados a abandonar a imunidade absoluta, mas o fez por uma Lei de 1978.45 O mesmo ocorre na Convenção Européia sobre imunidade do Estado, bem como no projeto de convenção sobre o mesmo tema aprovado no Comitê Jurídico Interamericano. Este projeto reconhece imunidade de jurisdição para os atos realizados em virtude de “governamental powers”. Não têm imunidade, entre outras, as atividades comerciais, trabalhistas e com fins comerciais.

Sabe-se que a Convenção Européia sobre imunidade do Estado concluída em Basiléia em 1972 e com vigência em 1976, estando presentes a Alemanha, Áustria,

42

Tate Letter

43

SOARES, Guido Fernando Silva. Das imunidades de jurisdição e de execução. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, p. 125.

44

Foreign Sovereign Immunities Act.

45

(30)

Bélgica, Chipre, Grã-Bretanha, Luxemburgo, Países Baixos e Suíça, excluiu da seara da imunidade as ações decorrentes de contratos celebrados e exeqüendos in loco46, adotando o critério da distinção da natureza dos atos praticados para especificar as hipóteses em que escritórios, agências e outros estabelecimentos do Estado estrangeiro gozam de imunidade jurisdicional. Conforme já dito, atividades industriais, comerciais e financeiras encontram-se excluídas do benefício.

No mesmo sentido foi editado em 1978, na Grã-Bretanha, o chamado State Immnunity Act, que regula o pensamento dos tribunais ingleses no sentido de que o princípio restritivo se aplica à common law. Vale destacar, no entanto, que as disposições desta Lei devem ser interpretadas em observância aos princípios de Direito Internacional geral. Nos Estados Unidos, não com a mesma intensidade, mas retirando a imunidade nos processos relativos a danos produzidos pelo Estado estrangeiro no território local, foi editado em 1976 o

Foreign Sovereign Immunities Act. Seguem-lhe: Cingapura (1979), África do Sul (1981), Paquistão (1981), Canadá47 (1982) e Austrália (1985). Sem dúvida alguma é a evolução da questão da imunidade, embora sem critério uniforme quanto a distinção entre os atos.

No Brasil, a questão é tratada à luz da jurisprudência. Em data não muito distante, aplicava-se a regra par in parem non habet judicium48 e gerava uma insatisfação generalizada, haja vista que a maior parte dos postulantes eram empregados de missões diplomáticas e consulares estrangeiras que pretendiam a aplicação da CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas.

46

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.168.

47

The State Immunity Act of Canada.

48

(31)

Predominava, assim, a regra da imunidade absoluta, possibilitando ao interessado litigar contra o Estado estrangeiro em seu próprio território, perante sua justiça. Obviamente, este entendimento dificultava o direito de ação e de execução. Raramente era aceita a jurisdição local por Estado estrangeiro contra o qual um particular pretendesse ajuizar qualquer demanda. Há casos em que o Estado estrangeiro ajuizou ação contra particular no foro local.49

Clóvis Beviláqua, enquanto consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, elaborou um parecer datado de 23 de novembro de 1923 sustentando que:

“A nossa Constituição, sendo a organização político-jurídica de um povo, não traça regras obrigatórias para outros povos. Assim, quando determina que aos juízes e tribunais compete processar e julgar os pleitos entre Estados estrangeiros e cidadãos brasileiros, pressupõe a aquiescência desses Estados em aceitar a jurisdição dos nossos tribunais. Esta é a doutrina que o Brasil tem sustentado, e não pode pretender que, em seu território, não tenha aplicação, quando para si a reclama em território sujeito a outra soberania”

50.

Houve um julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, em maio de 1989, onde se declarou que o Estado estrangeiro não possui imunidade em lides de natureza trabalhista e, portanto, aboliu-se, a partir de então, a chamada imunidade absoluta.51 A Apelação Cível 9.696, tendo como Relator o Ministro Sydney Sanches , consiste o ‘leading case” acolhido pelo Judiciário brasileiro. Constata-se, pois, que atualmente, em matéria

49

Cite-se a Apelação Cível 9.691-DF, em que o Supremo Tribunal Federal examinou uma ação de usucapião ajuizada em Brasília pelo reino dos Países Baixos contra um particular. Na ocasião, tivemos posicionamentos no sentido de que uma norma assecuratória de imunidade afrontaria nossa lei fundamental, sustentando que a prestação jurisdicional é garantida pela Constituição do Brasil a quem quer que sofra lesão de direito. No entanto, a melhor doutrina é a de que as regras sobre a relação entre soberanias só se produzem no plano internacional e mediante o consentimento das partes, não podendo ser ditadas unilateralmente por uma Constituição Nacional. Logo, a nossa constituição prevê apenas o caso em que o causador da lesão que se pretende ver reparada está sujeito à ação do judiciário local.

50

Pareceres, II, p. 263

51

(32)

trabalhista e no processo de conhecimento, o sujeito de direito internacional está submetido à jurisdição brasileira.

Registre-se, no entanto, a dificuldade quanto à execução de eventual sentença condenatória, eis que esta somente pode ocorrer com relação a bens situados no âmbito de nossa jurisdição e estranhos à representação diplomática ou consular, haja vista que estes se encontram amparados pelas Convenções de Viena de 1961 e 1963.

Questiona-se sobre a possibilidade de eventual execução sobre bens ou contas bancárias não afetas à função pública do Estado faltoso. O cerne da questão está na comprovação de que o bem poderá responder pela condenação.

Márcio Garcia cita interessante precedente no Reino Unido52 em que a Casa dos Lordes reformou decisão de segunda instância que determinara a penhora da conta bancária da República da Colômbia. Os Lordes sustentaram que não seria razoável examinar cada transação bancária para saber a que título ela teria sido realizada e, noutro giro, é difícil demonstrar efetivamente a natureza comercial da conta bancária de uma missão diplomática.

A orientação, na prática, não tem sido uniforme e predomina a idéia de imunidade com a finalidade de se evitar conflitos internacionais, aplicando-se o princípio “in dubio pro immunitate”.. Existem países que consagram uma imunidade absoluta de execução.

No direito diplomático, a imunidade de execução é mais ampla do que a de jurisdição. A renúncia a esta não significa renúncia àquela. Segundo Jose Francisco Rezek,

52

GARCIA, Márcio Pereira Pinto. Imunidades do Estado: Quem disse que o rei não erra? In:

(33)

“a prática recente revela, de todo modo, que o Estado condenado no processo de

conhecimento propende a não criar embaraços à execução”.53

A Comissão do Direito Internacional das Nações Unidas concluiu, em junho de 1991, um projeto de tratado sobre a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro e a inviolabilidade de seus bens onde se tem como perspectiva a pacificação da imunidade relativa, não subsistindo a imunidade nos feitos derivados de relação jurídica entre o Estado estrangeiro e os particulares locais, tais como reclamações trabalhistas, ações de cobrança e indenizações por ato ilícito. Sustenta com propriedade FRANCISCO REZEK que:

“A imunidade tende a reduzir-se, desse modo, ao mais estrito sentido dos acta jure imperii, a um domínio regido seja pelo direito das gentes, seja pelas leis do próprio Estado estrangeiro: suas relações com o Estado local ou com terceira soberania, com seus próprios agentes recrutados na origem, com seus súditos em matéria de direito público – questões tendo a ver com a nacionalidade, os direitos políticos, a função pública, o serviço militar, entre outras”.54

CAPÍTULO II - TERMINOLOGIA. A DICOTOMIA

JURISDIÇÃO E EXECUÇÃO

53

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.169.

54

(34)

A origem da palavra imunidade provém do latim immunitas, immunitatis,qualidade de imune, livre ou isento de encargos, obrigações, ônus ou penas.

O direito internacional permite que determinadas pessoas possam continuar, em certas ocasiões, sujeitas às leis civis e penais de seus próprios Estados, gozando de privilégios e imunidades, para que possam desempenhar suas funções .

O Tribunal civil do Sena, em decisão proferida a 4 de abril de 1906, exprimiu essa idéia, dizendo que “a imunidade de jurisdição é uma condição essencial da independência e da liberdade de ação dos agentes diplomáticos” e que “ela interessa, ao mesmo tempo, à soberania e à dignidade das nações”. 55

O Conselheiro SÉRGIO EDUARDO MOREIRA LIMA assevera que:

“A imunidade é a prerrogativa outorgada a alguém para que se exima de certas imposições legais em virtude do que não é obrigado a fazer ou a cumprir certos encargos ou obrigações determinados em caráter geral. É no campo das relações internacionais que esse conceito goza de maior relevância. A imunidade diplomática consiste na soma de isenções e prerrogativas concedidas aos agentes diplomáticos para assegurar-lhes, no interesse recíproco dos Estados, a independência necessária ao perfeito desempenho de sua missão. As imunidades e os privilégios diplomáticos subtraem certas pessoas à autoridade e à competência jurisdicional do Estado acreditado. São concedidos na base da reciprocidade, o que provou ser a garantia mais efetiva na observância da regra. Considera-se que há imunidade quando alguém não está sujeito a uma norma de Direito interno ou à sua sanção; e que há privilégio quando uma regra especial de Direito interno substitui a norma ordinária”.56

55

ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público. 2.ed. v.I. Rio de janeiro, 1956. p.488-489.

56

(35)

Consoante entendimento de Antônio Pereira Madruga Filho, a imunidade de jurisdição é gênero, tendo como espécies a imunidade de cognição e imunidade de execução.57

Por outro lado, renomados internacionalistas classificam-na de maneira diversa, sob a ótica tradicional da imunidade de jurisdição e de execução. Porém, tudo não passa de uma opção técnica do uso da nomenclatura., sem ferir a essência dos conceitos. A propósito, o ilustre Guido Soares sustenta que:

“À primeira vista, poderia parecer que, pelo fato de um juiz poder conhecer ou não de uma pretensão, determinaria a exeqüibilidade da sentença. Em termos de imunidades, contudo, o conhecimento difere da execução, em especial, quando se trata de medidas coercitivas contra bens do Estado estrangeiro. São duas as imunidades, ou dois aspectos da mesma imunidade, problema de natureza teórica, pouco interessa discutir, pois os elementos de conexão com o foro divergem quando se trata do conhecimento (presença do réu, obrigação exeqüível no território, presença de bens no foro etc.) e da execução, cujo elemento fundamental de conexão com o foro é a existência de bens no território do país onde ela se efetua. Por outro lado, há casos em que a declaração judicial de um direito exigível seja feita numa jurisdição e a execução pedida em outra, exatamente onde haja bens a ser penhorados[...].”58

Entende-se que as imunidades de jurisdição consubstanciam-se em incidentes relacionados ao conhecimento e julgamento das lides e as imunidades de execução em incidentes relacionados a medidas constritivas, definitivas ou provisórias, contra os bens ou direitos, tendo em vista o cumprimento preliminar ou definitivo das decisões dos órgãos do poder Judiciário.59

57

MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. A renúncia à imunidade de jurisdição pelo estado estrangeiro e o novo direito da imunidade de jurisdição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 95.

58

SOARES, Guido Fernando Silva. Das imunidades de jurisdição e de execução. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 199.

59

(36)

Conforme entendimento de Vera Jutahy, citando, inclusive, a jurisprudência brasileira :

“A imunidade de jurisdição não se confunde com a imunidade de execução. Afastadas as hipóteses excepcionais da renúncia ou da existência de bens, que por sua natureza sejam impenhoráveis no território nacional, prevalece no STF a tese da imunidade absoluta. É o que ressalta o Ministro Celso de Mello em despacho proferido na ACO n. 575 – DF, onde, distinguindo as duas hipóteses, faz referência ao que decidido na Ação Cível Originária n. 522 ( Ag. Rg.) – SP, relator Ministro Ilmar Galvão ( execução fiscal movida contra a República Federal Alemã julgada em 16.09.1998) e na ACO n. 543 – SP, relator Ministro Sepúlveda Pertence, invocando ainda o magistério de Francisco Rezek, que assim transcreve: “A execução forçada da eventual sentença condenatória, entretanto, só é possível na medida em que o Estado estrangeiro tenha, no âmbito espacial de nossa jurisdição, bens estranhos à sua própria representação diplomática ou consular – visto que estes se encontram protegidos contra a penhora ou medida congênere pela inviolabilidade que lhes asseguram as Convenções de Viena de 1961 e 1963, estas seguramente não derrogadas por qualquer norma ulterior(...)”.60

Há entes de Direito Internacional Público que gozam de isenção de jurisdição e de execução caracterizando a chamada dupla imunidade e, em conseqüência, a dupla renúncia.

As exceções dizem respeito aos privilégios e imunidades diplomáticas e consulares; às imunidades de execução, algumas vezes de jurisdição, dos Estados estrangeiros; à inviolabilidade dos chefes de Estados estrangeiros e aos privilégios e imunidades das organizações internacionais e de seus agentes, observando-se que tais imunidades subsistem até que a pessoa deixe o Estado acreditado, ou com o término do prazo que lhe tenha sido dado para este fim. Os privilégios e imunidades classificam-se, pois, em: inviolabilidade61, imunidade de jurisdição civil62 e criminal e isenção fiscal.

60

JUTAHY, Vera Maria Barrera. Do Conflito de Jurisdições: a competência internacional da Justiça brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2003,p. 126-127.

61

(37)

Luiz Regis Prado classifica, com propriedade, as imunidades e privilégios dos agentes diplomáticos, a saber:

“As imunidades e prerrogativas dos diplomatas, de origem consuetudinária, são classificados em : inviolabilidade, imunidade de jurisdição penal e civil e isenção fiscal. A primeira, também chamada de imunidade material, significa que a pessoa do diplomata ( inclusive sua família, residência e pertences) é inviolável, conforme dispõe o art. 29 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de abril de 1961: “A pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado trata-lo-á com o devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade”. De outro lado, a imunidade de jurisdição (imunidade formal) designa que o agente diplomático deverá ser processado e julgado no Estado que representa, sendo extensível à sua família e aos membros do corpo diplomático ( art. 37 §§ 1º e 3º, da Convenção de Viena). Não está obrigado , por exemplo, a comparecer diante de nenhum juízo ou tribunal do país acreditado para testemunhar ou prestar alguma informação sobre fato de que tenha conhecimento ( art. 31, Convenção de Viena). Sua existência se fundamenta não para dar vantagens aos indivíduos, mas para assegurar a realização eficaz de suas funções em nome dos seus Estados”.63

No que concerne aos agentes diplomáticos, o artigo 31 da Convenção de Viena de 1961 alcança todos os casos de imunidade jurisdicional distinguindo-os, seja imunidade de jurisdição penal, imunidade de jurisdição civil ou administrativa, estabelecendo, assim, a imunidade de jurisdição ao agente diplomático64. Sem dúvida, representa o dispositivo mais importante da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Para investir nos privilégios e imunidades, o agente diplomático terá que ser aceito pelo país acreditado por meio do pedido de Agrément ou Agréaction.

locais o Estado acreditado não pode exercer nenhum ato de coação ex.: ser invadido pela polícia, a não ser que haja o consentimento do chefe da Missão. Do mesmo modo, não pode ser efetuada uma citação dentro da Missão. O mobiliário, os arquivos, “assim como os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução” ( art. 22, § 3º )”. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. , vol. II, Rio de Janeiro: Ed. Renovar. P. 1385.

62

A imunidade de jurisdição trabalhista está implícita na imunidade de jurisdição civil

63

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal. v. 1: parte geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.169.

64

(38)

A entrada no país acreditado já ampara o agente diplomático da garantia das imunidades durante o período de sua permanência no país, até sua morte, destituição pelo país acreditante ou rompimento das relações diplomáticas, com sua retirada do território estrangeiro, ou pela extinção de um dos Estados. Consoante bem ressaltou Hildebrando Accioly:

“antes de efetuada a nomeação, o governo que resolve acreditar um agente diplomático junto a outro governo deve solicitar deste a aceitação da pessoa escolhida, ou, antes, deve informar-se confidencialmente, junto a esse governo, sobre se tal pessoa será como se costuma dizer, persona grata, como representante diplomático”.65

Anote-se que a imunidade continuará a existir mesmo após a data que o agente diplomático cessou sua missão no país acreditado. Portanto, ainda que retorne ao país acreditado a passeio, continuará amparado pelas imunidades pertinentes ao período em que exerceu sua função diplomática.66 Resta impossível, pois, no modelo atual, retirar-se a ultratividade das imunidades.

Na seara da missão diplomática, tanto os membros do quadro diplomático de carreira (do embaixador ao terceiro secretário) quanto os membros do quadro administrativo e técnico (secretárias, criptógrafos, tradutores, contabilistas etc.) – estes últimos desde que oriundos do Estado acreditante, e não recrutados no local – gozam de ampla imunidade de jurisdição penal , civil e tributária .

São, também, invioláveis fisicamente, e não podem ser obrigados a prestar depoimento como testemunhas. Reveste-os, além disso, a imunidade tributária.

65

ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. Editora Hemus, p. 128

66

(39)

A imunidade de jurisdição civil não é absoluta e possui algumas exceções, tais como, nas ações relativas a imóveis particulares67 e nas ações sucessórias onde o agente diplomático figure a título privado. Também, não se pode invocar a imunidade o agente que, havendo ajuizado ele próprio determinada ação cível, enfrenta uma reconvenção.68

A Convenção de Viena de 1961 dispõe também que não há imunidade no caso de ação referente a uma profissão liberal ou atividade comercial exercida pelo agente diplomático; mas seu texto proíbe tais atividades paralelas ao diplomata69.

Quanto à imunidade tributária, temos a seguintes exceções: o beneficiário do privilégio diplomático deverá arcar com os impostos indiretos70, em regra incluídos no preço de bens ou serviços, bem assim com as tarifas correspondentes a serviços que tenha efetivamente utilizado.

Ciavareli sustenta que:

“muito embora devidos tais tributos, se sobrevierem virtuais fatos criminosos atinentes às relações tributárias, o agente diplomático persistirá imune, respondendo somente em relação a eles às leis e jurisdição de seu país de origem”.71

Se possuir, no entanto, imóvel particular no território local, pagará os impostos sobre ele incidentes.72 Logo, os agentes diplomáticos estão isentos do pagamento

67

Actio in rem sobre imóvel privado.

68

§ 3º do artigo 32 da Convenção de Viena de 1961.

69

Artigo 42 da Convenção de Viena.

70

incidem sobre objeto de consumo comprado no país onde o agente se encontra acreditado.

71

CIAVARELI, Miguel Ângelo Nogueira dos Santos. Imunidades Jurídicas: penais, processuais, diplomáticas, parlamentares. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 138.

72

(40)

dos impostos pessoais diretos73 e os impostos que incidem sobre o edifício da legação ou embaixada, quando o mesmo pertença ao Estado estrangeiro.

Acrescente-se, conforme artigo 36 § 1º da Convenção de Viena de 1961, o ingresso livre do pagamento de direitos aduaneiros, taxas e gravames conexos aos objetos destinados ao uso oficial da Missão ou do agente diplomático, bem como dos membros de sua família que com ele vivam.

Contudo, este privilégio não tem o condão de isentar o pagamento das despesas de armazenagem, transporte e outras relativas a serviços análogos.

Hildebrando Accioly esclarece, ainda, que:

“por cortesia dos Estados que os recebem, são geralmente dispensados do pagamento de direitos aduaneiros, sobre os objetos destinados ao uso oficial das respectivas missões ou ao uso pessoal dos próprios agentes ou das respectivas famílias”.74

Registre-se, por oportuno, que no Brasil, a Instrução Normativa n. 151, de 21 de dezembro de 1999, dispõe sobre o ressarcimento de valor de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI a missões diplomáticas e repartições consulares.

Em matéria penal, civil e tributária, os privilégios dos agentes dessas categorias estendem-se aos membros de suas famílias, desde que vivam sob sua dependência e tenham, por isto, sido incluídos na lista diplomática, bem como aos funcionários de

73

são os que incidem diretamente sobre o contribuinte e deste passam diretamente à repartição arrecadadora.

74

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