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Pais de alunos autistas: relatos de expectativas, experiências e concepções em inclusão escolar

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Academic year: 2017

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MÁRCIA CRISTINA LIMA PEREIRA

PAIS DE ALUNOS AUTISTAS:

RELATOS DE EXPECTATIVAS, EXPERIÊNCIAS E

CONCEPÇÕES EM INCLUSÃO ESCOLAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Prof. Drª Sandra Francesca Conte de Almeida

Co-orientadora: Profª Drª Tânia Maria de Freitas Rossi

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Ficha elaborada pela Biblioteca Central da Universidade Católica de Brasília – UCB P436p Pereira, Márcia Cristina Lima

Pais de alunos autistas: relatos de expectativas, experiências e concepções em inclusão escolar / Márcia Cristina Lima Pereira, 2009.

169 f.; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2009. Orientadora: Sandra Francesca Conte de Almeida

Co-orientação: Tânia Maria de Freitas Rossi.

1.Alunos – Autismo – Inclusão escolar. 2. Relações de família – Autismo - Escolas. 3. Psicanálise - Autismo. I. Almeida, Sandra Francesca Conte de, orient.II. Rossi, Tãnia Maria de Freitas, co-orient. III. Título.

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Dissertação de autoria de Márcia Cristina Lima Pereira, intitulada “Pais de alunos autistas: relatos de expectativas, experiências e concepções em inclusão escolar”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Brasília, defendida e aprovada em 21 de setembro de 2009 pela Banca Examinadora abaixo assinada:

Profª Drª Sandra Francesca Conte de Almeida – Orientadora UCB – Universidade Católica de Brasília

Profª Drª Tânia Maria de Freitas Rossi – Co-Orientadora UCB – Universidade Católica de Brasília

Profª Drª Cynthia Pereira de Medeiros

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Profª Drª Kátia Cristina Tarouquella Rodrigues Brasil UCB – Universidade Católica de Brasília

Profª Drª Divaneide Lira Lima Paixão

UCB – Universidade Católica de Brasília - Suplente

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Pai, formador, construtor da ética, seu orgulho por mim sempre me impulsiona, motiva, encoraja, embora o medo da derrota seja considerado na reflexão sobre onde pôr os pés.

Mãe, educadora, a você minhas primeiras palavras, minhas primeiras letras e a direção de minha vida profissional. Espero tê-la honrado como filha!

Elvis, há quem acredite em milagres; “meus esposos”, primeiro e segundo, pré e pós Transplante de Medula Óssea, por tudo que vivemos juntos, em seu tempo, em meu tempo e em nosso tempo. Tempo e música.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, base e fonte.

À minha orientadora, profª Drª Sandra Francesca Conte de Almeida, dedicada, competente, presente e persistente, desde meu reengatinhar na perspectiva teórica da Psicanálise (se é que hoje já posso me nomear, ao menos, “atravessada pela psicanálise”), acolheu, alimentou, cuidou, apoiou-me em todo o caminhar.

À minha co-orientadora, profª Drª Tânia Maria de Freitas Rossi, por nossas relações de aprendizagem e afeto, pois não há uma sem outra.

Às professoras Drª Cynthia Pereira de Medeiros e Drª Divaneide Lira Lima Paixão pela colaboração tão significativa na banca de qualificação, e à Profª Drª Kátia Cristina Tarouquella Rodrigues Brasil, pelo aceite do convite à suplência naquela etapa.

A todas as professoras da banca examinadora da dissertação, meus agradecimentos e minha gratidão pela dedicação e atenção com que leram o trabalho e contribuíram com a sua construção final.

Às minhas colegas de grupo de trabalho, de estudo e pesquisa, algumas já amigas de outros momentos, pelo suporte coletivo na trajetória. Obrigada por todas as contribuições e pelos empréstimos!

Aos pais de todos os meus ex-alunos autistas, pelo privilégio que me concederam do convívio com seus filhos, que significaram tanto na minha vida! Espero ter feito diferença na vida de cada um deles!

Aos pais que acolheram a proposta de pesquisa e construíram, assim, comigo, este trabalho.

Aos meus irmãos, Marcos César, Marcelo e Ana Carolina, com seus filhos, meus sobrinhos e afilhados, cunhados, tios, primos (família grande!) e tantos amigos que me alegraram, animaram, suportaram (nos dois sentidos) e me distraíram entre uma leitura e outra.

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“Ela está no horizonte... Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos

e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe

jamais a alcançarei. Para que serve a utopia?

Serve para isso: para caminhar.” Eduardo Galeano

“Tem mais presença em mim o que me falta.”

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RESUMO

Referência: PEREIRA, Márcia Cristina Lima. Pais de alunos autistas: relatos de expectativas, experiências e concepções em inclusão escolar. 2009. 169 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009.

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contribuições, possibilidades e limites da inclusão escolar, na perspectiva dos pais, implicam em uma determinada relação entre pais, escola e professores, e também dos pais com seu filho como estudante, como sujeito aprendente, em desenvolvimento. Esperou-se, com esta pesquisa, para além de uma contribuição teórico-metodológica, inserir e qualificar a palavra dos pais na discussão e participação no processo de inclusão escolar de seus filhos.

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ABSTRACT

Referência: PEREIRA, Márcia Cristina Lima. Pais de alunos autistas: relatos de expectativas, experiências e concepções em inclusão escolar. 2009. 169 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009.

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inclusion limits on the parents perspective imply a determined relationship between parents, school and teachers, as well as of parents with their own sons as pupils and as learners on development. The research expected more than the theoretical-methodological contribution. It has expected to insert and qualify the parents word on the discussion and participation of their son's educational inclusion.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: A PESQUISA E O PROBLEMA INVESTIGADO ... 12

1. O percurso profissional da pesquisadora, suas questões e objetivos ... 12

2. Pesquisando sobre o tema e delineando o problema investigado ... 16

1 O REFERENCIAL TEÓRICO ... 25

1.1 Breve histórico da educação especial ... 25

1.2 O Autismo: perspectivas e concepções médico-psiquiátricas e psicanalíticas ... 37

1.3 Autismo e família na psicanálise ... 58

1.4 Autismo e inclusão escolar ... 67

2 O DELINEAMENTO METODOLÓGICO ... 74

2.1 Objetivo geral ... 79

2.2 Objetivos específicos ... 79

2.3 Participantes ... 79

2.4 Seleção dos entrevistados ... 80

2.5 Local ... 80

2.6 Instrumentos ... 81

2.7 Procedimentos para a construção de dados de pesquisa ... 81

2.8 Procedimentos para a análise dos dados de pesquisa ... 82

3 OS RESULTADOS E AS DISCUSSÕES ... 86

3.1 “Não é normal”: os primeiros sinais, indicadores e características da diferença ... 92

3.2 O diagnóstico: “e agora?” ... 96

3.3 O autismo: Modos de enfrentamento do real... 102

3.4 A educação especializada: idas e vindas ... 111

3.5 A escola inclusiva: possibilidades e vicissitudes, contribuições e limites ... 116

3.6 As expectativas: o futuro ... 133

4 AS (IN)CONCLUSÕES FINAIS ... 138

REFERÊNCIAS ... 143

Apêndice A: carta-convite ... 159

Apêndice B: pedido de autorização ... 162

Apêndice C: roteiro orientador ... 164

Apêndice D: questão gerativa ... 166

Anexo A: termo de consentimento livre e esclarecido ... 167

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INTRODUÇÃO: A PESQUISA E O PROBLEMA INVESTIGADO

1. O PERCURSO PROFISSIONAL DA PESQUISADORA, SUAS QUESTÕES E OBJETIVOS

Sensação de desafio, fascínio, curiosidade, interrogações, questionamento sobre o sentido da vida são sentimentos que as pessoas com Autismo evocam no outro em virtude de suas alterações na interação social, na comunicação e no comportamento. A busca pela identificação e compreensão de por que se comportam e se relacionam com o outro de forma particular, é objeto de estudos e pesquisas por parte de entidades, associações, médicos, psiquiatras, psicólogos, psicanalistas e outros profissionais afins (KANNER, 1971; BETTELHEIM, 1987; GAUDERER, 1987; LIPPI; CRUZ, 1987; GAUDERER, 1993; SCHWARTZMAN, 1994; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1995; SCHWARTZMAN, ASSUMPÇÃO JÚNIOR et al., 1995; ROCHA, 1997; CAVALCANTI; ROCHA, 2002; CAMARGOS Jr. et al., 2002; ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA, 2003; COLLI; KUPFER, 2005).

Apesar de todos os avanços conceituais, que possibilitam o diagnóstico cada vez mais precoce, e da maior divulgação sobre as características desta síndrome para a população em geral, estudos ainda são escassos no que concerne aos princípios metodológicos que embasem um plano de ação educativa capaz de interferir de modo significativo na realidade dessas pessoas. Este plano deveria visar ao desenvolvimento das potencialidades tanto no campo da constituição do sujeito quanto no campo escolar e das habilidades adaptativas.

Com a preocupação de procurar afetar, com algo a mais, a vida de algumas dessas pessoas, após a conclusão do curso de Psicologia, e já atuando como professora da rede regular de ensino do Distrito Federal, decidi1 por iniciar minha trajetória na educação especial, à época em Classe Especial para crianças autistas e psicóticas, tendo tido, na graduação, uma única aula sobre autismo, ministrada por uma professora psicanalista. Terei sido, já aí, capturada?

1 Optou-se, na 1ª parte da introdução deste trabalho, pelo uso da 1ª pessoa do singular, pois nesta seção são

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Com a conclusão do curso, já fascinada pelo Autismo, cursei psicopatologia dinâmica numa visão voltada à Gestalt. No entanto, durante o longo percurso de atuação junto a esses alunos, as orientações recebidas, enquanto professora, vieram reforçar o que primou no curso de graduação: a análise de comportamento, as teorias cognitivistas e comportamentalistas, embora tenha havido uma viagem exploratória, na academia, por diversas outras vertentes.

O desejo de conhecer melhor, de estudar mais, em busca de uma compreensão maior dos recursos pessoais de cada um de meus alunos (cognitivos, afetivos, etc.) levou-me, após um tempo de prática pedagógica e amadurecimento, a abrir-me ao entendimento de como outras perspectivas teóricas pensam o Autismo. As histórias vividas com cada um, as vivências para além das determinações profissionais de uma sala de aula e o envolvimento com o humano de cada aluno, impulsionaram-me nessa busca. Quando da decisão de aprofundar-me em pesquisa, surgiu, então, a oportunidade do Mestrado, e, com ele, o retorno, em lembranças, daquela primeira aula sobre Autismo, na perspectiva teórica psicanalítica. Novamente desafiada!

Após ter trabalhado como professora, com esses alunos, em Classes Especiais (turmas de educação especializada em escolas comuns), instituição especializada em crianças autistas conveniada à Secretaria de Estado de Educação, e em Centros de Ensino Especial (escolas com atendimento exclusivo a pessoas com deficiência), e ter vivido várias experiências sob diferentes visões de gestões e políticas públicas decorridas ao longo do tempo, sob paradigmas diferenciados, e tendo também encaminhado vários alunos diagnosticados com Autismo a turmas regulares de ensino, tanto na função de professora, por 12 anos, quanto de psicóloga de Equipe de Atendimento/Apoio à Aprendizagem, por 4 anos, alargou-se o meu desejo de pesquisar sobre o processo de inclusão de crianças com Autismo, não do ponto de vista estatístico do sucesso ou insucesso, mediante análise de aprovação escolar, mas dos efeitos desse processo nas famílias e nos próprios sujeitos, suas mudanças sociais, culturais, subjetivas e escolares.

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visando à socialização, por si só, gera desenvolvimento nas pessoas com Autismo? Será que esses alunos estão avançando no processo ensino-aprendizagem? Será que as aprendizagens escolares são as mais significativas? Será a inclusão a melhor alternativa escolar para todos os sujeitos autistas? Ou será que deve haver uma avaliação de caso a caso para a definição do melhor encaminhamento escolar? O que representa essa inclusão escolar para a família? Qual o papel da escola na constituição desse sujeito? Quais os possíveis benefícios e eventuais prejuízos da inclusão, percebidos pelas famílias desses alunos autistas?

No que diz respeito ao Autismo, sob vários aspectos, Ribeiro (2005) aponta que, em uma mesma orientação teórica, são encontradas divergências, o que mantém o tema num campo aberto às pesquisas. Trata-se de um tema ainda recente, propício a estudos em várias áreas e especialidades, sobretudo no que trata da educação e da inclusão escolar desses alunos.

Pretendemos, pesquisadora e orientadora, então, com este estudo, além de preencher lacunas num campo carente de pesquisas, investigar as concepções, os percursos, em seus aspectos positivos e negativos, as experiências de vida, a significação do processo de inclusão escolar para pais de alunos com Autismo. Os pais foram convidados a relatar suas expectativas, concepções e experiências relativas ao processo de inclusão escolar de seus filhos autistas, incluindo as mudanças cognitivas observadas nos filhos, as modificações relacionais decorrentes da inclusão escolar, as transformações escolares, culturais e sociais, além das possíveis alterações na subjetivação dessas mães/pais diante de seus filhos.

Assim, o objetivo primeiro deste estudo é descrever a trajetória dos pais no processo de inclusão escolar de seus filhos, suas vicissitudes e conquistas e, assim, oportunizar a expressão de suas concepções sobre a inclusão escolar dos filhos autistas inseridos nas classes comuns da rede oficial de ensino do Distrito Federal (DF). Permitir que os pais possam relatar, refletir e reconstruir as experiências que constituem sua história de vida familiar, beneficiando-se subjetivamente da recuperação e sistematização de sua história de vida narrada a um outro, também se constituiu em um desdobramento deste trabalho.

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seu filho como estudante, como sujeito aprendente, em desenvolvimento. As crenças e expectativas interferem nessas relações, no apoio e participação dos pais como integrantes da comunidade escolar, na parceria escola-família. É importante dar voz a esses pais, a essas famílias, acolher suas angústias, expectativas, escutar suas demandas, favorecendo, assim, o diálogo dos pais com a escola.

Espero, com esta pesquisa, inserir os pais na discussão sobre o processo de inclusão escolar de seus filhos, desenvolver contribuição teórica para ampliação dos conhecimentos sobre a inclusão de crianças autistas na perspectiva dos pais e qualificar a participação dos mesmos no processo de inclusão escolar desses alunos.

Acredito que uma pesquisa como esta, que envolve a subjetividade de famílias que têm filhos com diagnóstico de Autismo, seja um material eficaz de avaliação qualitativa do processo de inclusão escolar desses alunos. Conhecer os anseios desses pais, a relação com a instituição escolar, seus desejos, expectativas e sua visão do desenvolvimento deste filho e aluno com Autismo, é de grande importância para servir de base à construção de práticas pedagógicas condizentes com a melhoria da relação escola-família e o desenvolvimento do aluno nos aspectos mais variados, tais como a autonomia, a socialização, as habilidades e competências escolares e a relação familiar para com este filho-aluno.

Pretendo, então, a partir da escuta da história de vida dos pais com seu filho autista, focar a vida escolar do filho e as mudanças advindas, tanto no filho quanto na família, durante a trajetória da escolarização. Algumas dessas crianças vivenciaram outros atendimentos clínicos, terapêuticos ou mesmo escolares, até chegarem à inclusão escolar, enquanto outros tiveram apenas a experiência de estudar em escola regular/inclusiva.

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comum e professor especializado) e classe comum (inclusão dos alunos diagnosticados em classes regulares de ensino) (GUIMARÃES; PEREIRA; ARAÚJO, 2002).

2. PESQUISANDO SOBRE O TEMA E DELINEANDO O PROBLEMA INVESTIGADO

A inclusão escolar de pessoas com deficiência tem sido discutida nos meios leigos (comunidade, novelas, filmes, revistas de ampla circulação, grupos de amigos e pais) e científicos (artigos, livros, seminários, congressos, documentários), sendo um tema polêmico, em amplo debate. A inclusão escolar, sobretudo da pessoa com Autismo, ainda é muito recente; a diversidade de manifestações comportamentais dos alunos é enorme e os conhecimentos sobre o Autismo ainda são poucos.

Pesquisando sobre o tema, localizamos inúmeros estudos acerca da inclusão de crianças “diferentes” no espaço escolar comum (CAMELO, 1999; MATTOS, 2000; SOUZA, 2000; SILVA, L., 2000; ANTUNES, 2001; GASPARETTO, 2001; RODRIGUES, 2001; CASTRO, 2002; SANT‟ANA, 2003). No entanto, a maioria deles analisa as concepções dos professores, pois são os agentes da educação diretamente afetados na escola. A inclusão movimenta toda a escola, mas são os professores aqueles que, diretamente, têm que “dar conta” das peculiaridades de cada aluno. Esse fato justifica a existência de tantos estudos.

Mas o processo implica e afeta, também, logicamente, as famílias dos alunos. Entre as pesquisas nacionais, Sacaloski (2002) encontrou respostas favoráveis de pais à inclusão escolar dos filhos. A pesquisa de Sacaloski envolveu alunos, professores, pais de alunos com deficiência auditiva e alunos ouvintes das mesmas turmas, utilizando roteiro de entrevista. No que se refere à opinião de todos os grupos pesquisados, a maioria dos participantes considera que os alunos com deficiência auditiva devem estudar em classe comum.

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respondentes e a necessidade de superação do preconceito em relação a esses alunos.

A pesquisa de Boselli, realizada em 2001, envolveu pais de alunos com várias deficiências, mas não havia, entre eles, alunos com Autismo (comunicação pessoal)2. Trata-se de uma pesquisa nacional, desmembrada em dois estudos, um deles caracterizando a opinião de 12 pais ou responsáveis por 11 alunos transferidos de classe especial para classe comum e outro sobre a atitude favorável ou desfavorável de pais ou responsáveis por 382 alunos de classes comuns que receberam alunos advindos da classe especial.

Na pesquisa de Boselli, realizada na cidade de Marília, foram identificados 17 alunos transferidos de classes especiais para classes comuns nos anos de 1999 e 2000, em 7 escolas da rede estadual de São Paulo. Entre elas, 2 eram crianças institucionalizadas, não havendo quem respondesse por elas. Dos 17 alunos identificados, 7 mães, 3 avós e 1 casal atenderam à solicitação para a entrevista.

Construiu-se um roteiro com perguntas fechadas e abertas como instrumento para entrevistas semiorientadas, composta por 4 partes: identificação, escolaridade, vida social e opinião de pais ou responsáveis.

No estudo 1, foco maior de nosso interesse, foram entrevistados pais ou responsáveis por alunos com deficiência intelectual e deficiência física, que expressaram sua opinião sobre a trajetória da vida escolar dessas crianças. Destacaram eventos que mais marcaram esse caminho, com ênfase em aspectos relativos ao desempenho escolar e à socialização em geral, na classe comum e na escola. A maioria se posicionou favorável à transferência da classe especial para a classe comum.

Os relatos apontaram (estudo 1), em sua maioria, benefícios para os alunos com deficiência, com a inserção em classe comum, tais como melhoras no desempenho escolar e na vivência social, embora não sejam alterações consideradas significativas. Os entrevistados alegaram que a vida social “continuou do mesmo jeito” (BOSELLI, 2001, p. 46), mesmo havendo referências sobre ter mais amigos no âmbito da escola. Os resultados apontaram ganhos em vários aspectos da vida cotidiana e concreta, mas percebe-se “[...] que a mera transferência [...] para a classe comum, não necessariamente, favorece a inclusão social” (BOSELLI, 2001,

2 Informação obtida por meio de correspondência eletrônica. Mensagem recebida por

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p. 72). O autor escreve que o “estar presente em uma classe comum possa ser um importante estímulo que, ao afetar a auto-estima, leva à satisfação do sentimento de pertencer” (BOSELLI, 2001, p. 45). Mas, no entanto, “alguns responsáveis declararam que a convivência nem sempre é harmoniosa e respeitosa” (BOSELLI, 2001, p. 46). Três relataram alguma situação estigmatizadora. Como maior problema encontrado, está o atendimento mais especializado que a criança tinha na classe especial e que não ocorre na classe comum.

Foram aplicados questionários tanto aos pais de alunos que foram transferidos de classe especial para classe comum (estudo 1), como para pais de alunos de classes comuns que receberam alunos advindos de classe especial (estudo 2).

Quanto ao estudo 2 da pesquisa, dos 478 questionários devolvidos, de um total de 604 enviados, 382 foram respondidos. O questionário continha 40 enunciados com 3 possibilidades de respostas: concordo, não concordo e não sei. A maioria dos respondentes responsáveis por alunos da classe comum das mesmas escolas do estudo 1, apresentou atitudes favoráveis à inclusão, sobretudo nos resultados de respondentes cujas escolas (duas) realizavam trabalho com classes de alunos com deficiência; aquelas que mantinham, há mais tempo, classes especiais. Houve, também, melhores resultados entre os respondentes com curso universitário e entre os nascidos na década de 70 (entre os respondentes, havia nascidos nas décadas de 50 a 70).

Ainda no que se refere às famílias, mais alguns destes artigos e pesquisas nos interessaram. Bernardi (2004) pesquisou a opinião de 25 pais e mães de crianças sem deficiência acerca da inclusão escolar. Os dados coletados em um questionário e uma escala de atitudes mostraram que a maioria dos participantes da pesquisa não possuía, sequer, informações sobre crianças incluídas na sala de aula de seu filho. Sobre o atendimento oferecido aos alunos com deficiência, a maioria dos participantes acredita que, para incluir, é necessário preparar a escola, os professores, informar a comunidade escolar e avaliar cada criança a ser incluída, individualmente. Mas conclui que a maioria aceitava a inclusão.

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(5 de cada), ou seja, escolas com atendimento exclusivo a alunos com deficiências. Com os professores, foram feitas entrevistas semiestruturadas sobre as concepções acerca da inclusão escolar e social dos alunos com deficiências múltiplas e observações no espaço escolar. No que concerne aos pais, a construção dos dados deu-se a partir de duas entrevistas, sendo a primeira sobre a inclusão escolar e social de seus filhos, e na segunda, foi pedido aos pais que levassem fotos da família e que apresentassem a criança descrevendo os sentimentos em diversas situações, como ao nascimento, em passeios, no momento do diagnóstico, e a vida diária dos filhos. Silveira concluiu, nesta pesquisa, que tanto pais quanto professores não acreditaram na possibilidade de inclusão dessas crianças por conceberem o desenvolvimento como praticamente inexistente, lento e imperceptível (notaram alguns progressos em termos de autonomia e prática cotidiana) e por considerarem as escolas de ensino regular despreparadas para recebê-las. Relembramos que este estudo voltou seu interesse para alunos com deficiências múltiplas.

Ainda envolvendo família e escola, já com a clientela de nosso interesse, Silva, L. (1997) investigou a participação da família de alunos autistas na escola. Ouviu as famílias sobre a escola de seus filhos, na tentativa de desvelar o pressuposto concebido no senso comum, de falta de interesse dos pais pela instituição escolar. Ao pesquisar 04 famílias (07 pais), constatou que os pais tinham ciência dos acontecimentos da escola, conheciam a metodologia utilizada, as dificuldades do cotidiano escolar e dos seus relacionamentos interpessoais com os profissionais das escolas. Silva acolheu sentimentos e emoções que surgiram dos pais e apontou para a necessidade urgente do fortalecimento dessas relações intraescolares.

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múltiplas, 4 com condutas típicas3, entre estes os alunos com Autismo, e 2 com altas

habilidades. Dezesseis pais não especificaram a deficiência da criança. Na pesquisa, não foi constatada diferença significativa entre os pais que declararam que seus filhos já haviam frequentado classe e/ou escola especial e aqueles cujos filhos nunca frequentaram estas modalidades de atendimento. Os resultados revelam que ambos os grupos de pais (com filhos com e sem deficiência) apresentaram atitudes favoráveis em relação à educação inclusiva. Porém, as atitudes dos pais de estudantes com necessidades educacionais especiais eram mais favoráveis à inclusão.

O estudo dos pesquisadores americanos Kasari et al. (1999), analisou os efeitos do diagnóstico, da idade e do atendimento educacional atual da criança sobre as percepções familiares em relação à inclusão de seu filho. Os pesquisadores observaram, como nós nesta pesquisa bibliográfica para o trabalho de dissertação, que pais de crianças com determinados tipos de deficiência raramente têm sido solicitados a dar sua opinião acerca dos seus ideais para a intervenção educativa com sua criança. No estudo, foram analisadas percepções familiares de dois grupos de crianças que diferem grandemente na sua sociabilidade, crianças com Autismo e crianças com síndrome de Down. Os pesquisadores escolheram, também, estes grupos diagnósticos, porque ambos têm ativas associações de pais.

Eram dois os objetivos no estudo: primeiro, saber se o diagnóstico e a idade da criança afetariam a forma como os pais percebem os ambientes educacionais inclusivos para seus filhos e, em segundo lugar, estavam interessados no que os pais veem como vantagens da inserção atual da criança e qual encaminhamento eles viam como ideal. Para abordar estes objetivos, foram enviados questionários anonimamente aos pais com base em listas de duas grandes associações de pais. Os pais de crianças com Autismo e com Síndrome de Down, com idades entre 2 e 18 anos, preencheram questionários de pesquisa que continham três seções principais: informação descritiva, atual inserção educacional e programa educacional ideal. Além da identificação do programa ideal, os pais foram convidados a citar

3 Condutas Típicas de Síndromes: designação do atendimento escolar para alunos com “manifestações de comportamento típicas de portadores de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no

relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado”

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suas possíveis vantagens. Entre os participantes, havia 113 pais de crianças com Autismo e 149 pais de crianças com síndrome de Down.

O diagnóstico, então, pode ter importantes implicações para a forma como os pais veem seus filhos e suas experiências educacionais. Dois diferentes pais, um de uma criança com síndrome de Down e outro de uma criança com Autismo, demonstraram ter distintas preocupações com a escola. Enquanto a mãe da criança com síndrome de Down viu o ensino regular como a melhor opção de atendimento para seu filho, a mãe da criança com Autismo estava particularmente interessada no tamanho e estrutura da classe especializada. Embora ambos tenham sido, tradicionalmente, educados em configurações especializadas, a abordagem educativa tende a ser diferente, sobretudo numa fase mais precoce. Às crianças com Autismo, quando encaminhadas precocemente, é dado tratamento educacional intensivo um para um. Crianças com síndrome de Down são tipicamente envolvidas na intervenção precoce muito breve, logo após o nascimento.

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Este importante estudo dos pesquisadores Kasari et al. (1999) resultou em quatro principais conclusões.

A primeira é que o diagnóstico da criança importava para as atitudes parentais frente à educação inclusiva. Os pais de crianças com síndrome de Down queriam a inclusão de seus filhos e eram menos propensos a vir a aceitar a integração como uma opção. Enquanto cerca de um quarto de ambos os pais de crianças com síndrome de Down e Autismo comentou que a inclusão foi ideal, mais da metade dos pais de crianças autistas afirmou que as necessidades atuais do ensino de seus filhos não puderam ser cumpridas em um programa inclusivo. Apenas um quarto dos pais de crianças com Síndrome de Down, no entanto, considerou o mesmo, que as necessidades educacionais não poderiam ser atingidas em uma escola inclusiva.

A segunda conclusão do estudo é que a idade influencia nas percepções parentais da criança. Não surpreende, mas pais das crianças mais jovens foram os mais defensores da inclusão. Estes pais viram a inclusão como a escolha ideal de programa para os seus filhos e celebravam menos a integração como uma opção.

A terceira conclusão é que o atual programa educacional da criança também afetou as percepções familiares. Pais das crianças no ensino especial foram os menos satisfeitos com o atual programa e desejaram mudança. Ainda assim, pais das crianças no ensino especial foram significativamente mais propensos a reconhecer os professores (mas não o currículo) como uma vantagem do seu filho no programa atual. Esses achados sugerem que os pais podem ser mais conflituosos sobre o que é educacionalmente melhor para seus filhos com deficiência: encontrar o melhor nível de formação de professores especializados, currículo apropriado, etc. pode parecer impossível para esses pais em apenas uma sala de aula, seja de ensino especial ou ensino regular.

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Embora realizado em um país diferente, com diferentes condições sociais e culturas diferenciadas, julgamos importante a referência, de maneira mais ampla, a essa pesquisa, pois se assemelha em vários aspectos à nossa investigação, pois analisa as percepções familiares de pais de alunos autistas com relação à inclusão escolar. Pudemos verificar que alguns pensamentos de pais de crianças autistas, por suas particularidades, diferenciam-se da opinião de pais com filhos com Síndrome de Down nesta pesquisa e de pais com outras deficiências nas pesquisas apresentadas anteriormente.

Ainda que seja legalmente e politicamente correta a inclusão escolar das crianças com deficiências, ao longo da trajetória no trabalho com alunos autistas em várias modalidades e, até então, mantendo vínculos de amizade com famílias de alunos mesmo depois da mudança de turma, escola ou modalidade de atendimento, escutou-se, em situação informal, diversas opiniões no que concerne à inclusão.

Os pais que negam, a todo custo, a inclusão de seu filho, muitas vezes justificam sua atitude pelo medo de que o filho sofra discriminações, por acreditarem que as escolas especiais têm atendimentos diversificados que não serão encontrados na escola regular, que os professores de classe comum não têm qualificação, que as escolas não têm estrutura, que as turmas são cheias de alunos e que, portanto, seu filho não receberá atendimento especializado e individualizado, que a inclusão é apenas para o governo “economizar”, pois na educação especial conta-se com um número menor de alunos por professor.

Os que lutam e lutariam com “armas e dentes” pela inclusão escolar argumentam os direitos à igualdade que atribuem a seu filho como a qualquer outra criança, as facilidades quanto à proximidade casa-escola, o direito de seu filho Autista estudar na mesma escola onde o irmão já estuda, a possibilidade de estimulação do desenvolvimento do filho Autista por meio de modelos de comportamentos de crianças “normais”, a importância das relações com elas, dos exemplos que pode seguir.

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Derivou daí nosso problema de pesquisa: investigar as expectativas, os percursos, as concepções e experiências de inclusão escolar de Autistas - prós, contras, vicissitudes, percalços e caminhos, na perspectiva de seus pais.

Optamos por organizar esta pesquisa tendo como base 4 eixos: breve histórico da educação especial, origem e conceituações acerca do Autismo, tanto nas teorias médico-psiquiátricas quanto psicanalíticas, Autismo e família na psicanálise, e inclusão escolar.

Na introdução, a discussão do problema esclarece as principais questões da pesquisa.

No primeiro capítulo, as concepções teóricas são apresentadas e discutidas com base nos eixos já descritos.

No segundo capítulo, o delineamento metodológico da pesquisa, de natureza qualitativa, mostra o caminho trilhado. O capítulo enfatiza os objetivos (geral e específicos), os participantes e o processo de seleção dos mesmos, instrumentos e procedimentos para a construção e análise dos dados, tendo como suporte a perspectiva teórica psicanalítica.

No terceiro capítulo, os dados construídos que compõem o corpus são

analisados e são discutidos os resultados da pesquisa.

As considerações finais, nesta pesquisa denominadas de (in)conclusões, apresentam reflexões e proposições como efeito do trabalho de pesquisa realizado.

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1 O REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Ao discutirmos sobre a educação, principalmente a educação formal de pessoas com Autismo, é interessante fazer uma rápida retrospectiva histórica da atenção social e educacional para com as pessoas com deficiência, tendo em vista que os valores e paradigmas que permeiam a relação da sociedade com este segmento da população têm se modificado num processo contínuo (ARANHA, 2007).

Iniciaremos nossa curta jornada histórica, lembrando do período em que a seleção natural inviabilizava a vida de muitos bebês; quando bebês com várias patologias e alguns tipos de deficiência não conseguiam sobreviver. A seleção natural, explicada pela biologia darwiniana, legitimava a exclusão por processos biológicos. Embora ainda aconteça essa seleção natural, com os avanços dos conhecimentos da medicina, novas tecnologias e intervenções intraútero, grande parte dessas crianças hoje nasce e sobrevive.

A eliminação de crianças mal formadas ou deficientes, após o nascimento, teve lugar em outras épocas e culturas (Atenas e Esparta) onde o corpo perfeito era muito valorizado. “Platão e Aristóteles tinham, com toda clareza, defendido a idéia de eliminar as crianças fracas” (BEYER, 2005, p. 13-14). Na Antiguidade, a deficiência inexistia enquanto problema, pois a atitude adotada era o abandono ao relento, até a morte, das crianças que apresentavam deficiências detectáveis (ARANHA, 2007). A marginalização e segregação reinaram por séculos na era pré-cristã, quando “[...] tendia-se a negligenciar e a maltratar os deficientes” (KIRK; GALLAGHER, 1987, p. 6).

Com o cristianismo, os indivíduos com deficiência passam a ser considerados “pessoas”, adquirem o status humano, possuidoras de alma, filhas de Deus e a

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(ARANHA, 2007, p. 12). Com a evolução da medicina, chegam os primeiros estudos na busca pela compreensão, pela leitura organicista, das deficiências. Os primeiros hospitais psiquiátricos eram locais de confinamento, mais do que tratamento, de pacientes doentes e/ou de pessoas que incomodavam a sociedade. Aquelas com deficiência eram mantidas em instituições residenciais segregadas, distantes de suas famílias. Era instituído o Paradigma da Institucionalização (ARANHA, 2007). Até o final da Idade Média, surgiram abrigos para as pessoas deficientes e, a partir daí, movimentos sociais apontaram a importância da interação com os deficientes.

Após a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, várias pessoas foram mutiladas e, com isso, tornaram-se deficientes. Os heróis de guerra, líderes, militares com alto posto, sofreram mutilações. A sociedade, então, abriu os olhos para a necessidade de convivência com a deficiência e o movimento de defesa dos direitos humanos critica as consequências da institucionalização. Os cidadãos passaram a necessitar de assistência para reassumir suas ocupações. A normalização, ideologia no sentido de garantir às pessoas com deficiência condições de existência mais próximas do normal, deu suporte à desinstitucionalização e ao movimento pela integração social das pessoas com deficiência (ARANHA, 2007). As tentativas de “normalização” baseavam-se na modificação da própria pessoa como requisito ao ingresso participativo na sociedade (SASSAKI, 2003). Foi a instituição do Paradigma de Serviços que se caracterizou, logicamente, pela oferta de serviços a essas pessoas.

Foi um avanço, mas os serviços também eram oferecidos em ambientes segregados. Com a percepção de que a diversidade é uma das características da humanidade, de que o “ser diferente” não decreta a menor valia de uma pessoa, e de que não se habilita alguém para a integração social em uma vivência segregada, a normalização foi perdendo força.

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e independência na administração e no gerenciamento de sua própria vida, em ambiente o menos restritivo possível” (ARANHA, 2007, p. 16).

Mas, no que diz respeito à escola, nunca houve escola para todos! “Escola e educação formal sempre foram um privilégio para poucos, um privilégio dos poderosos [...]” (BEYER, 2005, p. 12). Não só a deficiência, mas vários outros atributos, características e comportamentos já serviram para a separação e discriminação: credo, condição financeira, gênero, etnia,...

Na educação, a história das pessoas com deficiência também passou por fases. Na fase da exclusão, a escola simplesmente ignorava, rejeitava, não provia assistência alguma a essas pessoas. O mesmo acontecia com outros serviços por parte da sociedade (SASSAKI, 2003). As crianças com deficiência eram consideradas “não educáveis”.

Seguiu-se a fase de segregação institucional, quando as pessoas com deficiência foram afastadas da sociedade e mesmo de suas famílias, para serem atendidas em instituições, na maioria, religiosas. Algumas passaram toda a vida nas instituições. “Surgiram, também, escolas especiais, assim como centros de reabilitação e oficinas protegidas de trabalho [...]” (SASSAKI, 2003, p. 112). Era o começo de uma crença na possibilidade de escolarização e na capacidade produtiva, laboral, dessas pessoas. “As escolas especiais, portanto, não eram, como alguns pensam, escolas „segregadoras‟, pelo contrário, integraram pela primeira vez as crianças com deficiência no sistema escolar” (BEYER, 2005, p. 14).

Na fase de integração, foram criadas as Classes Especiais, turmas com profissionais e atendimento escolar especializados para os alunos com deficiência, no espaço da escola comum. Nesta fase, a psicometria foi muito utilizada, sobretudo os testes de inteligência, para selecionar os alunos com potencial para aprendizagem acadêmica (SASSAKI, 2003). Aqueles alunos que mostrassem desempenho e condições comportamentais e de autocuidados suficientes, poderiam ser, então, encaminhados à classe comum.

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208, garante “[...] atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988). Documentos internacionais consagram o ideal da igualdade de oportunidades (Programa Mundial de Ação Relativo às Pessoas com Deficiência - 1983) e do direito da pessoa com deficiência à educação comum (Declaração Mundial de Educação para Todos – 1990, Declaração de Salamanca – 1994; Normas de Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência - 1996) (SASSAKI, 2003).

Pensamos que seja necessário o diálogo na sociedade para a aprovação de políticas públicas mais adequadas, mais realísticas, levando-se em conta a estrutura educacional brasileira (ou a falta dela), com seus investimentos, seus professores, suas barreiras arquitetônicas, enfim, com base em realidades nacionais, apoiadas não apenas no compromisso ético/moral/social de cumprimento de ações definidas internacionalmente em documentos, como Declaração de Cuenca, Declaração de Sunderberg, Declaração Mundial sobre Educação para Todos, dentre outros (CARVALHO, 1997), e a atual Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2007), convenção internacional ratificada em 2008 pelo Brasil, com valor constitucional.

Na perspectiva teórica psicanalítica, utilizada no presente estudo, Voltolini (2004) afirma que o discurso jurídico trabalha com categorias cujas definições não são as mesmas que as do discurso científico, pois designa a parcela da população que deve ser compreendida nos limites de cada categoria e prescreve um encaminhamento para os já categorizados. Por exemplo, fala-se, na maioria das leis, em crianças com necessidades educacionais especiais, e não em psicóticos, autistas, cegos, surdos, etc., tratando não da prática, mas da teorização, do funcionamento que os “[...] diversos discursos (científico, religioso, político, etc.) atribuem a estas crianças”, ou seja, “[...] agrega sem se preocupar com a heterogeneidade do que agrega” (VOLTOLINI, 2004, p. 94). Seu princípio é, por definição, homogeneizante, enquanto a psicanálise pressupõe o profundo estudo do sujeito, da diferenciação, da individualidade de cada subjetividade.

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[...] desenvolvem a apreciação pela diversidade individual; adquirem experiência direta com a variação natural das capacidades humanas; demonstram crescente responsabilidade e melhora da aprendizagem através do ensino entre os alunos; estão melhor preparados para a vida adulta em uma sociedade diversificada através da educação em salas de aula diversificadas; frequentemente experienciam apoio acadêmico adicional da parte do pessoal de educação especial; podem participar como aprendizes sob condições instrucionais diversificadas (aprendizado cooperativo, uso de tecnologia baseada em centros de aprendizagem etc.) (SASSAKI, 2003, p. 124).

Importante apontar, neste momento, que pontos de vista diversos concebem diferentes estratégias para a inclusão escolar. Carvalho (2004, p.14) percebe “conotações diferenciadas e, por vezes, contraditórias” acerca de propostas de educação inclusiva. Ilustrando, há o pensamento filosófico que defende a inclusão com a inserção de todos os alunos na escola regular, com o consequente fim das escolas e classes especiais, tido como inclusão plena, total e irrestrita, onde toda escola deve estar pronta a atender bem a todos os alunos. Sassaki (2003), Mazzotta (2001) e Mantoan (2006) são representantes defensores desta posição. O professor deve ser especialista em aluno, não em determinados grupos categorizados por patologias.

Há, também, a corrente que lida com a inclusão de forma a pensar em desigualdades de condições para igualar oportunidades, atendendo a cada qual em sua necessidade, o que implica em uma avaliação caso a caso para a proposta do melhor tipo de atendimento escolar para cada aluno (OMOTE, 1999; MRECH, 2001; FUCHS et al., 1995; apud TESSARO, 2005).

Carvalho (2004) aponta que “[...] o objeto de desejo dos diferentes estudiosos e ativistas em prol da educação inclusiva é o mesmo – uma escola ressignificada em suas funções políticas e sociais e em suas práticas pedagógicas para garantir a aprendizagem e a participação de qualquer aprendiz” (CARVALHO, 2004, p. 16). Mantoan (2006, p. 27) concorda que “[...] tanto as escolas especiais quanto as comuns precisam se reorganizar e melhorar o atendimento que dispensam a seus alunos”. Aliás, muitas delas já modificaram suas práticas pedagógicas. Carvalho, (2004, p. 17), em particular, procura defender a educação inclusiva como “[...] reestruturação das escolas (mesmo as especiais), de modo a que atendam às necessidades de todas as crianças que delas necessitarem”.

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pode desconsiderar as dificuldades, a realidade nacional e a realidade individual de cada ser humano. Haveria uma negação da diferença que a mascara? É necessário ouvir as partes, os interessados, os familiares! Perceber, analisar, refletir,... Este é o ponto de vista do qual partilhamos, visto que trataremos neste estudo de um sujeito único, com sua subjetividade, seu modo particular de estar no mundo, e consideraremos a inclusão como um processo e não um fim em si mesmo. Somos diferentes e a diferença está na gênese do processo de humanização, na condição de humanidade. Não podemos perder a clareza a esse respeito.

Voltolini (2006) discute a educação inclusiva analisando os argumentos tanto daqueles que se posicionam contra a política de educação inclusiva, respaldando-se no paradigma “para pessoas diferentes, tratamentos diferentes”, quanto daqueles favoráveis à inclusão onde a exclusão é o fator a ser eliminado. Embora o ensino especial seja, muitas vezes, marcado pelo reducionismo tecnicista ao acentuar a intervenção, o tratamento, a técnica que valoriza a função lesada, o modelo médico da deficiência, dando maior importância ao diagnóstico, a inclusão posta apenas “alarga a borda” entre os que estão dentro e fora do sistema escolar regular, acolhendo, abarcando os agora rotulados de “incluídos”. No entanto, a cura, para a psicanálise, está em ajudar o sujeito a não sofrer e pauta-se no respeito às diferenças singulares e não no funcionamento esperado de cada criança, pela sociedade.

Beyer (2005) diz que, por melhor que seja a atuação do professor, a “qualidade pedagógica” não dará conta de toda a demanda que os alunos apresentam em sua aprendizagem! Em alguns casos, uma pedagogia diferenciada poderia atender a algumas necessidades especiais. O autor enfatiza que a responsabilidade de uma escola inclusiva engloba os próprios alunos, professores, equipes pedagógicas, funcionários e gestores do projeto político-pedagógico. Reforçando a ideia de que toda a comunidade escolar participa do processo inclusivo, Beyer complementa:

[...] Se não houver o comprometimento, a disposição, a convicção dos sujeitos participantes, pais, professores e gestores, de que a educação inclusiva é o melhor caminho para uma inclusão social mais efetiva das crianças com deficiência, com o esforço e o sacrifício compartilhado entre cada um desses agentes, tal projeto fracassará [...] (BEYER, 2005, p. 63).

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década de 90 do século XX e culminou com medidas nas políticas educacionais brasileiras (BEYER, 2005, p. 7). Destacamos aqui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de Nº 9.394 de 1996, que diz do atendimento educacional especial preferencialmente nas escolas comuns (e complementada no Decreto Nº 6.571, de 17 de setembro de 2008 que dispõe sobre o atendimento educacional especializado) e a Resolução 02/2001, do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica, que trata da educação especial na educação básica. Destacamos, também, que muitos alunos com distúrbios de aprendizagem não são alunos com deficiência, mas exigem recursos educacionais diferenciados, mesmo que por um período curto ou descontínuo no processo educacional (CARVALHO, 2000).

Cabe observar, com as palavras de Beyer, uma grande diferença no surgimento da educação inclusiva no Brasil que, diferente de outros países, não teve início a partir de mobilização popular de pais. Beyer (2005) enfatiza:

[...] A particularidade da experiência brasileira da integração ou inclusão escolar reside no fato de que sua história não se assentou sobre a iniciativa dos pais, familiares e escolas, porém foi articulada por estudiosos da área e técnicos de secretarias. [...] Resultado? Encontramo-nos numa situação histórica de muita sensibilidade e vulnerabilidade no que tange ao projeto de educação inclusiva. A sensação é de descompasso entre o surgimento e a formalização da política educacional nacional para os alunos ditos com necessidades educacionais especiais e a realidade educacional brasileira (BEYER, 2005, p. 8).

Segundo sua reflexão, talvez por isso, no Brasil, o discurso não corresponda, muitas vezes, à prática. Apesar das excelentes legislações, ações deixam a desejar. A educação inclusiva tem sido adaptada de outras realidades e não construída a partir da prática e da dinâmica de relações sociais. É possível imaginar que a prática seria diferente caso essa história tivesse sido iniciada de maneira diferente. Mas, de fato, haveria uma equivalência perfeita entre discurso e prática? Ou seria da ordem do impossível uma correspondência linear entre o discurso, o pensamento e as ações?

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as modalidades de ensino, escolas e classes especiais, além do sistema inclusivo, conforme já citado, sendo que diversas modalidades inexistem em outros Estados.

Percebemos, historicamente, os avanços rumo à inclusão, mas notamos, ainda, um sistema escolar que não garantiu aos alunos seu investimento no desenvolvimento potencial. Mesmo não havendo desenvolvimento pleno, ideal, de todas as potencialidades, há que se desenvolver algo de sua autonomia para o exercício da cidadania. O trabalho deve visar o desenvolvimento de aspectos cognitivos, motores, linguísticos e afetivo-emocionais, fala Carvalho (2000) a respeito das ações de apoio escolar.

Para Ferreira e Ferreira (2004), a escola não conseguiu acabar com o fracasso escolar de um número significativo de alunos “tradicionais”, mesmo com todas as políticas e programas gerados, ou seja, ainda hoje não sabe bem como ensinar a seus alunos. Então, esperar que os alunos com deficiência sejam absorvidos pelo sistema regular de ensino, que não tem dado conta, sequer, das crianças comuns, é pretender uma solução ilusória para a questão.

[...] Assim, vivemos um momento na educação em que coexistem a incapacidade da escola para ensinar todos os seus alunos e a presença de fato de alunos com deficiência, que são estranhos para ela. Tão estranhos que ela parece resistir em reconhecê-los como seus alunos, em desenvolver sua formação, em reconhecer um processo educativo para eles. Parece prevalecer no conjunto da cultura escolar a concepção de que o lugar da pessoa com deficiência é fora da escola regular [...] (FERREIRA; FERREIRA, 2004, p. 37).

A prática da inclusão social depende de princípios até então incomuns: aceitação das diferenças, valorização de cada sujeito, convivência na diversidade, aprendizagem através da cooperação (SASSAKI, 2003). Portanto, em nossa sociedade, seria possível articular, de modo menos divergente, discurso e prática? Caso a iniciativa partisse dos pais, das escolas, teria sido diferente o processo? Com solidez nos planos educacionais, estaríamos mais adiante na construção de uma sociedade transformada no ambiente e na mentalidade, uma sociedade inclusiva? Ou a transição da integração à inclusão é da ordem de um real que não se deixa apreender? São questões pertinentes e para as quais as respostas não estão prontas.

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Estudos (GUARESCHI, 2006; ALVES, 2005; MARTINS, 2007) com o interesse voltado para a inclusão escolar e o Autismo, apontam resultados que mostram que a inclusão na escola enfatiza mais a socialização desses alunos em detrimento das aquisições de conteúdos propriamente escolares.

No que tange especificamente ao Autismo, em estudos feitos sobre seu desenvolvimento, aprendizagem e processo de inclusão escolar, Guareschi (2006) estudou as representações sociais de professores acerca da aprendizagem de alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento, dentre eles o Autismo. Em seu trabalho, mostrou que a maior parte dos professores vê a socialização como o objetivo principal da escolarização desses alunos e revelou, também, que as representações sociais apontam para a direção da ordem de uma incapacidade de aprender que influencia no processo ensino-aprendizagem. Alves (2005) também deu ênfase às representações sociais de professores sobre a inclusão desses alunos e revela o desconhecimento dos professores sobre Autismo, bem como o despreparo em que se encontram para trabalhar com a inclusão desses alunos que supostamente não aprendem, corroborando a pesquisa de Guareschi. Martins (2007), por sua vez, investigou, além das concepções, as práticas pedagógicas de professores com alunos autistas incluídos em suas turmas regulares. Na pesquisa, apesar de os professores terem adequada formação acadêmica e, em sua grande maioria, utilizarem adequação pedagógica curricular, os resultados apontaram a socialização e a democratização do ensino como principais justificativas para a inclusão dos alunos autistas.

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inquestionáveis [...]” (PRIETO, 2006, p. 33), pois as mudanças de paradigmas e das práticas escolares podem ser construídas.

Há, portanto, necessidade de mudanças na representação social da escola para efetivar seu caráter inclusivo. Essas mudanças de representações e concepções são necessárias, tanto no plano teórico quanto no prático-profissional e no ideológico sobre o objeto de atuação profissional, pois as representações orientam as ações (MITJÁNS MARTINEZ, 2005). Exemplo disto é um estudo de caso, onde Lira (2005) revelou que a forma como a professora de Educação Especial (em classe especial) concebia seus alunos determinava suas práticas e atitudes em relação aos mesmos. No caso em estudo, uma concepção assistencialista e protecionista expressava-se com o oferecimento de tarefas infantilizadas, o que limitava as ações colaborando para o desenvolvimento de relações de dependência dos alunos autistas.

Dentre as pesquisas no referencial teórico da psicanálise, Pretto (2003) observou, no espaço escolar, o processo de inclusão de crianças com deficiência em escola de ensino regular, buscando as razões da aceitação ou não, da inclusão ou não dessas crianças nas escolas. Ela abordou a inclusão na perspectiva da Psicologia e da psicanálise, nos referenciais teóricos de Vygotski e de Mannoni. Pretto concluiu que a compreensão dos processos inconscientes, presentes na exclusão, que o olhar psicanalítico proporciona, é fundamental para que a mudança nas concepções existentes sobre o processo de ensino-aprendizagem aconteça e fortaleça a ideia de que a inclusão é possível.

Sabemos que a escola é o local privilegiado de desenvolvimento e de aprendizado, para além de aquisições puramente escolares, com objetivos muito mais amplos, sobretudo no que diz respeito à subjetividade de cada ser. Porém, a intencionalidade educativa ainda encontra-se perdida neste caminho do processo inclusivo. E inclusão não é, a nosso ver, o simples fazer parte, estar na escola. Retomando Carvalho,

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Os enfoques e teorias que relevam os contextos sociais e relacionais como constituintes do sujeito veem o espaço escolar como altamente significativo para o desenvolvimento.

[...] Enxergar a escola, não como um espaço social que apenas favorece ou desfavorece algo potencial que o indivíduo tem como inerente, mas como um dos espaços sociais de sua constituição, permite valorizar de forma diferente as possibilidades de ações intencionais direcionadas a contribuir para que esse espaço possa brindar possibilidades reais de aprendizagem e desenvolvimento para todos os sujeitos [...] (MITJÁNS MARTINEZ, 2005, p. 103).

Bernardino (2007), revisando as conexões entre psicanálise e educação, relembra as relações estreitas entre os professores e as figuras parentais apontadas por Freud, em 1914, que pontua, em 1932, as diferenças entre análise e trabalho educativo, diferenças tão bem discutidas por Catherine Millot (1987) em “Freud Antipedagogo”. Para Millot, ao se dirigir ao Eu, o pedagogo está atingindo o Inconsciente da criança com o que está no seu Inconsciente. A possibilidade de domínio do Eu na relação do adulto com a criança é ilusória, pois não se submete o Inconsciente; ele, sim, nos sujeita. Afirma que pode ser desejável que o educador faça análise pessoal contra as tentativas de modelar a criança em função dos ideais do educador. Para ela, não há aplicação possível da psicanálise à educação, não há pedagogia analítica. Não se pode ocupar o lugar de educador e analista. A contribuição da psicanálise à educação consistiria na descoberta do caráter repressivo primordial da educação e da sua necessidade absoluta, podendo, o pedagogo, aprender a pôr limites à sua ação desprendendo-se do narcisismo. Apenas assim a análise poderia interessar à educação.

Em seu artigo, porém, Bernardino faz referência a Kupfer, que ressalta a importância da transferência na relação professor/aluno. Em “Educação para o futuro”, Kupfer (2001) demonstra a possibilidade de conexão entre Psicanálise e Educação, sobretudo no campo de distúrbios graves de desenvolvimento ou crianças com problemas na estruturação subjetiva.

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interrogando-se sobre o deinterrogando-sejo de saber do aluno em sua relação com o deinterrogando-sejo de ensinar do professor” (ALMEIDA, 2001, p. 2).

Tanto Almeida quanto Kupfer, além de outros psicanalistas como Lajonquière (1999), tomam uma posição oposta à de Millot (1987), pois, para eles, o conceito de Educação é mais amplo, não está unicamente ligado aos aspectos pedagógicos, mas a pensar o sujeito social, a inserção da criança no mundo da linguagem, da cultura.

Considerando as polêmicas em torno da inclusão, Almeida (2006, p. 2) reflete acerca das supostas “[...] rupturas nas estruturas e nos modos de funcionamento das instituições [...]”, que trazem consigo dúvidas quanto à reestruturação da escola inclusiva. Os discursos continuam chamando atenção às diferenças do outro, no sentido de acolhimento e respeito às suas singularidades. Mas o cotidiano das escolas parece, muitas vezes, opor-se a esse ideal. Para a autora, do ponto de vista político, a proposta de inclusão escolar “nada tem de inovadora e muito menos de revolucionária – trata-se tão somente de uma proposta reformista, como, aliás, tantas outras que a precederam” (ALMEIDA, 2006, p. 3). Entre tantas questões delicadas postas à reflexão, observa a produção de um discurso político-social sobre o respeito à diversidade, à diferença e à retidão de uma prática social inclusiva. Analisa que, “[...] desde a perspectiva da ética do sujeito, [...] essa formação discursiva se presta [...] a justificar ou a reparar dívidas” tanto simbólicas quanto reais, “com os excluídos do campo do Outro, da linguagem e da cultura” (ALMEIDA, 2006, p. 6). Conclui o artigo desafiando-nos, a todos, a lidar com o real da diferença, que não pode ser “apagada” sob o véu da inclusão.

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mental, mas é como se fosse normal” (MENA, 2000, p. 32). Nos três casos, pensam evitar o preconceito acabando com as diferenças.

Diante da complexidade que envolve o Autismo, como a escola atual, com todo esse excesso de idealização e defesas, pode promover a inclusão desses alunos?

Tendo como foco deste estudo a inclusão escolar das pessoas autistas, faremos uma visita histórica ao conceito de Autismo, sua evolução e características, citando, ainda, os critérios diagnósticos para este Transtorno Global do Desenvolvimento, no meio médico, e as reflexões da psicanálise acerca destes critérios.

1.2 O AUTISMO: PERSPECTIVAS E CONCEPÇÕES MÉDICO-PSIQUIÁTRICAS E

PSICANALÍTICAS

Gauderer (1993) apresenta uma revisão interessante da evolução histórica do conceito e tomaremos, então, como parâmetro, várias de suas colocações. Ao rever historicamente o Autismo, o autor cita marcos desde 1906, quando Plouller introduziu o adjetivo autista na literatura psiquiátrica. Naquela época, Plouller

estudava o processo do pensamento de pacientes que faziam referências ao mundo a partir de si mesmos, num movimento de egocentrismo exacerbado, num processo considerado psicótico. Depois, o próprio Plouller mudou para esquizofrenia o diagnóstico de pessoas com estas características, que tinham até então, o diagnóstico de demência precoce.

Observa-se o crédito da nomenclatura a Bleuler, nos anos de 1907 e 1911, em várias publicações (ROCHA, 1997; CAVALCANTI; ROCHA, 2002; TAFURI, 2003; RIBEIRO, 2005), por ter sido ele o responsável pela difusão do termo autismo (SALLE et al., 2002).

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Contact - Distúrbio Autístico do Contato Afetivo, descrevendo a qualidade de

relacionamento destas crianças que apresentavam “um alheamento extremo já ao início de suas vidas, não respondendo aos estímulos externos e vivendo „fora do mundo‟. Concomitantemente, mantinham uma relação „inteligente‟ com os objetos que, entretanto, não alterava seu isolamento [...]” (SCHWARTZMAN, 1994, p. 3). Esta caracterização feita por Schwartzman apresenta a diferença relacional do autista com as pessoas, expressando um afastamento, uma ausência, uma baixa qualidade das interações sociais, com poucas exposições de seus sentimentos; e do autista com objetos, quando muitos mostravam extrema habilidade e facilidade em lidar com quebra-cabeças, empilhagem, enfileiramento, jogos e equipamentos eletrônicos, podendo passar horas concentrado no objeto.

Retomando a explanação histórica de Gauderer (1993, p. 25),

[...] em um período de dois anos, Kanner criou o substantivo e passou a falar em Autismo primário (aquele que ocorre desde o nascimento) e secundário (aquele que se manifesta após alguns anos). Durante algum tempo chegou-se inclusive a chamar esta entidade de Síndrome de Kanner, em sua homenagem. É interessante se destacar a seriedade, honestidade e principalmente a flexibilidade deste homem. Ele considerou, a princípio, a causa desta entidade como física, depois psicológica e, posteriormente, novamente física, sempre deixando bem claro que isto era resultado de teorias e que, como tal, podem mudar. E mudam. Este fato revela e reforça a tese de como é forte e significante a formação teórica do profissional. Kanner era, inicialmente, pediatra, isto é, tinha formação organicista. Depois tornou-se psiquiatra, ou seja, interessando-se pela área psicológica [...].

Anos mais tarde, diversos autores passaram a descrever as crianças segundo suas visões teórico-profissionais, enumerando os aspectos que a eles pareciam mais marcantes. Entre eles, Bender (1947 apud GAUDERER, 1993) usou o termo “esquizofrenia infantil”. Bender e outros estudiosos consideravam o Autismo como a forma mais precoce de esquizofrenia. Autismo seria somente uma manifestação, na infância, da esquizofrenia, e no futuro seria a mesma do adulto.

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Rank (1949 apud GAUDERER, 1993) descreveu as crianças autistas como tendo um “desenvolvimento atípico do ego”. Rank desenvolveu, também, uma tese em que a angústia do parto, do momento do nascimento, era o protótipo de outras angústias. Freud se opôs a esta tese (CRESPIN, 2007).

Os termos “pseudo-retardo ou pseudodeficiente” foram, também, usados por Bender (1956 apud GAUDERER, 1993) devido ao fato destas crianças funcionarem em nível de retardo ou deficiência. Era uma tentativa de diagnóstico diferencial entre retardo mental e Autismo, pois a maioria dos autistas não consegue realizar tarefas sociais normais de acordo com a idade e não desenvolve linguagem adequada. Pensava-se, neste referencial teórico, que o retardo era apenas aparente, uma espécie de artifício, já que não era possível testar a capacidade intelectual destas crianças e, portanto, não se podia afirmar tal retardo.

Outros termos foram também introduzidos por Rutter (1963 apud GAUDERER, 1993) como psicose infantil, psicose da criança e psicose de início precoce. Todas estas denominações, quando usadas para crianças com início de sintomas antes de 36 meses de idade, eram sinônimas de Autismo.

O ecletismo entrou em cena quando se tentou integrar várias noções que haviam sido estabelecidas em relação à etiologia da entidade.

[...] Goldfarb, em 1961, descreveu crianças que estariam num contínuo de esquizofrenia infantil tipo não orgânico, tentando assim reunir a visão organicista com a psicológica. Finalmente, surgiram os trabalhos que passaram a estudar áreas as mais diversas, como cognição e linguagem (Aguria-Guerra [sic] e Rutter, em 1966), que culminaram com as publicações de Ornitz e Ritvo, 1976. Estes esmiuçaram as áreas clínica, neurofisiológica, bioquímica e genética numa tentativa de integrá-las [...] (GAUDERER, 1993, p. 25).

Ainda nesta revisão histórica do conceito de Autismo, Ritvo, em 1976, fala em um problema de desenvolvimento frisando que muitos estudos já referiam que as crianças autistas eram possuidoras de déficits cognitivos e define o Autismo não só pelas características comportamentais, mas a partir da idade de aparecimento (já ao nascimento). Ele considera o Autismo, então, não como psicose, mas sim como distúrbio do desenvolvimento (ASSUMPÇÃO JÚNIOR, 2002).

Gauderer (1993) refere que outros autores, como Wing, (1993) postulam uma espécie de continuum que se estenderia das formas infantis de esquizofrenia às

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como aspecto sintomatológico, não como entidade única, mas como um grupo de patologias que variam no grau de comprometimento (ASSUMPÇÃO JÚNIOR, 2002).

Para Rossi, Carvalho e Almeida (2007, p. 311), o Autismo é “[...] uma síndrome invasiva, persistente e altamente comprometedora do desenvolvimento da criança, afetando-a de maneira generalizada”. Elas referem que, nos casos atendidos por Kanner, havia uma significativa multiplicidade sintomatológica, o que desafiava a compreensão da síndrome. Devido a essa diversidade de sintomas, presença ou não de comorbidades e variação no grau de comprometimento, surgiu a expressão “perturbações do espectro do Autismo, cunhada por Lorna Wing” (ROSSI;

CARVALHO; ALMEIDA, 2007, p. 312).

Revendo detalhadamente a história, pode-se observar diversos modos de pensar diferenciados sobre esse mesmo objeto de estudo. Cada teórico analisa a questão segundo sua concepção. Considera-se a análise da questão sob vários pontos de vista, o que é importante e natural quando se estuda algo novo. Gauderer (1993, p. 25) ilustra estas diferenças muito bem quando cita:

[...] Esta evolução lembra a história dos cegos que se propuseram a descrever um elefante. Cada um na sua cegueira tocou, apalpou uma parte do animal. No final se puseram a descrevê-lo. Obviamente, visões diversas e consequentemente contraditórias e nunca abrangentes, mas cada um absolutamente seguro de sua verdade [...].

Considerando a ausência de um marcador biológico que facilite o diagnóstico e considerando ainda a diversidade de características que cada sujeito pode apresentar, a comunidade médico-científica tenta, com todo esforço, reunir sintomas e comportamentos da criança para padronizá-los de maneira compreensível, a fim de universalizar a linguagem acerca de Autismo, visando uma classificação nosológica com base na observação e classificação do comportamento objetivo.

A Associação Psiquiátrica Americana (APA), por meio do Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), com a Classificação Internacional de Doenças (CID), estão cada vez mais próximas de uma linguagem comum no que diz respeito ao Autismo e suas características.

Referências

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